O documento discute a importância da entonação na comunicação, explicando que ela classifica as pessoas e mensagens de acordo com fatores como formação, expectativa e memória social. A entonação comanda a ação do corpo e complementa outros aspectos da comunicação, revelando sentimentos e avaliações.
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1. A entonação está muito além das palavras
por Reinaldo Polito
A comunicação inteligente, perspicaz, que dá resultado, não depende apenas de
gestos, vocabulário, gramática, organização das idéias, objetividade e de outros recursos
que, de maneira geral, atraem e estimulam as pessoas a se desenvolver para falar de forma
correta e desembaraçada. Muito mais do que todos esses aspectos você precisa conhecer e
dominar os conceitos que envolvem a entonação. Acompanhe comigo passo a passo tudo o
que precisa saber para usar com propriedade esse recurso e tornar suas apresentações
ainda mais eficientes.
Um aluno contou uma história bastante curiosa: ele estava de férias na Turquia e logo
no primeiro dia de passeio, como curiosidade, entrou numa loja para ver algumas peças
fabricadas na região. Depois de olhar os produtos que estavam expostos perguntou ao
comerciante qual o preço de uma taça de metal. Assim que o comerciante lhe deu a
resposta, ele agradeceu e foi saindo. Pra quê! Disse que foi um alvoroço - o comerciante
encolerizado caminhou em sua direção dirigindo-lhe todos os impropérios. Só depois é que
soube o motivo da indignação daquele homem. Naquela cultura só pergunta o preço de um
produto quem tem interesse em comprar. Se ele julgasse o preço elevado, deveria ter feito
uma contra-oferta revelando quanto tinha intenção de pagar. Se não chegassem a um
acordo, aí sim o "protocolo" comercial teria sido concluído.
Reservadas as proporções todas, é esse mesmo cuidado que devemos ter no nosso
dia-a-dia quando nos comunicamos com alguém. Precisamos levar em conta a formação, o
interesse e a expectativa que esse ouvinte tem com relação a nós, à mensagem e à forma
como ela será transmitida para ele. Por exemplo, no momento em que escrevo este texto
estou também fazendo uma avaliação antecipada da expectativa que você tem com relação
a mim e à matéria que começou a ler. À medida que as idéias vão sendo apresentadas eu as
reconsidero de acordo com os efeitos que suponho, a partir da minha ótica, elas produzirão
em você. Assim, mesmo você não estando presente e, por isso, não podendo conversar
comigo, há esse diálogo constante que vamos mantendo - eu escrevendo o que imagino que
você esteja pretendendo, como se estivéssemos o tempo todo interagindo.
A entonação é classificatória
E aí garotão, tudo bem? Aparentemente, essa frase poderia ser interpretada como um
elogio a uma pessoa mais velha, pois todos nós gostamos de ser vistos como mais jovens.
Entretanto, a expressão "garotão" pode soar como um tratamento pejorativo, indicando não a
idade, mas a inexperiência ou uma posição social inferior, especialmente se for utilizada por
alguém que tenha mais ou menos a mesma idade, ou que seja um pouco mais jovem. E não
é apenas o sentido das palavras que determina a marca classificatória da mensagem, mas
principalmente o tom, a forma como elas são pronunciadas.
A maneira como falamos classifica as pessoas às quais nos dirigimos. Quando você
fala com uma pessoa de baixa formação intelectual observe como a tendência é explicar com
cuidado todas as informações para facilitar o entendimento dela. Essa forma quase didática
de falar, semelhante à que usamos quando conversamos com as crianças, classifica o
ouvinte como alguém despreparado. Ao contrário, quando o ouvinte possui bom preparo, a
comunicação perde essa característica didática e você se expressa sem a preocupação de
explicar detalhadamente o que pretende dizer. Nessa circunstância, você utiliza de maneira
mais acentuada os recursos da ironia e se vale com freqüência da presença de espírito, pois
2. sabe que esse tipo de comunicação é compreendido com facilidade por pessoas com boa
formação.
A importância de você se conscientizar de que a entonação é classificatória está
justificada no risco permanente de que um pequeno deslize na avaliação feita sobre a
formação e as características dos ouvintes pode trazer conseqüências negativas
irreversíveis. Por exemplo, talvez você angariasse a antipatia e a resistência de um grupo se
usasse um tom condescendente afirmando que os ouvintes não precisariam se preocupar
com o entendimento da mensagem porque houve um trabalho intenso no sentido de tornar
as informações mais fáceis de serem compreendidas. Ora, qualquer ouvinte com razoável
formação intelectual se sentiria ofendido com esse tom que o classifica como pessoa
despreparada. O problema se agrava pelo fato de essa avaliação ser feita no instante em
que as palavras são proferidas. Mesmo que você tenha estudado com pormenores e com
bastante antecedência quais as características dos ouvintes, no momento de falar, ao vê-los,
provavelmente usará a entonação de acordo com a classificação que faz das pessoas
naquele momento e não apenas a que havia planejado nos instantes de preparação. Se
errar, poderá prejudicar o resultado da sua comunicação.
Um emaranhado de fatores
Mikhaïl Bakhtin, um dos mais importantes estudiosos da linguagem, afirma que o
fenômeno da entonação se realiza a partir da influência de três fatores:
locutor / autor
ouvinte / leitor
objeto do enunciado
A entonação se dará com a interação desses três componentes no sentido de
determinar a avaliação social da mensagem. Assim, o sentido da informação ocorrerá
quando quem fala ou escreve, quem ouve ou lê e o assunto tratado interagirem.
Há pouco eu dizia a você que nós estávamos interagindo com este texto, eu
escrevendo e imaginando suas expectativas e avaliações e você lendo e identificando
minhas intenções, considerando ainda, obviamente, o assunto que está sendo tratado.
O emaranhado de fatores passa a ser mais complexo ainda se levarmos em conta
que, como alerta Bakhtin, a entonação é lugar de memória acústica social. O que ele
pretende dizer com essa afirmação? Simplesmente que tanto eu como você, isto é, autor e
leitor, fomos nos impregnando de entonações desde os primeiros instantes de nossa
existência. As características das pessoas com as quais convivemos, que por sua vez foram
influenciadas por outras pessoas com as quais conviveram, as músicas que ouvimos, os
cursos que freqüentamos, as imagens que observamos, enfim, toda nossa formação
influenciada durante uma vida toda participa dessa entonação classificando o grupo social a
que pertencemos e nos levando a usar uma forma de comunicar e de receber a mensagem e
de interagir para determinar seu sentido.
Observe o comportamento de uma criança de aproximadamente quatro anos. Já
nessa idade, nos primeiros aninhos de vida, ela aprende a classificar as pessoas e reage de
acordo com as características de cada uma. Com a tia que brinca e conta historinhas, ela se
mostra afável, sorridente e alegre com sua chegada; com a prima ranheta, que disputa seus
brinquedos, ela se mostra resistente e procura se manter distante; com o avô carinhoso e
paciente, ela tanto pode correr para o seu colo, como fazer manha e pleitear presentes
impossíveis. Bem, esse aprendizado social ficará para sempre em sua memória, e quando
estiver na idade adulta suas atitudes ao falar ou ao ouvir serão resultado dessa sua
formação.
Por isso, ao falar, ouvir, escrever e ler a memória social interfere não apenas na
determinação do conteúdo como também na forma como a mensagem é transmitida. Por
3. exemplo, ao ler, ou ouvir, você interpretará se a pessoa que escreve ou fala está sendo
irônica, contundente, séria, brincalhona, pois ao transmitir a mensagem ela dará pistas do
sentido que pretende comunicar.
Você já percebeu que ao falar deverá ter em mente que esse fenômeno da entonação
estará sempre por perto. O resultado será desastroso, por exemplo, se você, que teve uma
excelente formação cultural e conviveu com pessoas bem preparadas e, portanto, se
impregnou dessa marca social, falar com pessoas que não tiveram a mesma formação como
se pudessem perceber com facilidade suas brincadeiras e as sutilezas de sua linguagem.
Nessas circunstâncias, como já vimos, você deverá produzir e comunicar sua mensagem
considerando essa característica diversa dos seus interlocutores. E entender também que a
sua atuação alcançará êxito se souber se comunicar levando em conta as expectativas que
essas pessoas têm com relação ao seu desempenho, ao assunto abordado e à maneira
como ele está sendo tratado.
Comandando a ação do corpo
É por meio da entonação que o corpo, em particular o aparelho fonador, é ativado.
Antes mesmo de as palavras, que irão corporificar as idéias, serem pronunciadas o corpo já
foi despertado e se movimentou. Por causa desse princípio você perceberá com facilidade
que o gesto quase sempre vem antes ou junto com as palavras, não depois. Por esse
motivo, o que é exteriorizado pelo corpo se caracteriza como um prolongamento da
mensagem interior com toda carga de significação que ela possui, com suas avaliações e
classificações e, de forma mais acentuada ainda, a entonação que ela contém.
Especialmente a fisionomia, que é a parte mais expressiva do corpo, pode determinar ou não
a coerência entre a mensagem transmitida pelas palavras e a mensagem comunicada pelo
corpo. Tanto assim que, às vezes, há necessidade de uma certa interpretação para que o
corpo corresponda efetivamente ao sentimento que deveria comunicar. Isto é, a pessoa
interpretar sua própria verdade - sentir e demonstrar o que está sentindo.
Entretanto, pode ocorrer também a simulação desse sentimento. É o caso do
malandro, que, sabendo qual a expectativa que as pessoas têm quando um sentimento
existe, age como se estivesse possuído desse sentimento, demonstrando nos seus gestos,
na sua postura e na comunicação da sua fisionomia um sentimento que não é seu. Mas o
ouvinte, que pela sua memória social aprendeu a identificar a expressão do corpo como uma
espécie de revelação de um sentimento, é enganado na sua avaliação. A mesma análise
serve para a atuação do artista, que demonstra no seu comportamento um sentimento que
não é seu, mas sim da personagem que interpreta.
Influências externas
Galbraith afirma que uma pessoa é avaliada por três fatores essenciais: pela sua
personalidade, pela propriedade que possui e pela organização a que pertence. A partir
desses três fatores o ouvinte irá identificar o nível econômico-cultural-social, a formação, o
poder, a autoridade, enfim, fará uma avaliação de quem é a pessoa. Esse conjunto de
fatores tem extraordinária influência no sentido da mensagem. A mesma mensagem
transmitida da mesma maneira por pessoas com esses três fatores distintos será
interpretada também de maneira totalmente diversa.
Há em São Paulo um tradicional restaurante comandado diretamente por seu proprietário, o
4. conhecido nacionalmente Massimo. Esse tipo carismático e comunicativo tem o hábito de
recepcionar seus clientes ao pé da escada sempre falando muito alto e brincando com eles,
independentemente de serem ministros, artistas consagrados ou um executivo comum. Esse
comportamento é aceito com naturalidade por se tratar dele, uma pessoa respeitada pela sua
personalidade, pela sua propriedade e por ser dono do restaurante, ou seja, pelo papel que
representa na sua organização. A aceitação provavelmente não seria a mesma se essas
mesmas atitudes partissem de um dos garçons. Pela conjugação desses três fatores, a
posição profissional desse garçom não justificaria intimidade com essas personalidades.
A partir da avaliação desses três fatores você poderá saber qual o comportamento e o
tipo de comunicação que deverá manter com as mais diferentes pessoas. Não é raro, por
exemplo, um executivo do escalão médio da empresa fazer uma apresentação para a
diretoria, e, por ter a posse da palavra diante do grupo, julgar que poderá se comportar como
se fosse um de seus amigos íntimos. Essa atitude geralmente é criticada e, por melhor que
tenha sido a apresentação, o resultado para esse executivo, por não ter feito uma avaliação
adequada, provavelmente será negativa.
O uso da língua como atributo
Embora você viva em sociedade, será visto e percebido sempre a partir de sua
individualidade. Por exemplo, há uma norma da língua estabelecida para que as pessoas se
comuniquem, mas a maneira como você faz uso dessa norma é particular, própria sua. Você
será avaliado pela maneira como constrói as frases, conjuga os verbos, faz as
concordâncias. As pessoas observarão a maneira como você usa a língua para fazer uma
avaliação a seu respeito. Esse é um dos pontos mais importantes, senão o mais relevante,
referente à entonação. Alguém que se apresente com erros gramaticais, construindo frases
defeituosas e incompletas será visto como pessoa despreparada e sua mensagem será
avaliada por essa identificação. Por mais importante que seja a informação, a influência dela
estará subordinada a essa avaliação do uso da língua. Da mesma forma, ao falar, pela
maneira como usa a língua, você estará também fazendo uma avaliação do seu ouvinte. Isto
é, o uso da língua tanto serve de base para a avaliação que o ouvinte faz de você, como
constitui importante indicador da avaliação que você faz do ouvinte.
Entonação é complemento
A comunicação, a partir dos seus mais diversos componentes como a voz, o
vocabulário, a expressão corporal, só se completa e define seu sentido a partir da entonação.
Na verdade, como já vimos, é a entonação que age como espécie de estopim para que o
corpo e os demais aspectos da comunicação passem a funcionar.
Quando você fala, a voz, a pausa, o ritmo, o gesto, a expressão facial, as palavras e
todos os aspectos envolvidos no processo de comunicação irão se completar com a
participação permanente, e que na verdade os antecedeu, da entonação. É possível afirmar
que toda a nossa vida, considerando aí os preconceitos que carregamos, as mágoas,
alegrias, expectativas, transparece na nossa maneira de falar por causa da entonação.
Lembrando mais uma vez que não é apenas nossa vida, mas também a vida de cada um dos
ouvintes, com as quais interagimos dando sentido e finalidade à mensagem transmitida.
Mesmo um discurso escrito por outra pessoa, que ao ser lido aparentemente
representaria apenas as intenções de quem o produziu, não está isento desse fenômeno.
5. Primeiro, porque quem o escreveu levou em conta o que a pessoa que iria ler tinha como
expectativa e o que os ouvintes também esperavam ouvir. Depois, ao ser pronunciado,
associado às intenções de quem o escreveu há a interferência de todos os fatores que
analisamos até aqui na maneira de se expressar de quem faz a leitura.
Portanto, a entonação atua como causa e conseqüência na produção, na
interpretação e no sentido final da mensagem. Talvez seja um dos aspectos mais
importantes da comunicação, porque, conforme foi possível demonstrar, todos eles se
originam, são despertados e se completam a partir desse fenômeno.
Reinaldo Polito
Revista Vencer nº 52
6. Primeiro, porque quem o escreveu levou em conta o que a pessoa que iria ler tinha como
expectativa e o que os ouvintes também esperavam ouvir. Depois, ao ser pronunciado,
associado às intenções de quem o escreveu há a interferência de todos os fatores que
analisamos até aqui na maneira de se expressar de quem faz a leitura.
Portanto, a entonação atua como causa e conseqüência na produção, na
interpretação e no sentido final da mensagem. Talvez seja um dos aspectos mais
importantes da comunicação, porque, conforme foi possível demonstrar, todos eles se
originam, são despertados e se completam a partir desse fenômeno.
Reinaldo Polito
Revista Vencer nº 52