O documento discute o papel da Igreja Católica na filosofia, especialmente no pensamento de Tomás de Aquino. A Igreja busca preservar o espírito filosófico tomista para dialogar com as ciências modernas sem abandonar a fé. A separação da fé e razão foi um erro que a Igreja tenta corrigir, promovendo uma filosofia cristã que complemente a teologia.
A competência da santa sé em matéria de filosofia está ligada a missão apostólica (2)
1. A competência da Santa Sé em matéria de filosofia ligada à missão apostólica
Tiago Ferreira De Jesus
No presente artigo, procuraremos desenvolver em suas linhas gerais o papel da Santa
Sé ou do Magistério em matéria filosófica que está intrinsicamente ligada a tradição
apostólica. Perpassaremos tanto pela relação de fé e razão como também pelo verdadeiro
sentido do “filosofar na fé” que os teólogos e filósofos Cristãos devem exercer; com espírito
Tomista. Os textos básicos do nosso artigo serão: O filósofo e a Teologia De ÉTIENNE
GILSON e a Carta Encíclica “FIDES ET RATIO” De JOÃO PAULO II.
Étienne Gilson, Filósofo historiador, nasceu em 1884, em Paris. É considerado, por
muitos merecidamente com o titulo de: o maior medievalista do século XX quer pela sua
proveitosa produção, quer pela originalidade das teses, e claro pela inteligência com que as
defendeu. Gilson começou suas pesquisas sendo um dedicado leitor da filosofia moderna.
Durante sua longa trajetória publicou algumas das mais influentes obras do pensamento
cristão contemporâneo, no entanto, se destaca por ter retomado o legado de Tomás de Aquino.
Este foi um celebre filósofo e teólogo cristão do século
XVIII,
uns dos maiores pensadores de
todos os tempos, conhecido como expoente máximo entre os escolásticos, verdadeiro gênio
metafisico, criou sua própria filosofia – o Tomismo, conforme afirma D. Odilão Moura O.S.B
“há realmente uma original e verdadeira filosofia de S. Tomás – o Tomismo (...) não se pode
deixar de reconhecer que S. Tomás seguiu a trilhas de Aristóteles, mas ele reformulou de
modo os ensinamentos do Estagerista, que arquitetou uma outra filosofia”. [1]. Não tem
como falar da filosofia cristã sem tocar na doutrina de S. Tomás, ele que teve o grande mérito
estabelecer a harmonia existente entre fé e razão. Mas afinal qual a importância e a
preocupação que a Igreja Católica tem em preservar esse espírito de filosofar Tomista no
campo da Filosofia?
De fato, a missão de ensinar a verdade revelada, que é Cristo, é de total
responsabilidade da Igreja. Porém, “a Igreja não propõe uma filosofia própria, nem canoniza
uma das correntes filosóficas em detrimento de outras”.[2]. Quanto à “filosofia cristã” Gilson
diz “sempre será associada à autoridade docente da Igreja. Ela o será no mais alto grau,
pois a filosofia foi frequentemente uma fonte de erros. E contra „as vãs e enganosas
especulações da filosofia‟ (Colossenses 2,8) que os apóstolos advertiram seus fiés...”.[3]. A
filosofia complementa a teologia numa recíproca união para a missão da Igreja. A teologia
sempre esteve preocupada com a verdade revelada, porém, não se trata aqui de estar dotada
2. em si mesmo, como a filosofia, São Tomás reconhece que a razão da natureza, objeto próprio
da filosofia, pode contribuir para a compreensão da revelação divina. Portanto, podemos
concluir que a fé não teme a razão, mas solicita-a, aperfeiçoa-a e confia nela. E é apartir, deste
vinculo que a Igreja procurar conservar o pensamento aristotélico-tomista; e ela confia-a nos
seus novos estudiosos e ordenados para que estejam preparados a encarar e dialogar com os
avanços das ciências modernas sem deixar de lado, a fé.
A filosofia do ser é a filosofia da verdade e S. Tomás “amou desinteressadamente a
verdade”. Ele faz a defesa de sua doutrina, utilizando a filosofia como um instrumento
insubstituível para que a teologia possa constituir-se como verdadeira e autêntica ciência. João
Paulo II vê em S. Tomás o futuro da Igreja “nele, o magistério da igreja viu e apreciou a
paixão pela verdade; o seu pensamento (...), atingiu „alturas que a inteligência humana
jamais poderia ter pensado‟. É, pois, com razão que S. Tomás pode ser definido „apostolo da
verdade‟. Porque se consagrou sem reservas á verdade, no seu realismo soube reconhecer a
sua objetividade. A sua filosofia é verdadeiramente a filosofia do ser, e não do simples
aparecer”. [4]. Também, em meados Século XX, Papa Leão XIII em sua comentada e famosa
encíclica Aeterni Patris; pedia as escolas católicas para orientar seus ensinos filosóficos e
teológicos de acordo com a Doutrina de S. Tomás. No entanto, ele não foi bem compreendido
pelos filósofos cristãos daquela época, que buscavam na carta instruções relativas à forma de
filosofar e, por fim, acabaram fazendo diversas leituras distorcidas da encíclica. Por outro
lado, é preciso compreender que os filósofos cristãos daquela época, não faziam das encíclicas
pontifícias uma leitura habitual. Para Gilson, o erro está na falta de um curso teologia para
esses filósofos, e sugere que “seria útil aos filósofos cristãos freqüentar por algum tempo
uma escola de aperfeiçoamento, uma finishing school „escola de acabamento‟ (...), onde se
ensinaria a arte de ler uma encíclica pontifícia”. (GILSON,2009,p.185). Com efeito, se
aplicasse nas faculdades o ensino verdadeiro e real da filosofia do ser, faria de hoje os meros
filósofos cristãos em futuro grandes filósofos e teólogos da Igreja, assim como foi S. Tomás
de Aquino.
A partir desses erros gravíssimos de ler textos religiosos com fins filosóficos e não
teológicos, outros, fatores sociais e culturais contribuíram para o drama da separação da fé e
razão. Principalmente, com o pensamento moderno racionalista. Tudo aquilo que o
pensamento patrístico e medieval tinha formulado, foi realmente destruído pelos sistemas que
acolheram a causa de um conhecimento puramente racional, e por alguns pensadores
totalmente racionalistas que radicalizaram as posições da verdade, chegando a uma filosofia
3. separada e absolutamente autônoma dos conteúdos da fé, separando assim a fé da razão
filosófica. Hoje, na contemporaneidade a Igreja, tenta recuperar e juntar os “estilhaços” dessa
lastimável separação.
João Paulo II, ao falar dos grandes teólogos cristãos que se distinguiram também como
grandes filósofos, tanto no passado com os Padres da Igreja, como também os pensadores
mais recentes dentre eles Ètienne Gilson, Antonio Rosmini, Edith Stein. Ele faz um apelo “Ao
referir estes autores, ao lado dos quais outros nomes poderiam ser citados, não tenciono
obviamente dar aval a todos os aspectos do seu pensamento, mas apenas propô-los como
exemplos significativos de um caminho de pesquisa filosófica que tirou notáveis vantagens da
sua confrontação com os dados da fé”. Mais adiante conclui, “Espera-se que essa grande
tradição esta grande tradição filosófica-teológica encontre hoje e no futuro, os seus
continuadores e estudiosos para o bem da Igreja e da humanidade”.[5]. O estudo da filosofia
reveste um caráter fundamental e indispensável na estruturação dos estudos teológicos e na
formação dos candidatos ao sacerdócio, pois, estão nas mãos deles o futuro da filosofia cristã.
Concluamos com uma atual frase do grande filósofo e teólogo, Bento XVI que disse
em uma de suas catequeses: “a característica essencial de um grande teólogo é a humildade de
estar com a Igreja, de aceitar as suas e as próprias fraquezas, porque Deus é realmente todo
santo. Nós, ao contrário, temos sempre necessidade do perdão”.[6]. Que a Sede de Sabedoria
seja o porto seguro para quantos consagram sua vida a procura da sabedoria.
[1] Moura, D.Odilão. A Filosofia de S. Tomás de Aquino e as XXIV Teses Tomista.
Disponível em: http://www.santotomas.com.br/p=496.
[2] apud Cf. Pio XII, Carta enc. Humani generis (12 e agosto de 1950): ASS 42 (1950), 566.
[3] Gilson, Étienne. O filósofo e a Teologia. Tradução: Tiago José Risi Leme – Santo André:
Editora Academia Cristã Ltda; São Paulo:. Paulus, 2009. p.189.
[4] Paulo II, João. Carta enc. Fides et Ratio.(14 de setembro de 1988) ASS 44 (1988), p. 49.
[5] ________. Fides et Ratio.(14 de setembro de 1988) ASS 74 (1988), p.78.
[6] Bento XVI. Os Padres da Igreja: de Clemente a Santo Agostinho. São Paulo:. Paulus,
1990, p.289.