Este documento trata de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo Governador de Rondônia contra uma lei estadual que condiciona licenciamentos ambientais à aprovação da Assembleia Legislativa. O relator entende que tal lei fere a separação de poderes ao interferir em atribuições do Executivo. A lei é declarada inconstitucional por sobrepor o Legislativo em matéria de competência do Executivo.
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DESPACHO DO PRESIDENTE
Direta de Inconstitucionalidade
Número do Processo :0000178-38.2015.8.22.0000
Requerente: Governador do Estado de Rondônia
Interessado (Parte Ativa): Estado de Rondônia
Procurador: Lerí Antônio Souza e Silva(OAB/RO 269A)
Procurador: Juraci Jorge da Silva(OAB/RO 528)
Requerida: Assembléia Legislativa do Estado de Rondônia
Relator:Des. Rowilson Teixeira
Vistos.
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo
Governador do Estado de Rondônia em face da Assembleia Legislativa do
Estado de Rondônia, objetivando o reconhecimento da inconstitucionalidade
da Lei Estadual n. 2.541/2011 (que alterou a Lei 890/2000), que, em tese,
vulneraria os arts. 7º e 9º, VI, da CE.
Alega que a imposição de submissão dos licenciamentos
ambientais à Assembleia Legislativa fere o mais comezinho postulado
constitucional, qual seja, o da separação dos poderes, o que tornaria
inequivocamente inconstitucional tal determinação legal.
Sustenta contrariedade da norma em questão com a Lei Federal
n. 6.938/81, de que trata da Política Nacional do Meio Ambiente, a qual
estabelece que tantos os estudos quanto os licenciamentos ambientais serão
de competência dos órgãos específicos ambientes em cada esfera
governamental, e de nada se referindo à um processo com participação do
legislativo.
Deste modo, postula por liminar a fim de suspender os efeitos da
norma em tela.
É o relatório.
Decido.
O caso dos autos trata de ADIN impugnando lei que condiciona
ato administrativo – ambiental – à prévia aprovação do Legislativo.
Acerca das competências, a CF/88, estabelece:
Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a
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qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do
Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da
República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais
Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos,
na forma e nos casos previstos nesta Constituição.
§ 1º - São de iniciativa privativa do Presidente da República
as leis que:
[…]
II - disponham sobre:
a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na
administração direta e autárquica ou aumento de sua
remuneração;
b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e
orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração
dos Territórios;
c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico,
provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; (Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)
d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da
União, bem como normas gerais para a organização do Ministério
Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal
e dos Territórios;
e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração
pública, observado o disposto no art. 84, VI; (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento
de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e
transferência para a reserva.
Observa-se, neste particular, que os serviços públicos como um
todo, e aqui insere-se a atividade gestora e regulatória, é deferida ao Chefe do
Executivo, cuja cláusula constitucional rígida (art. 61-CF/88) não pode ser
flexibilidade por mera deliberação do Legislativo, sob pena de inverter o prisma
constitucional no sentido de que legislador-legisla e Executor-administra.
Essa questão não é nova, em especial neste Estado, porquanto o
Legislativo Estadual, outrora, já tentou impor tal restrição, cuja questão
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judicializou-se, tendo a Suprema Corte estabelecido:
Lei 1.315/2004, do Estado de Rondônia, que exige
autorização prévia da Assembleia Legislativa para o
licenciamento de atividades utilizadoras de recursos
ambientais consideradas efetivas e potencialmente
poluidoras, bem como capazes, sob qualquer forma, de
causar degradação ambiental. Condicionar a aprovação de
licenciamento ambiental à prévia autorização da Assembleia
Legislativa implica indevida interferência do Poder
Legislativo na atuação do Poder Executivo, não autorizada
pelo art. 2º da Constituição. Precedente: ADI 1.505. Compete à
União legislar sobre normas gerais em matéria de licenciamento
ambiental, art. 24, VI, da Constituição.
(STF – PLENO - ADI 3.252-MC, Rel. Min. Gilmar Mendes,
julgamento em 6-4-2005, DJE de 24-10-2008.) - destaquei
Isso porque, o conteúdo do postulado da Separação dos
Poderes, insere-se no respeito e preservação das competências
constitucionalmente estabelecidas, impedindo sobreposição de um ou outro
poder sobre os demais, fragilizando o próprio Estado Democrático de Direito.
Como verbera Celso Ribeiro Bastos:
“A divisão segundo o critério funcional é a célebre “separação de
poderes”, que consiste em distinguir três funções estatais, quais
sejam, legislação, administração e jurisdição, que devem ser
atribuídas a três órgão autônomos entre si, que as exercerão
com exclusividade, foi esboçada pela primeira vez por Aristóteles,
na obra “Política”, detalhada posteriormente, por John Locke, no
Segundo Tratado de Governo Civil, que também reconheceu três
funções distintas, entre elas a executiva, consistente em aplicar a
força pública no interno, para assegurar a ordem e o direito, e a
federativa, consistente em manter relações com outros Estados,
especialmente por meio de alianças. E, finalmente, consagrada
na obra de Montesquieu O Espírito das Leis, a quem devemos a
divisão e distribuição clássicas, tornando-se princípio
fundamental da organização política liberal e transformando-se
em dogma pelo art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e
do Cidadão, de 1789, e é prevista no art. 2º de nossa
Constituição Federal.
[…]
A Constituição da República Federativa do Brasil predispõe, em
seu artigo 2º, que são poderes da União, independentes e
harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
Essa classificação, conforme discorremos anteriormente, não foi
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realizada por obra exclusiva de apenas uma pessoa, mas objeto
de anos de desenvolvimento teórico e prático realizados por
mentes brilhantes, em diferentes momentos da história, que
culminaram nesta obra prima de legislação aplicada hoje na
maioria das democracias do mundo conhecido como o princípio
da Separação de Poderes, este em Corrente Tripartite.
Trata-se de um princípio fundamental do ordenamento jurídico
brasileiro que o legislador constituinte originário consagrou, na
Carta Política de 1988, expressamente como cláusula pétrea no
artigo 60, § 4º, III, que estabelece: “Não será objeto de
deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: [...] a
separação de poderes”.
A consagração da separação de poderes como cláusula pétrea,
nos deixa evidenciada o tamanho da importância e do cuidado
que o legislador constituinte originário teve ao estabelecer os
fundamentos deste princípio na constituição da República
Federativo do Brasil de 1988.”
(autor citado in Curso de Direito Constitucional, Editora Saraiva,
edição 2001)
E ainda continua o citado pensador:
“A independência dos poderes significa: (a) que a investidura e a
permanência das pessoas num órgão do governo não dependem
da confiança nem da vontade dos outros; (b) que, no exercício
das atribuições que lhes sejam próprias, não precisam os titulares
consultar os outros nem necessitam de sua autorização; (c) que,
na organização dos respectivos serviços, cada um é livre,
observadas apenas as disposições constitucionais e legais; assim
é que cabe ao Presidente da República prover e extinguir cargos
públicos da Administração federal, bem como exonerar ou demitir
seus ocupantes, enquanto é da competência do Congresso
Nacional ou dos Tribunais prover os cargos dos respectivos
serviços administrativos, exonerar ou demitir seus ocupantes; às
Câmaras do Congresso e aos Tribunais compete elaborar os
respectivos regimentos internos, em que se consubstanciam as
regras de seu funcionamento, sua organização, direção e polícia,
ao passo que o Chefe do Executivo incumbe a organização da
Administração Pública, estabelecer seus regimentos e
regulamentos. Agora, a independência e autonomia do Poder
Judiciário se tornaram ainda mais pronunciadas, pois passou
para a sua competência também a nomeação dos juízes e tomar
outras providências referentes à sua estrutura e funcionamento,
inclusive em matéria orçamentária.
A harmonia entre os poderes verifica-se primeiramente pelas
normas de cortesia no trato recíproco e no respeito às
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prerrogativas e faculdades a que mutuamente todos têm direito.
De outro lado, cabe assinalar que nem a divisão de funções entre
os órgãos do poder nem a sua independência são absolutas. Há
interferências, que visam ao estabelecimento de um sistema de
freios e contrapesos, à busca do equilíbrio necessário à
realização do bem da coletividade e indispensável para evitar o
arbítrio e o demando de um em detrimento do outro e
especialmente dos governados.”.
(ob cit)
E o prof. Alexandre de Morais assevera:
“Os órgãos exercentes das funções estatais, para serem
independentes, conseguindo frear uns aos outros, com
verdadeiros controles recíprocos, necessitavam de certas
garantias e prerrogativas constitucionais. E tais garantias são
invioláveis e impostergáveis, sob pena de ocorrer desequilíbrio
entre eles e desestabilização do governo. E, quando o
desequilíbrio agiganta o Executivo, instala-se o despotismo, a
ditadura, desaguando no próprio arbítrio, como afirmava
Montesquieu ao analisar a necessidade da existência de
imunidades e prerrogativas para o bom exercício das funções do
Estado”.
Dessa forma, haverá um mínimo e um máximo de independência
de cada órgão de poder do Estado, sob pena de se comprometer
o princípio da separação. Também deverá haver uma delimitação
mínima e máxima de instrumentos que favoreçam o exercício
harmônico dos poderes, sob pena de, inexistindo limites, um
poder se sobrepor a outro.”
(in, Direito Constitucional, 21ª edição, editora Atlas, 2007).
E tal pensamento alcançou a Suprema Corte que já decidiu:
“O princípio constitucional da reserva de administração
impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em
matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do
Poder Executivo. É que, em tais matérias, o Legislativo não
se qualifica como instância de revisão dos atos
administrativos emanados do Poder Executivo. (...) Não cabe,
desse modo, ao Poder Legislativo, sob pena de grave
desrespeito ao postulado da separação de poderes,
desconstituir, por lei, atos de caráter administrativo que
tenham sido editados pelo Poder Executivo, no estrito
desempenho de suas privativas atribuições institucionais.
Essa prática legislativa, quando efetivada, subverte a função
primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional do
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poder, representa comportamento heterodoxo da instituição
parlamentar e importa em atuação ultra vires do Poder
Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica,
exorbitar dos limites que definem o exercício de suas
prerrogativas institucionais.”
(STF - RE 427.574-ED, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em
13-12-2011, Segunda Turma, DJE de 13-2-2012.) - destaquei
Deste modo, enxergo com plenitude a plausibilidade do direito.
Noutro campo, a exigência de um provimento positivo urge na
medida em que a submissão dos atos administrativos – na esfera ambiental –
ao Parlamento Estadual inviabiliza sobremaneira a própria atividade do
Executivo (tanto que o autor da ação veio buscar essa solução).
Deste modo, presentes, ao menos por ora, os pressupostos
ensejadores da liminar pretendida.
Pelo exposto, defiro a liminar e suspendo os efeitos da Lei
Estadual n. 2.541/2011.
Notifique-se pessoalmente o Presidente da Assembleia
Legislativa do Estado de Rondônia, bem como o Procurador Geral da
Assembleia, para ambos, no prazo legal, apresentarem defesa.
Isto feito, à d. Procuradoria de Justiça.
Expeça-se o necessário.
Redistribua-se.
Intime-se.
Porto Velho - RO, 30 de janeiro de 2015.
Desembargador Rowilson Teixeira
Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia