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Tombamento das Dunas da Ribanceira do município de Imbituba (SC): parecer
técnico de História.
Viegas Fernandes da Costa1
1.0 - Introdução.
Em 24 de setembro de 2015 o Executivo Municipal de Imbituba, por meio da Resolução
Resolução PMI/SETEC/SECULT 003, 24/09/2015, criou um Grupo de Trabalho (GT)
com o objetivo de produzir relatório técnico a respeito do processo de Tombamento
Paisagístico e Cultural das Dunas da Ribanceira (Resolução PMI/SETEC/SECULT 003,
24/09/2015) acolhido pelo Conselho Municipal de Políticas Culturais. O referido GT
reuniu diversos atores do território, dentre estes o Instituto Federal de Educação, Ciência
e Tecnologia de Santa Catarina (IF-SC), representado pelo professor de História do
Campus Garopaba, Viegas Fernandes da Costa. Após a publicação da referida Resolução,
o professor Viegas Fernandes da Costa (Historiador) coordenou projetos de pesquisa e
extensão com o objetivo de verificar a relevância histórica e cultural das Dunas da
Ribanceira como patrimônio paisagístico que confere identidade cultural ao município de
Imbituba (SC). Os projetos contaram com a participação do professor de Geografia João
Henrique Quoos (IF-SC Campus Garopaba) e da Bolsista (Projeto de Extensão vinculado
ao Edital APROEX nº 02/2016) Bruna Facchinello (na condição de estudante do curso de
Educação Patrimonial). Os resultados das investigações realizadas no contexto dos
referidos projetos subsidiam as conclusões deste Parecer Técnico.
2.0 - Contextualização2.
O município de Imbituba está localizado no litoral Sul de Santa Catarina e sua população
estimada é de 44076 habitantes (IBGE, 2017). Seu desenvolvimento urbano tem origem
na vila açoriana de Vila Nova de Santana, fundada em 1720, quando recebe os primeiros
europeus provenientes do arquipélago dos Açores. A vila é elevada à freguesia de Laguna
em 1811, e em 1911 torna-se distrito. Após variar sua denominação entre Vila Nova,
Imbituba e Henrique Lage, o distrito é desmembrado de Laguna e elevado à condição de
município em 1958 sob o nome de Henrique Lage e, em 1959, passa a se chamar
Imbituba. Assume importância econômica no contexto colonial português a partir da
instalação de uma armação baleeira em 1796, a quarta mais antiga do Brasil e a última a
sair de operação. A pluralidade étnico-cultural de Imbituba se torna mais complexa a
partir da década de 1910, quando passa a fazer parte do império industrial de Henrique
Lage e desenvolve as atividades ferroviárias e portuárias (MARTINS, s.d.), fato que atrai
mão de obra externa. Desde 1884, com a inauguração da Estrada de Ferro Dona Tereza
Cristina, que passou a ligar as minas de Lauro Müller à região portuária, o porto de
Imbituba serviu como escoadouro do carvão mineral tanto para o mercado brasileiro
quanto para o exterior. Antes da concessão a Lage o porto era administrado pelo capital
inglês, que explorava também a mineração. A baixa qualidade do carvão catarinense,
entretanto, incentivou os ingleses a abandonar a mineração no sul catarinense e,
consecutivamente, relegou o porto de Imbituba ao abandono. (GOULARTI FILHO,
2013). Esta situação de abandono perdurou até a I Guerra Mundial, momento em que se
reativa a mineração em Santa Catarina. Em 1919 o industrial Henrique Lage obteve a
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Historiador, Mestre em Desenvolvimento Regional, Professor de História no Instituto Federal de Santa
Catarina (IF-SC).
2
A Contextualização foi adaptada de COSTA, 2016.
2
concessão para exploração do porto de Imbituba. Além da ampliação do porto, são
realizados diversos investimentos em infraestrutura, dentre estes a modernização urbana
da região central. Imbituba passa a ser escala de navios com destino a Porto Alegre e ao
Uruguai. O desembarque de passageiros resultou na construção do primeiro hotel, em
1920. Entre 1920 e 1941, ano da morte de Henrique Lage, foram construídos com seu
capital a indústria Cerâmica Imbituba, a Companhia Docas de Imbituba, a Granja
Henrique Lage, a usina termelétrica e o traçado do núcleo urbano da cidade. Importante
ressaltar que o projeto implementado por Lage na cidade, tendo como centro a atividade
portuária, não dialogou com a cultura de base açoriana das primeiras vilas (Vila Nova e
Vila do Mirim), tratando-se assim de uma proposta de desenvolvimento exógeno. O
desenvolvimento econômico de Imbituba passou a depender do porto que exportava o
carvão que era explorado no sul do estado. Esta dependência da cidade em relação ao
porto, que por sua vez dependia do carvão, fez com que a economia de Imbituba oscilasse
de acordo as políticas de incentivo à indústria carvoeira (GOULARTI FILHO, 2013). No
final da década de 1980, com a abertura da economia brasileira à concorrência
internacional promovida no governo de Fernando Collor de Mello, a exportação carvoeira
declinou e chegou a zero em 1990. Com o objetivo de aproveitar os rejeitos do carvão,
em 1969, foi fundada em Imbituba a Indústria Carboquímica Catarinense (ICC), que
produzia insumos para indústria de fertilizantes a partir do enxofre extraído da pirita
carbonosa, derivando o ácido sulfúrico somado ao ácido fosfórico. A construção da ICC,
inaugurada em 1979, fazia parte dos objetivos do II Plano Nacional de Desenvolvimento
(PND). Para descarregar a rocha fosfática, matéria-prima para a produção do ácido
fosfórico, e para escoar toda a produção de ácido sulfúrico e fosfórico, o porto de Imbituba
foi ampliado. A indústria operou apenas entre 1979 e 1992, sendo definitivamente extinta
em 1994, e não promoveu o desenvolvimento social prometido para a cidade. Os postos
de trabalho abertos para a população local eram de baixo valor agregado e seu fechamento
legou significativos passivos ambientais e sociais. Segundo SOUZA (2007), os passivos
ambientais gerados pela ICC, fizeram com que a cidade ficasse marcada pela “maldição
da fumaça vermelha”. “A cidade acordava todos os dias coberta por uma fuligem grossa
de pó vermelho, consequência da primeira etapa do beneficiamento da pirita carbonosa,
gerando como resíduo o óxido de ferro, que principalmente em dias de vento nordeste,
espalhava-se por toda a região central.” (SOUZA, 2007, p. 104).
Atualmente ainda é possível ver as montanhas de óxido de ferro dispostas em áreas
próximas ao porto e o espólio da ICC encontrasse em péssimo estado de conservação.
Indústrias estão beneficiando parte do resíduo para a produção de gesso. Importante
ressaltar, novamente, que a ICC foi imposta a partir do Estado para o município a partir
de um plano de desenvolvimento nacional, visando o aproveitamento do porto. Após o
fechamento da ICC, o governo brasileiro criou na cidade uma Zona de Processamento de
Exportação (ZPE), que até o momento não se efetivou.
A cidade de Imbituba sempre teve uma estreita relação com o porto e apostava na
expectativa de investimentos externos. Primeiro foi a tentativa de construção da
Siderúrgica Santa Catarina S.A. (Sidesc), que se transformou em ICC. A ICC encerrou
suas atividades em 1994 e deixou um grande passivo ambiental de mais de 4.300.000 t.
de gesso e 1.400.000 t. de óxido de ferro. Em seguida foi o projeto Sidersul, que, entre
1979 e 1982, consumiu mais de US$ 24.000.000,00 do governo estadual e nada foi
realizado. A mais recente espera foi a Zona de Processamento de Exportação (ZPE),
criada em 1995 com o objetivo de atrair indústrias e integrá-las ao porto. No entanto, na
reforma administrativa de 2005 do governo estadual, a ZPE foi extinta. (GOULARTI
FILHO, 2013, p. 93).
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As recentes reestruturações que diversificaram as operações portuárias tencionam os
sistemas sociais e ambientais da região, ao mesmo tempo em que se transformam na
principal atividade econômica do município. No presente, “la principal actividad
económica de esto municipio gira em torno de su puerto, que actualmente es el segundo
mas grande del estado y representa una fuente importante de empleo. También depende
de la industria, del comercio y del turismo, este último en crecimiento. (SPERB, SERVA
e FIRMINO, 2013, p. 47).
As alterações da paisagem e o crescimento populacional em Imbituba acarretam na atrofia
das atividades econômicas tradicionais e impactam na identidade local e as características
da paisagem ambiental. É neste contexto que se insere a proposição do tombamento das
Dunas da Ribanceira como patrimônio paisagístico relacionado à História e à cultura do
município.
3.0 - Justificativas para o Processo de Tombamento.
O processo de tombamento das Dunas da Ribanceira vem sendo pleiteado por setores da
sociedade civil organizada do município de Imbituba, como o movimento S.O.S Dunas
da Ribanceira e associações de moradores. Para estes setores as Dunas da Ribanceira
representam um patrimônio paisagístico cultural com características exclusivas e,
portanto, capazes de conferir identidade não apenas às populações do seu entorno, mas
ao município de Imbituba.
A Lei Municipal 1762 de 22 de abril de 1998 dispõe sobre o tombamento cultural no
âmbito municipal. Em seu Artigo 1º define que “o Patrimônio Natural e Cultural do
Município de Imbituba é constituído de bens móveis, de natureza material ou imaterial,
tomados individualmente ou em conjunto, existentes em seu território e cuja preservação
seja de interesse público dado o valor histórico, artístico, ecológico, bibliográfico,
documental, religioso, folclórico, etnográfico, arqueológico, paleontológico,
paisagístico, turístico e/ou científico.”
Segundo Márcia Chuva, reconhecida autoridade nas discussões dos processos de
patrimonialização e tombamento, “na atualidade, a área do patrimônio engloba um
conjunto significativo de questões de ordem política, de relações de poder, de campos de
força e âmbitos do social. Anteriormente alheio a essa prática, hoje o patrimônio toma
em consideração questões relativas ao meio ambiente, aos direitos culturais, aos direitos
difusos, ao direito autoral, ao impacto cultural causados pelos grandes
empreendimentos, além dos temas já tradicionais, como aqueles que envolvem questões
de urbanismo e uso do solo, expansões urbanas sobre áreas históricas decadentes,
questão habitacional em áreas históricas urbanas e, principalmente, os limites que o
tombamento impõe à propriedade privada” (CHUVA, 2012).
As Dunas da Ribanceira possuem relevância, especialmente se considerado o contexto da
Área de Proteção Ambiental da Baleia Franca, onde se destaca o fato de serem dunas
móveis, servirem ao lençol freático, abrigarem em diversas áreas vegetação característica
e nativa, dentre estas a palmeira butiá, e espécies da fauna sob risco de extinção, como é
o caso do réptil Liolaemus occipitalis Boulenger, que tem nestas seu hábitat. Olga Cruz,
em seu estudo sobre a geomorfologia costeira de Santa Catarina, escreve que “a invasão
das dunas por estradas e construções ilegais só pode diminuir e desmanchar o equilíbrio
natural precário de seus ecossistemas; além disso ajudam, conforme Mosimann (1997),
a destruir sua diversidade biológica, a qual apresenta vários micro-habitantes ao longo
de suas variações de relevo e umidade” (CRUZ, 1998, p. 239).
4
No pedido original de tombamento do local consideram-se também, para além da
importância do ecossistema e o interesse cientifico inerente, os valores culturais capazes
de conferir às Dunas da Ribanceira notoriedade histórica, paisagística e identitária.
O primeiro argumento fundamenta-se nos estudos arqueológicos do local. Em vistoria
técnica realizada pelo IPHAN (Relatório IPHAN 003/2014) foram identificados diversos
vestígios arqueológicos da cultura guarani na área das Dunas da Ribanceira. Segundo o
referido relatório, “Trata-se de uma área de dunas móveis, sendo que a constante
movimentação destes grandes bancos arenosos demostram o dinamismo de tal ambiente.
Fato este, juntamente com os resultados positivos obtidos na vistoria, ressaltam as
características geomorfológicas da área, sendo que artefatos arqueológicos aparecem
todos os dias e todos os dias são novamente recobertos pela areia.” Em setembro de 2015
foi realizada nova diligência do IPHAN nas Dunas da Ribanceira, esta em parceria com
o IF-SC. Na diligência participaram, dentre outros profissionais, o arqueólogo do IPHAN
Rossano Lopes Bastos, o historiador e Professor de História do IF-SC Viegas Fernandes
da Costa, e o professor de Geografia do IF-SC João Henrique Quoos, além de estudantes
do IF-SC e representantes do Poder Público Municipal. Também nesta vistoria os
profissionais envolvidos encontraram vestígios cerâmicos da cultura Guaranítica. O
Relatório de Vistoria IPHAN 46/2015 produzido após a referida diligência afirma: “Em
razão dos vestígios arqueológicos encontrados no caminhamento, pode-se afirmar que a
área vistoriada possui altíssima probabilidade de ter sido antigamente ocupada por
grupos humanos. A geomorfologia do terreno – áreas elevadas, proximidades ao mar e
às lagoas, remete às características de ocupação de grupos Guarani Em razão dos
vestígios arqueológicos encontrados no caminhamento, pode-se afirmar que a área
vistoriada possui altíssima probabilidade de ter sido antigamente ocupada por grupos
humanos. A geomorfologia do terreno – áreas elevadas, proximidades ao mar e às
lagoas, remete às características de ocupação de grupos Guarani”. Considerando o
exposto nos referidos Relatórios de Vistoria do IPHAN, é possível inferir que as Dunas
da Ribanceira abrigam sítios arqueológicos ainda não devidamente estudados, o que
representa interesse científico e relevância histórica na conformação da paisagem local,
servindo como elemento a justificar a necessidade de tombamento da área dado seu valor
arqueológico.
Sob o aspecto do valor histórico e paisagístico, o pedido de Tombamento ressalta que as
Dunas da Ribanceira foram tradicionalmente apropriadas pela população de toda região.
Relatos de moradores locais dão conta de que desde as primeiras décadas do século XX
diversas famílias se deslocavam para as dunas da Ribanceira a fim de colher butiás e com
este fruto produzir alimentos e bebidas de uso doméstico e com forte ligação identitária.
A memória local relata casos de famílias que provinham de localidades como a Vila do
Mirim para esta atividade. Também há relatos a respeito da cultura da mandioca e outras
atividades relacionadas à economia de subsistência na área das dunas. Os trabalhos de
pesquisa e extensão desenvolvidos pelo IF-SC procuraram verificar a existência e
relevância destes relatos. Cumpre destacar aqui a Cartografia Social da Comunidade
Tradicional de Agricultores e Pescadores Tradicionais dos Areais da Ribanceira,
publicada pela Universidade Federal da Amazônia em 2011, que reconhece a existência
de ocupação tradicional da área de dunas por comunidade de agricultores e pescadores
que preservam práticas e saberes tradicionais vinculados à paisagem das Dunas da
Ribanceira. A destruição da paisagem tradicional implicaria também na destruição destes
saberes e fazeres tradicionais, a saber: artesanato com a palha da palmeira Butiá, produção
de farinha de mandioca em engenho tradicional durante o ritual da farinhada, cultivo
agrícola tradicional de subsistência e prática de extrativismo de espécies vegetais com
sustentabilidade ambiental. A referida comunidade também utiliza as dunas como posto
5
de vigia durante a temporada da pesca artesanal dos cardumes de tainha. A preservação
desta paisagem que abrigou por mais de dois séculos atividades econômicas de
subsistência das famílias que habitaram a região torna-se, portanto, importante porque
pode contribuir para a permanência e alimentação da memória coletiva, aspecto
fundamental para a manutenção dos laços identitários locais.
Segundo Zilda Kessel, museóloga e mentora do Museu da Pessoa, “as memórias
individual e coletiva têm nos lugares uma referência importante para a sua construção.
As memórias dos grupos se referenciam, nos espaços em que habitam e nas relações que
constroem com estes espaços. Os lugares são importante referência na memória dos
indivíduos, donde se segue que as mudanças empreendidas nesses lugares provocam
mudanças importantes na vida e na memória dos grupos.” Isto posto, no processo de
tombamento das Dunas ressalta-se a paisagem em questão enquanto significante para a
memória coletiva na região, ao qual seus moradores se ligam por um sentimento de
pertencimento, configurando o interesse público na sua proteção por meio do
tombamento. Soma-se a isto os diferentes usos dados às Dunas da Ribanceira: caminhos
tradicionais, território de brinquedos, espaço de rituais sagrados etc, a serem discutidos
na sequência.
A Lei 1762/1998 trata também do valor turístico. Em 2015 o SEBRAE organizou um
Comitê Gestor com objetivo de consolidar a região composta pelos municípios de
Laguna, Imbituba e Garopaba como referência no ecoturismo. Neste contexto, a paisagem
das Dunas da Ribanceira pode representar um importante atrativo turístico que agrega
valor à atividade na região, e cujo tombamento poderia considerar. Destaca-se, entretanto,
que este parecer irá se pronunciar exclusivamente a respeito dos valores históricos
inerentes à paisagem das Dunas da Ribanceira, excluindo-se a discussão da pertinência
de valores agregados, dentre os quais, o turismo.
Por fim, cumpre salientar que registros fotográficos produzidos a partir da década de 1950
(Figuras 1 e 2) mostram a sistemática ocupação da área de dunas, em um processo que,
se mantido, coloca em risco a existência desta paisagem e, consecutivamente, à memória
que a este se liga bem como altera aspectos ambientais e ecológicos. Imagens aéreas da
década de 1960 mostram que os moradores mais antigos da Barra de Ibiraquera
(localidade de abrangência das dunas) conheciam e respeitavam a dinâmica de
movimentação das dunas, de modo que edificaram suas residências sem obstruir esta
dinâmica, o que se altera a partir da década de 1980 com a ocupação desordenada da
região.
Apresentadas as questões, ressalta-se que os princípios concernentes à proteção do
Patrimônio Cultural defendidos pela UNESCO e pelo IPHAN sustentam-se na cidadania
cultural, que pressupõe a reivindicação dos atores do território no processo de
patrimonialização do bem cultural, seja por meio do dispositivo do tombamento, seja pelo
registro (no caso do bem imaterial). As Dunas da Ribanceira vêm sendo reivindicadas
pela população local como patrimônio natural e cultural através de movimentos sociais
organizados e manifestações públicas, das quais destaca-se o Movimento SOS Dunas,
que nasceu da percepção dos danos causados pela atividade mineradora à paisagem e ao
ecossistema, o que foi amplamente noticiado em nível nacional e sobre o qual o Ministério
Público vem se manifestando.
Em 2013 o Movimento SOS Dunas produziu diversos registros da extração de areia por
parte de uma mineradora instalada na região, que resultaram em denúncias de crime
ambiental (Figura 3), atos públicos (Figura 4) e divulgação na imprensa estadual e
nacional (Figura 5).
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Figura 1: Aerofotograma mostrando as Dunas da Ribanceira e parte da Lagoa da Ibiraquera, 1957.
Figura 2: Captura de imagem de satélite realizada do Google Earth em 26/10/2017.
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Figura 3: Mineração de areia nas Dunas da Ribanceira em 2013. Foto: Paulo Armando.
Figura 4: SOS humano durante o 'Abraço Simbólico' as dunas da Ribanceira realizado em outubro de 2013. Foto:
João Batista.
Figura 5: Equipe da TV Bandeirantes durante as gravações do quadro “Proteste Já”, do programa noticioso CQ, no
qual a denúncia das atividades de mineração nas Dunas da Ribanceira são veiculadas em rede nacional. Setembro
de 2014. Foto: Movimento SOS Dunas da Ribanceira.
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As reivindicações dos movimentos sociais reforçam a disputa em torno do caráter
simbólico representado pela paisagem das Dunas da Ribanceira e resultaram no processo
de Tombamento objeto deste Parecer. Importante ressaltar que o patrimônio cultural não
é um fato dado. Seu reconhecimento social é resultado de um processo de
patrimonialização sobre o qual incidem interesses políticos, econômicos e simbólicos que
visam produzir memória e reconhecimento identitário, conforme já apontado a partir de
CHUVA (2012). Em outras palavras, o reconhecimento do patrimônio resulta das
relações de poder que o ressignificam. Segundo VELHO (2006), a organização social do
espaço e dos lugares de memória é importante para a construção e a dinâmica de
identidades individuais e sociais, o que torna as políticas públicas de patrimônio questões
complexas que envolvem emoções, afetos, interesses variados, preferências e projetos
heterogêneos e contraditórios. Reconhecer, portanto, um bem cultural enquanto bem
comum, ou seja, como patrimônio cultural, como se configura o caso do Tombamento
das Dunas da Ribanceira, é construir um lugar de memória a partir da organização social
do espaço, considerando os conflitos e diferentes interesses em disputa. A produção de
Lugares de Memória, segundo Pierre Nora, está ligada ao “momento de articulação onde
a consciência de ruptura com o passado se confunde com o sentimento de uma memória
esfacelada, mas monde o esfacelamento desperta ainda memória suficiente para que se
possa colocar o problema de sua encarnação. O sentimento de continuidade torna-se
residual aos locais.” (NORA, 1993, p. 7). Para FUNARI e PELIGRINI (2006), é a partir
da construção do Estado Nacional Moderno que entra em cena a necessidade de se
reconhecer determinados bens como representativos de uma identidade nacional. Este
reconhecimento resulta de um processo de inclusão e consecutiva exclusão de bens,
estabelecendo assim uma cultura – e, consecutivamente, uma memória social –
hegemônica. Este “bem comum” a ser legado às futuras gerações como patrimônio é
primeiramente resultado de um esforço para se construir uma identidade nacional e, mais
recentemente, como dispositivo de resistência identitária também das minorias.
Atualmente, portanto, compreende-se que o reconhecimento do patrimônio cultural deve
derivar das ressignificações deste pela sociedade, e que processos de tombamento e
registro necessariamente precisam reconhecer o interesse das comunidades locais e sua
efetiva participação. O Grupo de Trabalho criado pelo Executivo Municipal de Imbituba
para discutir o tombamento, demandou ao IFSC - Campus Garopaba: 1) esclarecer e
discutir com a comunidade local os significados e implicações do processo de
tombamento; 2) reunir iconografia, depoimentos e outros materiais que subsidiariam o
processo de tombamento nos aspectos da memória e da identidade; 3) assessorar o
Conselho Municipal de Políticas Culturais do Município de Imbituba por meio de parecer
a respeito do Tombamento Paisagístico Dunas da Ribanceira, considerando sua
relevância histórica e cultura na constituição da identidade local.
4.0 - Metodologia.
Com o objetivo de subsidiar este parecer, e considerando a carência de informações
sistematizadas a respeito da relação existente entre a paisagem das Dunas da Ribanceira
no município de Imbituba e a identidade local, foram desenvolvidos projetos de pesquisa
e extensão com recursos do IF-SC, conforme já apresentado na Introdução deste
documento. Estes projetos tiveram como objetivos específicos: 1) debater com a
comunidade interessada no processo de tombamento das Dunas da Ribanceira os bônus e
ônus do dispositivo do tombamento; 2) entrevistar membros da comunidade do entorno
das Dunas utilizando a metodologia da História Oral; 3) transcrição das entrevistas
realizadas com membros da comunidade do entorno das Dunas da Ribanceira; 4) reunir
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junto à comunidade local depoimentos e imagens relacionadas à memória e conformação
paisagística das Dunas da Ribanceira. A fim de atender ao primeiro objetivo específico,
foi realizada uma reunião aberta a toda comunidade no dia 01 de dezembro de 2016, da
qual participaram 13 pessoas, a maioria lideranças comunitárias. Nesta reunião foram
esclarecidas dúvidas quanto ao processo de Tombamento das Dunas, seus significados, e
apresentados os objetivos dos trabalhos desenvolvidos com o objetivo de subsidiar com
informações o trabalho de produção deste Parecer.
Junto às lideranças comunitárias, foram relacionados possíveis depoentes para as
entrevistas. A relação obedeceu a critérios de: a) antiguidade de fixação na região de
entorno às Dunas da Ribanceira; 2) envolvimento comunitário; 3) reconhecimento de
saberes locais por parte da comunidade. Cumpre destacar que os pesquisadores entraram
em contato telefônico e por meio de visitas domiciliares com estes possíveis depoentes, e
na maioria dos casos houve manifestações de desejo em fornecer informações a respeito
das histórias e experiências de vida relacionadas às referidas dunas; porém, o receio de
represálias por parte de moradores vizinhos, cujos empregos estavam ligados às
atividades de mineração de areia realizadas por empresa constituída no local, impediam
estes depoentes de conceder entrevistas para projetos relacionados ao processo de
Tombamento. Para estes potenciais depoentes, os vizinhos poderiam compreender que a
interdição das atividades de mineração, que resultaria em desemprego para os
trabalhadores da mineradora residentes na localidade, estaria ligada ao processo de
Tombamento que estaria respaldado nas informações que fornecessem. Deste modo,
apenas três depoentes concordaram em fornecer depoimentos, que resultaram em duas
entrevistas gravadas e transcritas com suas autorizações. Ante esta dificuldade, adotou-se
a estratégia do Questionário Eletrônico disponibilizado no Google Drive, aberto a toda
comunidade e cujas respostas foram recebidas no período compreendido entre 21/11/2016
e 06/12/2016. O questionário eletrônico foi amplamente divulgado na imprensa local
(jornais impressos, rádios e portais de notícias), nas redes sociais (Facebook e Twitter)
tanto de pessoas civis quanto de organizações da sociedade civil bem como na referida
reunião realizada com a comunidade. No total foram obtidas 132 participações válidas
(ou seja, de cidadãos nascidos e/ou residentes no município de Imbituba e que
efetivamente responderam às perguntas). As perguntas foram divididas em dois blocos.
No primeiro foram solicitados os dados pessoais do depoente concernente ao nome,
documentos, faixa etária, gênero, residência, local de nascimento, tempo de residência no
município de Imbituba e contato telefônico para verificação de veracidade. Destaque-se
que aos participantes foi previamente garantido o anonimato na divulgação das respostas,
sendo as informações de identidade restritas aos pesquisadores. No segundo bloco os
participantes responderam questões fechadas e abertas a respeito da concordância ou não
com o Tombamento das Dunas da Ribanceira como Patrimônio Paisagístico e Cultural
do Município de Imbituba bem como se conheciam informações que vinculavam a
paisagem das Dunas as Ribanceira a apropriações simbólicas e materiais por parte da
comunidade que às vinculem ao imaginário e à identidade local.
5.0 - Apresentação dos dados coletados.
5.1 – Entrevistas/Memória.
A área prevista de dunas prevista para tombamento, segundo o processo, corresponde a
648 hectares. Trata-se de uma área de dunas móveis separada da Praia da Ribanceira por
uma estrada parcialmente pavimentada e sua ocupação e propriedade territorial vêm
sendo reivindicadas por diferentes atores. A respeito da ocupação territorial das Dunas da
10
Ribanceira e regiões contíguas, escreveu a memorialista Maria Aparecida Pamato
Satanna: “Há pouco menos de trezentos anos, descendentes de açorianos que se fixaram
nos Areais da Ribanceira, nos Costões da Ribanceira e da Praia D’Água, mantêm o
principal cultivo da mandioca, aliado à pesca. Segundo um dos descendentes, sr. Luiz
Farias, havia pelas redondezas mais de vinte engenhos de farinha, em mais de 500
hectares de terra. Atualmente, a Associação Rural de Imbituba (ACORDI) conta com
cerca de sessenta associados que lutam pelo resgate da comunidade dos Areais da
Ribanceira e que foi repassada do patrimônio público para o privado, assim reduzida a
10% do original. (...) No Costão da Ribanceira residem descendentes dos Severino, local
onde as baleias Franca se recolhem, com os filhotes, à noite (...)” (SANTANNA, 2016).
Conforme apresentado na Metodologia, três depoentes concordaram em conceder
entrevistas aos pesquisadores com o objetivo de fornecer depoimentos sobre suas
histórias de vida e suas relações com as Dunas da Ribanceira. No dia 01 de novembro de
2016 foram entrevistados o senhor Adílio Manoel Francelino, nascido em 07 de fevereiro
de 1930, e a senhora Edith Silveira Francelino, nascida em 15 de abril de 1936, casados.
Ambos residentes na localidade de Vila Esperança, comunidade contígua às Dunas da
Ribanceira. Ambos são nascidos na região, e o sr. Adílio é filho de “nativos”
(denominação dada aos descentes diretos dos Açorianos e que nasceram na localidade).
Seus pais se instalaram na Ribanceira depois de saírem da Ressacada (Garopaba).
Pescador tradicional (chegou a participar da atividade da pesca de baleias) e proprietário
de um engenho de farinha. Sra. Edith nasceu na Praia D’Água, e se fixou na Ribanceira
a partir do casamento com o sr. Adílio. No dia 03 de novembro de 2016 foi entrevistada
a senhora Josina Rodrigues da Silva, nascida em 24 de abril de 1951 na Araçatuba (hoje
um bairro de Imbituba. Curioso observar que os três entrevistados se referem aos locais
de nascimento, bem como aos atuais bairros da cidade, como locais distantes e diferentes,
o que pode ser resultado do relativo isolamento que a região das Dunas da Ribanceira
apresentava em relação às demais regiões em função da carência de estradas que ligassem
a localidade ao restante do município (estas só começaram a ser estruturadas a partir da
década de 1970). A respeito disto, disse a sra. Josina: “porque aqui, assim ó, não tinha
estrada. Nós não tinha luz elétrica. Nós não tinha água encanada. Nós levava e carregava
água lá da praia. Lá da praia. Aqui não tinha casa. A minha mãe morava aqui. Os
vizinhos mais próximos era LÁ no morro. O Adílio lá, a mãe do Adílio, tá? E lá, aqui era
só duas casas, da minha mãe e também de um senhor que já faleceu e também tinha um
engenho de farinha.” (ADÍLIO).
O isolamento e dificuldade de comunicação percebidos pelos moradores da região da
Ribanceira são também relatados pelo sr. Adílio: “Aqui era um deserto. Isso aqui era um
deserto. Oito morador...oito morador. Não existia água, não existia luz... nada. Tudo
trabalhavam na lavoura. Plantavam a batata, plantavam o aipim, plantava o amendoim.
O porco era pra banha, vaca pro leite, o forno pra fazer o pãozinho pro café. Não existia
mercado, não existia padaria, não existia nada disso. Nós ia fazer as compra, ----------
lá na Laguna.” (ADÍLIO). O sr. Adílio conta que embora houvesse um antigo caminho
que ligava a região à localidade do Arroio, era atravessando as Dunas da Ribanceira
(chamadas de “areal” pelos moradores mais antigos) que os moradores se conectavam às
demais regiões: “Tinha um caminho que ia pro Arroio, mas as vezes a gente atravessava
aquele areal pra sair do outro lado que era mais perto.” (ADÍLIO). A informação é
complementada pela sra. Edith, que disse: “veio estrada e depois... a estrada era de areia,
mas devagarzinho os carros iam passando. Atolavam, cortavam mato e vinham
passando. Aí foram indo, foram falando e foram conversando até que o prefeito botou o
barro.” (EDITH).
11
As Dunas eram utilizadas ainda como caminhos para as roças, também citadas pelo sr.
Adílio e pela sra. Edith, a saber: aipim, amendoim, batata (algumas das culturas
tradicionais ainda são praticadas pela Comunidade Tradicional dos Areais da Ribanceira,
conforme registrado em Cartografia Social (ACORDI, 2011) e no relato de Santanna
(2016). Segundo a sra. Josina, “nós trabalhava na roça lá no terreno lá, porque pra lá
das Dunas tem um terrenão. Tem gente que ainda trabalha na roça. Era o nosso caminho.
Eu e da minha falecida mãe, todo mundo né. Tinha que passar pelas Dunas pra chegar
lá na roça.” (JOSINA). Nestas passagens para a roça a sra. Josina conta que era comum
os moradores se depararem com vestígios arqueológicos de populações pré-coloniais que
também se deslocavam ou até mesmo acampavam nas Dunas da Ribanceira e áreas
contíguas: “Quando nós caminhava pra roça, no caminho que nós passava nós achava
aquelas panelinhas, a mãe chamava assim de panelinha de bugre. A falecida minha mãe
dizia que era de bugre e outros diziam que era de índio, gente que se criou no mato. E
não sei se é que se criaram né. A gente passava, porque o areal o vento dá e nós achava
assim as panelas dele.” (JOSINA). O sr. Adílio lembra que uma senhora “achou uma
ossada na Praia D’água. Foi fazer um buraco para botar um mourão e achou uma ossada
de índio. Porque aqui antes tinha índio.” (ADÍLIO).
Ainda sobre os antigos caminhos, resulta no imaginário o “caminho do rei”, reportado
por muitos moradores da região e que pode aludir ao caminho supostamente percorrido
pelo imperador Pedro I em 1826, quando teria desembarcado em Garopaba e seguiu a
cavalo até Laguna. A respeito deste caminho, conta o sr. Adílio: “Passava aqui. E ainda
tem sinais do Caminho do Rei. Era tudo de cavalaria. Viajavam de rio a rio. Não existia
caminhão, não existia nada disso. Não existia nada disso. (..) Esse nome foi dado pelos
antigos. Caminho do Rei foi dado pelos antigos. (...) O Caminho do Rei...era caminho
fundo...não era um “caminhinhozinho” não. Tinha uns lugares em que tinha uma fundura
assim ó. Nós viajávamos de rio a rio..” Interessante observar que este antigo caminho
talvez tenha servido tradicionalmente aos viajantes e moradores que se deslocavam por
terra entre o litoral dos atuais municípios de Garopaba, Imbituba e Laguna, ligando
diferentes localidades. Dentre estes viajantes está Augustin François César Prouvençal de
Saint-Hilaire, botânico e naturalista francês que visitou a região em 1820. A respeito desta
sua visita, produziu um relato a respeito da sua viajem de Garopaba a Laguna, no qual
registrou: “Deixando o Encantado, entramos em um areão coberto de butiás muito juntos
uns dos outros, entremeados de diversos arbustos e subarbustos. Para mim era um
quadro inteiramente novo o que ne ofereciam essas palmeiras anãs, cujas folhas glaucas
e agudas pareciam dosséis sob os quais cresciam arbustos, quase todos de folhas verde-
gaio” (SAINT-HILAIRE, Apud. BESEN, 1996, p. 26). A referência de Saint-Hilaire ao
“areão coberto de butiás” pode estar indicando as Dunas da Ribanceira e seu butiazal
(ainda hoje existente e reivindicado pela Comunidade Tradicional dos Areais da
Ribanceira como uma espécie de santuário natural desta espécie endêmica e sob risco de
extinção). Valentim (2007) informa que embora atualmente o topônimo Lagoa da
Encantada corresponda à Lagoa de Garopaba pertencente ao território do município
homônimo, a Lei 3228 de 1851, que fixava limites territoriais, referia-se ao Porto de
Encantada, localizado na parte da Lagoa de Ibiraquera chamada “Lagoa de Cima”. Neste
contexto, considerando o ano da visita de Saint-Hilaire e o sentido sul do seu
deslocamento, a paisagem das Dunas da Ribanceira e seu butiazal remete à paisagem que
tanto chamou a atenção do naturalista viajante e que compunha o cotidiano dos primeiros
moradores descentes das populações europeias que habitaram a região. Ainda na década
de 1960 a cultura do butiá estava muito presente no cotidiano dos moradores, conforme
revela a memória da sra. Josina: “Eu e a falecida minha mãe. Nós ia pra roça, ela ficava
trabalhando e eu colhia o butiá. A gente cortava os cacho, né? E chegava aqui, a gente
12
escolheu os mais madurinho pra vende e os outro dava pras galinhas, criava pros porco.”
(JOSINA). O sr. Adílio lembra que no verão extraíam a palha do butiá e vendiam para
uma fábrica de Laguna: “Naquele tempo não existia vassoura de faxina em casa. Não
existia nada pra fazer o dinheirinho do verão... era palha de butiá. Pegava a palha de
butiá e amarrava e o caminhão levava pra fábrica. Teve um ano que eu tirei cem arrobas,
não foi?” (ADÍLIO).
Uma questão importante é a referência aos engenhos de farinha que existiam na região.
Conforme citado nas memórias de Santanna (2016), os engenhos de farinha, juntamente
com as atividades de produção e manutenção dos equipamentos para pesca, constituíam
um importe ponto de produção econômica e de compartilhamento social na região das
Dunas da Ribanceira. Segundo a sra. Josina, “tinha muito engenho aqui, tudo de farinha,
nós trabalhava na roça, nós só convivia com farinha, só.” (JOSINA). Neste sentido, fala
o sr. Adílio que: “quando não era aqui era no morro, plantar cana, plantar feijão...
serviço. Quando terminava todas as coisas iam arrumar um engenho para fazer farinha
e arrumar as redes para pescar tainha.” (ADÍLIO). Sra. Edith reportou durante a
entrevista da existência de oito a nove engenhos na localidade.
As condições de vida dos moradores das Dunas da Ribanceira eram difíceis. Sr. Adílio
narra estas dificuldades: “Fazia um frio... faziam um fogo bem grande, bem grande,
parece que eu tô vendo, nós era nove, nós chegava no final da tarde e comia. Come ligeiro
come, que é pra deixar a querosene pra noite. Isso eu lembro do meu pai dizer, pra deixar
a querosene pra noite. Aí depois nós se deitava, aí tava tudo bem. Mas fazia frio, nós
deitava numa esteira, uma manta por cima e outra esteira por cima, amarrado. Naquele
tempo, uma friaca, e naquele tempo não era a de agora. O tempo mudou. Era aquela
coisa de gelo, era uma friagem. O tempo mudou muito. Não deu mais aquela friagem e
naquele tempo não existia prontuário, não existia remédio. Era remédio do mato. Fulano
tá com uma dor na boca do estômago, tá pra morrer. Naquele tempo morria muita gente.
Ah, tá enfeitiçado, enfeitiçado. Tinha feitiço naquele tempo. Nascia uma criança ‘ie, ie,
ie, ie’ dava chá, chá do mato, benzeção. Fiz muita benzeção. Também pra nascer, nascia
em casa.” (ADÍLIO). Colchão para se dormir, segundo a sra. Edith, era “uma esteira de
piri” (EDITH).
No relato do sr. Adílio é possível observar o imaginário fantástico relacionado à
colonização de base açoriana e que se fazia presente nas Dunas da Ribanceira. Bruxas,
lobisomens, boitatás. A medicina popular na presença das benzedeiras e parteiras,
reportadas também pela sra. Edith, embora se refira à região da Araçatuba, onde viveu
sua infância. Sra. Josina fala da existência de uma parteira na localidade, provavelmente
na década de 1960: “Uma senhora muito querida até, quando se formava temporal, que
eu tenho muito medo, aí ela saia na rua e benzia. O temporal se abria todo, ela passava
pra lá, passava pra cá, mas aqui graças a Deus não acontecia nada. Mas ela também já
faleceu. Eles eram de Garopaba e vieram morar aqui, trabalhavam lá na roça. Depois
mais tarde voltaram para Garopaba e tadinha, foi falecer lá em Garopaba.” (JOSINA).
Os relatos colhidos dos três entrevistados apresentam uma comunidade de base açoriana,
cuja economia de subsistência fundava-se na agricultura, na pesca tradicional e no
beneficiamento de alguns produtos locais (palha do butiá e farinha de mandioca
principalmente). As dunas (areal) referenciadas como local de caminhos, sepultamento
de mamíferos de grande porte, brinquedos (escorregar pelas dunas) e para onde se acorria
na atividade do extrativismo vegetal. O fantástico e o religioso também tinham espaço
nas dunas, seja nas “visagens” do boitatá seja como cenário pelo qual se aproximava a
“Bandeira do Divino”, conforme relato da sra. Josina: “O momento de festa que tinha
aqui era quando a Bandeira do Divino Espirito Santo vinha. Nós trabalhava tudo na
roça. Aí a bandeira tá lá no Arroio, que era pra lá da Praia Vermelha. Cantoria que a
13
gente chorava, a gente ficava emocionado. Eles tocavam e aquele...Meu Deus. Aí tá, a
bandeira tá lá no Arroio...a gente chegava e varria o terreiro. Nosso terreiro era tudo de
barro. Vassourinha de mato. Nós varria tudo e daí ela vinha. Aí no Estevam, que era um
senhor lá ---- Pediam para dormir lá. Aí cantavam, eles cantavam, a gente chorava e a
gente ia botando moedinha. Quanto mais a gente botava moedinha, mais eles cantavam.
(...) Aí, anoitecia, eles iam dormir lá no engenho do Antônio. Aí tinha prensa de farinha.
A falecida [Santina?], a vó da Maria, Secretária da Saúde. Ela botava um lençol bem
branco assim na prensa e botava uma bandeira ali e a outra aqui. O senhor com uma
mesinha botava um travesseirinho, esteira de piri para o senhor se ajoelhar para rezar.
Aí, depois disso tudo vinha matação de galinha. Você dava uma galinha. Aí eles faziam
assim, como eu vou dizer para você, terneirinho de pão, pão doce. Eles faziam, as
padarias encomendavam. Galinha, ovos de galinha, bolo pra fazer a arrematação para
arrecadar aquele trocadinho para aqueles folião, como a gente chamava, pra eles levar.”
(JOSINA).
A Festa do Divino Espírito Santo é uma das principais manifestações culturais da cultura
de base açoriana na região, remontando aos primeiros europeus que se fixaram no entorno
das Dunas da Ribanceira e elemento de congregação entre as diferentes localidades por
meio da passagem da Bandeira do Divino. As Dunas da Ribanceira constituíam cenário
para esta passagem, a Bandeira à frente, o cortejo a segui-la.
5.2 – Questionário eletrônico.
Conforme apresentado no item 4.0, as circunstâncias determinaram que para além das
entrevistas fosse aplicado um questionário eletrônico, do qual foram consideradas as
respostas de 132 depoentes. Cumpre ressaltar que o anonimato na publicação das
respostas foi externado no momento da publicação do questionário (e assim serão tratadas
as respostas neste parecer), mas que a identidade dos depoentes está determinada na
origem e que houve conferência telefônica aleatória de depoentes por parte dos
pesquisadores.
Figura 6: Por quanto tempo reside ou residiu em Imbituba (SC).
Dos 132 depoentes, 55 afirmaram serem nascidos no Município de Imbituba. Quanto ao
gênero dos depoentes, 62,6% identificaram-se como pertencentes ao gênero feminino e
37,4% como do gênero masculino. O questionário perguntou também há quanto tempo o
14
depoente residiu ou reside em Imbituba (Figura 6). Destaca-se que 31,8% dos depoentes
afirmam residir no município de Imbituba há mais de 30 anos, e 12,9% entre 21 e 30 anos,
o que pode indicar a consolidação dos laços identitários de uma parcela significativa dos
depoentes com a região e a paisagem das Dunas da Ribanceira.
O questionário perguntou também se o depoente “considera importante que as Dunas da
Ribanceira sejam preservadas com suas características atuais” (Figura 7) e se o depoente
“considera as Dunas da Ribanceira um patrimônio paisagístico e cultural do município de
Imbituba” (Figura 8). A quase unanimidade de respostas “sim” para as duas perguntas
(99,2% e 98,5% respectivamente) permite inferir o alto grau de engajamento dos
depoentes com a proposta de reconhecimento das Dunas da Ribanceira enquanto
patrimônio paisagístico do município de Imbituba.
Figura 7: Consideram importante que as Dunas da Ribanceira sejam preservadas com suas características atuais.
Figura 8: Consideram as Dunas da Ribanceira um patrimônio paisagístico e cultural do município de Imbituba.
No questionário foram apresentadas também duas perguntas abertas (discursivas) a fim
de observar de que modo os depoentes representam as Dunas da Ribanceira e se estes
15
possuíam relatos ou memórias relacionados com aspectos simbólicos ou históricos que
envolvam a paisagem e/ou território das Dunas da Ribanceira. As questões foram: 1)
“escreva o que as Dunas da Ribanceira representam para você”; 2) “Conhece alguma
história, fato ou lenda envolvendo as Dunas da Ribanceira?”.
A maioria das respostas apresentadas à questão da representação relacionaram-se com
elementos da natureza física. Entretanto, algumas respostas relacionadas a aspectos da
natureza simbólica/cultural se destacam. Na sequência, transcrevemos estas respostas:
R.1: “Constitui-se em um dos motivos pelos quais resido aqui, pois representa qualidade
de vida na medida em que, ao mesmo tempo que faz parte de minhas memórias afetivas,
sua grande área de natureza ainda intocada dá garantias de uma cidade mais equilibrada
ambientalmente.”
R.2: “Lembrança da infância, quadro paisagístico, ecológico, memória e emoção.”
R.3: “Lembranças de infância, com papelão descendo as dunas sob a vigilância de meu
pai....”
R.4: “Um patrimônio natural lindo que serve de hábitat para a fauna silvestre e apresenta
espécies de vegetação utilizada pela comunidade tradicional há diversas gerações e que
possivelmente será um grande reservatório de água num futuro ainda distante.”
R.5: “Parte importante da identidade ambiental da cidade. Além disso, é espaço recreativo
bastante utilizado por nativos e turistas, com a prática do sandboard e banhos nos lagos
que se formam nos períodos de chuvas.”
R.6: “Significam muito pra toda minha família, sempre foi o lugar escolhido para nossas
brincadeiras e reflexões. Gostamos de observar as Baleias Franca e também as outras
espécies que habitam as Dunas.”
R.7: “É um lugar para diversão, contemplação da natureza e do ponto de vista do turismo
que a cidade tanto necessita, uma opção para dias em que não tem como ir à praia.”
R.8: “Proporcionam uma sensação de liberdade, de amplitude e de beleza extrema.
Cobrem, como um grande lençol, muitos segredos de seres que por ali estiveram,
deixando suas impressões, que a qualquer momento podem ser descobertas. Reporta ao
correr de crianças, escorregando no seu dorso ondulado, alvo, brilhante, alegre, feliz. Traz
imensa emoção, por qualquer direção que se olhe, notadamente o amanhecer com o sol
brilhante no Oceano Atlântico e o entardecer, com a Lagoa de Ibiraquera por cenário
complementar.”
R.9: “Um patrimônio ecológico de grande importância para a história do município.”
R.10: “Patrimônio natural do município de Imbituba, importante ecossistema que possui
relação cultural e de uso de uma comunidade tradicional. Local com grande potencial
para um turismo responsável por sua beleza cênica. Compondo o berçário da Baleia
Franca.”
16
R.11: “Vejo as dunas como um imenso local de moradia de várias espécies animais que
merecem ser cuidadas. E ela já foi habitada por pessoas que por aqui viveram e são parte
de nosso passado. É uma importante referência histórica de Imbituba.”
R.12: “As Dunas da Ribanceira significam a preservação do meio natural, de espécies
nativas, significa a recuperação de um ambiente já degradado por tantos anos. As Dunas
representam a história geológica passando por nós e continuando ao longo de várias
gerações.”
R.13: “Um altar.”
R.14: “Significa tudo o que é mais belo e gratificante que a natureza proporciona uma das
belas paisagens de Imbituba são as dunas da riba.”
Diversas outras respostas foram apresentadas, porém variando sobre estas mesmas
temáticas: lugar sagrado, de folguedos, de contemplação, de memórias afetivas, mirante
para a observação das Baleias Francas, espaço de natureza preservada.
Quanto aos conhecimentos dos depoentes a respeito de histórias, fatos ou lendas
envolvendo as Dunas da Ribanceira, observou-se um número significativamente inferior
de respostas. Entretanto, algumas delas coincidem com informações encontradas na
bibliografia consultada e nas memórias narradas nas entrevistas. Na sequência,
transcrevemos algumas destas respostas.
R.1: “Sim, o fato de que um tal de sr. Dedé loteou parte delas.”
R.2: “O movimento pela preservação das dunas uniu a comunidade e garantiu que mais
pessoas conhecessem sua história, garantido o turismo sustentável deste patrimônio da
natureza.”
R.3: “Abriga trilhas onde a população do norte do município usava como caminho para
ir até o centro de Imbituba, muitas vezes para vender a produção excedente do que
plantavam e pescavam.”
R.4: “Quando criança, construíamos pequenas pranchas de areia, que mais tarde viriam a
ser chamadas de sandboards. Eram feitas de madeira e no fundo delas, pregávamos
pedaços daquelas caixas de maçãs que eram feitas de um plástico grosso, para melhor
deslizar nas descidas. Os 'treinamentos', ou brincadeiras diárias, eram nas dunas que
haviam próximo ao centro da cidade, principalmente as que haviam ao largo da Granja
Henrique Lage. Quando nos sentíamos 'preparados' buscávamos novos desafios. E as
dunas da Ribanceira eram este desafio. Fugíamos de casa, muitas vezes sem
consentimento de nossos pais, para 'desafiarmos' as imensas dunas que se localizavam na
antiga 'Barranceira'. Era assustador olhar lá de cima e tentar imaginar o que poderia
acontecer nas descidas. Muitos preferiam descer sentados ou deitados nas pequenas
pranchas. De uma forma ou de outra, voltávamos para casa cansados, mas realizados.
Mas, para quem morava no centro da cidade, o cansaço era dobrado, já que após tanto
divertimento ainda restava a volta, que na maioria das vezes era feito a pé.”
R.5: “Ouvi falar que por ela passavam os festeiros que levavam a Bandeira do Divino.
Pelas dunas passavam os agricultores que iriam plantar produtos para sua subsistência.
Das dunas, se avista o mar na busca de peixes.”
17
R.6: “Nos anos de 1971 a 1973 ocorreu titularização das terras que compõem o campo de
dunas, com a emissão de títulos pelo extinto Instituto de Reforma Agrária do Estado de
Santa Catarina – IRASC, onde alguns poucos moradores do lugar foram beneficiados,
como a família Domingos, no vilarejo que hoje constitui-se no bairro Barra de Ibiraquera.
Mas, a maior parte foi concedida a pessoas que não ocupavam o lugar - apenas obtiveram
o registro da propriedade. Os títulos da família Domingos (Antônio, Pedro e Thomé)
informam que o lugar chamava-se Rincão, o que bate com a denominação de uma antiga
casa de música/dança (boate) existente no local na década de 1980, com aquela
denominação.”
R.7: “Desde criança brincava naqueles areais com meus amigos, pegava butiá deslizava
nas dunas e tomava banho nas lagoas que se formavam com as chuvas.”
R.8: “Uma lenda contada pelos antigos moradores da praia da ribanceira: Boi tatá. E as
histórias da caça à baleia Franca, onde as ossadas das mesmas eram depositadas nas
dunas. Quando criança, surfando nas dunas eu e amigos encontramos alguns ossos mas
não sabíamos de que animal era. Depois de conversarmos com o Sr. Fortunato, antigo
morador da Ribanceira, ele comentou se tratar de ossada de baleia.”
R.9: “Região muito rica culturalmente, sendo usada como terras comunais pelos
moradores do areal, além de grande importância afetiva para moradores da região.”
R.10: “Meu falecido tio João Maneca (Miudero) morava no Arroio e trabalhava a noite
no Porto de Imbituba. Ele atravessava os areais a pé para chegar até o Porto. Ele dizia que
via o Boi Tatá, um porco ou um boi que botava fogo pela boca, via bem de longe e falava
"Boi Tatá, Boi Tatá apaga lá e acende cá". Um dia o Boi Tatá apareceu bem perto dele e
tinha dias que o Boi Tatá o acompanhava. Ele contava também que dava um vento forte
no areais e um bocado de areia se juntava como um redemoinho e se formava uma capa
de um fantasma, ele dizia que não tinha medo de nada, baixava a cabeça e seguia o
caminho, dizia que se mexer era pior.”
R.11: “Quando visitamos um dos casais mais antigos residentes no Arroio ouvimos deles
que transitavam com frequência em direção a Ribanceira pra fazer partos e o trajeto era
pelas Dunas. Recentemente foi solicitado a APA da Baleia Franca e a comunidade a
possibilidade de fazer uma gravação de uma propaganda da C&A usando como fundo as
Dunas da Ribanceira obedecendo todas legislação de preservação ambiental .A agencia
contratada pra fazer a propaganda nos informou que poderá ser muito utilizado pra futuras
gravações.”
Nas memórias e histórias narradas pelos depoentes podemos observar as Dunas da
Ribanceira como paisagem de uso comum, seja para passagem (de transeuntes, do cortejo
da Bandeira do Divino) seja para a atividade da agricultura tradicional. Os relatos
mostram ainda a persistência da memória que relaciona as Dunas da Ribanceira à infância
enquanto lugar de brinquedos e aventuras, ou como paisagem para a manifestação do
sobrenatural, do fantástico (Boitatá, fantasmas). Também as Dunas como território em
disputa (regularização fundiária, loteamento, movimento pela preservação), mirante para
a observação das baleias, paisagem de povos pretéritos e lugar de reapropriações e
ressignificações que respeitem as características do ecossistema (turismo ecológico,
cenário para campanha publicitária, sandboard).
18
6.0 – Referências.
- ACORDI - Associação Comunitária Rural de Imbituba. Cartografia Social da
Comunidade Tradicional de Agricultores e Pescadores Tradicionais dos Areais da
Ribanceira: Imbituba, SC. Manaus: Universidade Federal da Amazônia, 2011.
- Besen, José Artulino. São Joaquim de Garopaba: recordações da freguesia (1830-
1980). 2ª ed. Passo Fundo (RS): Gráfica e Editora Pe. Berthier, 1996.
- Chuva, Márcia. Por uma história da noção de patrimônio histórico no Brasil. Revista
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. n. 34, 2012, p. 147-165.
- Costa, Viegas Fernandes da. Turismo arqueológico e desenvolvimento sustentável:
a possibilidade de aproveitamento do patrimônio arqueológico pré-colonial dos
municípios de Garopaba, Imaruí e Imbituba (SC) para a promoção do desenvolvimento
sustentável na região. Dissertação de Mestrado em Desenvolvimento Regional.
Blumenau: Universidade Regional de Blumenau, 2016.
- Cruz, Olga. A Ilha de Santa Catarina e o continente próximo: um estudo de
geomorfologia costeira. Florianópolis: UFSC, 1998.
- Funari, Pedro Paulo; Peligrini, Sandra de Cássia Araújo. Patrimônio histórico e
cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.
- Goularti Filho, Alcides. Portos, ferrovias e navegação em Santa Catarina.
Florianópolis: UFSC, 2013.
- IMBITUBA. Lei Municipal 1762, 22 de abril de 1998.
- IPHAN. Superintendência de Santa Catarina. Relatório de Vistoria 003/2014.
- IPHAN. Superintendência de Santa Catarina. Relatório de Vistoria 046/2016.
- Martins, Manoel de Oliveira. Imbituba: história e desenvolvimento, s.d.
- Nora, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História,
n. 10, São Paulo, dez., 1993, p. 7-28.
- Santanna, Maria Aparecida Pamato. Imbituba: nas conjunturas do tempo. Imbituba
(SC): Livropostal, 2016.
- Souza, Monique Latrônico de. A indústria carboquímica catarinense em Imbituba:
uma história encoberta pela fumaça vermelha. Santa Catarina em História, v. 1, n. 1, 2007,
p. 99-107.
- Sperb, Matias Poli; Serva, Maurício; Firmino, Fabiana dos Santos. Turismo e
desarrollo socioeconómico de tres municipios del litoral centro-sul de Santa Catarina,
Brasil. ABET, v. 3, n. 3, 2013, p. 43-54.
- Valentim, Manoel. História de Garopaba: da armação baleeira à comarca. Garopaba
(SC), 2007.
- Velho, Gilberto. Patrimônio, negociação e conflito. Mana, v. 12, n. 1, 2006, p. 237-248.
7.0 – Parecer.
Aspectos da Legislação Ambiental e das caraterísticas do ecossistema na qual as Dunas
da Ribanceira estão inseridas, considerando-se inclusive estarem incluídas na Área de
Proteção Ambiental da Baleia Franca, e destacando o fato de serem dunas móveis,
servirem ao lençol freático, abrigarem em diversas áreas vegetação característica e nativa,
e espécimes da fauna sob risco de extinção, tornam a paisagem das Dunas da Ribanceira
objeto a ser protegido e preservado.
Quanto ao aspecto do Tombamento Paisagístico e Cultural (conforme solicitação original
da sociedade civil), ou Patrimônio Paisagístico (no qual o cultural ou histórico estão
subentendidos), a pesquisa que sustenta este parecer observou: 1) existência de vestígios
arqueológicos (e prováveis sítios) pré-coloniais na área de dunas móveis; 2) uso
19
tradicional das dunas como área comunal (extrativismo vegetal e plantio); 3) uso
tradicional das Dunas da Ribanceira para passagem (caminhos tradicionais); 4) uso
tradicional das Dunas da Ribanceira como local de brinquedos, que persiste na memória
e no comportamento das atuais gerações; 5) uso tradicional como mirante natural para a
observação de cetáceos e de vigia para a pesca tradicional da tainha; 6) memória sensível
de parte da comunidade quanto à paisagem das Dunas da Ribanceira que remete a tempos
pretéritos; 7) reivindicação social do território das Dunas da Ribanceira (Movimento SOS
Dunas da Ribanceira); 8) reconhecimento social das Dunas da Ribanceira enquanto
paisagem que confere ao município de Imbituba particularidades.
Considerando o observado, é possível afirmar a existência de elementos que atribuem às
Dunas da Ribanceira as características de um patrimônio paisagístico capaz de conferir
identidade não apenas às populações do seu entorno, mas ao município de Imbituba. A
afirmação considera o conceito de Paisagem Cultural exposto no Artigo 1º da Portaria
IPHAN nº 127/2009 que diz: “Paisagem Cultural Brasileira é uma porção peculiar do
território nacional, representativa do processo de interação do homem com o meio
natural, à qual a vida e a ciência humana imprimiram marcas ou atribuíram valores.”
Ainda que no âmbito do município o dispositivo do tombamento siga critérios próprios,
a definição do IPHAN para “patrimônio cultural” serve de baliza para o reconhecimento
das Dunas da Ribanceira como Patrimônio Paisagístico do município de Imbituba (SC).
A Paisagem das Dunas da Ribanceira testemunha os processos de interação ser-humano
– natureza naquela porção do território brasileiro.
Diante do exposto e considerando a legislação municipal, manifesta-se PARECER
FAVORÁVEL AO TOMBAMENTO DAS DUNAS DA RIBANCEIRA COMO
PATRIMÔNIO PAISAGÍSTICO do município de Imbituba (SC), considerando-se os
usos, saberes e fazeres tradicionais relacionados às Dunas da Ribanceira como patrimônio
imaterial inerente à paisagem tombada e, portanto, necessitados de Registro.
Recomenda-se também que o tombamento considere a necessidade de se estabelecer
política pública de permanente educação patrimonial com a população de Imbituba e, em
especial, com os moradores do entorno das Dunas da Ribanceira. Como estratégia de
Educação Patrimonial, sugere-se a produção de Inventário Participativo das Dunas da
Ribanceira a ser fomentando pelo Poder Público Municipal.
Florianópolis, 14 de fevereiro de 2018.
VIEGAS FERNANDES DA COSTA
Prof. de História do Instituto Federal de Santa Catarina
Siape: 2047536

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Tombamento das Dunas da Ribanceira do Município de Imbituba (SC): parecer técnico de História.

  • 1. 1 Tombamento das Dunas da Ribanceira do município de Imbituba (SC): parecer técnico de História. Viegas Fernandes da Costa1 1.0 - Introdução. Em 24 de setembro de 2015 o Executivo Municipal de Imbituba, por meio da Resolução Resolução PMI/SETEC/SECULT 003, 24/09/2015, criou um Grupo de Trabalho (GT) com o objetivo de produzir relatório técnico a respeito do processo de Tombamento Paisagístico e Cultural das Dunas da Ribanceira (Resolução PMI/SETEC/SECULT 003, 24/09/2015) acolhido pelo Conselho Municipal de Políticas Culturais. O referido GT reuniu diversos atores do território, dentre estes o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina (IF-SC), representado pelo professor de História do Campus Garopaba, Viegas Fernandes da Costa. Após a publicação da referida Resolução, o professor Viegas Fernandes da Costa (Historiador) coordenou projetos de pesquisa e extensão com o objetivo de verificar a relevância histórica e cultural das Dunas da Ribanceira como patrimônio paisagístico que confere identidade cultural ao município de Imbituba (SC). Os projetos contaram com a participação do professor de Geografia João Henrique Quoos (IF-SC Campus Garopaba) e da Bolsista (Projeto de Extensão vinculado ao Edital APROEX nº 02/2016) Bruna Facchinello (na condição de estudante do curso de Educação Patrimonial). Os resultados das investigações realizadas no contexto dos referidos projetos subsidiam as conclusões deste Parecer Técnico. 2.0 - Contextualização2. O município de Imbituba está localizado no litoral Sul de Santa Catarina e sua população estimada é de 44076 habitantes (IBGE, 2017). Seu desenvolvimento urbano tem origem na vila açoriana de Vila Nova de Santana, fundada em 1720, quando recebe os primeiros europeus provenientes do arquipélago dos Açores. A vila é elevada à freguesia de Laguna em 1811, e em 1911 torna-se distrito. Após variar sua denominação entre Vila Nova, Imbituba e Henrique Lage, o distrito é desmembrado de Laguna e elevado à condição de município em 1958 sob o nome de Henrique Lage e, em 1959, passa a se chamar Imbituba. Assume importância econômica no contexto colonial português a partir da instalação de uma armação baleeira em 1796, a quarta mais antiga do Brasil e a última a sair de operação. A pluralidade étnico-cultural de Imbituba se torna mais complexa a partir da década de 1910, quando passa a fazer parte do império industrial de Henrique Lage e desenvolve as atividades ferroviárias e portuárias (MARTINS, s.d.), fato que atrai mão de obra externa. Desde 1884, com a inauguração da Estrada de Ferro Dona Tereza Cristina, que passou a ligar as minas de Lauro Müller à região portuária, o porto de Imbituba serviu como escoadouro do carvão mineral tanto para o mercado brasileiro quanto para o exterior. Antes da concessão a Lage o porto era administrado pelo capital inglês, que explorava também a mineração. A baixa qualidade do carvão catarinense, entretanto, incentivou os ingleses a abandonar a mineração no sul catarinense e, consecutivamente, relegou o porto de Imbituba ao abandono. (GOULARTI FILHO, 2013). Esta situação de abandono perdurou até a I Guerra Mundial, momento em que se reativa a mineração em Santa Catarina. Em 1919 o industrial Henrique Lage obteve a 1 Historiador, Mestre em Desenvolvimento Regional, Professor de História no Instituto Federal de Santa Catarina (IF-SC). 2 A Contextualização foi adaptada de COSTA, 2016.
  • 2. 2 concessão para exploração do porto de Imbituba. Além da ampliação do porto, são realizados diversos investimentos em infraestrutura, dentre estes a modernização urbana da região central. Imbituba passa a ser escala de navios com destino a Porto Alegre e ao Uruguai. O desembarque de passageiros resultou na construção do primeiro hotel, em 1920. Entre 1920 e 1941, ano da morte de Henrique Lage, foram construídos com seu capital a indústria Cerâmica Imbituba, a Companhia Docas de Imbituba, a Granja Henrique Lage, a usina termelétrica e o traçado do núcleo urbano da cidade. Importante ressaltar que o projeto implementado por Lage na cidade, tendo como centro a atividade portuária, não dialogou com a cultura de base açoriana das primeiras vilas (Vila Nova e Vila do Mirim), tratando-se assim de uma proposta de desenvolvimento exógeno. O desenvolvimento econômico de Imbituba passou a depender do porto que exportava o carvão que era explorado no sul do estado. Esta dependência da cidade em relação ao porto, que por sua vez dependia do carvão, fez com que a economia de Imbituba oscilasse de acordo as políticas de incentivo à indústria carvoeira (GOULARTI FILHO, 2013). No final da década de 1980, com a abertura da economia brasileira à concorrência internacional promovida no governo de Fernando Collor de Mello, a exportação carvoeira declinou e chegou a zero em 1990. Com o objetivo de aproveitar os rejeitos do carvão, em 1969, foi fundada em Imbituba a Indústria Carboquímica Catarinense (ICC), que produzia insumos para indústria de fertilizantes a partir do enxofre extraído da pirita carbonosa, derivando o ácido sulfúrico somado ao ácido fosfórico. A construção da ICC, inaugurada em 1979, fazia parte dos objetivos do II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND). Para descarregar a rocha fosfática, matéria-prima para a produção do ácido fosfórico, e para escoar toda a produção de ácido sulfúrico e fosfórico, o porto de Imbituba foi ampliado. A indústria operou apenas entre 1979 e 1992, sendo definitivamente extinta em 1994, e não promoveu o desenvolvimento social prometido para a cidade. Os postos de trabalho abertos para a população local eram de baixo valor agregado e seu fechamento legou significativos passivos ambientais e sociais. Segundo SOUZA (2007), os passivos ambientais gerados pela ICC, fizeram com que a cidade ficasse marcada pela “maldição da fumaça vermelha”. “A cidade acordava todos os dias coberta por uma fuligem grossa de pó vermelho, consequência da primeira etapa do beneficiamento da pirita carbonosa, gerando como resíduo o óxido de ferro, que principalmente em dias de vento nordeste, espalhava-se por toda a região central.” (SOUZA, 2007, p. 104). Atualmente ainda é possível ver as montanhas de óxido de ferro dispostas em áreas próximas ao porto e o espólio da ICC encontrasse em péssimo estado de conservação. Indústrias estão beneficiando parte do resíduo para a produção de gesso. Importante ressaltar, novamente, que a ICC foi imposta a partir do Estado para o município a partir de um plano de desenvolvimento nacional, visando o aproveitamento do porto. Após o fechamento da ICC, o governo brasileiro criou na cidade uma Zona de Processamento de Exportação (ZPE), que até o momento não se efetivou. A cidade de Imbituba sempre teve uma estreita relação com o porto e apostava na expectativa de investimentos externos. Primeiro foi a tentativa de construção da Siderúrgica Santa Catarina S.A. (Sidesc), que se transformou em ICC. A ICC encerrou suas atividades em 1994 e deixou um grande passivo ambiental de mais de 4.300.000 t. de gesso e 1.400.000 t. de óxido de ferro. Em seguida foi o projeto Sidersul, que, entre 1979 e 1982, consumiu mais de US$ 24.000.000,00 do governo estadual e nada foi realizado. A mais recente espera foi a Zona de Processamento de Exportação (ZPE), criada em 1995 com o objetivo de atrair indústrias e integrá-las ao porto. No entanto, na reforma administrativa de 2005 do governo estadual, a ZPE foi extinta. (GOULARTI FILHO, 2013, p. 93).
  • 3. 3 As recentes reestruturações que diversificaram as operações portuárias tencionam os sistemas sociais e ambientais da região, ao mesmo tempo em que se transformam na principal atividade econômica do município. No presente, “la principal actividad económica de esto municipio gira em torno de su puerto, que actualmente es el segundo mas grande del estado y representa una fuente importante de empleo. También depende de la industria, del comercio y del turismo, este último en crecimiento. (SPERB, SERVA e FIRMINO, 2013, p. 47). As alterações da paisagem e o crescimento populacional em Imbituba acarretam na atrofia das atividades econômicas tradicionais e impactam na identidade local e as características da paisagem ambiental. É neste contexto que se insere a proposição do tombamento das Dunas da Ribanceira como patrimônio paisagístico relacionado à História e à cultura do município. 3.0 - Justificativas para o Processo de Tombamento. O processo de tombamento das Dunas da Ribanceira vem sendo pleiteado por setores da sociedade civil organizada do município de Imbituba, como o movimento S.O.S Dunas da Ribanceira e associações de moradores. Para estes setores as Dunas da Ribanceira representam um patrimônio paisagístico cultural com características exclusivas e, portanto, capazes de conferir identidade não apenas às populações do seu entorno, mas ao município de Imbituba. A Lei Municipal 1762 de 22 de abril de 1998 dispõe sobre o tombamento cultural no âmbito municipal. Em seu Artigo 1º define que “o Patrimônio Natural e Cultural do Município de Imbituba é constituído de bens móveis, de natureza material ou imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, existentes em seu território e cuja preservação seja de interesse público dado o valor histórico, artístico, ecológico, bibliográfico, documental, religioso, folclórico, etnográfico, arqueológico, paleontológico, paisagístico, turístico e/ou científico.” Segundo Márcia Chuva, reconhecida autoridade nas discussões dos processos de patrimonialização e tombamento, “na atualidade, a área do patrimônio engloba um conjunto significativo de questões de ordem política, de relações de poder, de campos de força e âmbitos do social. Anteriormente alheio a essa prática, hoje o patrimônio toma em consideração questões relativas ao meio ambiente, aos direitos culturais, aos direitos difusos, ao direito autoral, ao impacto cultural causados pelos grandes empreendimentos, além dos temas já tradicionais, como aqueles que envolvem questões de urbanismo e uso do solo, expansões urbanas sobre áreas históricas decadentes, questão habitacional em áreas históricas urbanas e, principalmente, os limites que o tombamento impõe à propriedade privada” (CHUVA, 2012). As Dunas da Ribanceira possuem relevância, especialmente se considerado o contexto da Área de Proteção Ambiental da Baleia Franca, onde se destaca o fato de serem dunas móveis, servirem ao lençol freático, abrigarem em diversas áreas vegetação característica e nativa, dentre estas a palmeira butiá, e espécies da fauna sob risco de extinção, como é o caso do réptil Liolaemus occipitalis Boulenger, que tem nestas seu hábitat. Olga Cruz, em seu estudo sobre a geomorfologia costeira de Santa Catarina, escreve que “a invasão das dunas por estradas e construções ilegais só pode diminuir e desmanchar o equilíbrio natural precário de seus ecossistemas; além disso ajudam, conforme Mosimann (1997), a destruir sua diversidade biológica, a qual apresenta vários micro-habitantes ao longo de suas variações de relevo e umidade” (CRUZ, 1998, p. 239).
  • 4. 4 No pedido original de tombamento do local consideram-se também, para além da importância do ecossistema e o interesse cientifico inerente, os valores culturais capazes de conferir às Dunas da Ribanceira notoriedade histórica, paisagística e identitária. O primeiro argumento fundamenta-se nos estudos arqueológicos do local. Em vistoria técnica realizada pelo IPHAN (Relatório IPHAN 003/2014) foram identificados diversos vestígios arqueológicos da cultura guarani na área das Dunas da Ribanceira. Segundo o referido relatório, “Trata-se de uma área de dunas móveis, sendo que a constante movimentação destes grandes bancos arenosos demostram o dinamismo de tal ambiente. Fato este, juntamente com os resultados positivos obtidos na vistoria, ressaltam as características geomorfológicas da área, sendo que artefatos arqueológicos aparecem todos os dias e todos os dias são novamente recobertos pela areia.” Em setembro de 2015 foi realizada nova diligência do IPHAN nas Dunas da Ribanceira, esta em parceria com o IF-SC. Na diligência participaram, dentre outros profissionais, o arqueólogo do IPHAN Rossano Lopes Bastos, o historiador e Professor de História do IF-SC Viegas Fernandes da Costa, e o professor de Geografia do IF-SC João Henrique Quoos, além de estudantes do IF-SC e representantes do Poder Público Municipal. Também nesta vistoria os profissionais envolvidos encontraram vestígios cerâmicos da cultura Guaranítica. O Relatório de Vistoria IPHAN 46/2015 produzido após a referida diligência afirma: “Em razão dos vestígios arqueológicos encontrados no caminhamento, pode-se afirmar que a área vistoriada possui altíssima probabilidade de ter sido antigamente ocupada por grupos humanos. A geomorfologia do terreno – áreas elevadas, proximidades ao mar e às lagoas, remete às características de ocupação de grupos Guarani Em razão dos vestígios arqueológicos encontrados no caminhamento, pode-se afirmar que a área vistoriada possui altíssima probabilidade de ter sido antigamente ocupada por grupos humanos. A geomorfologia do terreno – áreas elevadas, proximidades ao mar e às lagoas, remete às características de ocupação de grupos Guarani”. Considerando o exposto nos referidos Relatórios de Vistoria do IPHAN, é possível inferir que as Dunas da Ribanceira abrigam sítios arqueológicos ainda não devidamente estudados, o que representa interesse científico e relevância histórica na conformação da paisagem local, servindo como elemento a justificar a necessidade de tombamento da área dado seu valor arqueológico. Sob o aspecto do valor histórico e paisagístico, o pedido de Tombamento ressalta que as Dunas da Ribanceira foram tradicionalmente apropriadas pela população de toda região. Relatos de moradores locais dão conta de que desde as primeiras décadas do século XX diversas famílias se deslocavam para as dunas da Ribanceira a fim de colher butiás e com este fruto produzir alimentos e bebidas de uso doméstico e com forte ligação identitária. A memória local relata casos de famílias que provinham de localidades como a Vila do Mirim para esta atividade. Também há relatos a respeito da cultura da mandioca e outras atividades relacionadas à economia de subsistência na área das dunas. Os trabalhos de pesquisa e extensão desenvolvidos pelo IF-SC procuraram verificar a existência e relevância destes relatos. Cumpre destacar aqui a Cartografia Social da Comunidade Tradicional de Agricultores e Pescadores Tradicionais dos Areais da Ribanceira, publicada pela Universidade Federal da Amazônia em 2011, que reconhece a existência de ocupação tradicional da área de dunas por comunidade de agricultores e pescadores que preservam práticas e saberes tradicionais vinculados à paisagem das Dunas da Ribanceira. A destruição da paisagem tradicional implicaria também na destruição destes saberes e fazeres tradicionais, a saber: artesanato com a palha da palmeira Butiá, produção de farinha de mandioca em engenho tradicional durante o ritual da farinhada, cultivo agrícola tradicional de subsistência e prática de extrativismo de espécies vegetais com sustentabilidade ambiental. A referida comunidade também utiliza as dunas como posto
  • 5. 5 de vigia durante a temporada da pesca artesanal dos cardumes de tainha. A preservação desta paisagem que abrigou por mais de dois séculos atividades econômicas de subsistência das famílias que habitaram a região torna-se, portanto, importante porque pode contribuir para a permanência e alimentação da memória coletiva, aspecto fundamental para a manutenção dos laços identitários locais. Segundo Zilda Kessel, museóloga e mentora do Museu da Pessoa, “as memórias individual e coletiva têm nos lugares uma referência importante para a sua construção. As memórias dos grupos se referenciam, nos espaços em que habitam e nas relações que constroem com estes espaços. Os lugares são importante referência na memória dos indivíduos, donde se segue que as mudanças empreendidas nesses lugares provocam mudanças importantes na vida e na memória dos grupos.” Isto posto, no processo de tombamento das Dunas ressalta-se a paisagem em questão enquanto significante para a memória coletiva na região, ao qual seus moradores se ligam por um sentimento de pertencimento, configurando o interesse público na sua proteção por meio do tombamento. Soma-se a isto os diferentes usos dados às Dunas da Ribanceira: caminhos tradicionais, território de brinquedos, espaço de rituais sagrados etc, a serem discutidos na sequência. A Lei 1762/1998 trata também do valor turístico. Em 2015 o SEBRAE organizou um Comitê Gestor com objetivo de consolidar a região composta pelos municípios de Laguna, Imbituba e Garopaba como referência no ecoturismo. Neste contexto, a paisagem das Dunas da Ribanceira pode representar um importante atrativo turístico que agrega valor à atividade na região, e cujo tombamento poderia considerar. Destaca-se, entretanto, que este parecer irá se pronunciar exclusivamente a respeito dos valores históricos inerentes à paisagem das Dunas da Ribanceira, excluindo-se a discussão da pertinência de valores agregados, dentre os quais, o turismo. Por fim, cumpre salientar que registros fotográficos produzidos a partir da década de 1950 (Figuras 1 e 2) mostram a sistemática ocupação da área de dunas, em um processo que, se mantido, coloca em risco a existência desta paisagem e, consecutivamente, à memória que a este se liga bem como altera aspectos ambientais e ecológicos. Imagens aéreas da década de 1960 mostram que os moradores mais antigos da Barra de Ibiraquera (localidade de abrangência das dunas) conheciam e respeitavam a dinâmica de movimentação das dunas, de modo que edificaram suas residências sem obstruir esta dinâmica, o que se altera a partir da década de 1980 com a ocupação desordenada da região. Apresentadas as questões, ressalta-se que os princípios concernentes à proteção do Patrimônio Cultural defendidos pela UNESCO e pelo IPHAN sustentam-se na cidadania cultural, que pressupõe a reivindicação dos atores do território no processo de patrimonialização do bem cultural, seja por meio do dispositivo do tombamento, seja pelo registro (no caso do bem imaterial). As Dunas da Ribanceira vêm sendo reivindicadas pela população local como patrimônio natural e cultural através de movimentos sociais organizados e manifestações públicas, das quais destaca-se o Movimento SOS Dunas, que nasceu da percepção dos danos causados pela atividade mineradora à paisagem e ao ecossistema, o que foi amplamente noticiado em nível nacional e sobre o qual o Ministério Público vem se manifestando. Em 2013 o Movimento SOS Dunas produziu diversos registros da extração de areia por parte de uma mineradora instalada na região, que resultaram em denúncias de crime ambiental (Figura 3), atos públicos (Figura 4) e divulgação na imprensa estadual e nacional (Figura 5).
  • 6. 6 Figura 1: Aerofotograma mostrando as Dunas da Ribanceira e parte da Lagoa da Ibiraquera, 1957. Figura 2: Captura de imagem de satélite realizada do Google Earth em 26/10/2017.
  • 7. 7 Figura 3: Mineração de areia nas Dunas da Ribanceira em 2013. Foto: Paulo Armando. Figura 4: SOS humano durante o 'Abraço Simbólico' as dunas da Ribanceira realizado em outubro de 2013. Foto: João Batista. Figura 5: Equipe da TV Bandeirantes durante as gravações do quadro “Proteste Já”, do programa noticioso CQ, no qual a denúncia das atividades de mineração nas Dunas da Ribanceira são veiculadas em rede nacional. Setembro de 2014. Foto: Movimento SOS Dunas da Ribanceira.
  • 8. 8 As reivindicações dos movimentos sociais reforçam a disputa em torno do caráter simbólico representado pela paisagem das Dunas da Ribanceira e resultaram no processo de Tombamento objeto deste Parecer. Importante ressaltar que o patrimônio cultural não é um fato dado. Seu reconhecimento social é resultado de um processo de patrimonialização sobre o qual incidem interesses políticos, econômicos e simbólicos que visam produzir memória e reconhecimento identitário, conforme já apontado a partir de CHUVA (2012). Em outras palavras, o reconhecimento do patrimônio resulta das relações de poder que o ressignificam. Segundo VELHO (2006), a organização social do espaço e dos lugares de memória é importante para a construção e a dinâmica de identidades individuais e sociais, o que torna as políticas públicas de patrimônio questões complexas que envolvem emoções, afetos, interesses variados, preferências e projetos heterogêneos e contraditórios. Reconhecer, portanto, um bem cultural enquanto bem comum, ou seja, como patrimônio cultural, como se configura o caso do Tombamento das Dunas da Ribanceira, é construir um lugar de memória a partir da organização social do espaço, considerando os conflitos e diferentes interesses em disputa. A produção de Lugares de Memória, segundo Pierre Nora, está ligada ao “momento de articulação onde a consciência de ruptura com o passado se confunde com o sentimento de uma memória esfacelada, mas monde o esfacelamento desperta ainda memória suficiente para que se possa colocar o problema de sua encarnação. O sentimento de continuidade torna-se residual aos locais.” (NORA, 1993, p. 7). Para FUNARI e PELIGRINI (2006), é a partir da construção do Estado Nacional Moderno que entra em cena a necessidade de se reconhecer determinados bens como representativos de uma identidade nacional. Este reconhecimento resulta de um processo de inclusão e consecutiva exclusão de bens, estabelecendo assim uma cultura – e, consecutivamente, uma memória social – hegemônica. Este “bem comum” a ser legado às futuras gerações como patrimônio é primeiramente resultado de um esforço para se construir uma identidade nacional e, mais recentemente, como dispositivo de resistência identitária também das minorias. Atualmente, portanto, compreende-se que o reconhecimento do patrimônio cultural deve derivar das ressignificações deste pela sociedade, e que processos de tombamento e registro necessariamente precisam reconhecer o interesse das comunidades locais e sua efetiva participação. O Grupo de Trabalho criado pelo Executivo Municipal de Imbituba para discutir o tombamento, demandou ao IFSC - Campus Garopaba: 1) esclarecer e discutir com a comunidade local os significados e implicações do processo de tombamento; 2) reunir iconografia, depoimentos e outros materiais que subsidiariam o processo de tombamento nos aspectos da memória e da identidade; 3) assessorar o Conselho Municipal de Políticas Culturais do Município de Imbituba por meio de parecer a respeito do Tombamento Paisagístico Dunas da Ribanceira, considerando sua relevância histórica e cultura na constituição da identidade local. 4.0 - Metodologia. Com o objetivo de subsidiar este parecer, e considerando a carência de informações sistematizadas a respeito da relação existente entre a paisagem das Dunas da Ribanceira no município de Imbituba e a identidade local, foram desenvolvidos projetos de pesquisa e extensão com recursos do IF-SC, conforme já apresentado na Introdução deste documento. Estes projetos tiveram como objetivos específicos: 1) debater com a comunidade interessada no processo de tombamento das Dunas da Ribanceira os bônus e ônus do dispositivo do tombamento; 2) entrevistar membros da comunidade do entorno das Dunas utilizando a metodologia da História Oral; 3) transcrição das entrevistas realizadas com membros da comunidade do entorno das Dunas da Ribanceira; 4) reunir
  • 9. 9 junto à comunidade local depoimentos e imagens relacionadas à memória e conformação paisagística das Dunas da Ribanceira. A fim de atender ao primeiro objetivo específico, foi realizada uma reunião aberta a toda comunidade no dia 01 de dezembro de 2016, da qual participaram 13 pessoas, a maioria lideranças comunitárias. Nesta reunião foram esclarecidas dúvidas quanto ao processo de Tombamento das Dunas, seus significados, e apresentados os objetivos dos trabalhos desenvolvidos com o objetivo de subsidiar com informações o trabalho de produção deste Parecer. Junto às lideranças comunitárias, foram relacionados possíveis depoentes para as entrevistas. A relação obedeceu a critérios de: a) antiguidade de fixação na região de entorno às Dunas da Ribanceira; 2) envolvimento comunitário; 3) reconhecimento de saberes locais por parte da comunidade. Cumpre destacar que os pesquisadores entraram em contato telefônico e por meio de visitas domiciliares com estes possíveis depoentes, e na maioria dos casos houve manifestações de desejo em fornecer informações a respeito das histórias e experiências de vida relacionadas às referidas dunas; porém, o receio de represálias por parte de moradores vizinhos, cujos empregos estavam ligados às atividades de mineração de areia realizadas por empresa constituída no local, impediam estes depoentes de conceder entrevistas para projetos relacionados ao processo de Tombamento. Para estes potenciais depoentes, os vizinhos poderiam compreender que a interdição das atividades de mineração, que resultaria em desemprego para os trabalhadores da mineradora residentes na localidade, estaria ligada ao processo de Tombamento que estaria respaldado nas informações que fornecessem. Deste modo, apenas três depoentes concordaram em fornecer depoimentos, que resultaram em duas entrevistas gravadas e transcritas com suas autorizações. Ante esta dificuldade, adotou-se a estratégia do Questionário Eletrônico disponibilizado no Google Drive, aberto a toda comunidade e cujas respostas foram recebidas no período compreendido entre 21/11/2016 e 06/12/2016. O questionário eletrônico foi amplamente divulgado na imprensa local (jornais impressos, rádios e portais de notícias), nas redes sociais (Facebook e Twitter) tanto de pessoas civis quanto de organizações da sociedade civil bem como na referida reunião realizada com a comunidade. No total foram obtidas 132 participações válidas (ou seja, de cidadãos nascidos e/ou residentes no município de Imbituba e que efetivamente responderam às perguntas). As perguntas foram divididas em dois blocos. No primeiro foram solicitados os dados pessoais do depoente concernente ao nome, documentos, faixa etária, gênero, residência, local de nascimento, tempo de residência no município de Imbituba e contato telefônico para verificação de veracidade. Destaque-se que aos participantes foi previamente garantido o anonimato na divulgação das respostas, sendo as informações de identidade restritas aos pesquisadores. No segundo bloco os participantes responderam questões fechadas e abertas a respeito da concordância ou não com o Tombamento das Dunas da Ribanceira como Patrimônio Paisagístico e Cultural do Município de Imbituba bem como se conheciam informações que vinculavam a paisagem das Dunas as Ribanceira a apropriações simbólicas e materiais por parte da comunidade que às vinculem ao imaginário e à identidade local. 5.0 - Apresentação dos dados coletados. 5.1 – Entrevistas/Memória. A área prevista de dunas prevista para tombamento, segundo o processo, corresponde a 648 hectares. Trata-se de uma área de dunas móveis separada da Praia da Ribanceira por uma estrada parcialmente pavimentada e sua ocupação e propriedade territorial vêm sendo reivindicadas por diferentes atores. A respeito da ocupação territorial das Dunas da
  • 10. 10 Ribanceira e regiões contíguas, escreveu a memorialista Maria Aparecida Pamato Satanna: “Há pouco menos de trezentos anos, descendentes de açorianos que se fixaram nos Areais da Ribanceira, nos Costões da Ribanceira e da Praia D’Água, mantêm o principal cultivo da mandioca, aliado à pesca. Segundo um dos descendentes, sr. Luiz Farias, havia pelas redondezas mais de vinte engenhos de farinha, em mais de 500 hectares de terra. Atualmente, a Associação Rural de Imbituba (ACORDI) conta com cerca de sessenta associados que lutam pelo resgate da comunidade dos Areais da Ribanceira e que foi repassada do patrimônio público para o privado, assim reduzida a 10% do original. (...) No Costão da Ribanceira residem descendentes dos Severino, local onde as baleias Franca se recolhem, com os filhotes, à noite (...)” (SANTANNA, 2016). Conforme apresentado na Metodologia, três depoentes concordaram em conceder entrevistas aos pesquisadores com o objetivo de fornecer depoimentos sobre suas histórias de vida e suas relações com as Dunas da Ribanceira. No dia 01 de novembro de 2016 foram entrevistados o senhor Adílio Manoel Francelino, nascido em 07 de fevereiro de 1930, e a senhora Edith Silveira Francelino, nascida em 15 de abril de 1936, casados. Ambos residentes na localidade de Vila Esperança, comunidade contígua às Dunas da Ribanceira. Ambos são nascidos na região, e o sr. Adílio é filho de “nativos” (denominação dada aos descentes diretos dos Açorianos e que nasceram na localidade). Seus pais se instalaram na Ribanceira depois de saírem da Ressacada (Garopaba). Pescador tradicional (chegou a participar da atividade da pesca de baleias) e proprietário de um engenho de farinha. Sra. Edith nasceu na Praia D’Água, e se fixou na Ribanceira a partir do casamento com o sr. Adílio. No dia 03 de novembro de 2016 foi entrevistada a senhora Josina Rodrigues da Silva, nascida em 24 de abril de 1951 na Araçatuba (hoje um bairro de Imbituba. Curioso observar que os três entrevistados se referem aos locais de nascimento, bem como aos atuais bairros da cidade, como locais distantes e diferentes, o que pode ser resultado do relativo isolamento que a região das Dunas da Ribanceira apresentava em relação às demais regiões em função da carência de estradas que ligassem a localidade ao restante do município (estas só começaram a ser estruturadas a partir da década de 1970). A respeito disto, disse a sra. Josina: “porque aqui, assim ó, não tinha estrada. Nós não tinha luz elétrica. Nós não tinha água encanada. Nós levava e carregava água lá da praia. Lá da praia. Aqui não tinha casa. A minha mãe morava aqui. Os vizinhos mais próximos era LÁ no morro. O Adílio lá, a mãe do Adílio, tá? E lá, aqui era só duas casas, da minha mãe e também de um senhor que já faleceu e também tinha um engenho de farinha.” (ADÍLIO). O isolamento e dificuldade de comunicação percebidos pelos moradores da região da Ribanceira são também relatados pelo sr. Adílio: “Aqui era um deserto. Isso aqui era um deserto. Oito morador...oito morador. Não existia água, não existia luz... nada. Tudo trabalhavam na lavoura. Plantavam a batata, plantavam o aipim, plantava o amendoim. O porco era pra banha, vaca pro leite, o forno pra fazer o pãozinho pro café. Não existia mercado, não existia padaria, não existia nada disso. Nós ia fazer as compra, ---------- lá na Laguna.” (ADÍLIO). O sr. Adílio conta que embora houvesse um antigo caminho que ligava a região à localidade do Arroio, era atravessando as Dunas da Ribanceira (chamadas de “areal” pelos moradores mais antigos) que os moradores se conectavam às demais regiões: “Tinha um caminho que ia pro Arroio, mas as vezes a gente atravessava aquele areal pra sair do outro lado que era mais perto.” (ADÍLIO). A informação é complementada pela sra. Edith, que disse: “veio estrada e depois... a estrada era de areia, mas devagarzinho os carros iam passando. Atolavam, cortavam mato e vinham passando. Aí foram indo, foram falando e foram conversando até que o prefeito botou o barro.” (EDITH).
  • 11. 11 As Dunas eram utilizadas ainda como caminhos para as roças, também citadas pelo sr. Adílio e pela sra. Edith, a saber: aipim, amendoim, batata (algumas das culturas tradicionais ainda são praticadas pela Comunidade Tradicional dos Areais da Ribanceira, conforme registrado em Cartografia Social (ACORDI, 2011) e no relato de Santanna (2016). Segundo a sra. Josina, “nós trabalhava na roça lá no terreno lá, porque pra lá das Dunas tem um terrenão. Tem gente que ainda trabalha na roça. Era o nosso caminho. Eu e da minha falecida mãe, todo mundo né. Tinha que passar pelas Dunas pra chegar lá na roça.” (JOSINA). Nestas passagens para a roça a sra. Josina conta que era comum os moradores se depararem com vestígios arqueológicos de populações pré-coloniais que também se deslocavam ou até mesmo acampavam nas Dunas da Ribanceira e áreas contíguas: “Quando nós caminhava pra roça, no caminho que nós passava nós achava aquelas panelinhas, a mãe chamava assim de panelinha de bugre. A falecida minha mãe dizia que era de bugre e outros diziam que era de índio, gente que se criou no mato. E não sei se é que se criaram né. A gente passava, porque o areal o vento dá e nós achava assim as panelas dele.” (JOSINA). O sr. Adílio lembra que uma senhora “achou uma ossada na Praia D’água. Foi fazer um buraco para botar um mourão e achou uma ossada de índio. Porque aqui antes tinha índio.” (ADÍLIO). Ainda sobre os antigos caminhos, resulta no imaginário o “caminho do rei”, reportado por muitos moradores da região e que pode aludir ao caminho supostamente percorrido pelo imperador Pedro I em 1826, quando teria desembarcado em Garopaba e seguiu a cavalo até Laguna. A respeito deste caminho, conta o sr. Adílio: “Passava aqui. E ainda tem sinais do Caminho do Rei. Era tudo de cavalaria. Viajavam de rio a rio. Não existia caminhão, não existia nada disso. Não existia nada disso. (..) Esse nome foi dado pelos antigos. Caminho do Rei foi dado pelos antigos. (...) O Caminho do Rei...era caminho fundo...não era um “caminhinhozinho” não. Tinha uns lugares em que tinha uma fundura assim ó. Nós viajávamos de rio a rio..” Interessante observar que este antigo caminho talvez tenha servido tradicionalmente aos viajantes e moradores que se deslocavam por terra entre o litoral dos atuais municípios de Garopaba, Imbituba e Laguna, ligando diferentes localidades. Dentre estes viajantes está Augustin François César Prouvençal de Saint-Hilaire, botânico e naturalista francês que visitou a região em 1820. A respeito desta sua visita, produziu um relato a respeito da sua viajem de Garopaba a Laguna, no qual registrou: “Deixando o Encantado, entramos em um areão coberto de butiás muito juntos uns dos outros, entremeados de diversos arbustos e subarbustos. Para mim era um quadro inteiramente novo o que ne ofereciam essas palmeiras anãs, cujas folhas glaucas e agudas pareciam dosséis sob os quais cresciam arbustos, quase todos de folhas verde- gaio” (SAINT-HILAIRE, Apud. BESEN, 1996, p. 26). A referência de Saint-Hilaire ao “areão coberto de butiás” pode estar indicando as Dunas da Ribanceira e seu butiazal (ainda hoje existente e reivindicado pela Comunidade Tradicional dos Areais da Ribanceira como uma espécie de santuário natural desta espécie endêmica e sob risco de extinção). Valentim (2007) informa que embora atualmente o topônimo Lagoa da Encantada corresponda à Lagoa de Garopaba pertencente ao território do município homônimo, a Lei 3228 de 1851, que fixava limites territoriais, referia-se ao Porto de Encantada, localizado na parte da Lagoa de Ibiraquera chamada “Lagoa de Cima”. Neste contexto, considerando o ano da visita de Saint-Hilaire e o sentido sul do seu deslocamento, a paisagem das Dunas da Ribanceira e seu butiazal remete à paisagem que tanto chamou a atenção do naturalista viajante e que compunha o cotidiano dos primeiros moradores descentes das populações europeias que habitaram a região. Ainda na década de 1960 a cultura do butiá estava muito presente no cotidiano dos moradores, conforme revela a memória da sra. Josina: “Eu e a falecida minha mãe. Nós ia pra roça, ela ficava trabalhando e eu colhia o butiá. A gente cortava os cacho, né? E chegava aqui, a gente
  • 12. 12 escolheu os mais madurinho pra vende e os outro dava pras galinhas, criava pros porco.” (JOSINA). O sr. Adílio lembra que no verão extraíam a palha do butiá e vendiam para uma fábrica de Laguna: “Naquele tempo não existia vassoura de faxina em casa. Não existia nada pra fazer o dinheirinho do verão... era palha de butiá. Pegava a palha de butiá e amarrava e o caminhão levava pra fábrica. Teve um ano que eu tirei cem arrobas, não foi?” (ADÍLIO). Uma questão importante é a referência aos engenhos de farinha que existiam na região. Conforme citado nas memórias de Santanna (2016), os engenhos de farinha, juntamente com as atividades de produção e manutenção dos equipamentos para pesca, constituíam um importe ponto de produção econômica e de compartilhamento social na região das Dunas da Ribanceira. Segundo a sra. Josina, “tinha muito engenho aqui, tudo de farinha, nós trabalhava na roça, nós só convivia com farinha, só.” (JOSINA). Neste sentido, fala o sr. Adílio que: “quando não era aqui era no morro, plantar cana, plantar feijão... serviço. Quando terminava todas as coisas iam arrumar um engenho para fazer farinha e arrumar as redes para pescar tainha.” (ADÍLIO). Sra. Edith reportou durante a entrevista da existência de oito a nove engenhos na localidade. As condições de vida dos moradores das Dunas da Ribanceira eram difíceis. Sr. Adílio narra estas dificuldades: “Fazia um frio... faziam um fogo bem grande, bem grande, parece que eu tô vendo, nós era nove, nós chegava no final da tarde e comia. Come ligeiro come, que é pra deixar a querosene pra noite. Isso eu lembro do meu pai dizer, pra deixar a querosene pra noite. Aí depois nós se deitava, aí tava tudo bem. Mas fazia frio, nós deitava numa esteira, uma manta por cima e outra esteira por cima, amarrado. Naquele tempo, uma friaca, e naquele tempo não era a de agora. O tempo mudou. Era aquela coisa de gelo, era uma friagem. O tempo mudou muito. Não deu mais aquela friagem e naquele tempo não existia prontuário, não existia remédio. Era remédio do mato. Fulano tá com uma dor na boca do estômago, tá pra morrer. Naquele tempo morria muita gente. Ah, tá enfeitiçado, enfeitiçado. Tinha feitiço naquele tempo. Nascia uma criança ‘ie, ie, ie, ie’ dava chá, chá do mato, benzeção. Fiz muita benzeção. Também pra nascer, nascia em casa.” (ADÍLIO). Colchão para se dormir, segundo a sra. Edith, era “uma esteira de piri” (EDITH). No relato do sr. Adílio é possível observar o imaginário fantástico relacionado à colonização de base açoriana e que se fazia presente nas Dunas da Ribanceira. Bruxas, lobisomens, boitatás. A medicina popular na presença das benzedeiras e parteiras, reportadas também pela sra. Edith, embora se refira à região da Araçatuba, onde viveu sua infância. Sra. Josina fala da existência de uma parteira na localidade, provavelmente na década de 1960: “Uma senhora muito querida até, quando se formava temporal, que eu tenho muito medo, aí ela saia na rua e benzia. O temporal se abria todo, ela passava pra lá, passava pra cá, mas aqui graças a Deus não acontecia nada. Mas ela também já faleceu. Eles eram de Garopaba e vieram morar aqui, trabalhavam lá na roça. Depois mais tarde voltaram para Garopaba e tadinha, foi falecer lá em Garopaba.” (JOSINA). Os relatos colhidos dos três entrevistados apresentam uma comunidade de base açoriana, cuja economia de subsistência fundava-se na agricultura, na pesca tradicional e no beneficiamento de alguns produtos locais (palha do butiá e farinha de mandioca principalmente). As dunas (areal) referenciadas como local de caminhos, sepultamento de mamíferos de grande porte, brinquedos (escorregar pelas dunas) e para onde se acorria na atividade do extrativismo vegetal. O fantástico e o religioso também tinham espaço nas dunas, seja nas “visagens” do boitatá seja como cenário pelo qual se aproximava a “Bandeira do Divino”, conforme relato da sra. Josina: “O momento de festa que tinha aqui era quando a Bandeira do Divino Espirito Santo vinha. Nós trabalhava tudo na roça. Aí a bandeira tá lá no Arroio, que era pra lá da Praia Vermelha. Cantoria que a
  • 13. 13 gente chorava, a gente ficava emocionado. Eles tocavam e aquele...Meu Deus. Aí tá, a bandeira tá lá no Arroio...a gente chegava e varria o terreiro. Nosso terreiro era tudo de barro. Vassourinha de mato. Nós varria tudo e daí ela vinha. Aí no Estevam, que era um senhor lá ---- Pediam para dormir lá. Aí cantavam, eles cantavam, a gente chorava e a gente ia botando moedinha. Quanto mais a gente botava moedinha, mais eles cantavam. (...) Aí, anoitecia, eles iam dormir lá no engenho do Antônio. Aí tinha prensa de farinha. A falecida [Santina?], a vó da Maria, Secretária da Saúde. Ela botava um lençol bem branco assim na prensa e botava uma bandeira ali e a outra aqui. O senhor com uma mesinha botava um travesseirinho, esteira de piri para o senhor se ajoelhar para rezar. Aí, depois disso tudo vinha matação de galinha. Você dava uma galinha. Aí eles faziam assim, como eu vou dizer para você, terneirinho de pão, pão doce. Eles faziam, as padarias encomendavam. Galinha, ovos de galinha, bolo pra fazer a arrematação para arrecadar aquele trocadinho para aqueles folião, como a gente chamava, pra eles levar.” (JOSINA). A Festa do Divino Espírito Santo é uma das principais manifestações culturais da cultura de base açoriana na região, remontando aos primeiros europeus que se fixaram no entorno das Dunas da Ribanceira e elemento de congregação entre as diferentes localidades por meio da passagem da Bandeira do Divino. As Dunas da Ribanceira constituíam cenário para esta passagem, a Bandeira à frente, o cortejo a segui-la. 5.2 – Questionário eletrônico. Conforme apresentado no item 4.0, as circunstâncias determinaram que para além das entrevistas fosse aplicado um questionário eletrônico, do qual foram consideradas as respostas de 132 depoentes. Cumpre ressaltar que o anonimato na publicação das respostas foi externado no momento da publicação do questionário (e assim serão tratadas as respostas neste parecer), mas que a identidade dos depoentes está determinada na origem e que houve conferência telefônica aleatória de depoentes por parte dos pesquisadores. Figura 6: Por quanto tempo reside ou residiu em Imbituba (SC). Dos 132 depoentes, 55 afirmaram serem nascidos no Município de Imbituba. Quanto ao gênero dos depoentes, 62,6% identificaram-se como pertencentes ao gênero feminino e 37,4% como do gênero masculino. O questionário perguntou também há quanto tempo o
  • 14. 14 depoente residiu ou reside em Imbituba (Figura 6). Destaca-se que 31,8% dos depoentes afirmam residir no município de Imbituba há mais de 30 anos, e 12,9% entre 21 e 30 anos, o que pode indicar a consolidação dos laços identitários de uma parcela significativa dos depoentes com a região e a paisagem das Dunas da Ribanceira. O questionário perguntou também se o depoente “considera importante que as Dunas da Ribanceira sejam preservadas com suas características atuais” (Figura 7) e se o depoente “considera as Dunas da Ribanceira um patrimônio paisagístico e cultural do município de Imbituba” (Figura 8). A quase unanimidade de respostas “sim” para as duas perguntas (99,2% e 98,5% respectivamente) permite inferir o alto grau de engajamento dos depoentes com a proposta de reconhecimento das Dunas da Ribanceira enquanto patrimônio paisagístico do município de Imbituba. Figura 7: Consideram importante que as Dunas da Ribanceira sejam preservadas com suas características atuais. Figura 8: Consideram as Dunas da Ribanceira um patrimônio paisagístico e cultural do município de Imbituba. No questionário foram apresentadas também duas perguntas abertas (discursivas) a fim de observar de que modo os depoentes representam as Dunas da Ribanceira e se estes
  • 15. 15 possuíam relatos ou memórias relacionados com aspectos simbólicos ou históricos que envolvam a paisagem e/ou território das Dunas da Ribanceira. As questões foram: 1) “escreva o que as Dunas da Ribanceira representam para você”; 2) “Conhece alguma história, fato ou lenda envolvendo as Dunas da Ribanceira?”. A maioria das respostas apresentadas à questão da representação relacionaram-se com elementos da natureza física. Entretanto, algumas respostas relacionadas a aspectos da natureza simbólica/cultural se destacam. Na sequência, transcrevemos estas respostas: R.1: “Constitui-se em um dos motivos pelos quais resido aqui, pois representa qualidade de vida na medida em que, ao mesmo tempo que faz parte de minhas memórias afetivas, sua grande área de natureza ainda intocada dá garantias de uma cidade mais equilibrada ambientalmente.” R.2: “Lembrança da infância, quadro paisagístico, ecológico, memória e emoção.” R.3: “Lembranças de infância, com papelão descendo as dunas sob a vigilância de meu pai....” R.4: “Um patrimônio natural lindo que serve de hábitat para a fauna silvestre e apresenta espécies de vegetação utilizada pela comunidade tradicional há diversas gerações e que possivelmente será um grande reservatório de água num futuro ainda distante.” R.5: “Parte importante da identidade ambiental da cidade. Além disso, é espaço recreativo bastante utilizado por nativos e turistas, com a prática do sandboard e banhos nos lagos que se formam nos períodos de chuvas.” R.6: “Significam muito pra toda minha família, sempre foi o lugar escolhido para nossas brincadeiras e reflexões. Gostamos de observar as Baleias Franca e também as outras espécies que habitam as Dunas.” R.7: “É um lugar para diversão, contemplação da natureza e do ponto de vista do turismo que a cidade tanto necessita, uma opção para dias em que não tem como ir à praia.” R.8: “Proporcionam uma sensação de liberdade, de amplitude e de beleza extrema. Cobrem, como um grande lençol, muitos segredos de seres que por ali estiveram, deixando suas impressões, que a qualquer momento podem ser descobertas. Reporta ao correr de crianças, escorregando no seu dorso ondulado, alvo, brilhante, alegre, feliz. Traz imensa emoção, por qualquer direção que se olhe, notadamente o amanhecer com o sol brilhante no Oceano Atlântico e o entardecer, com a Lagoa de Ibiraquera por cenário complementar.” R.9: “Um patrimônio ecológico de grande importância para a história do município.” R.10: “Patrimônio natural do município de Imbituba, importante ecossistema que possui relação cultural e de uso de uma comunidade tradicional. Local com grande potencial para um turismo responsável por sua beleza cênica. Compondo o berçário da Baleia Franca.”
  • 16. 16 R.11: “Vejo as dunas como um imenso local de moradia de várias espécies animais que merecem ser cuidadas. E ela já foi habitada por pessoas que por aqui viveram e são parte de nosso passado. É uma importante referência histórica de Imbituba.” R.12: “As Dunas da Ribanceira significam a preservação do meio natural, de espécies nativas, significa a recuperação de um ambiente já degradado por tantos anos. As Dunas representam a história geológica passando por nós e continuando ao longo de várias gerações.” R.13: “Um altar.” R.14: “Significa tudo o que é mais belo e gratificante que a natureza proporciona uma das belas paisagens de Imbituba são as dunas da riba.” Diversas outras respostas foram apresentadas, porém variando sobre estas mesmas temáticas: lugar sagrado, de folguedos, de contemplação, de memórias afetivas, mirante para a observação das Baleias Francas, espaço de natureza preservada. Quanto aos conhecimentos dos depoentes a respeito de histórias, fatos ou lendas envolvendo as Dunas da Ribanceira, observou-se um número significativamente inferior de respostas. Entretanto, algumas delas coincidem com informações encontradas na bibliografia consultada e nas memórias narradas nas entrevistas. Na sequência, transcrevemos algumas destas respostas. R.1: “Sim, o fato de que um tal de sr. Dedé loteou parte delas.” R.2: “O movimento pela preservação das dunas uniu a comunidade e garantiu que mais pessoas conhecessem sua história, garantido o turismo sustentável deste patrimônio da natureza.” R.3: “Abriga trilhas onde a população do norte do município usava como caminho para ir até o centro de Imbituba, muitas vezes para vender a produção excedente do que plantavam e pescavam.” R.4: “Quando criança, construíamos pequenas pranchas de areia, que mais tarde viriam a ser chamadas de sandboards. Eram feitas de madeira e no fundo delas, pregávamos pedaços daquelas caixas de maçãs que eram feitas de um plástico grosso, para melhor deslizar nas descidas. Os 'treinamentos', ou brincadeiras diárias, eram nas dunas que haviam próximo ao centro da cidade, principalmente as que haviam ao largo da Granja Henrique Lage. Quando nos sentíamos 'preparados' buscávamos novos desafios. E as dunas da Ribanceira eram este desafio. Fugíamos de casa, muitas vezes sem consentimento de nossos pais, para 'desafiarmos' as imensas dunas que se localizavam na antiga 'Barranceira'. Era assustador olhar lá de cima e tentar imaginar o que poderia acontecer nas descidas. Muitos preferiam descer sentados ou deitados nas pequenas pranchas. De uma forma ou de outra, voltávamos para casa cansados, mas realizados. Mas, para quem morava no centro da cidade, o cansaço era dobrado, já que após tanto divertimento ainda restava a volta, que na maioria das vezes era feito a pé.” R.5: “Ouvi falar que por ela passavam os festeiros que levavam a Bandeira do Divino. Pelas dunas passavam os agricultores que iriam plantar produtos para sua subsistência. Das dunas, se avista o mar na busca de peixes.”
  • 17. 17 R.6: “Nos anos de 1971 a 1973 ocorreu titularização das terras que compõem o campo de dunas, com a emissão de títulos pelo extinto Instituto de Reforma Agrária do Estado de Santa Catarina – IRASC, onde alguns poucos moradores do lugar foram beneficiados, como a família Domingos, no vilarejo que hoje constitui-se no bairro Barra de Ibiraquera. Mas, a maior parte foi concedida a pessoas que não ocupavam o lugar - apenas obtiveram o registro da propriedade. Os títulos da família Domingos (Antônio, Pedro e Thomé) informam que o lugar chamava-se Rincão, o que bate com a denominação de uma antiga casa de música/dança (boate) existente no local na década de 1980, com aquela denominação.” R.7: “Desde criança brincava naqueles areais com meus amigos, pegava butiá deslizava nas dunas e tomava banho nas lagoas que se formavam com as chuvas.” R.8: “Uma lenda contada pelos antigos moradores da praia da ribanceira: Boi tatá. E as histórias da caça à baleia Franca, onde as ossadas das mesmas eram depositadas nas dunas. Quando criança, surfando nas dunas eu e amigos encontramos alguns ossos mas não sabíamos de que animal era. Depois de conversarmos com o Sr. Fortunato, antigo morador da Ribanceira, ele comentou se tratar de ossada de baleia.” R.9: “Região muito rica culturalmente, sendo usada como terras comunais pelos moradores do areal, além de grande importância afetiva para moradores da região.” R.10: “Meu falecido tio João Maneca (Miudero) morava no Arroio e trabalhava a noite no Porto de Imbituba. Ele atravessava os areais a pé para chegar até o Porto. Ele dizia que via o Boi Tatá, um porco ou um boi que botava fogo pela boca, via bem de longe e falava "Boi Tatá, Boi Tatá apaga lá e acende cá". Um dia o Boi Tatá apareceu bem perto dele e tinha dias que o Boi Tatá o acompanhava. Ele contava também que dava um vento forte no areais e um bocado de areia se juntava como um redemoinho e se formava uma capa de um fantasma, ele dizia que não tinha medo de nada, baixava a cabeça e seguia o caminho, dizia que se mexer era pior.” R.11: “Quando visitamos um dos casais mais antigos residentes no Arroio ouvimos deles que transitavam com frequência em direção a Ribanceira pra fazer partos e o trajeto era pelas Dunas. Recentemente foi solicitado a APA da Baleia Franca e a comunidade a possibilidade de fazer uma gravação de uma propaganda da C&A usando como fundo as Dunas da Ribanceira obedecendo todas legislação de preservação ambiental .A agencia contratada pra fazer a propaganda nos informou que poderá ser muito utilizado pra futuras gravações.” Nas memórias e histórias narradas pelos depoentes podemos observar as Dunas da Ribanceira como paisagem de uso comum, seja para passagem (de transeuntes, do cortejo da Bandeira do Divino) seja para a atividade da agricultura tradicional. Os relatos mostram ainda a persistência da memória que relaciona as Dunas da Ribanceira à infância enquanto lugar de brinquedos e aventuras, ou como paisagem para a manifestação do sobrenatural, do fantástico (Boitatá, fantasmas). Também as Dunas como território em disputa (regularização fundiária, loteamento, movimento pela preservação), mirante para a observação das baleias, paisagem de povos pretéritos e lugar de reapropriações e ressignificações que respeitem as características do ecossistema (turismo ecológico, cenário para campanha publicitária, sandboard).
  • 18. 18 6.0 – Referências. - ACORDI - Associação Comunitária Rural de Imbituba. Cartografia Social da Comunidade Tradicional de Agricultores e Pescadores Tradicionais dos Areais da Ribanceira: Imbituba, SC. Manaus: Universidade Federal da Amazônia, 2011. - Besen, José Artulino. São Joaquim de Garopaba: recordações da freguesia (1830- 1980). 2ª ed. Passo Fundo (RS): Gráfica e Editora Pe. Berthier, 1996. - Chuva, Márcia. Por uma história da noção de patrimônio histórico no Brasil. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. n. 34, 2012, p. 147-165. - Costa, Viegas Fernandes da. Turismo arqueológico e desenvolvimento sustentável: a possibilidade de aproveitamento do patrimônio arqueológico pré-colonial dos municípios de Garopaba, Imaruí e Imbituba (SC) para a promoção do desenvolvimento sustentável na região. Dissertação de Mestrado em Desenvolvimento Regional. Blumenau: Universidade Regional de Blumenau, 2016. - Cruz, Olga. A Ilha de Santa Catarina e o continente próximo: um estudo de geomorfologia costeira. Florianópolis: UFSC, 1998. - Funari, Pedro Paulo; Peligrini, Sandra de Cássia Araújo. Patrimônio histórico e cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. - Goularti Filho, Alcides. Portos, ferrovias e navegação em Santa Catarina. Florianópolis: UFSC, 2013. - IMBITUBA. Lei Municipal 1762, 22 de abril de 1998. - IPHAN. Superintendência de Santa Catarina. Relatório de Vistoria 003/2014. - IPHAN. Superintendência de Santa Catarina. Relatório de Vistoria 046/2016. - Martins, Manoel de Oliveira. Imbituba: história e desenvolvimento, s.d. - Nora, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História, n. 10, São Paulo, dez., 1993, p. 7-28. - Santanna, Maria Aparecida Pamato. Imbituba: nas conjunturas do tempo. Imbituba (SC): Livropostal, 2016. - Souza, Monique Latrônico de. A indústria carboquímica catarinense em Imbituba: uma história encoberta pela fumaça vermelha. Santa Catarina em História, v. 1, n. 1, 2007, p. 99-107. - Sperb, Matias Poli; Serva, Maurício; Firmino, Fabiana dos Santos. Turismo e desarrollo socioeconómico de tres municipios del litoral centro-sul de Santa Catarina, Brasil. ABET, v. 3, n. 3, 2013, p. 43-54. - Valentim, Manoel. História de Garopaba: da armação baleeira à comarca. Garopaba (SC), 2007. - Velho, Gilberto. Patrimônio, negociação e conflito. Mana, v. 12, n. 1, 2006, p. 237-248. 7.0 – Parecer. Aspectos da Legislação Ambiental e das caraterísticas do ecossistema na qual as Dunas da Ribanceira estão inseridas, considerando-se inclusive estarem incluídas na Área de Proteção Ambiental da Baleia Franca, e destacando o fato de serem dunas móveis, servirem ao lençol freático, abrigarem em diversas áreas vegetação característica e nativa, e espécimes da fauna sob risco de extinção, tornam a paisagem das Dunas da Ribanceira objeto a ser protegido e preservado. Quanto ao aspecto do Tombamento Paisagístico e Cultural (conforme solicitação original da sociedade civil), ou Patrimônio Paisagístico (no qual o cultural ou histórico estão subentendidos), a pesquisa que sustenta este parecer observou: 1) existência de vestígios arqueológicos (e prováveis sítios) pré-coloniais na área de dunas móveis; 2) uso
  • 19. 19 tradicional das dunas como área comunal (extrativismo vegetal e plantio); 3) uso tradicional das Dunas da Ribanceira para passagem (caminhos tradicionais); 4) uso tradicional das Dunas da Ribanceira como local de brinquedos, que persiste na memória e no comportamento das atuais gerações; 5) uso tradicional como mirante natural para a observação de cetáceos e de vigia para a pesca tradicional da tainha; 6) memória sensível de parte da comunidade quanto à paisagem das Dunas da Ribanceira que remete a tempos pretéritos; 7) reivindicação social do território das Dunas da Ribanceira (Movimento SOS Dunas da Ribanceira); 8) reconhecimento social das Dunas da Ribanceira enquanto paisagem que confere ao município de Imbituba particularidades. Considerando o observado, é possível afirmar a existência de elementos que atribuem às Dunas da Ribanceira as características de um patrimônio paisagístico capaz de conferir identidade não apenas às populações do seu entorno, mas ao município de Imbituba. A afirmação considera o conceito de Paisagem Cultural exposto no Artigo 1º da Portaria IPHAN nº 127/2009 que diz: “Paisagem Cultural Brasileira é uma porção peculiar do território nacional, representativa do processo de interação do homem com o meio natural, à qual a vida e a ciência humana imprimiram marcas ou atribuíram valores.” Ainda que no âmbito do município o dispositivo do tombamento siga critérios próprios, a definição do IPHAN para “patrimônio cultural” serve de baliza para o reconhecimento das Dunas da Ribanceira como Patrimônio Paisagístico do município de Imbituba (SC). A Paisagem das Dunas da Ribanceira testemunha os processos de interação ser-humano – natureza naquela porção do território brasileiro. Diante do exposto e considerando a legislação municipal, manifesta-se PARECER FAVORÁVEL AO TOMBAMENTO DAS DUNAS DA RIBANCEIRA COMO PATRIMÔNIO PAISAGÍSTICO do município de Imbituba (SC), considerando-se os usos, saberes e fazeres tradicionais relacionados às Dunas da Ribanceira como patrimônio imaterial inerente à paisagem tombada e, portanto, necessitados de Registro. Recomenda-se também que o tombamento considere a necessidade de se estabelecer política pública de permanente educação patrimonial com a população de Imbituba e, em especial, com os moradores do entorno das Dunas da Ribanceira. Como estratégia de Educação Patrimonial, sugere-se a produção de Inventário Participativo das Dunas da Ribanceira a ser fomentando pelo Poder Público Municipal. Florianópolis, 14 de fevereiro de 2018. VIEGAS FERNANDES DA COSTA Prof. de História do Instituto Federal de Santa Catarina Siape: 2047536