Licitar as atuais concessões de distribuição de energia não traria benefícios e violaria os contratos assinados. O processo de Revisão Tarifária Periódica já garante tarifas justas e qualidade do serviço, independente do concessionário. Manter as concessões por meio de prorrogação permitiria novos investimentos no setor.
1. Licitar as atuais concessões de distribuição de energia não beneficia a sociedade
Após o entrave com a privatização da Companhia Energética de São Paulo ‐ CESP, geradora
de energia do Estado de São Paulo, que não teve interessados principalmente em
decorrência da dúvida sobre a vigência do contrato de concessão, intensificaram‐se as
discussões sobre o término dos contratos de concessão de várias empresas geradoras,
transmissoras e distribuidoras de energia, a maioria no ano de 2015. A discussão decorre do
fato de que, quando referidos contratos de concessão foram assinados, entre os anos de
1997 e 2002 com a União Federal, o artigo 27 da Lei nº 9.427/96 previa a possibilidade de
sua prorrogação, desde que solicitada à Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL e
verificados o interesse público e o cumprimento das obrigações neles prevista. Atualmente,
segundo dados publicados pela ANEEL em seu site (www.aneel.gov.br), existem 134
concessões de geração, 96 concessões de transmissão e 59 concessões de distribuição de
energia no país. Entre 2011 e 2017, sendo a maioria em 2015, expiram 20 concessões de
geração, 10 de transmissão e 42 de distribuição. Para se ater aos contratos de concessões de
distribuição de energia, todos os 59 contém cláusula assegurando ao concessionário o
direito de prorrogação da concessão, mediante requerimento à ANEEL. Ocorre que, após
assinados os contratos de concessão, o artigo 32 da Lei 10.848/2004 revogou o artigo 27 da
Lei 9.427/1996, vedando sua prorrogação. Um dos argumentos para tal revogação seria de
que o artigo 175 da Constituição Federal estabelece que os serviços públicos sejam
concedidos mediante licitação. Contudo, o parágrafo único, inciso I, deste mesmo artigo 175
admite a prorrogação das concessões, na forma da lei. E esta lei existia à época da assinatura
dos contratos de concessão, dando aos concessionários o direito a requerer a prorrogação.
Há, assim, sólidos fundamentos jurídicos para a prorrogação das concessões de distribuição
de energia: não prorrogar viola o direito adquirido nos contratos de concessão, viola os
princípios da segurança jurídica e da estabilidade da ordem jurídica, pois alterações
posteriores de lei não podem afetar direitos e atos constituídos. Como disse certa vez ex‐
diretor da ANEEL, “ao menos o passado deve ser previsível nesse país”. Há também aqueles
que sustentam que a licitação das concessões promoveria a concorrência entre os
investidores para uma melhor qualidade dos serviços públicos, por uma tarifa de energia
mais baixa. Alegam, ainda, que os ganhos dos investidores após a amortização do
investimento deveriam ser divididos com a sociedade mediante licitação. Importante
ressaltar que o setor elétrico é complexo e determinado argumento nem sempre se aplica a
todos os seus segmentos. Os contratos de concessão são assinados com geradores,
transmissores e distribuidores de energia e possuem características bastante distintas. Os
investidores em geração de energia, exemplificativamente, realizam um elevado
investimento inicial, na construção da usina ou no pagamento pelo direito a explorar uma
usina existente e, excetuados gastos com operação e manutenção da usina, pessoal e
outros, passa a amortizar seu investimento com a venda da energia. A maioria das geradoras
cujos contratos expiram em 2015 já amortizou o investimento. Isso não ocorre com as
distribuidoras e, de certa forma, com as transmissoras de energia. Não há um investimento
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maior feito por elas no início do contrato de concessão. Os investimentos são vultosos,
constantes, realizados durante toda a vigência da concessão, na construção frequente,
operação e manutenção de redes de energia, de postes, de transformadores. Diariamente
são ligados novos usuários de energia que exigem aumento, adaptação e extensão das
instalações elétricas e da capacidade de transporte das redes. Conforme previsto em lei, ao
término da concessão de serviços de energia, em não havendo sua prorrogação, a União
Federal receberá de volta a concessão, para operá‐la ou entregar a um outro investidor,
mediante licitação. Para tanto, deverá indenizar o atual concessionário pelo valor investido e
ainda não amortizado. A esse procedimento a lei denomina “reversão”. Não existem regras
claras de como ela ocorreria. No formato atual, apenas os ativos da concessão seriam
revertidos à União Federal e o detentor da concessão remanesceria com todo o pessoal, com
todas as dívidas e obrigações, mas não mais teria a receita decorrente da venda da energia
para honrá‐las, o que não é razoável. Além disso, dificilmente a União Federal teria recursos
para indenizar os atuais concessionários com o fim das concessões de distribuição de
energia. Um outro argumento ainda mais importante e que faz toda a diferença é que, na
concessão de distribuição de energia, assim como na de transmissão, há o processo de
“Revisão Tarifária Periódica”, realizado com base em regras definidas pela ANEEL que, a cada
4 anos, promove uma revisão geral da concessão, de toda a estrutura de custos, ativos,
investimentos, ganhos de produtividade e desempenho da concessionária. Para definir a
base de remuneração do concessionário, na Revisão Tarifária Periódica foi criada a “Empresa
de Referência”, que é uma concessionária fictícia em que a ANEEL define quais os custos, os
ativos, os recursos, a estrutura, o pessoal, entre outros necessários para se investir, operar,
administrar e manter a concessão e para que seu investidor tenha a remuneração fixada
pela ANEEL. Entra‐se no detalhe de quantos quilômetros de redes, postes, transformadores,
veículos, eletricistas, agências de atendimento, diretores aquela determinada concessão
fictícia requer para ser operada e mantida. Com base nos valores da Empresa de Referência,
a ANEEL define qual é a tarifa de energia que garante à concessionária condições de atender
aos níveis de qualidade do serviço e de manter inalterada a capacidade de operação dos
ativos durante toda a sua vida útil. Após definida esta tarifa de energia da Empresa de
Referência, a ANEEL compara‐a com a tarifa real da concessionária. Se a tarifa da Empresa
de Referência é menor do que a tarifa real, há uma diminuição da tarifa real. Se a tarifa da
Empresa de Referência é maior, há um aumento da tarifa real. Na Revisão Tarifária
Periódica, os investimentos amortizados, aqueles considerados não prudentes, os custos não
eficientes, os ativos depreciados são desconsiderados para fins de cálculo da tarifa.
Portanto, não importa quem seja o detentor da concessão de distribuição de energia, o
preço da energia e a qualidade exigida do serviço serão sempre os mesmos, pois são
determinados pelo processo de Revisão Tarifária Periódica, que garante, por si só, a
máxima modicidade tarifária possível, a atualidade da concessão, sua continuidade, evita
vantagem indevida para o concessionário e estimula a eficiência da concessão. No atual
cenário regulatório, eventual licitação das concessões de distribuição de energia não
privilegiará isonomia ou modicidade tarifárias além das existentes e garantidas pela Revisão
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Tarifária Periódica, pois as tarifas praticadas já são as menores possíveis e a qualidade dos
serviços já é exigida ao máximo. A licitação da distribuição de energia não trará benefícios à
sociedade ou aos serviços públicos. Seria um processo dispendioso sem razões técnicas,
econômicas, jurídicas ou sociais. A solução é prorrogar as concessões vigentes, após prévia
análise da ANEEL, na forma prevista nos contratos de concessão. Apesar de o término da
maioria das concessões ocorrer em 2015, a definição do assunto é premente, pois o
planejamento de investimentos, a assunção de obrigações, a compra e venda futura de
energia, a contratação de garantias e de financiamentos exigem o conhecimento a longo
prazo da capacidade de geração de receita e de pagamento. A indefinição quanto à
continuidade das concessões está acarretando problemas, pois além de encarecer operações
de curto prazo, dificulta, quando não impede, novos investimentos e operações melhores
estruturadas e mais benéficas às concessionárias.
Alexei Macorin Vivan, Vice‐presidente Jurídico da Rede Energia S.A. e Doutor em Direito
pela Universidade de São Paulo.
Publicado em: Valor Econômico