3. Pois a vida da carne está no sangue, e eu
o dei a vocês para fazerem propiciação
por vocês mesmos no altar; é o sangue
que faz propiciação pela vida.
Levítico, 17:11
4. História
Mesopotâmia: fígado como centro do corpo
China antiga: compêndio médico Nei Ching – “Todo o
sangue está sob o controle do coração”
Imenhopt, médico do antigo Egito – “metu”, canais por
onde sangue, ar e fluidos seriam conduzidos juntos até a
eliminação pelo ânus
Aristóteles: sangue feito no coração e enviado aos órgãos
Galeno: sangue feito no fígado e movimentado em todas as
direções até ser consumido
Willian Harvey: “De Motu Cordis” 1628, circulação do
sangue como a entendemos
5. História
Sangrias – melhora do mal estar pré-menstrual após o
sangramento – egípcios e árabes já utilizavam
sanguessugas
Uso medicinal do sangue – comum em todas as culturas
antigas exceto entre os hebreus – “evitar a tentação de
beber sangue”
Homero na Odisseia descreve Odisseu revivendo após
beber sangue no reino da morte
Ovídio descreve na clássica história dos Argonautas como
Medeia revive o pai do esposo injetando uma poção nas
veias de seu pescoço
6. História
Século XVI – primeiras tentativas de terapia intravenosa e
transfusões, após a descrição da circulação por Harvey
Século XVIII – resultados muito negativos levam ao
abandono dessas terapias – Grande desenvolvimento das
técnicas de sangria
Final do século XVIII – Pierre Alexander Louis – revisão de
literatura prova os riscos das sangrias
Inicio do século XIX – epidemia de cólera, mortalidade de
um terço dos acometidos
1832 – Latta – primeira infusão de solução fisiológica,
embora com óbito após 30 minutos
7. História
1833 – Latta transfunde 25 pacientes moribundos, com
sobrevida de um terço deles
Estágio Azul
da cólera
espasmódic
a
8. E atualmente...
O século XX viu a terapia com fluidos intravenosos tornar-
se um dos pilares da medicina
• Em 1990 85% dos pacientes americanos hospitalizados
receberam alguma forma de terapia IV
• Atualmente há disponíveis mais de 40 tipos de preparações
para infusão intravenosa
• Mais de 23 milhões de unidades de derivados de sangue são
infundidos por ano nos EUA
• Diversas novos modelos de produtos substitutos para as
funções do sangue em teste: carreadores de oxigênio, sangue
enzimaticamente modificado para tipo O, etc.
9. E atualmente...
No entanto:
• 40% dos pacientes internos em UTIs recebem fluidos
intravenosos
• Poucas evidências de alta qualidade que sustentam essa
intervenção
• Tipo de solução utilizada ainda é controverso e varia
amplamente
• Fatores que influenciam a prescrição mal compreendidos e
geram confusão
10. • Principais indicações de expansão volêmica: piora da perfusão (44.6%) e
correção de sinais vitais anormais (34,8%)
• As características dos pacientes foram a maior influência no tipo de
solução infundida, enquanto medidas da gravidade (APACHE II por
exemplo) não influenciaram
12. Por que
Objetivos da reposição volêmica:
• Otimizar o transporte de oxigênio
• Melhorar o débito cardíaco – pré-carga
• Melhorar a perfusão periférica
• Repletar volumes intersticiais e intracelulares
Groenveld, in Dellinger, Critical Care Medicine, 2014
20. Quando
O momento da administração de fluidos é tão importante (se
não mais importante) que a quantidade dada
Terapia dirigida por metas planejada para otimizar tanto o
volume de ejeção quanto pré-carga está bem estabelecida
no grupo de pacientes de alto risco e deve ser considerara
em todos os pacientes críticos
Novas modalidades de acesso aos índices hemodinâmicos
oferecem opções não invasivas para guiar a fluidoterapia e
compreender a resposta hemodinâmica a administração de
volume
Bartels, 2013
21. Quando
O mais cedo possível é a
melhor resposta!!!
• Controla a intensidade da SIRS
• Reduz o risco de progressão para SDMOS
• Reduz a progressão de IRnA pré-renal
• Melhora sobrevida
23. Quanto
Classicamente utilizamos valores aleatórios
• 30 ml/kg – para sépticos
• 20 ml/kg para cada kg abaixo de 10, 20 ml/kg para cada kg entre 10 e 20,
5 ml/kg para cada kg acima de 20 – abordagem comum em crianças
• 2000 ml de Solução glicosada/dia – comum em pacientes cirúrgicos em
pós operatório
De onde vem estes números?
24. Quanto
Necessidades diárias de água, eletrólitos e glicose com base no
dispêndio calórico (na criança):
• Até 10 kg – 100 kcal/kg/dia
• 10 a 20 kg – 1000 kcal + 50 kcal/kg/dia (para cada kg acima de 10)
• Acima de 20 kg – 1500 kcal + 20 kcal/kg/dia (para cada kg acima de 20)
As necessidades diárias de água são 100 ml para cada 100 kcal
Prata Barbosa, J Pediatr (Rio J) 1999;75(Supl.2):s223-s33
No P.O.I. 20 a 30 ml/kg nas primeiras 24 horas – Solução fisiológica ou
glicosada com acréscimo de eletrólitos. Observar diurese, pressão
arterial, frequência cardíaca, perdas por sondas e drenos – reposição
das perdas
WHO - Surgical Care at the Hopital, 2003
25. Quanto
As evidências atuais apontam para individualização da
terapia, baseada em metas hemodinâmicas
Os grupos de pacientes mais graves parecem se beneficiar
mais desta abordagem com melhora da mortalidade
Todos os grupos mostraram benefícios quanto a tempo de
internação, redução de complicações gastrointestinais e
redução de insuficiência renal aguda
Escolher uma estratégia e montar protocolos parece ser
fundamental
Corcoran 2012
26. Quanto
A estratégia baseada em metas, ao contrário da restritiva, não reduz o
volume ofertado de forma geral, mas sim modula para as necessidades
dos pacientes
Pearse 2005
27. Quanto
A estratégia restritiva parece trazer maior risco
Vermeulen 2009
A utilização de métodos para avaliar o débito cardíaco e a
DO2, e o uso de protocolos associados a estes para
expansão volêmica, são associados com melhores
desfechos
Pearse 2005
Mayer 2010
Corcoran 2012
Rhodes 2013
28. Quanto
Sugestão:
• Elaborar protocolos baseados em metas simples
• Monitorizar variáveis fisiológicas
• Expandir enquanto o paciente estiver na fase respondedora da
curva de Frank-Starling
• Evitar excesso de volume
• Utilizar soluções adequadas
34. Qual
Cristalóides X colóides:
• Mortalidade – poucas evidências de aumento de mortalidade com
colóides
• Insuficiência renal aguda – fortes evidências contra os colóides
• Vantagens hemodinâmicas – evidências atuais não identificaram
vantagens significativas com colóides
• Risco de sangramento – diversos trabalhos apontam maior risco de
sangramento com colóides
• Custos – colóides são muito mais caros
38. Qual
Revisão sistemática com 78 estudos randomizados controlados, incluindo
comparações entre albumina ou fração proteica do plasma (24), hidroxetilamido (25),
gelatina (11), dextrans (9) e dextrans em solução cristalóide hipertônica (9) versus
salina, com um total de 22.392 pacientes
CONCLUSÃO DOS AUTORES: “There is no evidence from randomised controlled
trials that resuscitation with colloids reduces the risk of death, compared to
resuscitation with crystalloids, in patients with trauma, burns or following surgery.
Furthermore, the use of hydroxyethyl starch might increase mortality. As colloids are
not associated with an improvement in survival and are considerably more expensive
than crystalloids, it is hard to see how their continued use in clinical practice can be
justified.”
39. Qual
Hemotransfusões
• Estratégia restritiva de transfusões de concentrado de hemácias – Hb =
7.0 g/dl
• Adotar este limiar mesmo para pacientes sob VMI, trauma, doença
cardíaca compensada. No coronariopata adotar 8,0 g/dl como limiar,
objetivando Hb = 10 g/dl
• No paciente séptico, em SDRA ou neurocrítico, não há evidências que
justifiquem o uso de estratégia liberal de transfusões, e há associação
com aumento de mortalidade com maior número de transfusões
44. Quando parar
A hipervolemia induzida pelo excessivo aporte de fluidos
parece aumentar o risco de insuficiência renal, piorar
mortalidade per si e estar associada com maiores taxas de
infecção, tempo de ventilação e tempo de permanência na UTI
45. Quando parar
Todos os protocolos atuais são restritos a 24 horas
Fazer volume na fase respondedora da curva de Frank-
Starling
Não utilizar “hidratação venosa” ou “soro de manutenção”
em paciente crítico
Efeitos deletérios da hiperidratação:
• Sobrecarga cardíaca
• Clivagem e stress de cisalhamento sobre os capilares
• Lesão endotelial (via BNP e quebra do glicocálix endotelial
• Aumento da água extravascular pulmonar e edema tecidual
47. Como medir
“Apenas pacientes que se beneficiarem de um aumento do débito
cardíaco proporcionado por aumento de pré-carga devem receber
desafio hídrico.”
Marik, 2014
49. Como medir
Métodos clássicos de mensuração:
• PVC – a PVC foi inequivocamente demonstrada como incapaz de predizer
fluido-responsividade
• CAP / POAP – o CAP com medidas de POAP foi largamente estudado, e
além de não predizer fluido responsividade não alterou mortalidade em
nenhum estudo
50. Como medir
Análise do contorno de pulso
• Diversos métodos - PiCCO-Plus (Pulsion Medical Sistems, Munich,
Germany)®, LiDCO (LiDCO Ltd, London, UK)®, FloTrack-Vigileo (Edwards
LifeSciences, Irvine, Califórnia, USA)® - todos utilizam o principio da
diluição transpulmonar de um contraste
• Minimamente invasivos
• Validados para grupos de pacientes diferentes
• Maioria dos trabalhos com pacientes sedados, sob VMI, grandes volumes,
curarizados – exclui grande parte dos pacientes em terapia intensiva
• Adoção demanda conhecimento das limitações e montagem de protocolos
bem definidos
Nácul, De Assunção
51. Como medir
Ecocardiografia e Doppler transesofágico (DTE):
• Grande popularização
• Pode ser feito a beira-leito e em tempo real (DTE)
• Dados valiosos da função cardíaca e fluido responsividade
• O DTE é mais fidedigno, embora mais desconfortável
• Não idealizado para paciente sedado, em VMI, o que limita o uso em pacientes
cirúrgicos
• Pode ser impossível o uso com grandes curativos, drenos, peritoniostomias, etc.
• No futuro novos sistemas podem ser um grande avanço na monitorização
• O desenvolvimento das habilidades pelo intensivista é uma oportunidade
interessante
Nácul
53. Como medir
Variação da pressão de pulso (ΔPP)
• Muito utilizado atualmente para predizer resposta a volume
• Baseado na repercussão das pressões intratorácicas sobre o VE
• Validado apenas para pacientes sedados, curarizados e sob VMI com
grandes volumes
• Parece mais adaptado para o intra-operatório
• Variação > 13% prediz fluido-responsividade
• Pelo menos um grande estudo (Canesson 2011) demonstrou que o método
não foi útil em pelo menos 25% dos pacientes em S.O. e um estudo
multicêntrico (Mahjoub, 2014) demonstrou que apenas 2% dos pacientes
em UTI tem critérios de validade para o uso
De Assunção
56. Como medir
Elevação passiva dos MMII (Passive Leg Raising – PLR)
• Pacientes críticos geralmente não preenchem critérios para métodos
dinâmicos
• A PLR foi sugerida para suprir estas limitações
• Deve ser associada a uma modalidade de medida do DC bastante sensível
Desafio Hídrico
• Quando a PLR é contraindicada (problemas técnicos, condições clínicas como
lesão cerebral com HIC)
• Bolo de fluidos associado à mensuração de DC (elevação entre 10 e 20%
sugerem um paciente respondedor
• Usar PVC como gatilho de segurança para sobrecarga do VD
59. Como medir
Variáveis perfusionais
• Lactato arterial (LAC) e Saturação venosa central (SVcO2) ou mista (SVO2)
de oxigênio
• A SVO2 reflete o consumo global de oxigênio e a SVcO2 da metade
superior do corpo e do encéfalo
• Há uma correlação bem documentada entre elas, com uma variação em
torno de 5% (Nácul)
• Queda da SVcO2 => aumento do VO2 e da TEO2
• Elevação ligada a incapacidade de utilizar o O2 => hipóxia citopática
• É mais bem relacionada com problemas metabólicos que sinais vitais
(Nácul)
60. Como medir
Variáveis perfusionais
• LAC = produto do metabolismo anaeróbio que reflete um estado global de
má perfusão
• O clareamento do LAC nas primeiras horas está bem correlacionado com
melhora de prognóstico
• Pacientes liberados da UTI com lactato elevado, embora com todos os
outros parâmetros normais, tem maiores chances de complicação e óbito
(De Assunção)
• Outras causas de hiperlactatemia devem ser excluídas => altas doses de
noradrenalina, disfunção hepática grave
62. Como medir
Características para o método de monitorização
ideal
• Aplicabilidade universal
• Alta acurácia e reprodutibilidade
• Utilização tecnicamente simples
• Necessidade reduzida de treinamento
• Aplicação continua ou intermitente automática
• Associação a um protocolo definido de ação
• Baixo custo e disponibilidade global
63. Como medir
As evidências demonstram que uma estratégia baseada em
metas monitorizadas e um protocolo bem definido melhora
desfechos, principalmente nos pacientes mais graves
Grande parte dos serviços não adota nenhum método de
monitorização
Apenas o CAP não demonstrou benefício
Adotar o método que o serviço possa disponibilizar e
manter treinamento e proficiência
Assis, 2013
65. Pontos-chave Usamos e continuaremos usando reposição volêmica intravenosa
A reposição volêmica é fundamental para melhorar o débito
cardíaco e o transporte de O2 nos momentos iniciais do choque
O momento da expansão volêmica é tanto ou mais importante que a
quantidade, e quanto mais cedo melhor
Não há evidências que sugiram melhora nos desfechos com o uso
de colóides, e os efeitos negativos associados ao alto custo põem
dúvida o uso destes produtos
Hemotransfusões devem ser realizadas com parcimônia na maioria
dos pacientes
Evitar o uso de soluções de manutenção ou hidratação venosa
A infusão de grandes volumes deve ser restrita ao momento inicial
A hiper-hidratação traz efeitos deletérios graves e deve ser evitada
Monitorizar é fundamental e o uso de protocolos deve ser
incorporado ao manejo geral dentro da UTI