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Engenharia e desenvolvimento de produto, uma aplicação ao
         Material Circulante: a experiência da SOREFAME

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Introdução

“…trata-se ao fim e ao cabo, de conferir ao País uma preparação acelerada
de conhecimentos de técnica e de tecnologia industriais, por forma a
vencermos com sucesso o período transitório de adaptação, consentido pela
passagem do neo-mercantilismo existente na Europa ao neo-liberalismo que
reinará adentro da zona do Mercado Comum Europeu se, pelo seguimento
dos acontecimentos, se verificar a necessidade, a vantagem ou a obrigação
de nele participarmos.”

Estas palavras do fundador da SOREFAME, o Eng. Ângelo Fortes, foram
ditas no 2º congresso da Industria Portuguesa, a 3 de Junho de 1957, 14
anos após o estabelecimento da companhia, na então periferia agrícola da
Amadora e 30 anos antes da adesão de Portugal ao Mercado Comum
Europeu, hoje União Europeia.

É absolutamente indissociável da história da SOREFAME, das suas
realizações, e da sua contribuição para o desenvolvimento do país, esta
visão lúcida do seu fundador sobre a missão da empresa e o papel da
engenharia, a necessidade imperiosa de aquisição e desenvolvimento de
conhecimentos, técnicas e tecnologias, como suporte estratégico ao negócio
e à sua perenidade.

Desde sempre, que a SOREFAME foi dotada de um gabinete de estudos
com um quadro significativo de engenheiros e projectistas, bem como, de
diferentes laboratórios de suporte ao desenvolvimento tecnológico, controlo
de qualidade e certificação de produto. Cabe aqui recordar, a título de
exemplo, que muito do desenvolvimento da tecnologia de soldadura no país,
germinou nos laboratórios de desenvolvimento e qualificação do processo
sob a orientação do Eng. Salgado Prata2. Foi o berço do então Instituto de
Soldadura, e actual Instituto de Soldadura e Qualidade. Uma grande obra,
fruto da iniciativa e da visão do Prof. Luciano Faria3.


1
  Quadro da SOREFAME desde 1979, foi responsável no início de carreira pela área de projecto de
caixas e pelo departamento de I&D no Material Circulante. Com a integração da SOREFAME na
holding Adtranz da ABB e Daimler Chrysler, assume a responsabilidade da direcção Executiva da
Engenharia e Desenvolvimento e vogal do Conselho de Administração. É Professor Associado
Convidado do Departamento de Engenharia Mecânica do IST e presidente do Conselho Geral do
Instituto de Soldadura e Qualidade.
2
  Professor Associado do Departamento Engenharia Mecânica da Universidade Nova de Lisboa. O
trabalho de investigação que suportou a sua tese de doutoramento, foi realizado nos laboratórios da
Direcção de Investigação e Desenvolvimento da SOREFAME.
3
  O Prof. Luciano Faria, foi quadro da SOREFAME durante mais de 20 anos, antes de optar pela
dedicação exclusiva como Professor Catedrático do Departamento de Engenharia Mecânica do IST.
A SOREFAME iniciou a sua actividade industrial em 1943, como resposta
aos planos energéticos do País, em particular ao plano de investimento para
a electrificação nacional com base na edificação de uma rede de barragens.
Para o efeito, estabeleceu com diversos especialistas mundiais um leque de
contratos licença e acordos de transferência de tecnologia e conhecimentos,
que lhe permitiram um desenvolvimento de produtos sustentado em “saber
fazer” e “porquê”. Esta visão de negócio, permitiu que alguns anos mais
tarde, se lançasse com segurança à competição em mercados internacionais,
iniciando a exportação deste tipo de equipamentos.

Alguns aspectos inovadores aplicados em diferentes obras nacionais e
internacionais, baseados já numa concepção própria, vieram a resultar em
licenciamentos de outros construtores internacionais em concepção e fabrico
de equipamentos hidromecânicos semelhantes. Sublinhamos este facto, não
só porque é menos conhecido da engenharia portuguesa em geral, mas,
fundamentalmente, porque demonstra a coerência de uma estratégia de
negócio associada ao produto, em toda a sua cadeia de valor.

Baseada nos mesmos princípios estratégicos, a SOREFAME, desenvolveu e
estabeleceu outras áreas de negócios. Como corolário do plano de
electrificação da rede nacional de caminhos de ferro da CP, surge a
oportunidade de uma nova actividade industrial, especializada em material
circulante ferroviário.

A área de negócio do Material Circulante para caminhos de ferro teve início
em 1952, com base numa estratégia de produto e num plano de
desenvolvimento da actividade bem definidos. É deste segmento de
actividade e negócio da SOREFAME que aqui daremos conta, em particular,
das estratégias de desenvolvimento tecnológico e de produto, dos aspectos
da engenharia que lhe estão associados e, naturalmente, do seu impacto no
negócio.

Ao abordar o tema da engenharia dos sistemas de transporte ferroviários, é
indispensável uma referência aos operadores. Todo o desenvolvimento do
sistema ferroviário teve como principais protagonistas as grandes empresas
operadoras europeias e americanas. Tal como noutras actividades
industriais, os construtores e fornecedores estiveram balizados e suportados,
durante o último século, e em função das influências geográficas, pelas
especificações técnicas desses grandes operadores. É, portanto, justa e
devida, nesta matéria, uma palavra de referência ao trabalho levado a cabo
pelos gabinetes de engenharia da CP e do Metropolitano de Lisboa,
membros dessa “família” ferroviária internacional.

Os laços que se estabeleceram entre os gabinetes de engenharia da
SOREFAME e os correspondentes da CP e do Metropolitano de Lisboa, quer
nos contratos de fornecimento, quer em projectos de investigação, foram
importantes para o desenvolvimento nacional do sector, mas em particular e
objectivamente, para o desenvolvimento das várias famílias de veículos que
hoje operam no nosso país, quanto à sua qualidade, segurança, conforto e
fiabilidade.
Este quadro de relações entre clientes e fornecedores, estabelecido há muito,
tem vindo a desvanecer-se progressivamente, de alguma forma, devido à
directiva da UE que determina a obrigatoriedade da separação das entidades
responsáveis pelas infra-estruturas e pelas operações. Potencia-se e abre-
se, por esta via, a oportunidade a operadores privados, sem a cultura técnica
do universo tradicional das grandes empresas estatais. É o caso particular e
paradigmático do Reino Unido.

Esta mudança será uma viragem marcante, com implicações profundas nos
sistemas, no negócio e, portanto, nas variáveis do mercado. Pelas
consequências que se antevêem, será necessária uma nova visão para o
limiar deste terceiro milénio. As relações clássicas entre clientes e
fornecedores, que durante décadas mantiveram mais ou menos estáveis os
mercados nacionais, particularmente, o dos grandes países, vão, a seu
tempo, dar lugar a novos operadores regionais sem a cultura e o
conhecimento técnico dos que foram os guardiões do sistema durante mais
de um século.

Esta questão tem sido alvo de análises cuidadas, particularmente, por parte
dos grupos multinacionais. É hoje clara, do ponto de vista estratégico, a
necessidade de se dominar o produto no seu todo e ter a capacidade de
controlar os pontos críticos da cadeia de valor. Acontecerá cada vez menos a
cumplicidade na definição e desenvolvimento dos veículos. Como resposta, e
resultante destas novas variáveis, iniciaram-se as concentrações de várias
empresas e as fusões de grupos que têm ocorrido na última década. A
SOREFAME faz parte deste processo. Integrou a holding nacional SENETE
em 1991, passou para o universo da ABB em 1994, a ABB fundiu-se com a
Daimler e constituíram o grupo Adtranz em 1996, que finalmente foi adquirido
pela Bombardier em 2001.

Por forma a enquadrarmos o progresso da actividade de engenharia, das
estratégias de desenvolvimento de produto e o seu impacto no negócio,
vamos relatar as quatro fases, que consideramos mais marcantes, da vida e
da história do Material Circulante:

      Uma primeira fase, a de início da actividade, que consideramos
      “clássica”;
      uma segunda fase, entre a década de 70 a meados de 80, que
      corresponde ao desenvolvimento de ferramentas modernas de cálculo
      estático de estruturas, que designaremos por “modernização das
      ferramentas de cálculo”;
      uma terceira fase de investigação sobre os problemas associados com
      a “segurança e conforto”, na qual se tem trabalhado nos últimos doze
      anos;
      e a fase actual, que responde à necessidade do desenvolvimento de
      “produtos plataforma”.
O início da actividade, a fase clássica de engenharia.

No início da actividade da área de negócios de Material Circulante em 1952,
criou-se um gabinete de estudos dedicado a esta especialidade, que
arrancou com alguns engenheiros e projectistas com experiência na área da
energia, por forma a germinar uma nova área de conhecimento baseada
numa cultura, organização e processos de engenharia já estabelecidos na
empresa. A esta equipa, juntaram-se novos quadros contratados do exterior
com diferentes especialidades de engenharia e arquitectos de interiores, que
na época asseguraram o design. Não se tratava já da metalomecânica
pesada, estão em causa equipamentos para a mobilidade de pessoas e que,
naturalmente, interagem com o homem, do ponto de vista funcional, estético
e ergonómico, com incidência no de conforto.

Prosseguindo a mesma linha de princípio, no que respeita à estratégia de
desenvolvimento de conhecimento e desenvolvimento de produto,
estabeleceu-se com a BUDD Company sediada em Filadélfia, nos EUA, um
contrato-licença de transferência de tecnologia, processos de engenharia e
os respectivos critérios de projecto das estruturas, as caixas. A BUDD foi
pioneira na tecnologia do aço inoxidável nos anos 20, e é reconhecida como
o berço, não só da tecnologia, mas dos processos, critérios de cálculo e
projecto, cujo saber importava conhecer e assimilar para sustentar este novo
negócio da SOREFAME.




                                  Figura 1
 Banco de estirar perfis de aço inoxidável e pinça manual de soldadura por
               resistência com base em Tecnologia BUDD.
                        (Catálogo SOREFAME de 1964)



Durante alguns anos, a SOREFAME prosseguiu um programa e um processo
de aprendizagem nos EUA, junto da BUDD, particularmente, nas áreas de
engenharia, métodos, produção e ensaios. Por outro lado, desenhou-se,
também, o processo de transferência de tecnologia, através do suporte da
engenharia da BUDD nas instalações da SOREFAME. Desta forma alicerçou-
se a actividade de forma fundamentada e consistente.
Nos primeiros vinte anos de actividade do Material Circulante, a SOREFAME
projectou e fabricou diferentes tipos de veículos em aço inoxidável para a CP.
Carruagens de grande linha tipo salão, compartimentos, bares e
restaurantes, bem como, unidades múltiplas eléctricas, diesel e locomotivas,
que no total representam mais de 1200 veículos.




         Figura 2
Unidade Tripla Eléctrica da CP
  (Arquivo SOREFAME, 1958)




Para a área de engenharia de bogies e para os primeiros veículos do
Metropolitano de Lisboa, estabeleceram-se contratos-licença com a
SCHINDLER WAGONS, suíça, e com a LINKE HOFMANN BUSH, alemã,
respectivamente.

Esta fase foi essencialmente de estruturação da actividade, dos processos de
engenharia e identificação das áreas tecnológicas e de conhecimento a
prosseguir e a desenvolver. De uma forma organizada e consistente,
solidificaram-se processos, técnicas, tecnologias e formas de trabalho, que
foram determinantes no progresso da actividade do Material Circulante da
SOREFAME. Quando da primeira oportunidade de exportação para os EUA,
tinham-se estabelecido as metodologias, processos e procedimentos que
permitiram qualificar a empresa como fornecedora para esse difícil mercado.

Como este período foi fundamental e estruturante para a actividade do
Material Circulante, vejamos um pouco mais em pormenor como se
implementou e progrediu esta área de negócio:

   Um negócio assenta em processos. Quanto aos processos associados à
   cadeia de valor do produto, quatro grandes áreas foram tratadas com
   programas de transferência de tecnologia e desenvolvimento de
   conhecimento: Engenharia; tecnologias de transformação; produção;
   qualidade e ensaios.

   Processos de engenharia. Ao nível da concepção da estrutura – a caixa –
   em aço inoxidável, e da integração mecânica, transferiram-se e
   formularam-se todos os processos e procedimentos da actividade de
   engenharia: Estrutura do produto; organização e programação das
   actividades; critérios de projecto e cálculo; normas internacionais;
   especificação e selecção de materiais. Naturalmente que se transferiram
da BUDD os critérios e normas americanas. Internamente, reformularam-
    se os procedimentos, compatibilizando-os, também, com os critérios e
    normas europeias. Os bogies foram essencialmente produzidos sob
    licença e com projecto suíço, francês e alemão. Quanto aos interiores,
    foram desde o início concebidos internamente e maioritariamente de
    incorporação nacional. Duas actividades integradoras importantes ao nível
    do veículo; a integração mecânica e a integração eléctrica, esta última,
    sempre em consórcio com os motorizadores, AEG, Alsthom e Siemens.

    Do ponto de vista das tecnologias específicas associadas ao produto,
    identificaram-se três áreas fundamentais ligadas ao aço inoxidável
    austenítico de alta resistência: Corte, perfilagem e enformação de peças;
    soldadura por resistência e a arco; montagem final.

    Ao nível da produção, de acordo com a filosofia e os princípios
    estabelecidos na BUDD, transferiram-se e implementaram-se as
    seguintes áreas:

       i. Organização e gestão do processo produtivo. Implantação do fabrico
          de peças e subconjuntos e das linhas de montagem, métodos,
          programação e planeamento operacionais.
      ii. Logística e alimentação das linhas, bem como toda a gestão de
          materiais e stoks.
     iii. Especificação, aquisição e implantação de um conjunto significativo
          de máquinas e equipamentos necessários e associados às
          tecnologias a aplicar no processo produtivo.
     iv. Desenvolvimento das ferramentas e manequins de montagem. Este
          foi um dos processos, a par do da engenharia, com grande
          interacção entre a SOREFAME e a BUDD. Trata-se de um
          conhecimento de “saber fazer” que requer competências teóricas e
          experiência. Foi uma missão fundamental, da responsabilidade do
          departamento de métodos.

    Qualidade. Paralelamente aos procedimentos já em prática no sector dos
    equipamentos hidromecânicos4, houve necessidade de se implementarem
    procedimentos específicos ao Material Circulante, dadas as
    especificidades do produto, dos processos e das tecnologias empregues,
    a certificar e a controlar.

    Ensaios e certificação de produto. Criaram-se vários laboratórios
    especificamente dedicados para se efectuarem os ensaios tipo e série dos
    veículos, tanto para assegurar as funcionalidades como a validação e
    certificação de produto.

Neste período a SOREFAME teve dois grandes clientes: A CP, o seu
primeiro cliente, e o Metropolitano de Lisboa. Para o Metropolitano de Lisboa,

4
 O sistema de qualidade já em prática no sector dos equipamentos de energia para barragens, era de
um grau de exigência muito elevado, do ponto de vista da garantia da qualidade. Objectivamente, trata-
se da fiabilidade e da segurança de equipamentos e sistemas cujas disfunções podem causar acidentes
graves com danos elevados.
até à década de 70, fabricou as unidades em aço carbono pintadas. Mais
tarde, projectou e forneceu em aço inoxidável. Como veremos, a opção pelo
aço inoxidável para os veículos do Metropolitano de Lisboa, foi um marco
importante e fundamental na empresa.




     Figura 3
   Diagrama 3D
  da caixa em aço
inoxidável do ML79
(Arquivo SOREFAME,
1983)




Em resumo, diremos que foi sempre preocupação da direcção da empresa,
estruturar-se de forma sólida e perene, estrategicamente ancorada numa
visão clara de que é necessário saber fazer mas sabendo “como e porquê”.
Para isso, alicerçou-se numa capacidade de engenharia com um leque
diferenciado de competências.




                                 Figura 4
     Instalações na Amadora da SOREFAME, actualmente Bombardier
                 Transportation SA (Arquivo SOREFAME, 1998)

Nem tudo foi fácil nestes primeiros tempos. A SOREFAME projectou e
produziu várias séries duma família de composições de tracção eléctrica, as
UTEs - unidades triplas eléctricas - para o serviço suburbano e regional da
CP (Figura 2), as primeiras das quais, deram alguns problemas de difícil
resolução.
Em concreto, apareceram algumas fendas de fadiga nas primeiras caixas
desta família de veículos. Após um estudo pormenorizado do problema,
tornou-se clara a origem e a causa. Fendas de fadiga nas zonas
termicamente afectadas dos cordões de soldadura no aço inoxidável e nas
zonas mais solicitadas. Um fenómeno conhecido teoricamente, como
corrosão sob tensão em aços inoxidáveis com grande teor de carbono. Este
problema foi ultrapassado, pese embora os custos associados, com um
trabalho enorme de um grupo de engenheiros da empresa e da CP, mas que
permitiu consolidar um conhecimento não trivial na altura. Prefaciando Albert
Deen5, “há duas formas de se chegar a ser um especialista numa área
técnica, uma é estudar tudo sobre o assunto, outra será ter de enfrentar um
problema grave nesse domínio e resolvê-lo totalmente”. Pensamos que
ambas se completam.

Dado que estamos, de alguma forma, a registar um pouco da história da
engenharia portuguesa do século XX , pensamos que é da máxima justiça
uma referência a um grupo de engenheiros, uma primeira geração de
pioneiros, que contribuíram de forma relevante para este processo, ajudando
a criar a realidade SOREFAME, reconhecida e respeitada no meio
internacional.

O Eng. João Justo, foi o primeiro quadro a arrancar com a actividade,
responsável pelo processo de transferência e implementação dos processos
de engenharia e concepção foi director da divisão e administrador da
SOREFAME. Eng. Eduardo Magalhães, responsável pelos processos
tecnológicos, métodos e produção, foi presidente do Conselho de
Administração. Eng. Cunha e Sá, responsável do Gabinete de Estudos. Eng.
Manuel Rocha, responsável pelo processo dos laboratórios. Eng. Andrade
Gomes, primeiro responsável pelos bogies e o último Director Geral da
SOREFAME, antes de ser integrada no grupo Adtranz.

Sabe quem experimentou, que não há grandes obras industriais sem a
contribuição importante e algumas vezes esquecida, dos “mestres” de saber
fazer pelo talento e a sapiência de uma prática esclarecida e virtuosa. Muitas
das realizações do Material Circulante da SOREFAME estão
incontornavelmente ligadas à contribuição de projectistas e contramestres
como: Srs. Pompeu, Fidelis, Armindo Silvério e Manuel Francisco, os
primeiros chefes das salas de diferentes especialidades de projecto; e dos
Srs. Agostinho Caldeira, Manuel Calado, Pombinho, Boto, António dos
Santos e Juvenal, os primeiros contramestres. Para algumas gerações de
engenheiros, muita da “escola” que a SOREFAME representou nas suas
carreiras, se ficou a dever a estes homens.



5
 Albert Deen, foi responsável e pioneiro pela engenharia de concepção de caixas em aço inoxidável na
BUDD. Considerado um dos gurus em projecto de estruturas finas em aço inoxidável dos EUA, foi
condecorado pelo governo dos EUA pelos serviços relevantes ao País. Tem várias patentes registadas
em seu nome. Foi o responsável da BUDD pela passagem para a SOREFAME dos processos de
engenharia e consultor da SOREFAME até ao fim da década de 70. Foi um dos “mestres” que muito
contribuiu para o desenvolvimento desta actividade na empresa.
Surge, em 1972, a primeira oportunidade de exportação para os EUA. Uma
empresa especialista em aeronáutica, a Boeing Vertol Co., decide diversificar
negócios e produtos. Não tendo a tecnologia e as referências no sector
ferroviário que eram exigidas, concorre ao fornecimento das unidades para o
Metropolitano de Chicago (CTA), com a SOREFAME como seu parceiro
industrial, para o fabrico das caixas em aço inoxidável (Figura 5). Ganha a
encomenda, e estamos seguros que foi importante na decisão do CTA o facto
de estarmos qualificados, em conformidade com as normas e códigos
americanos. Curiosamente e pela primeira vez, estivemos em competição
com quem nos tinha “ensinado”, a BUDD.

Para a SOREFAME, a experiência do contrato das carruagens para o CTA
com a Boeing, foi fundamental para o processo de crescimento de confiança
e emancipação que se seguiu. Teve, por um lado, de assumir a
responsabilidade dos processos de produção, dado que era o parceiro com o
conhecimento e a tecnologia, e por outro, a possibilidade de acesso a uma
outra forma de olhar as estruturas das caixas.

A Boeing aplicou neste projecto uma equipa com experiência em concepção
de helicópteros e, portanto, com um conhecimento de optimização de
estruturas, que era invulgar no meio dos caminhos de ferro de então. Foi a
oportunidade de estar por dentro e participar num acontecimento raro, que
resultou na viragem dos conceitos e das ideias tradicionais.

Aprendeu-se muito com este projecto, mas para se aprender é necessário
compreender, e compreende-se quando se sabe alguma coisa da matéria.
Do nosso ponto de vista o desenvolvimento do conhecimento e o “saber”,
obrigam a uma organização para o efeito e a uma equipa de pessoas
capazes e motivadas. Tinha crescido uma grande equipa de engenharia.




            Figura 5
CTA - Metropolitano de Chicago, USA
      (Arquivo SOREFAME, 1977)
Modernização das ferramentas de cálculo, a autonomização.

Na década de 70 despontou uma nova metodologia de cálculo de estruturas
já consolidada, do ponto de vista teórico e académico, com inúmeras
publicações científicas internacionais. Referimo-nos ao método de cálculo
com base nos elementos finitos. Em Portugal uma referência pioneira na
formulação dos princípios matemáticos do método, é a do Prof. Arantes de
Oliveira6.

Na SOREFAME, esta nova área de conhecimento foi acolhida no
departamento de desenvolvimento de cálculo, da Direcção de Engenharia do
sector da energia. Com uma estratégica e uma organização dedicada, dava-
se início a uma nova fase, à fase da modernização das ferramentas de
cálculo para apoio à concepção. Na condução desta estratégia e para o
desenvolvimento deste novo conhecimento, um responsável, o Eng.
Encarnação Coelho7, com uma equipa dedicada, foi pioneiro em Portugal na
aplicação do método dos elementos finitos aos equipamentos industriais.

Fez parte desta equipa o responsável pelo desenvolvimento e aplicação
deste novo método de cálculo no sector do Material Circulante, o Eng. Vacas
de Carvalho8, que durante aproximadamente quinze anos, desenvolveu uma
biblioteca de códigos de cálculo baseados no método dos elementos finitos,
particularmente desenhados e adaptados ao tratamento das especificidades
das estruturas das carruagens de caminho de ferro. As caixas, são estruturas
espaciais complexas de parede fina, quase sempre ortotropicas (Figura 3).
Para as analisar, passou a dispor-se de um conjunto de códigos de cálculo
2D e 3D, com uma arquitectura de elementos de viga, de membrana e de
placas, para o cálculo linear de tensões, deslocamentos e fluxos de forças
nas juntas. Aceleraram-se as suas potencialidades com aplicações de pré e
pós processamento que possibilitavam a definição automática de malhas e a
optimização estrutural com função objectivo de tensão ou deformação. Para a
época, eram ferramentas muito práticas e poderosas, como se revelaram em
várias aplicações [1].

Esta biblioteca de programas de cálculo foi, inquestionavelmente,
determinante para o progresso no tratamento de estruturas e, sobretudo,
para os casos mais complexos que os habitualmente tratados até aí. Passou
a ser possível explorar novos conceitos e encontrar soluções optimizadas de
projecto. Despontava a era da simulação virtual de estruturas, detalhando e
analisando-as com uma boa precisão. Faltava, contudo, validar o método e


6
  O Prof. Arantes de Oliveira, Professor Catedrático do Departamento de Engenharia Civil do IST, foi
um quadro da SOREFAME no início da sua carreira.
7
  O Eng. Encarnação Coelho, engenheiro mecânico pelo IST , foi Professor Convidado no
Departamento de Engenharia Mecânica do IST.
8
  O Eng. Vacas de Carvalho, engenheiro mecânico pelo IST, foi responsável pelo Gabinete de Estudos
do Material Circulante, onde criou, na década de 70, um departamento de engenharia especialmente
dedicado ao desenvolvimento e aplicação do método dos elementos finitos ao projecto das carruagens.
Foi autor de grande parte da biblioteca dos códigos de cálculo do Material Circulante. É hoje Assessor
da Administração como responsável pelos projectos estratégicos na Bombardier Transportation SA em
Portugal.
os programas entretanto já disponíveis. Passo fundamental para crescer e
consolidar a confiança, tanto dos projectistas, como dos clientes.

Com a obra da FEPASA para o Brasil, em 1975, surge a primeira
oportunidade de se aplicar o método e testar as capacidades dos programas.
O projecto FEPASA, unidades múltiplas eléctricas para a linha de suburbanos
de São Paulo, tinha características particularmente interessantes para as
potencialidades do método dos elementos finitos. Uma caixa com quatro
portas nas laterais – uma viga em caixão quase sem almas – e uma carga de
compressão estática de acordo com os regulamentos americanos da AAR de
363 toneladas. Com esta topologia e condição de carga, resultavam grandes
deslocamentos que eram de difícil análise pelos métodos clássicos de cálculo
estrutural até aí utilizados.

Como muitas vezes acontece em momentos decisivos, enfrentava-se uma
circunstância que não deixou grandes alternativas de escolha. Tinha chegado
a oportunidade de se aplicarem os programas de elementos finitos. Foi uma
decisão difícil de tomar pela direcção da empresa, que não familiarizada com
esta modernidade, mas sem solução alternativa, suporta o arrojo dos
engenheiros mais jovens, encorajados pelas potencialidades do método já
ensaiado em casos simples.




                               Figura 6
 FEPASA – Unidades Múltiplas Eléctricas para os suburbanos de S. Paulo,
                   Brasil (Arquivo SOREFAME, 1978)
Ao leme desta iniciativa esteve o Eng. José Figueira9, responsável pelo
projecto das caixas da FEPASA. O então jovem engenheiro de estruturas
sobre quem caiu a responsabilidade de “revolucionar” os princípios clássicos
de projecto das caixas e que, sem porventura o ter planeado, traçou o
caminho para a autonomização da SOREFAME nesta área de negócio. Bem
sucedidos nesta experiência, a aplicação à próxima oportunidade foi um
passo mais para a confirmação de uma nova era e forma de se fazer
engenharia das estruturas das caixas no Material Circulante. Foi um factor
diferenciador importante.

Em 1979 o Metropolitano de Lisboa decide-se por uma nova geração de
material circulante em aço inoxidável. Composições de metropolitanos em
aço inoxidável, eram pouco comuns na Europa nessa altura. Os novos
programas de análise estrutural, foram aqui extensivamente aplicados,
contribuindo para a consolidação definitiva desses procedimentos de cálculo
e projecto. Estes programas permitiram uma optimização das caixas do ML
79, que ainda hoje são uma referência de peso por unidade de comprimento
neste tipo de veículos. A partir deste projecto tinha-se virado definitivamente
uma página na história da engenharia do Material Circulante da SOREFAME
que passou a assumir a total responsabilidade pelo que concebia e produzia.




                                  Figura 7
      Unidade ML 79 do Metropolitano de Lisboa (Arquivo SOREFAME, 1984)

Esta iniciativa de desenvolvimento de ferramentas de cálculo, iniciou,
também, uma viragem importante nos investimentos estratégicos, mais
tradicionalmente virados para a engenharia de processo e as tecnologias de
produção. Não menos importante, e como consequência, resultou um
conhecimento e uma destreza na manipulação destas ferramentas, que
9
  O Eng. José Figueira é licenciado em engenharia mecânica pelo IST, foi responsável pelo
departamento de projecto de caixas no Gabinete de Estudos da divisão de Material Circulante da
SOREFAME. Posteriormente, esteve ligado ao desenvolvimento de equipamentos hidroeléctricos e
hidromecânicos, nomeadamente, alternadores. Dotado de uma particular intuição na arte de projectar
estruturas, é um inovador com algumas ideias e soluções patenteadas. Foi um dos “mestres” que criou
uma escola na empresa e com quem tivemos o privilégio de trabalhar.
facilitou a transição posterior, já na década de 90, para os códigos comerciais
com grandes capacidades de cálculo linear e não linear.




                                  Figura 8
 Ensaio estático de uma caixa do ML e um ensaio de fadiga de um canto de
                      janela (Arquivo SOREFAME, 1994)



Segurança e conforto.

O sucesso dos sistemas ferroviários passa, naturalmente, por diferentes
factores de carácter social, político, económico, ambiental e seguramente que
de entre eles é fundamental, para os utentes, o conforto que o sistema lhes
proporciona e a convicção de segurança.

O envolvimento da SOREFAME em diversas propostas para os EUA na
década de 80, perspectivou de forma clara que a segurança dos veículos se
tornaria num ponto chave em todos os mercados. O processo de
desenvolvimento interno de ferramentas de cálculo, criou uma cultura
determinada em enfrentar novos desafios e confiante de que em Portugal era
possível criarem-se as competências necessárias. O desenvolvimento de
produto nos seus aspectos mais incorpóreos, torna-se determinante para o
sucesso do negócio. Dedicou-se uma particular atenção a dois aspectos que
são cada vez mais imperativos nas sociedades modernas, o conforto e a
segurança.

Com estas novas problemáticas a necessitarem novas competências,
entramos na terceira fase da engenharia, que corresponde ao final da década
de 80 até aos anos 90. Neste período Portugal entra para a Comunidade
Económica Europeia e a SOREFAME integra e lidera iniciativas de projectos
de I&D em diferentes programas de investigação da CEE. Para o efeito cria-
se um departamento de I&D na direcção de engenharia, responsável por
estes projectos. Pela importância destas iniciativas no futuro da empresa,
vamos dedicar-lhe um espaço mais pormenorizado [3].
Figura 9
     Unidades para o SEPTA (Filadélfia) e Metro de Los Angeles, USA
  (São as primeiras obras da SOREFAME projectadas com critérios de crash [8]. Arquivo
                              SOREFAME, 1991 e 1993)

Nas últimas décadas, o transporte ferroviário tem-se modernizado com níveis
importantes de inovação, tanto no transporte de massas como no de alta
velocidade . No que respeita às condições de segurança, quer no material
circulante, quer nas redes e infra-estruturas dos operadores, tem sido
despendido um grande esforço e investimento em software e hardware, que
têm permitido aumentar as cadências das composições e as velocidades de
exploração.

Todavia, os acidentes ferroviários acontecem e muita actividade de
investigação nos últimos quinze anos tem permitido compreender melhor os
mecanismos associados à interacção dinâmica das composições e às
grandes deformações plásticas originadas durante as colisões. Este, tem sido
um dos problemas em que a engenharia do Material Circulante tem
desenvolvido trabalho com impacto internacional, durante os últimos doze
anos [2].

A Sorefame teve a iniciativa de propor um projecto europeu nesta temática,
que foi aprovado e foi o primeiro de um “cluster” de projectos nesta área. O
TRAINCOL - Advanced Design of Crash Fail-Save Train Structures Under
Service And Impact Conditions, no âmbito do programa comunitário BRITE-
EURAM, que decorreu entre 1991 e 1995 com os seguintes parceiros:

Coordenador : SOREFAME (P)

Parceiros : CAF (E), GEC ALSTHOM (F), CP (P), IST (P), UVHC (F), CIC
(UK), SNCF (F) (subcontratada da GEC ALSTHOM)

Um conjunto de especificações e requisitos mínimos de resistência e de
comportamento ao impacto frontal tinham sido produzidos por diferentes
entidades americanas. Contudo, todo o fenómeno ligado à dinâmica das
composições e ao comportamento dos veículos durante uma colisão frontal é
de difícil compreensão e a modelação, utilizando ferramentas de apoio à
concepção das estruturas, não era trivial.
Os principais objectivos deste projecto centravam-se em:

   •   Adquirir uma melhor compreensão dos fenómenos associados ao
       choque, em termos de acelerações, absorção de energia, estragos na
       estrutura e consequências nos passageiros.
   •   Desenvolver uma nova filosofia de projecto dos veículos e das
       estruturas, atendendo às condições acidentais.
   •   Desenvolver e validar métodos avançados de análise e simulação das
       situações de acidentes. Desenvolver ferramentas de apoio à
       concepção de estruturas com diferentes níveis de sofisticação,
       ajustadas às diferentes fases do projecto das caixas. Optimizar a
       concepção das caixas e testá-las para validação.
   •   Propor uma regulamentação europeia para o comportamento dos
       veículos e para as consequências nos passageiros.

Estava-se perante uma forma totalmente nova de se encararem as caixas,
deixaram de ser estruturas projectadas considerando só a resistência
estática, para passarem a ter, para além disso, um comportamento de
colapso controlado, em caso de acidente. Um dos requisitos fundamentais a
ter agora em conta na concepção dos veículos, é, minimizar as acelerações
no veículo e as que os passageiros ficam sujeitos, para os proteger de forma
mais eficaz durante o período de impacto. Os níveis das acelerações estão
condicionadas aos mecanismos de deformação durante o colapso da
estrutura e às energias dissipadas no tempo de propagação desses
mecanismos. Concluiu-se que para um conveniente comportamento de uma
caixa sujeita a impacto frontal, as estruturas das frentes e dos leitos e as
ligações entre elas são decisivas. No âmbito do projecto, conceberam-se
duas soluções base, uma que corresponde aos mecanismos de colapso para
veículos com engatagem central automática e outra, com mecanismos de
colapso equivalentes, mas para carruagens de engatagem tipo UIC, isto é,
com tampões de choque laterais (Figura 10) [4].


                                                     Tampões
            Engatagem central                        laterais



                                1º mecanismo




                                2º mecanismo


                                    Pivot



                              Figura 10
 Mecanismos de colapso dos cabeçotes resultantes do projecto TRAINCOL
      solução para engatagem central e tampões de choque laterais
Os programas 1D e 2D de simulação e cálculo das acelerações,
deslocamentos e energias, bem como do índice de severidade para os
passageiros no caso de um acidente de uma composição contra um
obstáculo qualquer, vieram a revelar-se extremamente úteis para os
projectistas de material circulante. Dos testes realizados, concluiu-se que
estes programas, resultantes do projecto TRAINCOL, apresentavam valores
qualitativa e quantitativamente fiáveis. Contudo, verificou-se também, que os
objectivos a que nos tínhamos proposto eram muito mais vastos e complexos
do que inicialmente se supunha e impossíveis de serem tratados
completamente numa só iniciativa. Porque se trata de um problema com
grande impacto social, um segundo projecto, com um leque mais largo de
parceiros, prosseguiu os propósitos nos quatro anos seguintes [5].




                                  Figura 11
 Projecto TRAINCOL, solução correspondente à engatagem UIC. Simulação
 3D e resultado do teste de crash a 32 km/h efectuado nas instalações e sob
                              supervisão da CP.
               (Relatórios do TRAINCOL e arquivo SOREFAME, 1994)



Os resultados do projecto de investigação TRAINCOL foram aplicados no
contrato das Unidades Múltiplas Eléctricas para a linha da Sintra da CP que
decorreu em paralelo no tempo. Foi atribuído a este projecto o Prémio
Inovação, pela Comissão Europeia, no âmbito da exposição de Sevilha em
1992.
Figura 12
          Unidade Quadrupla Eléctrica para linha de Sintra da CP
              (European Community design Price, de 1994)
                          (Arquivo SOREFAME, 1996)

Na sequência do TRAINCOL, um segundo projecto nesta área de
investigação foi aprovado pela Comissão Europeia, o SAFETRAIN - Train
Crashworthiness for Europe - Railway Vehicle Design and Occupant
Protection, teve uma duração de quatro anos, entre 1996 e 2001 e reuniu os
seguintes parceiros:

Coordenador: SOREFAME (PT)

Parceiros: ERRI 8Foundation European Rail Research Institute (NL), SNCF
(FR), BRR (British Rail Research (GB), DB - Deutsch Bahn (DE), PKP (Polish
State Railways (PL).

Parceiros Associados: IST (PT), FMH (Faculdade de Motricidade Humana
(PT), UVHC ( Université de Valenciennes (FR), Alsthom Transport (FR), De
Dietrich Ferroviaire (FR), CIC - Cranfield Impact Center (GB), Alsthom/Metro-
Cammell (GB), IFS (Institut für Schienenfahrzeuge (DE), TUD (Technische
Universität Dresden (DE), SIEMENS (DE), DWA - Deutsche Waggonbau
(DE).

Um dos principais objectivos deste projecto visava contribuir para as normas
e códigos de construção de veículos ferroviários, baseada em medidas que
melhorassem o seu comportamento ao choque frontal e, naturalmente, a
segurança dos passageiros e das tripulações. Com base nos resultados
deste projecto de investigação, está em curso a formulação da futura norma
europeia, no âmbito do CEN, por forma a regulamentar o comportamento ao
choque dos veículos ferroviários, como previsto nas actuais especificações
de interoperabilidade no espaço europeu.
Este projecto terminou da melhor maneira, foi um dos sete projectos
seleccionados, pela Comissão Europeia, para a atribuição do Prémio
Descarte em 2000. O Prémio Descarte é um dos galardões mais prestigiados
para resultados científicos com impacto relevante para a sociedade. Não
ganhou o prémio, mas o facto de ter sido o único projecto com carácter
industrial, dos sete finalistas, foi recompensa reconfortante para um grupo
incansável de investigadores e engenheiros nacionais e europeus, que têm
contribuído para o desenvolvimento deste sistema de transporte [10].




                                Figura 13
Projecto SAFETRAIN, Simulação de passageiro sentado e teste de validação
         de crash para 36 km/h de uma estrutura da frente e cabina
                (Relatórios técnicos do projecto B-E Safetrain, 2000)

Pode concluir-se que, neste âmbito, uma visão antecipada das
condicionantes do mercado, e muito trabalho, criaram uma área científica de
elevado mérito no país e uma diferenciação na empresa ao nível do produto
a da sua competitividade, ambas reconhecidas internacionalmente. O facto
de este centro de competência estar centrado na Amadora, tem dado à
empresa uma visibilidade e consideração muito particulares no seio dos
grupos multinacionais a que pertenceu e pertence actualmente, a Bombardier
Transportation.

Os resultados deste projecto foram aplicados na nova geração das unidades
eléctricas para o serviço suburbano do Porto, o CP 2000, bem como a outros
projectos do grupo Bombardier. Entre o TRAINCOL e o SAFETRAIN foi um
longo caminho para o progresso da segurança neste sistema de transporte.

Um pouco como epílogo do tema, uma terceira iniciativa, deste “cluster” de
projectos europeus, está em curso para os próximos três anos, o projecto
SAFETRAM, que integra um consórcio semelhante ao anterior. Três
problemas fundamentais e inovadores vão ser alvo desta investigação,
centrada nos sistemas ferroviários urbanos de superfície, vulgarmente
conhecidos por eléctricos rápidos:
•   A interacção com os veículos automóveis nas vias partilhadas em
          perímetro urbano;
      •   A interacção com os veículos ferroviários pesados;
      •   e a modelação dos passageiros em pé em caso de acidente.

Em conclusão, muitas das ferramentas de cálculo e concepção das
estruturas de caixas que hoje são “standards” no grupo Bombardier e de
outros parceiros europeus, resultaram destes projectos de investigação.
Estes projectos comunitários contribuíram de forma decisiva para os
progressos alcançados, por duas grandes ordens de razão; porque criaram
um ambiente de investigação que permitiu a conjugação de esforços dos
principais fornecedores e operadores europeus, até aí praticamente
inexistente, e, porque, suportaram parte dos custos elevados dos testes de
validação e recolha de dados, com veículos de diferentes configurações e
para diferentes cenários de impacto.

Reflexo das preocupações com a qualidade de vida dos países mais
desenvolvidos, as exigências relacionadas com o conforto, têm aumentado
por parte dos operadores. Do mesmo modo, e por parte das autoridades
administrativas, têm aumentado, também, as exigências relativas ao ruído e
ao impacte ambiental em geral.

A problemática do conforto apresenta diferentes contornos, desde os
aspectos mais subjectivos e psicológicos, relacionados com a ambiência
proporcionada pelo arranjo de cores, volumetrias e texturas de materiais e
superfícies, aos mais objectivos e mensuráveis, como a ergonomia, as
vibrações e o ruído. A SOREFAME participou em dois projectos comunitários
de investigação, no âmbito do programa BRITE-EURAM, para melhor tratar
os aspectos relacionados com as vibrações e ruído.

Acontece com alguma frequência aos construtores de equipamentos de
transporte (automóveis, autocarros, aviões e comboios) e às empresas
transportadoras, terem de enfrentar problemas decorrentes de níveis de
vibrações com frequências e amplitudes incómodas para os passageiros.
Estes problemas, após a construção dos veículos, são normalmente de difícil
solução e com custos elevados. A SOREFAME participou no projecto
UPDYN - New Integrated Updating Tools for Transportation Vehicle Vibration
Quality Improvement, no âmbito do programa BRITE - EURAM, com a
duração de três anos, entre1993 e 1996, e os seguintes parceiros:

Coordenador: INTESPACE (FR)

Parceiros: SOREFAME (PT), BMW (DE), PSA Peugeot Citroën (FR), IST
(PT), Université de Besançon Franche-Comté (FR), University of Wales (GB),
Universität Gesamthochschule - Kassel (DE).

As indústrias de equipamento de transporte e em particular a automóvel e a
ferroviária têm enfrentado grandes desafios para melhorar substancialmente
os custos de produção e reduzir os ciclos e os custos de desenvolvimento de
novos produtos. O conforto tem vindo a tornar-se um requisito fundamental e
um factor de competitividade importante que obriga a processos longos e
sofisticados para o desenvolvimento dos veículos.

As vibrações e a qualidade acústica são o resultado de um equilíbrio subtil
entre inúmeros factores. A qualidade analítica dos modelos de elementos
finitos era o principal factor limitativo para o projecto vibro-acústico dos
veículos. O objectivo principal desta investigação centrava-se, portanto, no
desenvolvimento de procedimentos e ferramentas de análise, usando as
técnicas de “updating” que simplificavam a resolução do problema. Com este
método, melhoraram-se a qualidade e a fiabilidade dos resultados dos
modelos de elementos finitos e simultaneamente, reduziram-se os ciclos de
projecto e desenvolvimento de produto. Este aspecto tem um especial ênfase
na indústria ferroviária, onde o recurso a protótipos para ensaios representa
ciclos de desenvolvimento de produto demasiadamente longos e caros.

Para a indústria ferroviária os principais objectivos foram:

  • Obter a precisão necessária nos resultados dos modelos de elementos
    finitos das caixas, utilizando malhas relativamente grosseiras.

  • Definir modelos dinâmicos equivalentes para as juntas descontínuas
    (soldadura por resistência e a fixação de equipamentos).

  • Definir o método adequado para simulação de condições de fronteira
    dinâmicas, que permitam simular a influência da restante estrutura, e,
    portanto, efectuar uma análise dinâmica equivalente de subestruturas.

Como resultado desta investigação, desenvolveram-se um conjunto de
ferramentas eficazes de análise e tratamento dos problemas de vibrações.
Um resultado particularmente inovador, é a possibilidade de se tratarem
dinamicamente as subestruturas. A utilização das subestruturas, em
modelação dinâmica, não é simples nem trivial, foi tema de uma tese de
doutoramento na Alemanha, na universidade de Kassel, e uma tese de
mestrado no Instituto Superior Técnico (IST) [9].

Outra área importante é o ruído. O controlo do ruído, quer no interior dos
veículos, quer na emissão para o meio envolvente é hoje, como referimos,
um imperativo. O seu tratamento obriga a uma maior sofisticação das
ferramentas de simulação e cálculo na fase de projecto. A SOREFAME, já
como membro do grupo Adtranz, participou no projecto FACTS - Film
Actuators and Active Noise Control for Comfort in Transportation Systems, no
âmbito do programa BRITE - EURAM, com a duração de três anos, entre
1996 e 1999, e os seguintes parceiros :

Coordenador: VTT Manufacturing Technology (FI)

Parceiros: SOREFAME (PT), TNO (Netherlands Organization for Applied
Research (NL), Metravib Recherche Developpment Service S.A. (FR), Rieter
Automotive Systems (IT), ELESA - Italiana Sistemi Inerziali (IT), CRF (Centro
Richerche FIAT) (IT), FORD Werke AG (DE), Alenia Spazio (IT), IST (PT).
Um dos factores que influenciam a qualidade e o conforto nos veículos de
transporte ferroviário é o nível de ruído a que os passageiros estão sujeitos.
A utilização de métodos convencionais de isolamento acústico implica
invariavelmente a obtenção do melhor compromisso entre o aumento de peso
e as necessidades de redução dos níveis de ruído, tanto o emitido para o
exterior como no interior dos veículos.

Este projecto teve como objectivo principal, o desenvolvimento e a aplicação
de métodos de controlo activo de ruído - ANC, Active Noise Control -
baseados na utilização de uma película que actuando como fonte acústica,
produz ondas em oposição de elevada eficiência. Como corolário, resultaram
ferramentas de modelação matemática de grande utilidade para a
engenharia.

Esta película electro-mecânica – EMF, Electro-Mechanically treated Film -
que funciona como sensor e actuador, é um produto inovador e com
aplicações concretas. Dado que tem espessura e peso reduzidos, pode ser
facilmente aplicada nos painéis interiores dos veículos. Convictos na
possibilidade da sua produção em larga escala, é expectável que se
consigam custos de fabrico relativamente baixos e interessantes para uma
aplicação industrial mais generalizada. Pretende-se com este sistema atingir
valores de eficiência iguais ou superiores aos actualmente obtidos com
soluções bastantes mais gravosas em termos de peso. Estão já em
circulação na Europa, locomotivas com sistemas de controlo activo de ruído
deste tipo. Neste projecto foi fundamental a pronta colaboração do
Metropolitano de Lisboa, disponibilizando meios, equipamento e recursos
para a caracterização das fontes de ruído e para os testes de validação
subsequentes.

No início dos anos 90, identificou-se a necessidade e a conveniência de se
modernizar a tecnologia de soldadura por resistência. Efectuaram-se
investimentos importantes, adquirindo dois robots de soldadura por
resistência e mais tarde um terceiro. Esta mudança estratégica, não só do
ponto de vista da qualidade do processo, mas sobretudo, do ponto de vista
das cadências de fabrico, implicou, igualmente, uma mudança significativa
nos métodos de produção. Para se maximizar a utilização destes robots,
seria necessário minimizar os tempos da sua programação. Para estruturas
com mais de vinte metros de comprimento por três de largura, como são as
dos grandes conjuntos que constituem as caixas dos veículos de caminho de
ferro, a solução não era fácil nem trivial.

Para se optimizarem os tempos de “set-up” dos robots, seria necessária a
sua programação em ambiente “off line”, contudo, esta técnica não estava
disponível no mercado para as características das estruturas em causa. Para
o efeito, a SOREFAME participou num projecto de investigação a três anos,
no quadro do programa comunitário ESPRIT, com o principal objectivo de se
estabelecer uma ligação mais directa entre os modelos de CAD e a máquina.
Como resultados deste projecto, dois aspectos inovadores: Um método de
repartição das estruturas a soldar em porções espaciais mais fáceis controlar
tanto dimensionalmente, como as tolerâncias; e a programação dos pontos
de soldadura directamente dos modelos de CAD.




                                 Figura 14
Linha de fabrico de caixas equipada com robots de soldadura por resistência
       e um modelo RobCAD de programação “off line” duma lateral.
                          (Arquivo SOREFAME, 1998)

Este conjunto de áreas e projectos de investigação em que a SOREFAME se
envolveu nos últimos doze anos, foram importantes para o crescimento e
desempenho e afirmação da sua engenharia. Actualmente, colocam-se
exigências e desafios que necessitam de conhecimentos cada vez mais
complexos, especializados e interdisciplinares, que obrigam a uma relação
cada vez mais íntima com o meio científico e tecnológico. Na SOREFAME
houve essa visão, e é interessante constatar que, mesmo no seio de grandes
grupos multinacionais como a Adtranz e presentemente a Bombardier, o
desenvolvimento tecnológico e do conhecimento em diferentes matérias,
conta com a participação de Portugal. É um aspecto, naturalmente,
estimulante para a nova geração de engenheiros da empresa.

A crescente complexidade dos sistemas que hoje integram os veículos
ferroviários e as exigências de “performance”, a que contratualmente os
fornecedores se obrigam, requerem uma engenharia com capacidades e
conhecimentos novos e mais abrangentes. Já no universo do grupo Adtranz,
estabeleceu-se, nos anos 90, um programa de desenvolvimento de novas
competências, alinhado com esta realidade e com uma nova visão de
negócio. A empresa teria de passar, num curto espaço de tempo, a assumir a
integração e a responsabilidade total dos seus produtos. Falamos agora, não
só da integração mecânica, mas, também, da integração eléctrica e da de
comando e controle. Havia um grande caminho a percorrer.

Admitiram-se para a direcção de engenharia mais de trinta novos
engenheiros de diferentes especialidades, alguns com o grau de mestres,
obtidos em anos precedentes, com trabalhos inseridos nos diferentes
projectos de investigação em que a empresa liderou ou participou.
Contrataram-se, também, especialistas do grupo Adtranz e externos, que se
deslocaram para Portugal durante dois a três anos, com a missão de
construírem competências específicas. Prosseguiu-se um plano de formação
dos nossos quadros, deslocando-os, também, para empresas e centros de
excelência do grupo. Foi um investimento de cinco anos a que correspondeu
um esforço humano e financeiro significativos, mas indispensável para se
atingir o nível que hoje se exige.


Soluções plataforma, uma nova estratégia para o produto.

No final da década de 90, ao dobrar do século XX para o século XXI, as
alterações que se anteviam no sistema ferroviário europeu, despontado pelo
exemplo e experiência do Reino Unido, apontam para a necessidade de uma
nova era no material circulante.

O negócio passa a estar mais centrado na promoção da mobilidade de
pessoas e bens, que interessa optimizar por razões de economia e gestão
operacional. Para tal, esboça-se uma nova visão no sector e que assenta em
dois vectores complementares:

   Ao nível dos sistemas, uma oferta mais integrada dos diferentes sistemas,
   mesmo transnacional, com base na interoperabilidade e intermodalidade,
   que assegure fluidez nos percursos; redução dos tempos de viagem;
   redução de custos; conforto e segurança.

   Ao nível do material circulante, a redução dos investimentos iniciais e dos
   custos operacionais (LCC - live cycle costs); redução do tempo para o
   mercado; design e conforto; disponibilidade, fiabilidade e segurança -
   RAMS (reliability, availability, maintainability and safety).

Do lado dos fornecedores dos equipamentos de transporte, a resposta,
circunscrevendo este quadro de variáveis e de condicionantes do mercado,
assentou no desenvolvimento de soluções de veículos em plataformas
configuráveis para os diferentes tipo de serviço a prestar. Os veículos são
cada vez mais um produto cuja integração tem de estar sob a
responsabilidade de uma só empresa, passam a ter uma “marca” e uma
imagem. Para se reduzirem os riscos normalmente associados aos produtos
novos, as plataformas configuráveis traziam a vantagem de se partilharem
soluções testadas em diferentes aplicações e a redução do tempo para o
mercado.

Estamos numa nova fase de desenvolvimento de produto, a exigir novas
competências, áreas técnicas e conhecimentos que sustentem de forma
robusta a actividade de engenharia neste quadro de novos desafios que se
perfilam. Assumir o produto completo e a sua disponibilidade a 100% aos
mais baixos custos de utilização, é tarefa para a qual nos temos vindo a
preparar em vária valências, como se referiu anteriormente.

O design passa a ter uma posição cimeira na definição da imagem do
produto, quer para o operador, quer para o fornecedor. O designer ocupa um
espaço próprio e fundamental no processo de concepção, é actualmente uma
valência indispensável na equipa responsável pelo desenvolvimento das
novas famílias de comboios. É verdadeiramente o designer quem “cria” o
produto, integrando-o no meio e na função, com uma preocupação crescente
na busca da harmonia entre o conforto, funcionalidade, a imagem e o custo.
A partir da década de 90, passámos a integrar nos nossos quadros, técnicos
com formação em design e a recorrer a gabinetes de designers externos.

Uma outra área, agora absolutamente determinante para o desenvolvimento
de produto, é a integração de sistemas. A integração funcional e lógica,
assente nos modernos sistemas “bus” de comando, controlo e diagnóstico; a
integração eléctrica com as exigências crescentes da compatibilidade
electromagnética; a integração mecânica com as suas múltiplas
responsabilidades, que passam pelo comportamento dinâmico, a estabilidade
de circulação, ao ruído, ao controlo de pesos e aos requisitos de RAMS.

O RAMS (Reliability Availability Maintainability and Safety), um conhecimento
a carecer de ferramentas e entendimento por parte das equipas de
engenharia moderna, é uma nova área de conhecimento para o sector
ferroviário. Nascido nas indústrias de ponta, aeroespacial e militar, começa a
disseminar-se a outras aplicações, como instrumento de resposta às
exigências crescentes de disponibilidade e LCC (Live Cycle Cost) e aos
compromissos contratuais correspondentes. Na SOREFAME iniciou-se o
desenvolvimento desta especialidade de engenharia em 1997. Para o efeito
contrataram-se especialistas estrangeiros que durante quatro anos ajudaram
a criar este novo conhecimento na empresa.

Tal como noutras áreas em que a SOREFAME se envolveu, pensamos que
só se conhece verdadeiramente um assunto, quando se vai fundo nos
fundamentos científicos e na aplicação concreta. Como forma de se fixar e
disseminar em Portugal esta nova área de engenharia, promoveu-se um
consórcio do sector, que no âmbito de um projecto mobilizador do PEDIP II,
iniciou o tratamento matemático e a definição de ferramentas de suporte
neste domínio. A primeira aplicação concreta foi no projecto do Metro do
Porto. Deste consórcio fizeram parte o Instituto Superior Técnico e a
Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, a quem coube a
responsabilidade do desenvolvimento científico associado. Estamos
convictos que no futuro todo o desenvolvimento de produto vai assentar em
especificações de RAMS cada vez mais exigente e difíceis de cumprir.

Referimos que a visão actual para o desenvolvimento de produto assenta
numa estratégia de produtos plataforma. Seguiu-se exactamente esse
princípio no projecto do Metro do Porto (Figura 15), ao conceber uma
plataforma de veículos de metropolitanos ligeiros, baseado no veículo de
Estrasburgo, do grupo Adtranz.

Aplicou-se, também, este princípio, na concepção da nova plataforma de
veículos para a CP, as unidades múltiplas eléctricas designadas por CP 2000
(Figura 18), neste caso em consórcio com a Siemens. Ambas, são
plataformas com diferentes configurações e aplicações, suportadas por dois
projectos de investigação, no âmbito do PEDIP II e do POE.
Para o desenvolvimento de plataformas, há necessidade de se estruturar o
produto sob um conjunto de princípios que permitirão configurá-lo nas
diferentes aplicações. Para isso, torna-se necessária toda uma nova
organização da informação e regras e princípios de concepção, que exigem
processos e ferramentas de gestão de produto com uma arquitectura
complexa. Deu-se corpo e implementou-se um sistema de PDM (Product
Data Management) que actualmente suporta a actividade de engenharia na
Bombardier em Portugal e a arquitectura das duas plataformas referidas.




                                Figura 15
              Metro do Porto, nova plataforma EUROTRAM
 (Trofeu Sena da Silva na categoria de Design do Produto e no âmbito dos
                   Prémios Nacionais de Design 2002)
              (Arquivo Bombardier Transportation SA, Portugal, 2002)



Em síntese e de forma gráfica (Figura 16), damos uma visão sobre a
organização e os níveis de intervenção, de uma engenharia moderna,
aplicada ao desenvolvimento de um produto sistémicamente complexo, como
é o caso de um veículo ferroviário. Porque a gestão da informação é cada
vez mais complexa, indicam-se, também, as diferentes interfaces e as
ferramentas de suporte, bem como, as relações externas com os
fornecedores. A noção de fornecedor desvanece-se progressivamente, para
dar lugar à parceria estratégica, cada vez mais relevante e cada vez mais
parte activa no desenvolvimento do produto.
Eng. Veículo alt. nível
                                                                                   Externo
                           Criar         imagem                Desing industrial

                 Configurar                PDM                   PDM, DMU,Configurador
                                        (IT de Eng.)
                                                                       Proc. de eng. Interfaces
                                                                        Performance, RAMS
        Integração sistemas
                                     Processos de Eng.
                                                                           Sistemas “core”
     Engenharia sistemas                                                              Externo
                                        Sistemas
    Engenharia sistemas
                                                                                      Externo
      Componentes                  Gestão de fornecedores


                                   Níveis de Engenharia


                                      Figura 16
                          Organização e níveis de engenharia
   (Comunicação apresentada nas Jornadas de Inovação, organizadas pela Agência de
                              Inovação no Porto, 2001)



As ferramentas de CAD compatíveis com a concepção de produto plataforma
são, actualmente, de modelação 3D com grandes capacidades de definição e
simulação do produto. Dado que há necessidade de trabalharem diferentes
parceiros, internos ou externos, toda a integração mecânica e a gestão das
interfaces, obrigam à partilha dos modelos 3D, em rede e por vários
projectistas em simultâneo. A Bombardier optou e instalou, ao nível do grupo,
uma rede estações CATIA de modelação 3D. Em Portugal, as duas
plataformas referidas, Metro do Porto e CP 2000, foram projectadas nessa
rede de estações CATIA.




        Figura 17
Modelo CATIA da cabina
   do Metro do Porto
(Arquivo técnico da Bombardier PT,
               2001)
Figura 18
          Unidade Múltipla Eléctrica para CP, plataforma CP 2000
                        (Arquivo Bombardier PT, 2002)



As ligações estratégicas

Em todo este tempo, houve ligações a empresas e a instituições que foram
determinantes para os empreendimentos realizados e os progressos
alcançados. Os factores diferenciadores de que demos conta, resultantes de
uma estratégia de negócio assente no desenvolvimento tecnológico e de
conhecimento, foram importantes para todo o processo de integração da
SOREFAME, como actores activos, nos diferentes grupos multinacionais.

Em particular na área das caixas e do comportamento dos veículos ao
choque frontal, normalmente designado por “crashworthiness”, o
conhecimento desenvolvido em Portugal, permitiu assegurar uma
participação relevante nos centros de competência, tanto da Adtranz, como
actualmente da Bombardier. Desta forma construíram-se competências e
capacidades de engenharia, que são respeitadas e partilhadas no grupo.

Em muitas destas áreas trataram-se problemas complexos, igualmente
interessantes para os académicos, dado que se equacionaram problemáticas
e matérias inovadoras e que têm contribuído para o progresso do estado da
arte, em diferentes áreas das ciências de engenharia. Na edificação das
várias competências que temos referido, muito contribuíram as ligações que
se estabeleceram com o meio científico e, em particular, com o
Departamento de Engenharia Mecânica do IST [11, 12 e 14].
Pensamos que se deve sublinhar esta experiência bem sucedida, como um
exemplo da tão almejada ligação universidade/indústria, que tarda em se
banalizar e generalizar no nosso país. Estamos hoje convictos de que esta
nossa experiência, duma relação estável e continuada com o meio
académico, com mais de quinze anos, é disseminável por outros sectores
nacionais. Para tanto, é fundamental que os problemas “reais” das empresas
com uma preocupação de inovação estratégica, se conjuguem com os
interesses de carácter académico e, portanto, oportunidades de progresso
científico, por um lado, e valor acrescentado dos produtos, por outro. Muitos
dos assuntos tratados nos projectos descritos, deram origem a teses de
mestrado e doutoramento, formando-se, assim, técnicos de elevado potencial
e competência. Muitos foram posteriormente integrados nos quadros da
empresa, constituindo um dos seus principais activos.

Pensamos que este aspecto da formação ao mais alto nível académico, de
mestres e doutores, suportada por projectos de investigação que visem a
inovação nas empresas, não é, ainda, bem considerado e aproveitado no
nosso país. A nossa experiência demonstra que, uma estratégia empresarial
que identifique e defina áreas de desenvolvimento e de formação pós-
graduada coerente com os interesses académicos, permite montar projectos
de investigação, que são uma forma sólida e eficaz de se construir uma
capacidade de engenharia de elevada competência e desempenho a custos
baixos. Deve sublinhar-se, que para se obterem resultados sólidos são
necessárias estratégias de médio ou longo prazo. No caso da SOREFAME,
prosseguem-se programas e projectos, em alguns casos, há mais doze anos.

Como em todos os acontecimentos que contribuem para o desenvolvimento
de uma actividade, são, quase sempre, as pessoas, verdadeiros artífices e
protagonistas do progresso, que fazem as coisas acontecer. Não podemos
deixar de particularizar as contribuições dos Profs. Carlos Mota Soares10,
Manuel Seabra Pereira11, Júlio Montalvão e Silva12 e Jorge Ambrósio13, que
com engenho, dedicação, esforço e espírito de parceria, nos ajudaram a
concretizar muitos dos nossos sonhos.

10
   O Prof. Carlos Mota Soares é Professor Catedrático do Departamento de Engenharia Mecânica do
IST, foi delegado científico nacional ao programa BRITE – EURAM durante vários anos e nessa
qualidade introduziu, ainda no primeiro programa quadro, o desenvolvimento da segurança nos
veículos ferroviários. Muito por sua iniciativa e visão, nasceu no país uma área científica relevante. Foi
responsável, em 1981, pelo primeiro projecto de investigação aplicada da SOREFAME.
11
   O Prof. Manuel Seabra Pereira é Professor Catedrático do Departamento de Engenharia Mecânica do
IST, foi pioneiro na área do crash no IST, tendo criado uma escola que é internacionalmente
reconhecida. É vice presidente do ERRAC, European Rail Research Advisory Council, criado em 2001
pela Comissão Europeia. O seu contributo para esta área científica na Europa, ficará indelével. Mantém
uma cooperação permanente com a SOREFAME, há mais de dezoito anos, participando e coordenando
vários projectos de investigação.
12
   O Prof. Júlio Montalvão e Silva é Professor Catedrático do Departamento de Engenharia Mecânica
do IST, foi responsável pelo área científica da dinâmica, desenvolvimento do sistema de ensaios de
dinâmica ferroviária da empresa e pelo RAMS. Tem sido coordenador científico de vários projectos de
investigação da empresa.
13
   O Prof. Jorge Ambrósio é Professor Associado do Departamento de Engenharia Mecânica do IST,
foi responsável pelo desenvolvimento de muitos dos modelos e códigos na área da dinâmica de
estruturas, crash, dinâmica ferroviária e cinemática das composições ferroviárias. Mantém uma ligação
com a SOREFAME, participando e coordenando projectos de investigação há mais de dezasseis anos.
Conclusões

A SOREFAME, fruto do empreendimento e da visão de um homem de
excepcionais capacidades, tem seguido ao longo de várias gerações de
engenheiros a mesma linha de pensamento fundamental, na qual, as
estratégias de negócio devem estar sintonizadas com a visão e a estratégia
de produto e do seu desenvolvimento. Para se concretizar, é necessária uma
engenharia de elevada competência. Mudam-se os tempos, os desafios, as
problemáticas e, até mesmo, a posse, mas a equação para a perenidade da
actividade permanece a mesma; não abrir mão do princípio base de que os
empreendimentos em que se envolve, são para ser tratados com o mais alto
nível de conhecimento, promovendo o seu desenvolvimento se tal for
necessário. É o respeito pelos clientes, e pelas pessoas que confiam e
utilizam os veículos que projectamos.

As exigências de conhecimentos que hoje se colocam ao gabinete de
engenharia para fazer face aos requisitos técnicos e à sofisticação dos
produtos, obrigaram a uma mudança profunda nos perfis e níveis académicos
dos seus elementos. São cada vez mais vastos os conhecimentos em
especialidade, mas também, são cada vez mais necessários conhecimentos
e capacidades integradoras. Nos primeiros trinta anos de actividade, o
gabinete de estudos do Material Circulante tinha um quadro médio de 60 a 70
técnicos, dos quais aproximadamente 30% eram engenheiros. Nos últimos
dez anos para um quadro técnico equiparado, a direcção de engenharia tem
50% de engenheiros, dos quais 10 a 15% têm grau de mestres em diferentes
especialidades. Os custos de engenharia associados ao desenvolvimento de
produto, passam de 3 a 4%, para 4 a 5% das receitas, correspondendo, em
média, entre 1 a 1,5% deste valor aos projectos de investigação.

Em diferentes ocasiões e oportunidades esta linha conduziu à necessidade
de se estabelecerem parcerias estratégicas com o meio académico, que
promoveram uma sustentação científica e a formação especializada dos
nossos quadros. Dos vários projectos de investigação que promovemos e em
que participámos, resultaram factores de diferenciação e competitividade
importantes para a consolidação do negócio.

A integração da SOREFAME no processo de globalização das multinacionais
foi um imperativo, e simultaneamente, um desafio. Imperativo, porque é hoje
praticamente impossível permanecer no mercado, sem se dominarem os
pontos críticos da cadeia de valor, atendendo às crescentes
responsabilidades integradoras, e onde as parcerias começam a ser cada
vez mais difíceis no contexto actual. Desafio, porque só tem lugar neste
contexto de fusões entre empresas e grupos, quem acrescentar valor ao
negócio. Sem as protecções do passado, particularmente nos pequenos
países que representam mercados igualmente pequenos, é cada vez mais
evidente que são, a competência e a capacidade inovadora das empresas, os
factores fundamentais e determinantes para a sua perenidade.
A SOREFAME, que no seu passado, e por razões já apontados, exportou até
à década de 90, quase exclusivamente para o mercado dos EUA, passou a
exportar, também, e a partir de 1997, para o centro da Europa, para
mercados como o da Alemanha, da França e do Reino Unido. Estas
oportunidades surgiram porque estava inserida num grupo multinacional que,
naturalmente gere os seus recursos e capacidades da forma mais eficaz.

“… Para o investidor financeiro, a questão estratégica é a comparação de
remunerações para o seu capital. Para o empresário, a questão estratégica é
a comparação de competitividade. … A localização ou a nacionalidade dos
centros de decisão empresariais não dependem da imposição de restrições
aos movimentos de capitais ou da promessa que as posições accionistas não
serão transaccionadas. O que determina onde estão os centros de decisão é
a posse ou o domínio de uma competência: quem satisfizer este critério será
“dono da sua casa”, onde quer que esteja.” José Manuel de Mello, decano
dos empresários portugueses (Ideias e Negócios, Dezembro de 2002).

Vislumbrando um pouco o que se aponta já para o futuro dos sistemas
ferroviários, de acordo com a visão preconizada no documento publicado
este ano por Steven Ditmieyer, director da Federal Railroad Administration
dos EUA [14], estará a despontar uma nova era, a da integração dos sistema
ferroviários inteligentes. Assim sendo, uma panóplia de novos temas,
problemáticas e desafios, irão necessitar de novos desenvolvimentos
tecnológicos, novos conhecimentos, competências e capacidades de
engenharia mais exigentes e sofisticadas. Sempre com velocidade de
mutação crescente.


Agradecimentos

Os agradecimentos à Direcção e Coordenação Geral do Projecto “Engenho e
Obra: A engenharia em Portugal no século XX”, na pessoa do Prof. Manuel
Heitor, pelo convite formulado para participarmos neste evento consagrado à
história e à memória das realizações da engenharia do século XX. Durante a
segunda metade do século XX, a SOREFAME foi, certamente, protagonista
de muitas realizações no país e no estrangeiro, tendo contribuído de alguma
forma, para o progresso em diferentes áreas. Tentámos registar, o mais
fidedignamente possível, os aspectos relevantes da actividade de engenharia
e dos empreendimentos do Material Circulante da SOREFAME, actualmente
Bombardier Transportation SA.

Os agradecimentos aos colegas que prontamente colaboraram para este
testemunho, ajudando na recolha de imagens, nas buscas históricas e na
revisão do texto.

Uma última palavra de agradecimento para a minha mulher e para as minhas
filhas, pelo apoio incondicional que sempre me deram, pese embora as horas
que tantas vezes lhes roubei, nestes mais de vinte anos em que tive o
privilégio de partilhar muitos destes sonhos.
Referências

[1] -    Cruz M. e Pereira S., “O projecto de estruturas assistido por computador, caixas de
         material circulante”, Congresso da Ordem dos Engenheiros, 1984

[2] -    Cruz M. e Pereira M.S.: “Crashworthiness Analisys and Design of Trains”,
         International Synposium and Advanced Materials for Lightweight Strustures”, ESA,
         Holanda 1994.

[3] -    Miranda N., Bernardo L.M., Cruz M., “Conforto e Segurança, Tecnologias no Material
         Circulante”, Congresso da ADFER, Lisboa 1996.

[4] -    Pereira M.S., Figueiras F.L., Cardoso J.B., Cruz M., “Análise de Impacto de
         Carruagens de Caminho de Ferro”, Simpósio de Mecânica Computacional 1993.

[5] -    Pereira M.S., Ambrósio J., Loureiro R., “Projecto e Concepção de Estruturas de
         Material Circulante para Condições de Impacto”, Conferência em Sistemas de
         Transportes Urbanos, Porto 1997.

[6] -    Ambrósio J., “Análise Dinâmica de Estruturas Complexas”, Dissertação para
         obtenção do grau de Mestre em Engenharia Mecânica, IST ,1984.

[7] -    Ambrósio J., “Elastic-Plastic Large Deformation of Flexible Multibody Systems in
         Crash”, Dissertação para obtenção do grau de Doutor em Engenharia Mecânica, IST
         ,1991.

[8] -    Figueiras L., “Impacto Estrutural e Análise de Choque de Carruagens de Caminho de
         Ferro”, Dissertação para obtenção do grau de Mestre em Engenharia Mecânica, IST
         ,1991.

[9] -    Cunha H., “Melhoramento de Modelos de Elementos Finitos com Aplicação à
         Dinâmica Estrutural de Veículos de Ferroviários”, Dissertação para obtenção do grau
         de Mestre em Engenharia Mecânica, IST,1997.

[10] -   Carvalho A.V., “Managing the safety of passengers and crew in case of collision. The
         Safetrain Project – Train Crashworthiness for Europe”. AIC – 4th Annual Conference
         Railway Safety in Europe, 1998

[11] -   Dias J., “Projecto de Componentes Estruturais de Veículos com base em
         Formulações de Sistemas Mecânicos Rígidos-Flexíveis”, Prémio Científico IBM
         baseado na Dissertação para obtenção do grau de Doutor em Engenharia Mecânica,
         IST, 1999.

[12] -   Milho J., “Dinâmica Planar de Veículos Ferroviários em Condições de Impacto”,
         Dissertação para obtenção do grau de Mestre em Engenharia Mecânica, IST ,2000.

[13] -   Pombo J., “Análise Dinâmica de Veículos Ferroviários ML95 de Metropolitano de
         Lisboa”, Prémio Inovação Jovem Engenheiro 2000, Ordem dos Engenheiros, Lisboa,
         2000.

[14] -   Pombo J., “Modelos Computacionais para Aplicações à Dinâmica Ferroviária”,
         Dissertação para obtenção do grau de Doutor em Engenharia Mecânica, IST, 2003.

[15] -   Ditmieyer S.R., “A vision for the future: Intelligent railroad systems”, Federal Railroad
         Administration, Washington, 2002.

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  • 1. Engenharia e desenvolvimento de produto, uma aplicação ao Material Circulante: a experiência da SOREFAME Manuel Cruz1 Introdução “…trata-se ao fim e ao cabo, de conferir ao País uma preparação acelerada de conhecimentos de técnica e de tecnologia industriais, por forma a vencermos com sucesso o período transitório de adaptação, consentido pela passagem do neo-mercantilismo existente na Europa ao neo-liberalismo que reinará adentro da zona do Mercado Comum Europeu se, pelo seguimento dos acontecimentos, se verificar a necessidade, a vantagem ou a obrigação de nele participarmos.” Estas palavras do fundador da SOREFAME, o Eng. Ângelo Fortes, foram ditas no 2º congresso da Industria Portuguesa, a 3 de Junho de 1957, 14 anos após o estabelecimento da companhia, na então periferia agrícola da Amadora e 30 anos antes da adesão de Portugal ao Mercado Comum Europeu, hoje União Europeia. É absolutamente indissociável da história da SOREFAME, das suas realizações, e da sua contribuição para o desenvolvimento do país, esta visão lúcida do seu fundador sobre a missão da empresa e o papel da engenharia, a necessidade imperiosa de aquisição e desenvolvimento de conhecimentos, técnicas e tecnologias, como suporte estratégico ao negócio e à sua perenidade. Desde sempre, que a SOREFAME foi dotada de um gabinete de estudos com um quadro significativo de engenheiros e projectistas, bem como, de diferentes laboratórios de suporte ao desenvolvimento tecnológico, controlo de qualidade e certificação de produto. Cabe aqui recordar, a título de exemplo, que muito do desenvolvimento da tecnologia de soldadura no país, germinou nos laboratórios de desenvolvimento e qualificação do processo sob a orientação do Eng. Salgado Prata2. Foi o berço do então Instituto de Soldadura, e actual Instituto de Soldadura e Qualidade. Uma grande obra, fruto da iniciativa e da visão do Prof. Luciano Faria3. 1 Quadro da SOREFAME desde 1979, foi responsável no início de carreira pela área de projecto de caixas e pelo departamento de I&D no Material Circulante. Com a integração da SOREFAME na holding Adtranz da ABB e Daimler Chrysler, assume a responsabilidade da direcção Executiva da Engenharia e Desenvolvimento e vogal do Conselho de Administração. É Professor Associado Convidado do Departamento de Engenharia Mecânica do IST e presidente do Conselho Geral do Instituto de Soldadura e Qualidade. 2 Professor Associado do Departamento Engenharia Mecânica da Universidade Nova de Lisboa. O trabalho de investigação que suportou a sua tese de doutoramento, foi realizado nos laboratórios da Direcção de Investigação e Desenvolvimento da SOREFAME. 3 O Prof. Luciano Faria, foi quadro da SOREFAME durante mais de 20 anos, antes de optar pela dedicação exclusiva como Professor Catedrático do Departamento de Engenharia Mecânica do IST.
  • 2. A SOREFAME iniciou a sua actividade industrial em 1943, como resposta aos planos energéticos do País, em particular ao plano de investimento para a electrificação nacional com base na edificação de uma rede de barragens. Para o efeito, estabeleceu com diversos especialistas mundiais um leque de contratos licença e acordos de transferência de tecnologia e conhecimentos, que lhe permitiram um desenvolvimento de produtos sustentado em “saber fazer” e “porquê”. Esta visão de negócio, permitiu que alguns anos mais tarde, se lançasse com segurança à competição em mercados internacionais, iniciando a exportação deste tipo de equipamentos. Alguns aspectos inovadores aplicados em diferentes obras nacionais e internacionais, baseados já numa concepção própria, vieram a resultar em licenciamentos de outros construtores internacionais em concepção e fabrico de equipamentos hidromecânicos semelhantes. Sublinhamos este facto, não só porque é menos conhecido da engenharia portuguesa em geral, mas, fundamentalmente, porque demonstra a coerência de uma estratégia de negócio associada ao produto, em toda a sua cadeia de valor. Baseada nos mesmos princípios estratégicos, a SOREFAME, desenvolveu e estabeleceu outras áreas de negócios. Como corolário do plano de electrificação da rede nacional de caminhos de ferro da CP, surge a oportunidade de uma nova actividade industrial, especializada em material circulante ferroviário. A área de negócio do Material Circulante para caminhos de ferro teve início em 1952, com base numa estratégia de produto e num plano de desenvolvimento da actividade bem definidos. É deste segmento de actividade e negócio da SOREFAME que aqui daremos conta, em particular, das estratégias de desenvolvimento tecnológico e de produto, dos aspectos da engenharia que lhe estão associados e, naturalmente, do seu impacto no negócio. Ao abordar o tema da engenharia dos sistemas de transporte ferroviários, é indispensável uma referência aos operadores. Todo o desenvolvimento do sistema ferroviário teve como principais protagonistas as grandes empresas operadoras europeias e americanas. Tal como noutras actividades industriais, os construtores e fornecedores estiveram balizados e suportados, durante o último século, e em função das influências geográficas, pelas especificações técnicas desses grandes operadores. É, portanto, justa e devida, nesta matéria, uma palavra de referência ao trabalho levado a cabo pelos gabinetes de engenharia da CP e do Metropolitano de Lisboa, membros dessa “família” ferroviária internacional. Os laços que se estabeleceram entre os gabinetes de engenharia da SOREFAME e os correspondentes da CP e do Metropolitano de Lisboa, quer nos contratos de fornecimento, quer em projectos de investigação, foram importantes para o desenvolvimento nacional do sector, mas em particular e objectivamente, para o desenvolvimento das várias famílias de veículos que hoje operam no nosso país, quanto à sua qualidade, segurança, conforto e fiabilidade.
  • 3. Este quadro de relações entre clientes e fornecedores, estabelecido há muito, tem vindo a desvanecer-se progressivamente, de alguma forma, devido à directiva da UE que determina a obrigatoriedade da separação das entidades responsáveis pelas infra-estruturas e pelas operações. Potencia-se e abre- se, por esta via, a oportunidade a operadores privados, sem a cultura técnica do universo tradicional das grandes empresas estatais. É o caso particular e paradigmático do Reino Unido. Esta mudança será uma viragem marcante, com implicações profundas nos sistemas, no negócio e, portanto, nas variáveis do mercado. Pelas consequências que se antevêem, será necessária uma nova visão para o limiar deste terceiro milénio. As relações clássicas entre clientes e fornecedores, que durante décadas mantiveram mais ou menos estáveis os mercados nacionais, particularmente, o dos grandes países, vão, a seu tempo, dar lugar a novos operadores regionais sem a cultura e o conhecimento técnico dos que foram os guardiões do sistema durante mais de um século. Esta questão tem sido alvo de análises cuidadas, particularmente, por parte dos grupos multinacionais. É hoje clara, do ponto de vista estratégico, a necessidade de se dominar o produto no seu todo e ter a capacidade de controlar os pontos críticos da cadeia de valor. Acontecerá cada vez menos a cumplicidade na definição e desenvolvimento dos veículos. Como resposta, e resultante destas novas variáveis, iniciaram-se as concentrações de várias empresas e as fusões de grupos que têm ocorrido na última década. A SOREFAME faz parte deste processo. Integrou a holding nacional SENETE em 1991, passou para o universo da ABB em 1994, a ABB fundiu-se com a Daimler e constituíram o grupo Adtranz em 1996, que finalmente foi adquirido pela Bombardier em 2001. Por forma a enquadrarmos o progresso da actividade de engenharia, das estratégias de desenvolvimento de produto e o seu impacto no negócio, vamos relatar as quatro fases, que consideramos mais marcantes, da vida e da história do Material Circulante: Uma primeira fase, a de início da actividade, que consideramos “clássica”; uma segunda fase, entre a década de 70 a meados de 80, que corresponde ao desenvolvimento de ferramentas modernas de cálculo estático de estruturas, que designaremos por “modernização das ferramentas de cálculo”; uma terceira fase de investigação sobre os problemas associados com a “segurança e conforto”, na qual se tem trabalhado nos últimos doze anos; e a fase actual, que responde à necessidade do desenvolvimento de “produtos plataforma”.
  • 4. O início da actividade, a fase clássica de engenharia. No início da actividade da área de negócios de Material Circulante em 1952, criou-se um gabinete de estudos dedicado a esta especialidade, que arrancou com alguns engenheiros e projectistas com experiência na área da energia, por forma a germinar uma nova área de conhecimento baseada numa cultura, organização e processos de engenharia já estabelecidos na empresa. A esta equipa, juntaram-se novos quadros contratados do exterior com diferentes especialidades de engenharia e arquitectos de interiores, que na época asseguraram o design. Não se tratava já da metalomecânica pesada, estão em causa equipamentos para a mobilidade de pessoas e que, naturalmente, interagem com o homem, do ponto de vista funcional, estético e ergonómico, com incidência no de conforto. Prosseguindo a mesma linha de princípio, no que respeita à estratégia de desenvolvimento de conhecimento e desenvolvimento de produto, estabeleceu-se com a BUDD Company sediada em Filadélfia, nos EUA, um contrato-licença de transferência de tecnologia, processos de engenharia e os respectivos critérios de projecto das estruturas, as caixas. A BUDD foi pioneira na tecnologia do aço inoxidável nos anos 20, e é reconhecida como o berço, não só da tecnologia, mas dos processos, critérios de cálculo e projecto, cujo saber importava conhecer e assimilar para sustentar este novo negócio da SOREFAME. Figura 1 Banco de estirar perfis de aço inoxidável e pinça manual de soldadura por resistência com base em Tecnologia BUDD. (Catálogo SOREFAME de 1964) Durante alguns anos, a SOREFAME prosseguiu um programa e um processo de aprendizagem nos EUA, junto da BUDD, particularmente, nas áreas de engenharia, métodos, produção e ensaios. Por outro lado, desenhou-se, também, o processo de transferência de tecnologia, através do suporte da engenharia da BUDD nas instalações da SOREFAME. Desta forma alicerçou- se a actividade de forma fundamentada e consistente.
  • 5. Nos primeiros vinte anos de actividade do Material Circulante, a SOREFAME projectou e fabricou diferentes tipos de veículos em aço inoxidável para a CP. Carruagens de grande linha tipo salão, compartimentos, bares e restaurantes, bem como, unidades múltiplas eléctricas, diesel e locomotivas, que no total representam mais de 1200 veículos. Figura 2 Unidade Tripla Eléctrica da CP (Arquivo SOREFAME, 1958) Para a área de engenharia de bogies e para os primeiros veículos do Metropolitano de Lisboa, estabeleceram-se contratos-licença com a SCHINDLER WAGONS, suíça, e com a LINKE HOFMANN BUSH, alemã, respectivamente. Esta fase foi essencialmente de estruturação da actividade, dos processos de engenharia e identificação das áreas tecnológicas e de conhecimento a prosseguir e a desenvolver. De uma forma organizada e consistente, solidificaram-se processos, técnicas, tecnologias e formas de trabalho, que foram determinantes no progresso da actividade do Material Circulante da SOREFAME. Quando da primeira oportunidade de exportação para os EUA, tinham-se estabelecido as metodologias, processos e procedimentos que permitiram qualificar a empresa como fornecedora para esse difícil mercado. Como este período foi fundamental e estruturante para a actividade do Material Circulante, vejamos um pouco mais em pormenor como se implementou e progrediu esta área de negócio: Um negócio assenta em processos. Quanto aos processos associados à cadeia de valor do produto, quatro grandes áreas foram tratadas com programas de transferência de tecnologia e desenvolvimento de conhecimento: Engenharia; tecnologias de transformação; produção; qualidade e ensaios. Processos de engenharia. Ao nível da concepção da estrutura – a caixa – em aço inoxidável, e da integração mecânica, transferiram-se e formularam-se todos os processos e procedimentos da actividade de engenharia: Estrutura do produto; organização e programação das actividades; critérios de projecto e cálculo; normas internacionais; especificação e selecção de materiais. Naturalmente que se transferiram
  • 6. da BUDD os critérios e normas americanas. Internamente, reformularam- se os procedimentos, compatibilizando-os, também, com os critérios e normas europeias. Os bogies foram essencialmente produzidos sob licença e com projecto suíço, francês e alemão. Quanto aos interiores, foram desde o início concebidos internamente e maioritariamente de incorporação nacional. Duas actividades integradoras importantes ao nível do veículo; a integração mecânica e a integração eléctrica, esta última, sempre em consórcio com os motorizadores, AEG, Alsthom e Siemens. Do ponto de vista das tecnologias específicas associadas ao produto, identificaram-se três áreas fundamentais ligadas ao aço inoxidável austenítico de alta resistência: Corte, perfilagem e enformação de peças; soldadura por resistência e a arco; montagem final. Ao nível da produção, de acordo com a filosofia e os princípios estabelecidos na BUDD, transferiram-se e implementaram-se as seguintes áreas: i. Organização e gestão do processo produtivo. Implantação do fabrico de peças e subconjuntos e das linhas de montagem, métodos, programação e planeamento operacionais. ii. Logística e alimentação das linhas, bem como toda a gestão de materiais e stoks. iii. Especificação, aquisição e implantação de um conjunto significativo de máquinas e equipamentos necessários e associados às tecnologias a aplicar no processo produtivo. iv. Desenvolvimento das ferramentas e manequins de montagem. Este foi um dos processos, a par do da engenharia, com grande interacção entre a SOREFAME e a BUDD. Trata-se de um conhecimento de “saber fazer” que requer competências teóricas e experiência. Foi uma missão fundamental, da responsabilidade do departamento de métodos. Qualidade. Paralelamente aos procedimentos já em prática no sector dos equipamentos hidromecânicos4, houve necessidade de se implementarem procedimentos específicos ao Material Circulante, dadas as especificidades do produto, dos processos e das tecnologias empregues, a certificar e a controlar. Ensaios e certificação de produto. Criaram-se vários laboratórios especificamente dedicados para se efectuarem os ensaios tipo e série dos veículos, tanto para assegurar as funcionalidades como a validação e certificação de produto. Neste período a SOREFAME teve dois grandes clientes: A CP, o seu primeiro cliente, e o Metropolitano de Lisboa. Para o Metropolitano de Lisboa, 4 O sistema de qualidade já em prática no sector dos equipamentos de energia para barragens, era de um grau de exigência muito elevado, do ponto de vista da garantia da qualidade. Objectivamente, trata- se da fiabilidade e da segurança de equipamentos e sistemas cujas disfunções podem causar acidentes graves com danos elevados.
  • 7. até à década de 70, fabricou as unidades em aço carbono pintadas. Mais tarde, projectou e forneceu em aço inoxidável. Como veremos, a opção pelo aço inoxidável para os veículos do Metropolitano de Lisboa, foi um marco importante e fundamental na empresa. Figura 3 Diagrama 3D da caixa em aço inoxidável do ML79 (Arquivo SOREFAME, 1983) Em resumo, diremos que foi sempre preocupação da direcção da empresa, estruturar-se de forma sólida e perene, estrategicamente ancorada numa visão clara de que é necessário saber fazer mas sabendo “como e porquê”. Para isso, alicerçou-se numa capacidade de engenharia com um leque diferenciado de competências. Figura 4 Instalações na Amadora da SOREFAME, actualmente Bombardier Transportation SA (Arquivo SOREFAME, 1998) Nem tudo foi fácil nestes primeiros tempos. A SOREFAME projectou e produziu várias séries duma família de composições de tracção eléctrica, as UTEs - unidades triplas eléctricas - para o serviço suburbano e regional da CP (Figura 2), as primeiras das quais, deram alguns problemas de difícil resolução.
  • 8. Em concreto, apareceram algumas fendas de fadiga nas primeiras caixas desta família de veículos. Após um estudo pormenorizado do problema, tornou-se clara a origem e a causa. Fendas de fadiga nas zonas termicamente afectadas dos cordões de soldadura no aço inoxidável e nas zonas mais solicitadas. Um fenómeno conhecido teoricamente, como corrosão sob tensão em aços inoxidáveis com grande teor de carbono. Este problema foi ultrapassado, pese embora os custos associados, com um trabalho enorme de um grupo de engenheiros da empresa e da CP, mas que permitiu consolidar um conhecimento não trivial na altura. Prefaciando Albert Deen5, “há duas formas de se chegar a ser um especialista numa área técnica, uma é estudar tudo sobre o assunto, outra será ter de enfrentar um problema grave nesse domínio e resolvê-lo totalmente”. Pensamos que ambas se completam. Dado que estamos, de alguma forma, a registar um pouco da história da engenharia portuguesa do século XX , pensamos que é da máxima justiça uma referência a um grupo de engenheiros, uma primeira geração de pioneiros, que contribuíram de forma relevante para este processo, ajudando a criar a realidade SOREFAME, reconhecida e respeitada no meio internacional. O Eng. João Justo, foi o primeiro quadro a arrancar com a actividade, responsável pelo processo de transferência e implementação dos processos de engenharia e concepção foi director da divisão e administrador da SOREFAME. Eng. Eduardo Magalhães, responsável pelos processos tecnológicos, métodos e produção, foi presidente do Conselho de Administração. Eng. Cunha e Sá, responsável do Gabinete de Estudos. Eng. Manuel Rocha, responsável pelo processo dos laboratórios. Eng. Andrade Gomes, primeiro responsável pelos bogies e o último Director Geral da SOREFAME, antes de ser integrada no grupo Adtranz. Sabe quem experimentou, que não há grandes obras industriais sem a contribuição importante e algumas vezes esquecida, dos “mestres” de saber fazer pelo talento e a sapiência de uma prática esclarecida e virtuosa. Muitas das realizações do Material Circulante da SOREFAME estão incontornavelmente ligadas à contribuição de projectistas e contramestres como: Srs. Pompeu, Fidelis, Armindo Silvério e Manuel Francisco, os primeiros chefes das salas de diferentes especialidades de projecto; e dos Srs. Agostinho Caldeira, Manuel Calado, Pombinho, Boto, António dos Santos e Juvenal, os primeiros contramestres. Para algumas gerações de engenheiros, muita da “escola” que a SOREFAME representou nas suas carreiras, se ficou a dever a estes homens. 5 Albert Deen, foi responsável e pioneiro pela engenharia de concepção de caixas em aço inoxidável na BUDD. Considerado um dos gurus em projecto de estruturas finas em aço inoxidável dos EUA, foi condecorado pelo governo dos EUA pelos serviços relevantes ao País. Tem várias patentes registadas em seu nome. Foi o responsável da BUDD pela passagem para a SOREFAME dos processos de engenharia e consultor da SOREFAME até ao fim da década de 70. Foi um dos “mestres” que muito contribuiu para o desenvolvimento desta actividade na empresa.
  • 9. Surge, em 1972, a primeira oportunidade de exportação para os EUA. Uma empresa especialista em aeronáutica, a Boeing Vertol Co., decide diversificar negócios e produtos. Não tendo a tecnologia e as referências no sector ferroviário que eram exigidas, concorre ao fornecimento das unidades para o Metropolitano de Chicago (CTA), com a SOREFAME como seu parceiro industrial, para o fabrico das caixas em aço inoxidável (Figura 5). Ganha a encomenda, e estamos seguros que foi importante na decisão do CTA o facto de estarmos qualificados, em conformidade com as normas e códigos americanos. Curiosamente e pela primeira vez, estivemos em competição com quem nos tinha “ensinado”, a BUDD. Para a SOREFAME, a experiência do contrato das carruagens para o CTA com a Boeing, foi fundamental para o processo de crescimento de confiança e emancipação que se seguiu. Teve, por um lado, de assumir a responsabilidade dos processos de produção, dado que era o parceiro com o conhecimento e a tecnologia, e por outro, a possibilidade de acesso a uma outra forma de olhar as estruturas das caixas. A Boeing aplicou neste projecto uma equipa com experiência em concepção de helicópteros e, portanto, com um conhecimento de optimização de estruturas, que era invulgar no meio dos caminhos de ferro de então. Foi a oportunidade de estar por dentro e participar num acontecimento raro, que resultou na viragem dos conceitos e das ideias tradicionais. Aprendeu-se muito com este projecto, mas para se aprender é necessário compreender, e compreende-se quando se sabe alguma coisa da matéria. Do nosso ponto de vista o desenvolvimento do conhecimento e o “saber”, obrigam a uma organização para o efeito e a uma equipa de pessoas capazes e motivadas. Tinha crescido uma grande equipa de engenharia. Figura 5 CTA - Metropolitano de Chicago, USA (Arquivo SOREFAME, 1977)
  • 10. Modernização das ferramentas de cálculo, a autonomização. Na década de 70 despontou uma nova metodologia de cálculo de estruturas já consolidada, do ponto de vista teórico e académico, com inúmeras publicações científicas internacionais. Referimo-nos ao método de cálculo com base nos elementos finitos. Em Portugal uma referência pioneira na formulação dos princípios matemáticos do método, é a do Prof. Arantes de Oliveira6. Na SOREFAME, esta nova área de conhecimento foi acolhida no departamento de desenvolvimento de cálculo, da Direcção de Engenharia do sector da energia. Com uma estratégica e uma organização dedicada, dava- se início a uma nova fase, à fase da modernização das ferramentas de cálculo para apoio à concepção. Na condução desta estratégia e para o desenvolvimento deste novo conhecimento, um responsável, o Eng. Encarnação Coelho7, com uma equipa dedicada, foi pioneiro em Portugal na aplicação do método dos elementos finitos aos equipamentos industriais. Fez parte desta equipa o responsável pelo desenvolvimento e aplicação deste novo método de cálculo no sector do Material Circulante, o Eng. Vacas de Carvalho8, que durante aproximadamente quinze anos, desenvolveu uma biblioteca de códigos de cálculo baseados no método dos elementos finitos, particularmente desenhados e adaptados ao tratamento das especificidades das estruturas das carruagens de caminho de ferro. As caixas, são estruturas espaciais complexas de parede fina, quase sempre ortotropicas (Figura 3). Para as analisar, passou a dispor-se de um conjunto de códigos de cálculo 2D e 3D, com uma arquitectura de elementos de viga, de membrana e de placas, para o cálculo linear de tensões, deslocamentos e fluxos de forças nas juntas. Aceleraram-se as suas potencialidades com aplicações de pré e pós processamento que possibilitavam a definição automática de malhas e a optimização estrutural com função objectivo de tensão ou deformação. Para a época, eram ferramentas muito práticas e poderosas, como se revelaram em várias aplicações [1]. Esta biblioteca de programas de cálculo foi, inquestionavelmente, determinante para o progresso no tratamento de estruturas e, sobretudo, para os casos mais complexos que os habitualmente tratados até aí. Passou a ser possível explorar novos conceitos e encontrar soluções optimizadas de projecto. Despontava a era da simulação virtual de estruturas, detalhando e analisando-as com uma boa precisão. Faltava, contudo, validar o método e 6 O Prof. Arantes de Oliveira, Professor Catedrático do Departamento de Engenharia Civil do IST, foi um quadro da SOREFAME no início da sua carreira. 7 O Eng. Encarnação Coelho, engenheiro mecânico pelo IST , foi Professor Convidado no Departamento de Engenharia Mecânica do IST. 8 O Eng. Vacas de Carvalho, engenheiro mecânico pelo IST, foi responsável pelo Gabinete de Estudos do Material Circulante, onde criou, na década de 70, um departamento de engenharia especialmente dedicado ao desenvolvimento e aplicação do método dos elementos finitos ao projecto das carruagens. Foi autor de grande parte da biblioteca dos códigos de cálculo do Material Circulante. É hoje Assessor da Administração como responsável pelos projectos estratégicos na Bombardier Transportation SA em Portugal.
  • 11. os programas entretanto já disponíveis. Passo fundamental para crescer e consolidar a confiança, tanto dos projectistas, como dos clientes. Com a obra da FEPASA para o Brasil, em 1975, surge a primeira oportunidade de se aplicar o método e testar as capacidades dos programas. O projecto FEPASA, unidades múltiplas eléctricas para a linha de suburbanos de São Paulo, tinha características particularmente interessantes para as potencialidades do método dos elementos finitos. Uma caixa com quatro portas nas laterais – uma viga em caixão quase sem almas – e uma carga de compressão estática de acordo com os regulamentos americanos da AAR de 363 toneladas. Com esta topologia e condição de carga, resultavam grandes deslocamentos que eram de difícil análise pelos métodos clássicos de cálculo estrutural até aí utilizados. Como muitas vezes acontece em momentos decisivos, enfrentava-se uma circunstância que não deixou grandes alternativas de escolha. Tinha chegado a oportunidade de se aplicarem os programas de elementos finitos. Foi uma decisão difícil de tomar pela direcção da empresa, que não familiarizada com esta modernidade, mas sem solução alternativa, suporta o arrojo dos engenheiros mais jovens, encorajados pelas potencialidades do método já ensaiado em casos simples. Figura 6 FEPASA – Unidades Múltiplas Eléctricas para os suburbanos de S. Paulo, Brasil (Arquivo SOREFAME, 1978)
  • 12. Ao leme desta iniciativa esteve o Eng. José Figueira9, responsável pelo projecto das caixas da FEPASA. O então jovem engenheiro de estruturas sobre quem caiu a responsabilidade de “revolucionar” os princípios clássicos de projecto das caixas e que, sem porventura o ter planeado, traçou o caminho para a autonomização da SOREFAME nesta área de negócio. Bem sucedidos nesta experiência, a aplicação à próxima oportunidade foi um passo mais para a confirmação de uma nova era e forma de se fazer engenharia das estruturas das caixas no Material Circulante. Foi um factor diferenciador importante. Em 1979 o Metropolitano de Lisboa decide-se por uma nova geração de material circulante em aço inoxidável. Composições de metropolitanos em aço inoxidável, eram pouco comuns na Europa nessa altura. Os novos programas de análise estrutural, foram aqui extensivamente aplicados, contribuindo para a consolidação definitiva desses procedimentos de cálculo e projecto. Estes programas permitiram uma optimização das caixas do ML 79, que ainda hoje são uma referência de peso por unidade de comprimento neste tipo de veículos. A partir deste projecto tinha-se virado definitivamente uma página na história da engenharia do Material Circulante da SOREFAME que passou a assumir a total responsabilidade pelo que concebia e produzia. Figura 7 Unidade ML 79 do Metropolitano de Lisboa (Arquivo SOREFAME, 1984) Esta iniciativa de desenvolvimento de ferramentas de cálculo, iniciou, também, uma viragem importante nos investimentos estratégicos, mais tradicionalmente virados para a engenharia de processo e as tecnologias de produção. Não menos importante, e como consequência, resultou um conhecimento e uma destreza na manipulação destas ferramentas, que 9 O Eng. José Figueira é licenciado em engenharia mecânica pelo IST, foi responsável pelo departamento de projecto de caixas no Gabinete de Estudos da divisão de Material Circulante da SOREFAME. Posteriormente, esteve ligado ao desenvolvimento de equipamentos hidroeléctricos e hidromecânicos, nomeadamente, alternadores. Dotado de uma particular intuição na arte de projectar estruturas, é um inovador com algumas ideias e soluções patenteadas. Foi um dos “mestres” que criou uma escola na empresa e com quem tivemos o privilégio de trabalhar.
  • 13. facilitou a transição posterior, já na década de 90, para os códigos comerciais com grandes capacidades de cálculo linear e não linear. Figura 8 Ensaio estático de uma caixa do ML e um ensaio de fadiga de um canto de janela (Arquivo SOREFAME, 1994) Segurança e conforto. O sucesso dos sistemas ferroviários passa, naturalmente, por diferentes factores de carácter social, político, económico, ambiental e seguramente que de entre eles é fundamental, para os utentes, o conforto que o sistema lhes proporciona e a convicção de segurança. O envolvimento da SOREFAME em diversas propostas para os EUA na década de 80, perspectivou de forma clara que a segurança dos veículos se tornaria num ponto chave em todos os mercados. O processo de desenvolvimento interno de ferramentas de cálculo, criou uma cultura determinada em enfrentar novos desafios e confiante de que em Portugal era possível criarem-se as competências necessárias. O desenvolvimento de produto nos seus aspectos mais incorpóreos, torna-se determinante para o sucesso do negócio. Dedicou-se uma particular atenção a dois aspectos que são cada vez mais imperativos nas sociedades modernas, o conforto e a segurança. Com estas novas problemáticas a necessitarem novas competências, entramos na terceira fase da engenharia, que corresponde ao final da década de 80 até aos anos 90. Neste período Portugal entra para a Comunidade Económica Europeia e a SOREFAME integra e lidera iniciativas de projectos de I&D em diferentes programas de investigação da CEE. Para o efeito cria- se um departamento de I&D na direcção de engenharia, responsável por estes projectos. Pela importância destas iniciativas no futuro da empresa, vamos dedicar-lhe um espaço mais pormenorizado [3].
  • 14. Figura 9 Unidades para o SEPTA (Filadélfia) e Metro de Los Angeles, USA (São as primeiras obras da SOREFAME projectadas com critérios de crash [8]. Arquivo SOREFAME, 1991 e 1993) Nas últimas décadas, o transporte ferroviário tem-se modernizado com níveis importantes de inovação, tanto no transporte de massas como no de alta velocidade . No que respeita às condições de segurança, quer no material circulante, quer nas redes e infra-estruturas dos operadores, tem sido despendido um grande esforço e investimento em software e hardware, que têm permitido aumentar as cadências das composições e as velocidades de exploração. Todavia, os acidentes ferroviários acontecem e muita actividade de investigação nos últimos quinze anos tem permitido compreender melhor os mecanismos associados à interacção dinâmica das composições e às grandes deformações plásticas originadas durante as colisões. Este, tem sido um dos problemas em que a engenharia do Material Circulante tem desenvolvido trabalho com impacto internacional, durante os últimos doze anos [2]. A Sorefame teve a iniciativa de propor um projecto europeu nesta temática, que foi aprovado e foi o primeiro de um “cluster” de projectos nesta área. O TRAINCOL - Advanced Design of Crash Fail-Save Train Structures Under Service And Impact Conditions, no âmbito do programa comunitário BRITE- EURAM, que decorreu entre 1991 e 1995 com os seguintes parceiros: Coordenador : SOREFAME (P) Parceiros : CAF (E), GEC ALSTHOM (F), CP (P), IST (P), UVHC (F), CIC (UK), SNCF (F) (subcontratada da GEC ALSTHOM) Um conjunto de especificações e requisitos mínimos de resistência e de comportamento ao impacto frontal tinham sido produzidos por diferentes entidades americanas. Contudo, todo o fenómeno ligado à dinâmica das composições e ao comportamento dos veículos durante uma colisão frontal é de difícil compreensão e a modelação, utilizando ferramentas de apoio à concepção das estruturas, não era trivial.
  • 15. Os principais objectivos deste projecto centravam-se em: • Adquirir uma melhor compreensão dos fenómenos associados ao choque, em termos de acelerações, absorção de energia, estragos na estrutura e consequências nos passageiros. • Desenvolver uma nova filosofia de projecto dos veículos e das estruturas, atendendo às condições acidentais. • Desenvolver e validar métodos avançados de análise e simulação das situações de acidentes. Desenvolver ferramentas de apoio à concepção de estruturas com diferentes níveis de sofisticação, ajustadas às diferentes fases do projecto das caixas. Optimizar a concepção das caixas e testá-las para validação. • Propor uma regulamentação europeia para o comportamento dos veículos e para as consequências nos passageiros. Estava-se perante uma forma totalmente nova de se encararem as caixas, deixaram de ser estruturas projectadas considerando só a resistência estática, para passarem a ter, para além disso, um comportamento de colapso controlado, em caso de acidente. Um dos requisitos fundamentais a ter agora em conta na concepção dos veículos, é, minimizar as acelerações no veículo e as que os passageiros ficam sujeitos, para os proteger de forma mais eficaz durante o período de impacto. Os níveis das acelerações estão condicionadas aos mecanismos de deformação durante o colapso da estrutura e às energias dissipadas no tempo de propagação desses mecanismos. Concluiu-se que para um conveniente comportamento de uma caixa sujeita a impacto frontal, as estruturas das frentes e dos leitos e as ligações entre elas são decisivas. No âmbito do projecto, conceberam-se duas soluções base, uma que corresponde aos mecanismos de colapso para veículos com engatagem central automática e outra, com mecanismos de colapso equivalentes, mas para carruagens de engatagem tipo UIC, isto é, com tampões de choque laterais (Figura 10) [4]. Tampões Engatagem central laterais 1º mecanismo 2º mecanismo Pivot Figura 10 Mecanismos de colapso dos cabeçotes resultantes do projecto TRAINCOL solução para engatagem central e tampões de choque laterais
  • 16. Os programas 1D e 2D de simulação e cálculo das acelerações, deslocamentos e energias, bem como do índice de severidade para os passageiros no caso de um acidente de uma composição contra um obstáculo qualquer, vieram a revelar-se extremamente úteis para os projectistas de material circulante. Dos testes realizados, concluiu-se que estes programas, resultantes do projecto TRAINCOL, apresentavam valores qualitativa e quantitativamente fiáveis. Contudo, verificou-se também, que os objectivos a que nos tínhamos proposto eram muito mais vastos e complexos do que inicialmente se supunha e impossíveis de serem tratados completamente numa só iniciativa. Porque se trata de um problema com grande impacto social, um segundo projecto, com um leque mais largo de parceiros, prosseguiu os propósitos nos quatro anos seguintes [5]. Figura 11 Projecto TRAINCOL, solução correspondente à engatagem UIC. Simulação 3D e resultado do teste de crash a 32 km/h efectuado nas instalações e sob supervisão da CP. (Relatórios do TRAINCOL e arquivo SOREFAME, 1994) Os resultados do projecto de investigação TRAINCOL foram aplicados no contrato das Unidades Múltiplas Eléctricas para a linha da Sintra da CP que decorreu em paralelo no tempo. Foi atribuído a este projecto o Prémio Inovação, pela Comissão Europeia, no âmbito da exposição de Sevilha em 1992.
  • 17. Figura 12 Unidade Quadrupla Eléctrica para linha de Sintra da CP (European Community design Price, de 1994) (Arquivo SOREFAME, 1996) Na sequência do TRAINCOL, um segundo projecto nesta área de investigação foi aprovado pela Comissão Europeia, o SAFETRAIN - Train Crashworthiness for Europe - Railway Vehicle Design and Occupant Protection, teve uma duração de quatro anos, entre 1996 e 2001 e reuniu os seguintes parceiros: Coordenador: SOREFAME (PT) Parceiros: ERRI 8Foundation European Rail Research Institute (NL), SNCF (FR), BRR (British Rail Research (GB), DB - Deutsch Bahn (DE), PKP (Polish State Railways (PL). Parceiros Associados: IST (PT), FMH (Faculdade de Motricidade Humana (PT), UVHC ( Université de Valenciennes (FR), Alsthom Transport (FR), De Dietrich Ferroviaire (FR), CIC - Cranfield Impact Center (GB), Alsthom/Metro- Cammell (GB), IFS (Institut für Schienenfahrzeuge (DE), TUD (Technische Universität Dresden (DE), SIEMENS (DE), DWA - Deutsche Waggonbau (DE). Um dos principais objectivos deste projecto visava contribuir para as normas e códigos de construção de veículos ferroviários, baseada em medidas que melhorassem o seu comportamento ao choque frontal e, naturalmente, a segurança dos passageiros e das tripulações. Com base nos resultados deste projecto de investigação, está em curso a formulação da futura norma europeia, no âmbito do CEN, por forma a regulamentar o comportamento ao choque dos veículos ferroviários, como previsto nas actuais especificações de interoperabilidade no espaço europeu.
  • 18. Este projecto terminou da melhor maneira, foi um dos sete projectos seleccionados, pela Comissão Europeia, para a atribuição do Prémio Descarte em 2000. O Prémio Descarte é um dos galardões mais prestigiados para resultados científicos com impacto relevante para a sociedade. Não ganhou o prémio, mas o facto de ter sido o único projecto com carácter industrial, dos sete finalistas, foi recompensa reconfortante para um grupo incansável de investigadores e engenheiros nacionais e europeus, que têm contribuído para o desenvolvimento deste sistema de transporte [10]. Figura 13 Projecto SAFETRAIN, Simulação de passageiro sentado e teste de validação de crash para 36 km/h de uma estrutura da frente e cabina (Relatórios técnicos do projecto B-E Safetrain, 2000) Pode concluir-se que, neste âmbito, uma visão antecipada das condicionantes do mercado, e muito trabalho, criaram uma área científica de elevado mérito no país e uma diferenciação na empresa ao nível do produto a da sua competitividade, ambas reconhecidas internacionalmente. O facto de este centro de competência estar centrado na Amadora, tem dado à empresa uma visibilidade e consideração muito particulares no seio dos grupos multinacionais a que pertenceu e pertence actualmente, a Bombardier Transportation. Os resultados deste projecto foram aplicados na nova geração das unidades eléctricas para o serviço suburbano do Porto, o CP 2000, bem como a outros projectos do grupo Bombardier. Entre o TRAINCOL e o SAFETRAIN foi um longo caminho para o progresso da segurança neste sistema de transporte. Um pouco como epílogo do tema, uma terceira iniciativa, deste “cluster” de projectos europeus, está em curso para os próximos três anos, o projecto SAFETRAM, que integra um consórcio semelhante ao anterior. Três problemas fundamentais e inovadores vão ser alvo desta investigação, centrada nos sistemas ferroviários urbanos de superfície, vulgarmente conhecidos por eléctricos rápidos:
  • 19. A interacção com os veículos automóveis nas vias partilhadas em perímetro urbano; • A interacção com os veículos ferroviários pesados; • e a modelação dos passageiros em pé em caso de acidente. Em conclusão, muitas das ferramentas de cálculo e concepção das estruturas de caixas que hoje são “standards” no grupo Bombardier e de outros parceiros europeus, resultaram destes projectos de investigação. Estes projectos comunitários contribuíram de forma decisiva para os progressos alcançados, por duas grandes ordens de razão; porque criaram um ambiente de investigação que permitiu a conjugação de esforços dos principais fornecedores e operadores europeus, até aí praticamente inexistente, e, porque, suportaram parte dos custos elevados dos testes de validação e recolha de dados, com veículos de diferentes configurações e para diferentes cenários de impacto. Reflexo das preocupações com a qualidade de vida dos países mais desenvolvidos, as exigências relacionadas com o conforto, têm aumentado por parte dos operadores. Do mesmo modo, e por parte das autoridades administrativas, têm aumentado, também, as exigências relativas ao ruído e ao impacte ambiental em geral. A problemática do conforto apresenta diferentes contornos, desde os aspectos mais subjectivos e psicológicos, relacionados com a ambiência proporcionada pelo arranjo de cores, volumetrias e texturas de materiais e superfícies, aos mais objectivos e mensuráveis, como a ergonomia, as vibrações e o ruído. A SOREFAME participou em dois projectos comunitários de investigação, no âmbito do programa BRITE-EURAM, para melhor tratar os aspectos relacionados com as vibrações e ruído. Acontece com alguma frequência aos construtores de equipamentos de transporte (automóveis, autocarros, aviões e comboios) e às empresas transportadoras, terem de enfrentar problemas decorrentes de níveis de vibrações com frequências e amplitudes incómodas para os passageiros. Estes problemas, após a construção dos veículos, são normalmente de difícil solução e com custos elevados. A SOREFAME participou no projecto UPDYN - New Integrated Updating Tools for Transportation Vehicle Vibration Quality Improvement, no âmbito do programa BRITE - EURAM, com a duração de três anos, entre1993 e 1996, e os seguintes parceiros: Coordenador: INTESPACE (FR) Parceiros: SOREFAME (PT), BMW (DE), PSA Peugeot Citroën (FR), IST (PT), Université de Besançon Franche-Comté (FR), University of Wales (GB), Universität Gesamthochschule - Kassel (DE). As indústrias de equipamento de transporte e em particular a automóvel e a ferroviária têm enfrentado grandes desafios para melhorar substancialmente os custos de produção e reduzir os ciclos e os custos de desenvolvimento de novos produtos. O conforto tem vindo a tornar-se um requisito fundamental e
  • 20. um factor de competitividade importante que obriga a processos longos e sofisticados para o desenvolvimento dos veículos. As vibrações e a qualidade acústica são o resultado de um equilíbrio subtil entre inúmeros factores. A qualidade analítica dos modelos de elementos finitos era o principal factor limitativo para o projecto vibro-acústico dos veículos. O objectivo principal desta investigação centrava-se, portanto, no desenvolvimento de procedimentos e ferramentas de análise, usando as técnicas de “updating” que simplificavam a resolução do problema. Com este método, melhoraram-se a qualidade e a fiabilidade dos resultados dos modelos de elementos finitos e simultaneamente, reduziram-se os ciclos de projecto e desenvolvimento de produto. Este aspecto tem um especial ênfase na indústria ferroviária, onde o recurso a protótipos para ensaios representa ciclos de desenvolvimento de produto demasiadamente longos e caros. Para a indústria ferroviária os principais objectivos foram: • Obter a precisão necessária nos resultados dos modelos de elementos finitos das caixas, utilizando malhas relativamente grosseiras. • Definir modelos dinâmicos equivalentes para as juntas descontínuas (soldadura por resistência e a fixação de equipamentos). • Definir o método adequado para simulação de condições de fronteira dinâmicas, que permitam simular a influência da restante estrutura, e, portanto, efectuar uma análise dinâmica equivalente de subestruturas. Como resultado desta investigação, desenvolveram-se um conjunto de ferramentas eficazes de análise e tratamento dos problemas de vibrações. Um resultado particularmente inovador, é a possibilidade de se tratarem dinamicamente as subestruturas. A utilização das subestruturas, em modelação dinâmica, não é simples nem trivial, foi tema de uma tese de doutoramento na Alemanha, na universidade de Kassel, e uma tese de mestrado no Instituto Superior Técnico (IST) [9]. Outra área importante é o ruído. O controlo do ruído, quer no interior dos veículos, quer na emissão para o meio envolvente é hoje, como referimos, um imperativo. O seu tratamento obriga a uma maior sofisticação das ferramentas de simulação e cálculo na fase de projecto. A SOREFAME, já como membro do grupo Adtranz, participou no projecto FACTS - Film Actuators and Active Noise Control for Comfort in Transportation Systems, no âmbito do programa BRITE - EURAM, com a duração de três anos, entre 1996 e 1999, e os seguintes parceiros : Coordenador: VTT Manufacturing Technology (FI) Parceiros: SOREFAME (PT), TNO (Netherlands Organization for Applied Research (NL), Metravib Recherche Developpment Service S.A. (FR), Rieter Automotive Systems (IT), ELESA - Italiana Sistemi Inerziali (IT), CRF (Centro Richerche FIAT) (IT), FORD Werke AG (DE), Alenia Spazio (IT), IST (PT).
  • 21. Um dos factores que influenciam a qualidade e o conforto nos veículos de transporte ferroviário é o nível de ruído a que os passageiros estão sujeitos. A utilização de métodos convencionais de isolamento acústico implica invariavelmente a obtenção do melhor compromisso entre o aumento de peso e as necessidades de redução dos níveis de ruído, tanto o emitido para o exterior como no interior dos veículos. Este projecto teve como objectivo principal, o desenvolvimento e a aplicação de métodos de controlo activo de ruído - ANC, Active Noise Control - baseados na utilização de uma película que actuando como fonte acústica, produz ondas em oposição de elevada eficiência. Como corolário, resultaram ferramentas de modelação matemática de grande utilidade para a engenharia. Esta película electro-mecânica – EMF, Electro-Mechanically treated Film - que funciona como sensor e actuador, é um produto inovador e com aplicações concretas. Dado que tem espessura e peso reduzidos, pode ser facilmente aplicada nos painéis interiores dos veículos. Convictos na possibilidade da sua produção em larga escala, é expectável que se consigam custos de fabrico relativamente baixos e interessantes para uma aplicação industrial mais generalizada. Pretende-se com este sistema atingir valores de eficiência iguais ou superiores aos actualmente obtidos com soluções bastantes mais gravosas em termos de peso. Estão já em circulação na Europa, locomotivas com sistemas de controlo activo de ruído deste tipo. Neste projecto foi fundamental a pronta colaboração do Metropolitano de Lisboa, disponibilizando meios, equipamento e recursos para a caracterização das fontes de ruído e para os testes de validação subsequentes. No início dos anos 90, identificou-se a necessidade e a conveniência de se modernizar a tecnologia de soldadura por resistência. Efectuaram-se investimentos importantes, adquirindo dois robots de soldadura por resistência e mais tarde um terceiro. Esta mudança estratégica, não só do ponto de vista da qualidade do processo, mas sobretudo, do ponto de vista das cadências de fabrico, implicou, igualmente, uma mudança significativa nos métodos de produção. Para se maximizar a utilização destes robots, seria necessário minimizar os tempos da sua programação. Para estruturas com mais de vinte metros de comprimento por três de largura, como são as dos grandes conjuntos que constituem as caixas dos veículos de caminho de ferro, a solução não era fácil nem trivial. Para se optimizarem os tempos de “set-up” dos robots, seria necessária a sua programação em ambiente “off line”, contudo, esta técnica não estava disponível no mercado para as características das estruturas em causa. Para o efeito, a SOREFAME participou num projecto de investigação a três anos, no quadro do programa comunitário ESPRIT, com o principal objectivo de se estabelecer uma ligação mais directa entre os modelos de CAD e a máquina. Como resultados deste projecto, dois aspectos inovadores: Um método de repartição das estruturas a soldar em porções espaciais mais fáceis controlar
  • 22. tanto dimensionalmente, como as tolerâncias; e a programação dos pontos de soldadura directamente dos modelos de CAD. Figura 14 Linha de fabrico de caixas equipada com robots de soldadura por resistência e um modelo RobCAD de programação “off line” duma lateral. (Arquivo SOREFAME, 1998) Este conjunto de áreas e projectos de investigação em que a SOREFAME se envolveu nos últimos doze anos, foram importantes para o crescimento e desempenho e afirmação da sua engenharia. Actualmente, colocam-se exigências e desafios que necessitam de conhecimentos cada vez mais complexos, especializados e interdisciplinares, que obrigam a uma relação cada vez mais íntima com o meio científico e tecnológico. Na SOREFAME houve essa visão, e é interessante constatar que, mesmo no seio de grandes grupos multinacionais como a Adtranz e presentemente a Bombardier, o desenvolvimento tecnológico e do conhecimento em diferentes matérias, conta com a participação de Portugal. É um aspecto, naturalmente, estimulante para a nova geração de engenheiros da empresa. A crescente complexidade dos sistemas que hoje integram os veículos ferroviários e as exigências de “performance”, a que contratualmente os fornecedores se obrigam, requerem uma engenharia com capacidades e conhecimentos novos e mais abrangentes. Já no universo do grupo Adtranz, estabeleceu-se, nos anos 90, um programa de desenvolvimento de novas competências, alinhado com esta realidade e com uma nova visão de negócio. A empresa teria de passar, num curto espaço de tempo, a assumir a integração e a responsabilidade total dos seus produtos. Falamos agora, não só da integração mecânica, mas, também, da integração eléctrica e da de comando e controle. Havia um grande caminho a percorrer. Admitiram-se para a direcção de engenharia mais de trinta novos engenheiros de diferentes especialidades, alguns com o grau de mestres, obtidos em anos precedentes, com trabalhos inseridos nos diferentes projectos de investigação em que a empresa liderou ou participou. Contrataram-se, também, especialistas do grupo Adtranz e externos, que se deslocaram para Portugal durante dois a três anos, com a missão de
  • 23. construírem competências específicas. Prosseguiu-se um plano de formação dos nossos quadros, deslocando-os, também, para empresas e centros de excelência do grupo. Foi um investimento de cinco anos a que correspondeu um esforço humano e financeiro significativos, mas indispensável para se atingir o nível que hoje se exige. Soluções plataforma, uma nova estratégia para o produto. No final da década de 90, ao dobrar do século XX para o século XXI, as alterações que se anteviam no sistema ferroviário europeu, despontado pelo exemplo e experiência do Reino Unido, apontam para a necessidade de uma nova era no material circulante. O negócio passa a estar mais centrado na promoção da mobilidade de pessoas e bens, que interessa optimizar por razões de economia e gestão operacional. Para tal, esboça-se uma nova visão no sector e que assenta em dois vectores complementares: Ao nível dos sistemas, uma oferta mais integrada dos diferentes sistemas, mesmo transnacional, com base na interoperabilidade e intermodalidade, que assegure fluidez nos percursos; redução dos tempos de viagem; redução de custos; conforto e segurança. Ao nível do material circulante, a redução dos investimentos iniciais e dos custos operacionais (LCC - live cycle costs); redução do tempo para o mercado; design e conforto; disponibilidade, fiabilidade e segurança - RAMS (reliability, availability, maintainability and safety). Do lado dos fornecedores dos equipamentos de transporte, a resposta, circunscrevendo este quadro de variáveis e de condicionantes do mercado, assentou no desenvolvimento de soluções de veículos em plataformas configuráveis para os diferentes tipo de serviço a prestar. Os veículos são cada vez mais um produto cuja integração tem de estar sob a responsabilidade de uma só empresa, passam a ter uma “marca” e uma imagem. Para se reduzirem os riscos normalmente associados aos produtos novos, as plataformas configuráveis traziam a vantagem de se partilharem soluções testadas em diferentes aplicações e a redução do tempo para o mercado. Estamos numa nova fase de desenvolvimento de produto, a exigir novas competências, áreas técnicas e conhecimentos que sustentem de forma robusta a actividade de engenharia neste quadro de novos desafios que se perfilam. Assumir o produto completo e a sua disponibilidade a 100% aos mais baixos custos de utilização, é tarefa para a qual nos temos vindo a preparar em vária valências, como se referiu anteriormente. O design passa a ter uma posição cimeira na definição da imagem do produto, quer para o operador, quer para o fornecedor. O designer ocupa um espaço próprio e fundamental no processo de concepção, é actualmente uma
  • 24. valência indispensável na equipa responsável pelo desenvolvimento das novas famílias de comboios. É verdadeiramente o designer quem “cria” o produto, integrando-o no meio e na função, com uma preocupação crescente na busca da harmonia entre o conforto, funcionalidade, a imagem e o custo. A partir da década de 90, passámos a integrar nos nossos quadros, técnicos com formação em design e a recorrer a gabinetes de designers externos. Uma outra área, agora absolutamente determinante para o desenvolvimento de produto, é a integração de sistemas. A integração funcional e lógica, assente nos modernos sistemas “bus” de comando, controlo e diagnóstico; a integração eléctrica com as exigências crescentes da compatibilidade electromagnética; a integração mecânica com as suas múltiplas responsabilidades, que passam pelo comportamento dinâmico, a estabilidade de circulação, ao ruído, ao controlo de pesos e aos requisitos de RAMS. O RAMS (Reliability Availability Maintainability and Safety), um conhecimento a carecer de ferramentas e entendimento por parte das equipas de engenharia moderna, é uma nova área de conhecimento para o sector ferroviário. Nascido nas indústrias de ponta, aeroespacial e militar, começa a disseminar-se a outras aplicações, como instrumento de resposta às exigências crescentes de disponibilidade e LCC (Live Cycle Cost) e aos compromissos contratuais correspondentes. Na SOREFAME iniciou-se o desenvolvimento desta especialidade de engenharia em 1997. Para o efeito contrataram-se especialistas estrangeiros que durante quatro anos ajudaram a criar este novo conhecimento na empresa. Tal como noutras áreas em que a SOREFAME se envolveu, pensamos que só se conhece verdadeiramente um assunto, quando se vai fundo nos fundamentos científicos e na aplicação concreta. Como forma de se fixar e disseminar em Portugal esta nova área de engenharia, promoveu-se um consórcio do sector, que no âmbito de um projecto mobilizador do PEDIP II, iniciou o tratamento matemático e a definição de ferramentas de suporte neste domínio. A primeira aplicação concreta foi no projecto do Metro do Porto. Deste consórcio fizeram parte o Instituto Superior Técnico e a Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, a quem coube a responsabilidade do desenvolvimento científico associado. Estamos convictos que no futuro todo o desenvolvimento de produto vai assentar em especificações de RAMS cada vez mais exigente e difíceis de cumprir. Referimos que a visão actual para o desenvolvimento de produto assenta numa estratégia de produtos plataforma. Seguiu-se exactamente esse princípio no projecto do Metro do Porto (Figura 15), ao conceber uma plataforma de veículos de metropolitanos ligeiros, baseado no veículo de Estrasburgo, do grupo Adtranz. Aplicou-se, também, este princípio, na concepção da nova plataforma de veículos para a CP, as unidades múltiplas eléctricas designadas por CP 2000 (Figura 18), neste caso em consórcio com a Siemens. Ambas, são plataformas com diferentes configurações e aplicações, suportadas por dois projectos de investigação, no âmbito do PEDIP II e do POE.
  • 25. Para o desenvolvimento de plataformas, há necessidade de se estruturar o produto sob um conjunto de princípios que permitirão configurá-lo nas diferentes aplicações. Para isso, torna-se necessária toda uma nova organização da informação e regras e princípios de concepção, que exigem processos e ferramentas de gestão de produto com uma arquitectura complexa. Deu-se corpo e implementou-se um sistema de PDM (Product Data Management) que actualmente suporta a actividade de engenharia na Bombardier em Portugal e a arquitectura das duas plataformas referidas. Figura 15 Metro do Porto, nova plataforma EUROTRAM (Trofeu Sena da Silva na categoria de Design do Produto e no âmbito dos Prémios Nacionais de Design 2002) (Arquivo Bombardier Transportation SA, Portugal, 2002) Em síntese e de forma gráfica (Figura 16), damos uma visão sobre a organização e os níveis de intervenção, de uma engenharia moderna, aplicada ao desenvolvimento de um produto sistémicamente complexo, como é o caso de um veículo ferroviário. Porque a gestão da informação é cada vez mais complexa, indicam-se, também, as diferentes interfaces e as ferramentas de suporte, bem como, as relações externas com os fornecedores. A noção de fornecedor desvanece-se progressivamente, para dar lugar à parceria estratégica, cada vez mais relevante e cada vez mais parte activa no desenvolvimento do produto.
  • 26. Eng. Veículo alt. nível Externo Criar imagem Desing industrial Configurar PDM PDM, DMU,Configurador (IT de Eng.) Proc. de eng. Interfaces Performance, RAMS Integração sistemas Processos de Eng. Sistemas “core” Engenharia sistemas Externo Sistemas Engenharia sistemas Externo Componentes Gestão de fornecedores Níveis de Engenharia Figura 16 Organização e níveis de engenharia (Comunicação apresentada nas Jornadas de Inovação, organizadas pela Agência de Inovação no Porto, 2001) As ferramentas de CAD compatíveis com a concepção de produto plataforma são, actualmente, de modelação 3D com grandes capacidades de definição e simulação do produto. Dado que há necessidade de trabalharem diferentes parceiros, internos ou externos, toda a integração mecânica e a gestão das interfaces, obrigam à partilha dos modelos 3D, em rede e por vários projectistas em simultâneo. A Bombardier optou e instalou, ao nível do grupo, uma rede estações CATIA de modelação 3D. Em Portugal, as duas plataformas referidas, Metro do Porto e CP 2000, foram projectadas nessa rede de estações CATIA. Figura 17 Modelo CATIA da cabina do Metro do Porto (Arquivo técnico da Bombardier PT, 2001)
  • 27. Figura 18 Unidade Múltipla Eléctrica para CP, plataforma CP 2000 (Arquivo Bombardier PT, 2002) As ligações estratégicas Em todo este tempo, houve ligações a empresas e a instituições que foram determinantes para os empreendimentos realizados e os progressos alcançados. Os factores diferenciadores de que demos conta, resultantes de uma estratégia de negócio assente no desenvolvimento tecnológico e de conhecimento, foram importantes para todo o processo de integração da SOREFAME, como actores activos, nos diferentes grupos multinacionais. Em particular na área das caixas e do comportamento dos veículos ao choque frontal, normalmente designado por “crashworthiness”, o conhecimento desenvolvido em Portugal, permitiu assegurar uma participação relevante nos centros de competência, tanto da Adtranz, como actualmente da Bombardier. Desta forma construíram-se competências e capacidades de engenharia, que são respeitadas e partilhadas no grupo. Em muitas destas áreas trataram-se problemas complexos, igualmente interessantes para os académicos, dado que se equacionaram problemáticas e matérias inovadoras e que têm contribuído para o progresso do estado da arte, em diferentes áreas das ciências de engenharia. Na edificação das várias competências que temos referido, muito contribuíram as ligações que se estabeleceram com o meio científico e, em particular, com o Departamento de Engenharia Mecânica do IST [11, 12 e 14].
  • 28. Pensamos que se deve sublinhar esta experiência bem sucedida, como um exemplo da tão almejada ligação universidade/indústria, que tarda em se banalizar e generalizar no nosso país. Estamos hoje convictos de que esta nossa experiência, duma relação estável e continuada com o meio académico, com mais de quinze anos, é disseminável por outros sectores nacionais. Para tanto, é fundamental que os problemas “reais” das empresas com uma preocupação de inovação estratégica, se conjuguem com os interesses de carácter académico e, portanto, oportunidades de progresso científico, por um lado, e valor acrescentado dos produtos, por outro. Muitos dos assuntos tratados nos projectos descritos, deram origem a teses de mestrado e doutoramento, formando-se, assim, técnicos de elevado potencial e competência. Muitos foram posteriormente integrados nos quadros da empresa, constituindo um dos seus principais activos. Pensamos que este aspecto da formação ao mais alto nível académico, de mestres e doutores, suportada por projectos de investigação que visem a inovação nas empresas, não é, ainda, bem considerado e aproveitado no nosso país. A nossa experiência demonstra que, uma estratégia empresarial que identifique e defina áreas de desenvolvimento e de formação pós- graduada coerente com os interesses académicos, permite montar projectos de investigação, que são uma forma sólida e eficaz de se construir uma capacidade de engenharia de elevada competência e desempenho a custos baixos. Deve sublinhar-se, que para se obterem resultados sólidos são necessárias estratégias de médio ou longo prazo. No caso da SOREFAME, prosseguem-se programas e projectos, em alguns casos, há mais doze anos. Como em todos os acontecimentos que contribuem para o desenvolvimento de uma actividade, são, quase sempre, as pessoas, verdadeiros artífices e protagonistas do progresso, que fazem as coisas acontecer. Não podemos deixar de particularizar as contribuições dos Profs. Carlos Mota Soares10, Manuel Seabra Pereira11, Júlio Montalvão e Silva12 e Jorge Ambrósio13, que com engenho, dedicação, esforço e espírito de parceria, nos ajudaram a concretizar muitos dos nossos sonhos. 10 O Prof. Carlos Mota Soares é Professor Catedrático do Departamento de Engenharia Mecânica do IST, foi delegado científico nacional ao programa BRITE – EURAM durante vários anos e nessa qualidade introduziu, ainda no primeiro programa quadro, o desenvolvimento da segurança nos veículos ferroviários. Muito por sua iniciativa e visão, nasceu no país uma área científica relevante. Foi responsável, em 1981, pelo primeiro projecto de investigação aplicada da SOREFAME. 11 O Prof. Manuel Seabra Pereira é Professor Catedrático do Departamento de Engenharia Mecânica do IST, foi pioneiro na área do crash no IST, tendo criado uma escola que é internacionalmente reconhecida. É vice presidente do ERRAC, European Rail Research Advisory Council, criado em 2001 pela Comissão Europeia. O seu contributo para esta área científica na Europa, ficará indelével. Mantém uma cooperação permanente com a SOREFAME, há mais de dezoito anos, participando e coordenando vários projectos de investigação. 12 O Prof. Júlio Montalvão e Silva é Professor Catedrático do Departamento de Engenharia Mecânica do IST, foi responsável pelo área científica da dinâmica, desenvolvimento do sistema de ensaios de dinâmica ferroviária da empresa e pelo RAMS. Tem sido coordenador científico de vários projectos de investigação da empresa. 13 O Prof. Jorge Ambrósio é Professor Associado do Departamento de Engenharia Mecânica do IST, foi responsável pelo desenvolvimento de muitos dos modelos e códigos na área da dinâmica de estruturas, crash, dinâmica ferroviária e cinemática das composições ferroviárias. Mantém uma ligação com a SOREFAME, participando e coordenando projectos de investigação há mais de dezasseis anos.
  • 29. Conclusões A SOREFAME, fruto do empreendimento e da visão de um homem de excepcionais capacidades, tem seguido ao longo de várias gerações de engenheiros a mesma linha de pensamento fundamental, na qual, as estratégias de negócio devem estar sintonizadas com a visão e a estratégia de produto e do seu desenvolvimento. Para se concretizar, é necessária uma engenharia de elevada competência. Mudam-se os tempos, os desafios, as problemáticas e, até mesmo, a posse, mas a equação para a perenidade da actividade permanece a mesma; não abrir mão do princípio base de que os empreendimentos em que se envolve, são para ser tratados com o mais alto nível de conhecimento, promovendo o seu desenvolvimento se tal for necessário. É o respeito pelos clientes, e pelas pessoas que confiam e utilizam os veículos que projectamos. As exigências de conhecimentos que hoje se colocam ao gabinete de engenharia para fazer face aos requisitos técnicos e à sofisticação dos produtos, obrigaram a uma mudança profunda nos perfis e níveis académicos dos seus elementos. São cada vez mais vastos os conhecimentos em especialidade, mas também, são cada vez mais necessários conhecimentos e capacidades integradoras. Nos primeiros trinta anos de actividade, o gabinete de estudos do Material Circulante tinha um quadro médio de 60 a 70 técnicos, dos quais aproximadamente 30% eram engenheiros. Nos últimos dez anos para um quadro técnico equiparado, a direcção de engenharia tem 50% de engenheiros, dos quais 10 a 15% têm grau de mestres em diferentes especialidades. Os custos de engenharia associados ao desenvolvimento de produto, passam de 3 a 4%, para 4 a 5% das receitas, correspondendo, em média, entre 1 a 1,5% deste valor aos projectos de investigação. Em diferentes ocasiões e oportunidades esta linha conduziu à necessidade de se estabelecerem parcerias estratégicas com o meio académico, que promoveram uma sustentação científica e a formação especializada dos nossos quadros. Dos vários projectos de investigação que promovemos e em que participámos, resultaram factores de diferenciação e competitividade importantes para a consolidação do negócio. A integração da SOREFAME no processo de globalização das multinacionais foi um imperativo, e simultaneamente, um desafio. Imperativo, porque é hoje praticamente impossível permanecer no mercado, sem se dominarem os pontos críticos da cadeia de valor, atendendo às crescentes responsabilidades integradoras, e onde as parcerias começam a ser cada vez mais difíceis no contexto actual. Desafio, porque só tem lugar neste contexto de fusões entre empresas e grupos, quem acrescentar valor ao negócio. Sem as protecções do passado, particularmente nos pequenos países que representam mercados igualmente pequenos, é cada vez mais evidente que são, a competência e a capacidade inovadora das empresas, os factores fundamentais e determinantes para a sua perenidade.
  • 30. A SOREFAME, que no seu passado, e por razões já apontados, exportou até à década de 90, quase exclusivamente para o mercado dos EUA, passou a exportar, também, e a partir de 1997, para o centro da Europa, para mercados como o da Alemanha, da França e do Reino Unido. Estas oportunidades surgiram porque estava inserida num grupo multinacional que, naturalmente gere os seus recursos e capacidades da forma mais eficaz. “… Para o investidor financeiro, a questão estratégica é a comparação de remunerações para o seu capital. Para o empresário, a questão estratégica é a comparação de competitividade. … A localização ou a nacionalidade dos centros de decisão empresariais não dependem da imposição de restrições aos movimentos de capitais ou da promessa que as posições accionistas não serão transaccionadas. O que determina onde estão os centros de decisão é a posse ou o domínio de uma competência: quem satisfizer este critério será “dono da sua casa”, onde quer que esteja.” José Manuel de Mello, decano dos empresários portugueses (Ideias e Negócios, Dezembro de 2002). Vislumbrando um pouco o que se aponta já para o futuro dos sistemas ferroviários, de acordo com a visão preconizada no documento publicado este ano por Steven Ditmieyer, director da Federal Railroad Administration dos EUA [14], estará a despontar uma nova era, a da integração dos sistema ferroviários inteligentes. Assim sendo, uma panóplia de novos temas, problemáticas e desafios, irão necessitar de novos desenvolvimentos tecnológicos, novos conhecimentos, competências e capacidades de engenharia mais exigentes e sofisticadas. Sempre com velocidade de mutação crescente. Agradecimentos Os agradecimentos à Direcção e Coordenação Geral do Projecto “Engenho e Obra: A engenharia em Portugal no século XX”, na pessoa do Prof. Manuel Heitor, pelo convite formulado para participarmos neste evento consagrado à história e à memória das realizações da engenharia do século XX. Durante a segunda metade do século XX, a SOREFAME foi, certamente, protagonista de muitas realizações no país e no estrangeiro, tendo contribuído de alguma forma, para o progresso em diferentes áreas. Tentámos registar, o mais fidedignamente possível, os aspectos relevantes da actividade de engenharia e dos empreendimentos do Material Circulante da SOREFAME, actualmente Bombardier Transportation SA. Os agradecimentos aos colegas que prontamente colaboraram para este testemunho, ajudando na recolha de imagens, nas buscas históricas e na revisão do texto. Uma última palavra de agradecimento para a minha mulher e para as minhas filhas, pelo apoio incondicional que sempre me deram, pese embora as horas que tantas vezes lhes roubei, nestes mais de vinte anos em que tive o privilégio de partilhar muitos destes sonhos.
  • 31. Referências [1] - Cruz M. e Pereira S., “O projecto de estruturas assistido por computador, caixas de material circulante”, Congresso da Ordem dos Engenheiros, 1984 [2] - Cruz M. e Pereira M.S.: “Crashworthiness Analisys and Design of Trains”, International Synposium and Advanced Materials for Lightweight Strustures”, ESA, Holanda 1994. [3] - Miranda N., Bernardo L.M., Cruz M., “Conforto e Segurança, Tecnologias no Material Circulante”, Congresso da ADFER, Lisboa 1996. [4] - Pereira M.S., Figueiras F.L., Cardoso J.B., Cruz M., “Análise de Impacto de Carruagens de Caminho de Ferro”, Simpósio de Mecânica Computacional 1993. [5] - Pereira M.S., Ambrósio J., Loureiro R., “Projecto e Concepção de Estruturas de Material Circulante para Condições de Impacto”, Conferência em Sistemas de Transportes Urbanos, Porto 1997. [6] - Ambrósio J., “Análise Dinâmica de Estruturas Complexas”, Dissertação para obtenção do grau de Mestre em Engenharia Mecânica, IST ,1984. [7] - Ambrósio J., “Elastic-Plastic Large Deformation of Flexible Multibody Systems in Crash”, Dissertação para obtenção do grau de Doutor em Engenharia Mecânica, IST ,1991. [8] - Figueiras L., “Impacto Estrutural e Análise de Choque de Carruagens de Caminho de Ferro”, Dissertação para obtenção do grau de Mestre em Engenharia Mecânica, IST ,1991. [9] - Cunha H., “Melhoramento de Modelos de Elementos Finitos com Aplicação à Dinâmica Estrutural de Veículos de Ferroviários”, Dissertação para obtenção do grau de Mestre em Engenharia Mecânica, IST,1997. [10] - Carvalho A.V., “Managing the safety of passengers and crew in case of collision. The Safetrain Project – Train Crashworthiness for Europe”. AIC – 4th Annual Conference Railway Safety in Europe, 1998 [11] - Dias J., “Projecto de Componentes Estruturais de Veículos com base em Formulações de Sistemas Mecânicos Rígidos-Flexíveis”, Prémio Científico IBM baseado na Dissertação para obtenção do grau de Doutor em Engenharia Mecânica, IST, 1999. [12] - Milho J., “Dinâmica Planar de Veículos Ferroviários em Condições de Impacto”, Dissertação para obtenção do grau de Mestre em Engenharia Mecânica, IST ,2000. [13] - Pombo J., “Análise Dinâmica de Veículos Ferroviários ML95 de Metropolitano de Lisboa”, Prémio Inovação Jovem Engenheiro 2000, Ordem dos Engenheiros, Lisboa, 2000. [14] - Pombo J., “Modelos Computacionais para Aplicações à Dinâmica Ferroviária”, Dissertação para obtenção do grau de Doutor em Engenharia Mecânica, IST, 2003. [15] - Ditmieyer S.R., “A vision for the future: Intelligent railroad systems”, Federal Railroad Administration, Washington, 2002.