Espumas Flutuantes, de Castro Alves
Publicado em 1870, Espumas Flutuantes é a única obra de Castro Alves que teve a edição revisada pelo
autor. O título sugere transitoriedade, pois o poeta sente que seu fim estápróximo.
O volume contém 53 poemas lírico-amorosos e poemas de caráter épico-social.
Ao tratar do amor, Castro Alves refere-se não só à mulher de forma idealizada, mantendo as tradições do
Romantismo, mas distoa do movimento ao buscar o amor carnal, real e tingido com as cores do erotismo -
"Boa-noite, Maria! É tarde... é tarde... / Não me apertes assim contra teu seio." (in "Boa-noite").
Em Espumas Flutuantes, Castro Alves retoma o tema do amor em sua sensualidade e em sua realização.
Transformando o sentimento amoroso em pleno sentido de prazer e sofrimento, descreve cenas
oportunas da paixão humana. Em O adeus de Teresa, em Onde estás? e em É tarde!, por exemplo,
percebemos a plenitude do lirismo de Castro Alves.
Ainda dentro das produções líricas, o poeta refere-se à natureza que, em seus versos, se torna vibrante e
concreta, emoldurada por um sistema dinâmico de imagens que geralmente são tomadas de aspectos
grandiosos do universo - o mar, os astros, a imensidão ou o infinito.
Devem ser destacados os seus versos de cunho existencial que ganham plenitude quando apregoam o
gozo e os prazeres da vida - "Oh! eu quero viver, beber perfumes / Na flor silvestre que embalsama os
ares (...) Morrer... quando este mundo é um paraíso, / E a alma um cisne de douradas plumas" (in
"Mocidade e Morte") -, marcando novo momento da literatura romântica no Brasil que, até então,
embebia-se no pessimismo da geração do "mal do século".
Estilo
Grandiloqüente, linguagem ornamental, pontuação abundante, escolha vocabular cuidada. Utiliza quase
todas as figuras de linguagem, como: metáfora, comparações, hipérboles, assonâncias, apóstrofes.
Busca a grandiosidade poética, chegando aos exageros e ao mau gosto. Um traço marcante é a oralidade
e a visível intenção de dizê-la para grandes platéias.
Poesias de destaque:
1. O Gondoleiro do Amor / Laço de Fita / Sub FegmineFagi - Tom platônico e contemplativo
2. Adeus de Teresa / Adormecida / Boa Noite - Lírico-amorosas, tom erótico e sensual.
3. Ode ao Dous de Julho - Poesia social e crença na liberdade.
4. Jesuítas - Poesia doutrinária.
5. Mocidade e Morte / Ahasverus e o Gênio / O Hóspede / A Boa Vista - Poesias de reflexão existencial.
6. O Livro e a América - Louvor ao progresso da América
Não há métrica definida, mas prefere os versos decassílabos. As estrofes são bem livres. Suas poesias
têm um lírico ascendente, cujo final é uma apoteose ou uma explosão de seus sentimentos.
Temas e formas
1. O amor e a mulher
Contrapondo-se ao amor irrealizado e não-correspondido que vogava até então, Castro Alves acrescenta-
lhe a realização plena.
Pelas páginas de Espumas Flutuantes, vemos passar indícios de paixão integral, como a sensualidade
de Adormecida, o ciúme de O Adeus de Teresa, e um emaranhado de seios, colos, cabelos e perfumes,
que sensualizam os perfis femininos de Castro Alves.
Uma noite, eu me lembro... Ela dormia
Numa rede encostada molemente...
Quase aberto o roupão... solto o cabelo
E o pé descalço do tapete rente.
(Adormecida)
Quando voltei.., era o palácio em festa!...
E a voz d‟Ela e de um homem lá na orquestra
Preenchiam de amor o azul dos céus.
Entrei!... Ela me olhou branca... surpresa!
E ela arquejando murmurou-me. “Adeus!”
(O Adeus de Teresa)
Caminham juntas a mulher-anjo, a amante e a prostituta, imagem assumida pela amada que lhe causa
decepções.
Eras a estrela transformada em virgem!
Era um anjo, que se fez menina!
Era a estrela transformada em virgem.
(Murmúrios da Tarde)
Mulheres que eu amei!
Anjos louros do céu! virgens serenas!
Madonas, Querubins ou Madalenas!
Surgi! Aparecei!
(Fantasmas da Meia-Noite)
Curiosamente, chega a comparar espécies de amor em Os Três Amores, no qual aparecem o amor
espiritual e místico de Tasso (que ele retoma em Dulce), o autor voluntarioso de Romeu (que ele volta a
abordar em Marieta) e o amor não-convencional e vaidoso de D. Juan (que também aparece
em Bárbora).
Certo... serias tu, donzela casta,
Quem me tomasse em meio do Calvário
A cruz de angústia, que o meu ser arrasta!...
(Dulce)
Afoga-me os suspiros, Marieta!
Ó surpresa! ó palor! ó pranto! ó medo!
Ai! noites de Romeu e Julieta!...
(Marieta)
Garganta de um palor alabastrino,
Que harmonias e músicas respira...
No lábio — um beijo... — no beijar — um hino;
(Bárbora)
2. A morte
Atingido desde cedo pela moléstia que lhe acabaria com a vida, Castro Alves nos mostra uma grande
preocupação com a morte, encarada como amargurada expectativa face à sua pouca idade e um
empecilho às grandes realizações de que se julga capaz.
Oh! eu quero viver; beber perfumes
Na flor silvestre, que embalsama os ares;
Ver minh „alma adejar pelo infinito,
Qual branca vela n „amplidão dos mares.
No seio de mulher há tanto aroma...
Nos seus beijos de fogo há tanta vida...
- Árabe errante, vou dormir à tarde
À sombra fresca da palmeira erguida
Mas uma voz responde-me sombria:
Terás o sono sob a lájea fria.
Morrer... quando este mundo é um paraíso,
E a alma um cisne de douradas plumas:
E eu sei que vou morrer.. dentro em meu peito
Um mal terrível me devora a vida:
Triste Ahasverus, que no fim da estrada,
Só tem por braços uma cruz erguida.
Sou o cipreste, qu „inda mesmo flórido,
Sombra de morte no ramal encerra!
Vivo - que vaga sobre o chão de morte,
Morto - entre os vivos a vagar na terra.
(Mocidade e Morte, anteriormente O Tísico)
Um dos autógrafos traz à margem: “No sótão, ao toque da meia-noite, quando o peito me doía e um
pressentimento me pesava n’alma”. A data é “Recife, 7 de outubro de 1864”. Castro Alves tinha então 17
anos. Observe que, apesar da presença da morte, este poema é um hino de amor à vida, aos prazeres.
3. A Natureza
Castro Alves fundamenta suas imagens e metáforas nos aspectos grandiosos da natureza (infinito,
oceano, deserto etc.) e é freqüente a alusão às aves de grande porte (o condor, a águia, o albatroz).
Ao país do ideal, terra das flores,
Onde a brisa do céu tem mais amores
E a fantasia - lagos mais azuis...
E fui... e fui... ergui-me no infinito,
Lá onde o vôo d‟águia não se eleva...
Abaixo - via a terra - abismo em treva!
Acima - o firmamento - abismo em luz!
(O Vôo do Gênio)
4. A consciência da própria grandeza
É freqüente a alusão ao papel do poeta, à predestinação para as grandes causas, à missão de reformar a
sociedade pela palavra poética.
Eu sinto em mim o borbulhar do gênio,
Vejo além um futuro radiante:
Avante! - brada-me o talento n „alma
E o eco ao longe me repete - avante! -
O futuro... o futuro... no seu seio...
Entre louros e bênçãos dorme a Glória!
Após - um nome do universo n‟alma,
Um nome escrito no Panteon da História.
(Mocidade e Morte)
5. A liberdade
Não! Não eram dois povos que abalavam
Naquele instante o solo ensangüentado...
Era o porvir - em frente do passado,
A Liberdade - em frente à Escravidão,
Era a luta das águias - e do abutre,
A revolta do pulso - contra os ferros.
O pugilato da razão - contra os erros
O duelo da treva - e do clarão!...
(Ode ao Dous de Julho)
Observe a freqüência das antíteses.
6. A crença no progresso
Ao contrário da tendência regressiva, ressentida e passadista das gerações anteriores, que viam com
desconfiança o progresso, Castro Alves, típico representante da burguesia liberal progressista, vê com
entusiasmo a chegada da locomotiva, da instrução, do livro.
Oh! Bendito o que semeia
Livros, livros à mão-cheia...
E manda o povo pensar!
O livro caindo n „alma
É germe - que faz a palma.
É chuva -que faz o mar
Agora que o trem de ferro
Acorda o tigre no cerro
E espanta os caboclos nus,
Fazei desse rei dos ventos
Ginete dos pensamentos
Arauto da grande luz!...
(O Livro e a América)
7. A poesia participante
Aqui, o ideal republicano:
República!... Vôo ousado
Do homem feito condor!
Raio de aurora inda oculta
Que beija a fronte ao Tabor!
Deus! Por qu„enquanto que o monte
Bebe a luz desse horizonte,
Deixas vagar tanta fronte,
No vale envolto em negror?!
(Pedro Ivo)
(Pedro Ivo foi herói da Revolução Praieira, e símbolo do ímpeto revolucionário para os jovens de seu
tempo.)
Aqui, o “povo no poder”:
A praça! A praça é do povo
Como o céu é do condor;
É o antro onde a liberdade
Cria águias em seu calor
Senhor!... pois quereis a praça?
Desgraçada a populaça
Só tem a rua de seu...
Ninguém vos rouba os castelos,
Tendes palácios tão belos...
Deixai a terra ao Anteu.
(O Povo no Poder)
Observe neste texto, e no anterior, as alusões ao condor. Este último poema é dos mais típicos de Castro
Alves e inspirou música de carnaval de Caetano Veloso e uma paródia irônica de Carlos Drummond de
Andrade:
“A PRAÇA! A PRAÇA É DO POVO!”
Não, meu valente Castro Alves, engano seu.
A praça é dos automóveis. Com parquímetro.
(Carlos Drummond de Andrade)