1. AS POLÍCIAS MILITARES E AS GUARDAS MUNICIPAIS
Cel Irineu Ozires Cunha
Quando as primeiras Guardas Municipais começaram a ser implantadas no Brasil, há mais ou
menos vinte anos, começaram, também, as divergências com as polícias militares e a discussão, no
centro da polêmica, era o poder de polícia.
Diferentemente da polícia, que é uma organização, em contÍnua atividade e que se faz sentir, em
concreto, no mundo jurídico, o poder de polícia é uma facultas, uma potencialidade discricionária
do poder público - União, Estados, Municípios, Distrito Federal - de limitar ou restringir, quando
for o caso, a liberdade individual em prol do interesse público, exteriorizado, de modo concreto na
ação de polícia; transformando-se na causa e a polícia na consequência direta dessa mesma causa.
Pelo poder de polícia, o Estado de direito procura satisfazer o tríplice objetivo, qual seja, o de
propiciar tranquilidade, segurança e salubridade às populações, mediante uma série de medidas
restritivas, limitativas, coercitivas, traduzidas, na prática, pela ação policial, com a qual se propõe a
atingir essa aspiração.
Para Otto Mayer o poder de polícia consiste na ação desenvolvida pela autoridade para fazer
cumprir o dever, que se supõe geral, de não perturbar, de modo algum, a boa ordem da coisa
pública.
Brandão Cavalcanti, depois de assinalar que, em sentido lato, a expressão poder de polícia deve ser
entendida como o exercício de poder sobre as pessoas e as coisas, para atender ao interesse público,
passa a explicar que aquela designação não comporta uma definição rígida, mas inclui todas as
restrições, impostas pelo poder público, aos indivíduos, em benefício do interesse coletivo, saúde,
ordem pública, segurança e, ainda mais, os interesses econômicos e sociais.
Como se observa no dizer de J. CRETELLA JUNIOR é estreita a relação entre o poder de polícia e
a ordem pública, podendo-se afirmar que o bom funcionamento da ordem pública é função direta do
pleno exercício do poder de polícia do Estado.
É fácil entender, portanto, que a noção de ordem pública é extremamente vaga e ampla e que não se
trata, apenas, da manutenção material da ordem na rua, mas também da manutenção de uma contra
ordem moral e em que pese a Constituição Federal estabelecer limites paras as Organizações que
atuam na Segurança Pública, o poder de polícia é um todo para todos.
Para Vedel, a noção de ordem pública é básica em Direito Administrativo, sendo constituída por um
mínimo de condições essenciais a uma vida social conveniente.
Bem no começo, lá atrás a Lei Provincial nº 23, de 26 de março de 1866 criou as Guardas
Municipais com a finalidade de garantir a segurança pública. A Instituição funcionou por muitos
anos, mas começou a apresentar problemas com o controle da criminalidade e então em 1968 foi
absorvida pela Força Pública à época existente que incorporou o seu poder de polícia.
Mais recentemente, o Art. 33 do Decreto Federal nº 88.777 de 30 de setembro de 1982 determinou
que a atividade da Polícia Militar incidisse, principalmente, sobre a ordem pública, que deveria ser
mantida em todas as Unidades da Federação.
O Art. 35, do mesmo Decreto, determina que, nos casos de perturbação da ordem pública, o
planejamento da Polícia Militar deverá ser considerado como parte integrante da segurança interna
de forma que a sua atividade operacional obedeça a planificação que vise, principalmente, a
manutenção da ordem pública, nas respectivas Unidades Federativas. Nos casos de perturbação da
ordem, o planejamento da ordem pública deverá ser considerado como de interesse da segurança
interna.
2. É preciso lembrar que o conceito de segurança interna é mais abrangente do que o de segurança
pública, que está mais para a manutenção da ordem, mas do ponto de vista da criminalidade.
Talvez, por isso, tanta polêmica, com o surgimento das guardas municipais, que vieram para,
também, exercer a manutenção da ordem pública, valendo-se ou querendo se valer do mesmo poder
de polícia, para agirem igualmente às polícias militares e em todas as situações em que a Polícia
Militar age extrapolando, quando necessário, os serviços do município. Aqui não se trata de agir
residualmente, mas de compartilhar esse mesmo poder.
O Decreto 667/86 deu competência tão somente às policias militares - dizem uns. O planejamento,
fiscalização e execução do policiamento ostensivo fardado, em todos os Estados é apenas das
polícias militares - afirmam outros. O certo é, que as forças militares passaram a reclamar da
atuação das guardas municipais. Mas até aí entendo que por pura vaidade. O que estava em jogo
não era segurança das pessoas.
Na realidade, o aumento da criminalidade, de um lado, e, de outro, a quase impossibilidade de ação
policial preventiva e repressiva perfeita, revelaram a importância das guardas municipais para, junto
das polícias militares complementarem o combate ao crime.
Mas, diante da resistência das polícias militares as guardas municipais se organização nos Estados
criando os COESEMS (Conselho Estadual de Secretários e Gestores de Segurança Pública) e em
nível federal elegerem um presidente que reúne todos esses Conselhos e a partir daí desencadearam
uma luta política que até hoje busca conseguir que a Constituição Federal seja alterada ampliando o
seu poder de polícia para além dos próprios (prédios) e serviços do município o que do meu ponto
de vista lhes trará consequências irreparáveis, caso os municípios não as estruturem corretamente.
Porque na verdade as guardas têm garantido o seu poder de polícia, quando atuam nos próprios do
município ou em seus serviços. Veja o exemplo da pessoa que está consumindo maconha em um
bosque municipal vigiado por guardas municipais. Ora ele está plenamente garantido para efetuar-
lhe a prisão em flagrante.
Por esse exemplo, percebe-se que, tanto as polícias militares, como as guardas municipais atuam na
mesma seara dividindo a mesma responsabilidade, ou seja, a preservação, a manutenção da ordem
pública. As duas são polícias preventivas e repressivas dentro de suas competências até que ocorra o
ilícito penal, que é o que faz cessar de uma e de outra a atuação, pondo em ação a polícia judiciária,
que é quem continuará no trabalhão de investigação.
Percebendo, então, que aos cidadãos não interessava essa discussão, importava-lhes, apenas, saber
quem lhes vai trazer a paz se a Polícia Militar, a Polícia Civil, a Guarda Municipal ou Exército
Brasileiro é que, agora se reúnem em torno da mesma mesa, discutem Superintendentes, Diretores,
Oficiais e Praças estabelecendo metas para em conjunto e de forma integrada alcançarem com o
mesmo objetivo: a segurança de todos.
Com certeza a maior razão para que as polícias militares e as guardas municipais passassem a se
enxergar e a se verem como aliadas no combate à criminalidade deixando de lado a polêmica, antes
exaltada pelo poder de polícia, foi o fato, também de concluíram os militares, que as guardas são
forças treinadas e muito bem preparadas em suas próprias Academias, ao menos no Paraná, não há
razão para hostilizá-las, até por que na sua grande maioria têm à frente oficiais e praças oriundos
das próprias Organizações policiais-militares.
Com essa filosofia de trabalho as polícias militares têm disponibilizado seus efetivos quer do ponto
de vista operacional ou mesmo da área de planejamento para que as guardas consigam mais
eficientemente cumprir a sua missão ao tempo em que as guardas colocam à disposição das polícias
militares, além de seus efetivos, recursos materiais aparelhando as unidades militares, aquelas
menores que muitas vezes carecem de apoio material.
Com esse entendimento as guardas municipais integraram-se no exercício da preservação da ordem
pública passando a trabalhar com os demais órgãos do Estado praticando a sua parcela de poder de
3. polícia e a do Estado, mesmo que residualmente. Até por que se todo cidadão, de certo modo, tem
parcela do poder de polícia para, quando quiser, prender quem quer que esteja em flagrante, a
fortiori, a Guarda Municipal, como corpo policial que é, muito mais.
Bem ou mal as guardas municipais enquadram-se perfeitamente no conceito de polícia praticando a
atividade da Administração Pública, dirigida a concretizar, na esfera administrativa,
independentemente da sanção penal, as limitações impostas pela lei à liberdade dos particulares, ao
superior interesse da conservação da ordem, da segurança geral, da paz social e de qualquer outro
bem, tutelado pelas disposições penais. O objetivo das guardas, assim como das polícias é limitado
a atividade de assegurar, de manter ou de restabelecer a ordem no Município, Estados e País.
Quando se trata da proteção de bens, instalações e serviços, a ação policial das guardas municipais
não pode ficar restrita aos aspectos constitucionais, porque na prática, evita a ação deletéria de
pessoas que procuram destruir, desestabilizar ou paralisar serviços públicos comunais e se percebe
que determinado indivíduo pretende, além de danificar bens e instalações, praticar outros delitos, o
combate ao crime se impõe, porque existe estreita relação entre os três aspectos apontados e o
agente do crime, que pretende atingi-los, de qualquer modo.
O que está bem claro, hoje, é que o recrudescimento da criminalidade, a dificuldade da polícia
preventiva e repressiva, leva as guardas municipais para as ruas do município e obriga-as a
desempenharem serviços outrora privativos da Polícia Militar.
A atual constituição erigiu as regra jurídica constitucional e não proibiu a atuação das guardas
municipais no campo da Segurança Pública, mas ao contrário a interpretação sistemática de todo o
título reservado a segurança pública, revela, ao intérprete, que a preservação da ordem pública
compreende a proteção das pessoas e do patrimônio, dos bens, instalações e serviços.
Daí, concluir-se, de imediato, que a ação da Guarda Municipal pode e deve incidir sobre todo
aquele que atente contra a ordem pública, procurando desestabilizar o bom funcionamento do
serviço público municipal danificando bens e instalações ou vendendo drogas em parque,
prostituindo adolescentes pelas ruas das cidades. Seria censurável o integrante da Guarda Municipal
não intervir em situações que tal, apenas por que não tem o poder de polícia.
Ensina Roger Bonnard que, em matéria de polícia, a competência não deve ser reservada
exclusivamente nem ao poder central, nem as autoridades administrativas locais. Deve haver,
quanto a esse particular, uma repartição da competência entre essas diferentes autoridades.
Preciso é entender que a criação das guardas municipais foi para ajudar as Polícias Militares em sua
tarefa que antes, além das ruas e logradouros dos municípios cuidava das escolas e também dos
parques. A atuação das Guardas deixou-as mais livres para atacarem ostensivamente a criminalidade
que cresce assustadoramente em todos os municípios brasileiros.