Luiz Ruffato é um dos escritores brasileiros de maior destaque internacional no século 21. Seu primeiro romance teve grande sucesso na Alemanha e foi lançado em vários outros países da Europa e Américas. Ruffato organizou uma antologia sobre futebol e literatura e lançará em breve um novo romance e uma coletânea de crônicas. Sua fala na Feira do Livro de Frankfurt no ano passado gerou polêmica no Brasil por apontar problemas sociais do país.
Matéria sobre Luiz Ruffato no jornal Hoje em Dia de 27 de abril de 2014.
1. D
CinthyaOliveira
cioliveira@hojeemdia.com.br
A origem humilde em Catagua-
ses,naZonadaMata,nãoimpe-
diu Luiz Ruffato de se tornar
um dos escritores brasileiros de
maior destaque internacional
no século 21. Para se ter uma
ideia de sua repercussão no ex-
terior, seu primeiro romance,
“Eles Eram Muitos Cavalos”,
chegouàterceiraediçãonaAle-
manha, apenas 18 meses após
o lançamento por lá. A obra
tambémfoi lançadanaArgenti-
na, México, Colômbia, Itália e
França – onde foi colocada nas
prateleiras em formato de bol-
so, um sinal de popularidade.
Nos Estados Unidos, o lança-
mento acontece via Amazon,
mesmo em formato físico.
A mesma trilha de sucesso
tem sido percorrida pela série
“Inferno Provisório”, que tam-
bém começa a ter destaque nos
países de língua alemã. “O
curioso é que as primeiras edi-
ções dos meus livros na Alema-
nha saíam com o meu nome
pequeno edestaque parao títu-
lo. Agora é o contrário, é o meu
nome que aparece grande na
capadaspublicações”,reconhe-
ce o escritor.
Antes mesmo da Feira do Li-
vro de Frankfurt do ano passa-
do – quando o Brasil foi home-
nageado – ele já era celebrado
por editores europeus. Uma
provadisso éaantologia “Entre
as Quatro Linhas – Contos so-
bre Futebol”, lançada inicial-
mentenaAlemanhaeagorapu-
blicada no Brasil, via Editora
DSOP. A edição brasileira con-
ta com 16 autores, como Fer-
nando Bonassi, Eliane Brum,
Carola Saavedra, André Sant’
anna e Cristovão Tezza.
“Em um jantar em Berlim, fa-
leicommeueditorquepodería-
mos realizar uma antologia de
contos que tivessem a ver com
a Copa do Mundo e a literatu-
ra. Eletopou, desde que fossem
inéditos”,lembra Ruffato.“Pro-
curei dividir bem entre homens
e mulheres e tentar mapear o
Brasil, sem focar apenas no ei-
xo Rio-São Paulo”.
Segundo Ruffato, embora o
futebol seja extremamente po-
pular entre os brasileiros, a te-
mática não costumava ser mui-
toabordadapelos escritoresfic-
cionais. Houve, inclusive, um
momento em que textos sobre
a paixão nacional eram usados
por governos (em especial, as
ditaduras varguista e militar)
para disseminar suas ideolo-
gias – fato que afastava os me-
lhores escritores do tema.
“Noséculo21,ofutebolcome-
ça a tomar corpo, mas de forma
diferente. O futebol do imaginá-
riopopularéaquelequedeucer-
to, com a seleção vencedora ou
os jogadores bem-sucedidos.
Masessaésóapontadoiceberg.
O futebol é feito de dramas e
tragédias e as histórias que não
deram certo são as mais interes-
santes”, diz Ruffato.
Leia mais na página 3
DOMINGO
HOJE
“
BELOHORIZONTE
DOMINGO,27.4.2014
Em campo
“Noséculo21,ofutebolcomeçaatomar
corpo,masdeformadiferente.Ofutebol
doimagináriopopularéaquelequedeu
certo,comaseleçãovencedoraouos
jogadoresbem-sucedidos.Masessaésóa
pontadoiceberg.Ofuteboléfeitode
dramasetragédiaseashistóriasquenão
deramcertosãoasmaisinteressantes”
LuizRuffato
domingo.com.br
SucessonaEuropa,oescritormineiroLuizRuffatolançaantologiadecontossobrefutebolemaisumromance,uma
coletâneadecrônicaseumafábulainspiradanaprópriahistória
Além de “Entre as
Quatro Linhas”, Luiz
Ruffato já foi
organizador de mais de
dez antologias, como
“25 Mulheres que Estão
Fazendo a Nova
Literatura Brasileira” e
“Mário de Andrade:
Seus Contos Preferidos”
INTERCONTINENTAL–Luiz
Ruffatoviajaemmaioparaa
Alemanhaparadivulgaro
lançamentoporláde“O
MundoInimigo”
Editora:
Cultura-PatríciaCassese
ccassese@hojeemdia.com.br
TADEU JUNGLE/DIVULGAÇÃO
2. Quando foi convidado
para realizar a abertura
da Feira de Frankfurt,
no ano passado, Ruffato
não imaginou que gera-
ria tanta polêmica no
Brasil. Desenvolvido ao
longode40 diaseentre-
gue com bastante ante-
cedência (para que fos-
se transcrito para o ale-
mão e o inglês), o texto
apontou para todos os
problemasgravesviven-
ciados no país.
A violência – sofrida
especialmente pelos
mais pobres – foi o tema
mais abordado. “Nasce-
mossobaégidedogeno-
cídio. Dos quatro mi-
lhões de índios que exis-
tiam em 1500, restam
hoje cerca de 900 mil,
parte deles vivendo em
condições miseráveis em
assentamentos de beira
de estrada ou até mesmo
em favelas nas grandes ci-
dades”, disse o escritor no
evento. Homofobia, ma-
chismo, racismo e o abis-
mo que há entre ricos e
pobres foram alguns as-
suntos apontados.
No mesmo dia, ele teve
de lidar com uma chuva
de críticas. “Nunca imagi-
nei um texto diferente pa-
raomomentoenemespe-
rava que fosse polêmico.
Estava de acordo com
meu compromisso como
intelectual. Poderia ser
umtextolidoemCatagua-
ses, em Belo Horizonte ou
Frankfurt, isso não faz a
menor diferença. Se eu
nãopuderlevaressarefle-
xão a uma feira de livros,
para onde levarei? A uma
feira de gado?”, questio-
na Ruffato.
“Tevegentequequestio-
nou o fato de eu falar de
problemasdoBrasil,dizen-
do que minha viagem foi
pagapelogovernobrasilei-
ro. Não, a viagem não foi
paga pelo governo, mas
peloEstado brasileiro, que
é diferente. E não aceito
que digam que a fala não
era adequada ao lugar,
porque isso não é argu-
mento. Errado seria men-
tir sobre o Brasil”. (CO)
Polêmica em Frankfurt
não era esperada
CinthyaOliveira
cioliveira@hojeemdia.com.br
Luiz Ruffato é a prova
de que sucesso não é
conquistado apenas
com talento, mas tam-
bémcomintensadedica-
ção e disciplina. Quan-
do está em sua casa, no
bairro Perdizes, em São
Paulo, ele acorda sem-
pre às 6h para ler jor-
nais e tomar café da ma-
nhã.Das7às 12h,escre-
ve para seus projetos li-
terários. À tarde, se tor-
na “funcionário de mim
mesmo”, com afazeres
administrativos, domés-
ticos e de produção –
agendandoviagensene-
gociando contratos. “Es-
tou tentando estabele-
cer uma rotina também
em hotéis, mas isso é
bem mais complicado”.
O resultado de tanta
disciplina é um trabalho
profícuo. Nem bem lan-
çou “Entre as Quatro Li-
nhas”, ele já se prepara
para colocar no merca-
dooromance“FloresAr-
tificiais”, previsto para
chegar às livrarias no fi-
naldemaiopelaCompa-
nhia das Letras. A histó-
ria parte do engenheiro
Dorio Finetto que traba-
lhou como consultor do
Banco Mundial e viajou
omundointeiro. Duran-
te o Réveillon de 2000,
ele se vê sozinho em seu
belo apartamento no
Rio de Janeiro, e sente
uma intensa depressão.
“Ele vai se tratar com
um psiquiatra, mas não
conta histórias de sua
vida, mas de pessoas
que ele conheceu. O psi-
quiatra, então, fala pa-
ra ele escrever essas his-
tórias e o engenheiro en-
via para mim. São histó-
rias bacanas, mas mal es-
critas e as reescrevo. É
uma viagem a uma terra
alheia”, adianta Ruffato,
confirmando que o enge-
nheiro existe e hoje mora
em Itaipava, região serra-
na do Rio de Janeiro.
Mas os lançamentos de
2014 não param por aí.
Ruffato acaba de assinar
um contrato com a Edito-
ra DSOP para a edição de
“A História Verdadeira do
Sapo Luiz”, uma fábula
(que não necessariamen-
te precisa ser relacionada
ao universo infantil) cria-
da a partir da história de
vida do próprio escritor.
Já em novembro, sai pela
editora Arquipélago uma
coletânea de crônicas que
o escritor mineiro desen-
volveu para o jornal espa-
nhol El Pais.
REFERÊNCIA
Se Ruffato soube ter uma
produção abundante e
consistente desde 2001,
quando lançou “Eles
EramMuitosCavalos”,de-
ve ao aprendizado passa-
do por seus pais, que tra-
balharam como pipoquei-
ro e lavadeira. “Tive pais
que sempre me mostra-
ram que tinha que trilhar
caminho da educação.
Embora tenha estudado
em escolas ruins, sempre
perseguio objetivo de sair
da ignorância”, explica o
escritor, que credita seu
sucesso a uma somatória
de qualidades. “Tive em-
penho, trabalho, discipli-
na e foco”.
Nascidoem1961,Ruffato
trabalhoucomooperáriode
umafábricatêxtil,
pipoqueiroelojista,antesde
setornarjornalistapela
UniversidadeFederaldeJuiz
Fora.Ouniversodos
trabalhadoresdaclasse
médiabaixa,queconhece
tãobem,setornouofocode
sualiteratura.Maselenão
aceitaquesecoloqueum
rótuloemsuaobra.“Nunca
deixeiquefalassemque
façoumaliteraturasocial,
operáriaouregional.
Adjetivarumaliteraturaé
rebaixá-la.Sóporqueéum
escritornegronãoquer
dizerquefaçaliteratura
negra.Sóporqueéuma
mulher,nãoquerdizerque
façaliteraturafeminina”.
Suapreocupaçãonãoé
apenascomos
personagens,mas
tambémemprocurarpor
umalinguagem
interessante,quemexa
comointelectodoleitor.
“Descobriqueeu
precisavaarruinara
linguagemparaconstruir
algumacoisa”,afirma
Ruffato.“Paraalémda
história,existeuma
propostade
transcendênciadahistória
eissosóaconteceatravés
dalinguagem.Quandoleio
umtexto,desejouma
mudançaemmim”.
NovoromancedeRuffato,“FloresArtificiais”,foiconstruídoapartirdeescritosdoengenheiroDorioFinetto
Porumaliteratura
semrótulos
TRABALHO–
Exemplode
comooestudoé
transformador,
Ruffato
trabalhoucomo
operáriode
fábrica,
pipoqueiroe
lojista,antesde
estudarna
Universidade
FederaldeJuiz
deForaese
tornar
jornalista
Umaviagemporhistórias alheias
Funcionário do
Banco Mundial, o
engenheiro Dorio
Finetto enviou a
Ruffato o livro
“Viagens à Terra
Alheia”, que foi
reescrito e
transformado no
romance “Flores
Artificiais”
Em Frankfurt: “O
que significa ser
escritor num país
situado na periferia
do mundo, um lugar
onde o termo
capitalismo
selvagem definitiva-
mente não é uma
metáfora? Escrever
é compromisso”
ZIRALDO–Ocartunistafoiumdosintelectuaisquese
manifestarampublicamentecontraotextodeRuffato
SAIBAMAIS
Perfil
ADRIANA VICHI/DIVULGAÇÃO
IVALDO CAVALCANTE/DIVULGAÇÃO
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DOMINGO,HOJEEMDIA