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ideologias mundiais 
Autor: Bethânia Assy 
Pesquisador: Rafael Alves 
Alterações: Leandro Molhano Ribeiro 
ROTEIRO De CURSO 
2010.1 
6ª edição
Sumário 
Ideologias Mundiais 
APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA........................................................................................................................................................3 
AULAS.............................................................................................................................................................................................5 
Unidade I – Ideologia...............................................................................................................7 
Aula 1. O que é ideologia?..............................................................................................................7 
Aula 2. Um mapa da ideologia......................................................................................................13 
Aula 3. Aparatos ideológicos e seu funcionamento........................................................................15 
Aula 4. Direito e ideologia no mundo contemporâneo..................................................................24 
Unidade II – Liberalismo.......................................................................................................25 
Aula 5 e 6. Indivíduo, propriedade, liberalismo e igualdade..........................................................25 
Aula 7 e 8. Indivíduo, propriedade, liberdade e igualdade (continuação).......................................31 
Aula 9. Estado e democracia..........................................................................................................38 
Aula 10. Liberalismo no Brasil......................................................................................................41 
Aula 11. Exercícios: reflexões, paralelos e ascendências do liberalismo no Direito..........................44 
Unidade iii – Socialismo.......................................................................................................45 
Aula 12. Origem e contextualização do socialismo........................................................................45 
Aula 13. Socialismo, estado e natureza humana.............................................................................49 
Aula 14. Socialismo e democracia.................................................................................................54 
Aula 15. Tradição socialista e política de esquerda hoje..................................................................57 
Aula 16. Exercícios: reflexões, paralelos e ascendências do socialismo no Direito...........................59 
Aula 17. Terminologia e espectro..................................................................................................60 
Aula 18. As experiências das colônicas anárquicas no Brasil...........................................................75 
Unidade V – Nacionalismo.....................................................................................................76 
Aula 19. Estado, nação e nacionalismo..........................................................................................76 
Aula 20. Mobilização do discurso nacionalista: “nações sem estado”; “estado sem nações”; 
diversidade étno-cultural, tolerância e discriminação..............................................................84 
Aula 21. Nacionalismo em um mundo globalizado.......................................................................90 
Aula 22. Seminário.......................................................................................................................99 
Unidade VI – Fascismo, nazismo e totalitarismo..................................................................100 
Aula 23. Por dentro do movimento nazista.................................................................................100 
Aula 24. Origens e fundamentos.................................................................................................101 
Aula 25. Totalitarismo e “a vida nua”...........................................................................................108 
Aula 26. Estado total...................................................................................................................115 
Aula 27. Exercícios......................................................................................................................122
3 
FGV DIREITO RIO 
ideo 
logias mundiais 
A 
PRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA 
1. Objetivo 
Proporcionar um pensamento crítico-reflexivo das principais vertentes teóricas que têm orientado a relação entre indivíduo e sociedade ao longo da história moderna: Liberalismo, Socialismo, Anarquismo, Fascismo e Nacionalismo. Especificamente, abordam-se os desdobramentos históricos dessas principais matrizes ideológicas na configuração das instituições políticas no Brasil e sua relação com as temáticas fundamentais do direito brasileiro. 
2. Metodologia 
Análise crítica de casos e eventos atuais, com ênfase na relidade brasileira; Discussão de textos teóricos; Seminários críticos-reflexivos; Aulas expositivas; Exame de documentos históricos; Análise de legislação; Oficinas; Filmes seguidos de debates. 
3. Bibliografia 
A bibliografia do curso foi estruturada de forma temática, e não monográfica, contemplando o estudo crítico-reflexivo das matrizes ideológicas em seus aspectos histórico, conceitual e político, frente às transformações teóricas e dogmáticas do Direito. Privilegiou-se desenvolver no aluno a capacidade de, ao compreender conceitualmente as ideologias, necessariamente fazê-lo de forma a contextualizá-las em sua composição histórica e política, a partir de casos e eventos atuais. 
Estrutura: O curso está estruturado em VI unidades 
4. A unidade I apresenta um panorama histórico-conceitual do que é ideologia. 
5. As unidades II a VI traçam um panorama histórico-político das mais significativas ideologias: Liberalismo, Socialismo, Anarquismo, Fascismo e Nacionalismo. Serão analisadas, simultaneamente à abordagem de cada ideologia, suas respectivas influências às temáticas fundamentais do Direito. 
6. Formas de Avaliação 
Participação em aula; prova escrita; seminários críticos, trabalhos, oficinas.
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7. Atividade Complementar 
Filmes e Documentários.
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AULAS 
UNIDADE I: Ideologia 
1. O que é ideologia? 
2. Um mapa da ideologia 
3. Aparatos ideológicos e seu funcionamento 
4. Direito e ideologia no mundo contemporâneo – Exercícios 
UNIDADE II: Liberalismo 
5 e 6. Indivíduo, Liberdade, Igualdade e Propriedade 
7 e 8. Indivíduo, Liberdade, Igualdade e Propriedade (continuação) 
9. Estado e Democracia 
10. A ideologia liberal no Brasil 
11. Liberalismo – Exercícios 
UNIDADE III: Socialismo 
12. Origem e contextualização do socialismo 
13. Socialismo, Estado e natureza humana 
14. Socialismo e Democracia 
15. Tradição Socialista e Política de Esquerda Hoje 
16. Socialismo - Exercícios 
UNIDADE IV: Anarquismo 
17. Terminologia e espectro 
18. A experiência das colônias anárquicas no Brasil – Exercícios 
UNIDADE V: Nacionalismo 
19. Estado, Nação e Nacionalismo 
20. Mobilização do discurso nacionalista: “nações sem estado”; “estado sem nações”; diversidade étno-cultural, tolerância e discriminação 
21. Nacionalismo em um mundo globalizado 
22. Nacionalismo - Exercícios
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UNIDADE VI: Fascismo e Totalitarismo 
23. Por dentro do movimento nazista 
24. Origens e fundamentos 
25. Totalitarismo e “a vida nua” 
26. Estado Total 
27. Fascismo – Totalitarismo – Exercícios
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UNIDADE 
I 
– IDEOLOGIA 
A 
ula 1. O que é ideologia? 
I 
déias do canário 
M 
achado de Assis 
“Um homem dado a estudos de ornitologia, por nome Macedo, referiu a alguns amigos um caso tão extraordinário que ninguém lhe deu crédito. Alguns chegam a supor que Macedo virou o juízo. Eis aqui o resumo da narração. 
No princípio do mês passado – disse ele –, indo por uma rua, sucedeu que um tílburi à disparada, quase me atirou ao chão. Escapei saltando para dentro de urna loja de belchior. Nem o estrépito do cavalo e do veículo, nem a minha entrada fez levantar o dono do negócio, que cochilava ao fundo, sentado numa cadeira de abrir. Era um frangalho de homem, barba cor de palha suja, a cabeça enfiada em um gorro esfarrapado, que provavelmente não achara comprador. Não se adivinhava nele nenhuma história, como podiam ter alguns dos objetos que vendia, nem se lhe sentia a tristeza austera e desenganada das vidas que foram vidas. 
A loja era escura, atulhada das cousas velhas, tortas, rotas, enxovalhadas, enferrujadas que de ordinário se acham em tais casas, tudo naquela meia desordem própria do negócio. Essa mistura, posto que banal, era interessante. Panelas sem tampa, tampas sem panela, botões, sapatos, fechaduras, uma saia preta, chapéus de palha e de pêlo, caixilhos, binóculos, meias casacas, um florete, um cão empalhado, um par de chinelas, luvas, vasos sem nome, dragonas, uma bolsa de veludo, dois cabides, um bodoque, um termômetro, cadeiras, um retrato litografado pelo finado Sisson, um gamão, duas máscaras de arame para o carnaval que há de vir, tudo isso e o mais que não vi ou não me ficou de memória, enchia a loja nas imediações da porta, encostado, pendurado ou exposto em caixas de vidro, igualmente velhas. Lá para dentro, havia outras cousas mais e muitas, e do mesmo aspecto, dominando os objetos grandes, cômodas, cadeiras, camas, uns por cima dos outros, perdidos na escuridão. 
Ia a sair, quando vi uma gaiola pendurada da porta. Tão velha como o resto, para ter o mesmo aspecto da desolação geral, faltava lhe estar vazia. Não estava vazia. Dentro pulava um canário. 
A cor, a animação e a graça do passarinho davam àquele amontoado de destroços uma nota de vida e de mocidade. Era o último passageiro de algum naufrágio, que ali foi parar íntegro e alegre como dantes. Logo que olhei para ele, entrou a saltar mais abaixo e acima, de poleiro em poleiro, como se quisesse dizer que no meio daquele cemitério brincava um raio de sol. Não atribuo essa imagem ao canário, senão porque falo a gente retórica; em verdade, ele não pensou em cemitério nem sol, segundo me disse depois. Eu, de envolta com o prazer que me trouxe aquela vista, senti-me indignado do destino do pássaro, e murmurei baixinho palavras de azedume.
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– Quem seria o dono execrável deste bichinho, que teve ânimo de se desfazer dele por alguns pares de níqueis? Ou que mão indiferente, não querendo guardar esse companheiro de dono defunto, o deu de graça a algum pequeno, que o vendeu para ir jogar uma quiniela? 
E o canário, quedando-se em cima do poleiro, trilou isto: 
– Quem quer que sejas tu, certamente não estás em teu juízo. Não tive dono execrável, nem fui dado a nenhum menino que me vendesse. São imaginações de pessoa doente; vai-te curar, amigo. 
– Como – interrompi eu, sem ter tempo de ficar espantado. Então o teu dono não te vendeu a esta casa? Não foi a miséria ou a ociosidade que te trouxe a este cemitério, como um raio de sol? 
– Não sei que seja sol nem cemitério. Se os canários que tens visto usam do primeiro desses nomes, tanto melhor, porque é bonito, mas estou vendo que confundes. 
– Perdão, mas tu não vieste para aqui à toa, sem ninguém, salvo se o teu dono foi sempre aquele homem que ali está sentado. 
– Que dono? Esse homem que aí está é meu criado, dá-me água e comida todos os dias, com tal regularidade que eu, se devesse pagar-lhe os serviços, não seria com pouco; mas os canários não pagam criados. Em verdade, se o mundo é propriedade dos canários, seria extravagante que eles pagassem o que está no mundo. 
Pasmado das respostas, não sabia que mais admirar, se a linguagem, se as idéias. A linguagem, posto me entrasse pelo ouvido como de gente, saía do bicho em trilos engraçados. Olhei em volta de mim, para verificar se estava acordado; a rua era a mesma, a loja era a mesma loja escura, triste e úmida. O canário, movendo a um lado e outro, esperava que eu lhe falasse. Perguntei-lhe então se tinha saudades do espaço azul e infinito. 
– Mas, caro homem, trilou o canário, que quer dizer espaço azul e infinito? 
– Mas, perdão, que pensas deste mundo? Que cousa é o mundo? 
O mundo, redargüiu o canário com certo ar de professor, o mundo é uma loja de belchior, com uma pequena gaiola de taquara, quadrilonga, pendente de um prego; o canário é senhor da gaiola que habita e da loja que o cerca. Fora daí, tudo é ilusão e mentira. 
Nisto acordou o velho, e veio a mim arrastando os pés. Perguntou-me se queria comprar o canário. Indaguei se o adquirira, como o resto dos objetos que vendia, e soube que sim, que o comprara a um barbeiro, acompanhado de uma coleção de navalhas. 
– As navalhas estão em muito bom uso, concluiu ele. 
– Quero só o canário. 
Paguei-lhe o preço, mandei comprar uma gaiola vasta, circular, de madeira e arame, pintada de branco, e ordenei que a pusessem na varanda da minha casa, donde o passarinho podia ver o jardim, o repuxo e um pouco do céu azul. 
Era meu intuito fazer um longo estudo do fenômeno, sem dizer nada a ninguém, até poder assombrar o século com a minha extraordinária descoberta. Comecei por alfabeto a língua do canário, por estudar-lhe a estrutura, as relações com a música,
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os sentimentos estéticos do bicho, as suas idéias e reminiscências. Feita essa análise filológica e psicológica, entrei propriamente na história dos canários, na origem deles, primeiros séculos, geologia e flora das ilhas Canárias, se ele tinha conhecimento da navegação, etc. Conversávamos longas horas, eu escrevendo as notas, ele esperando, saltando, trilando. 
Não tendo mais família que dois criados, ordenava lhes que não me interrompessem, ainda por motivo de alguma carta ou telegrama urgente, ou visita de importância. Sabendo ambos das minhas ocupações científicas, acharam natural a ordem, e não suspeitaram que o canário e eu nos entendíamos. 
Não é mister dizer que dormia pouco, acordava duas e três vezes por noite, passeava à toa, sentia me com febre. Afinal tornava ao trabalho, para reler, acrescentar, emendar. Retifiquei mais de uma observação – ou por havê-la entendido mal, ou porque ele não a tivesse expresso claramente. A definição do mundo foi uma delas. 
Três semanas depois da entrada do canário em minha casa, pedi-lhe que me repetisse a definição do mundo. 
– O mundo, respondeu ele, é um jardim assaz largo com repuxo no meio, flores e arbustos, alguma grama, ar claro e um pouco de azul por cima; o canário, dono do mundo, habita uma gaiola vasta, branca e circular, donde mira o resto. Tudo o mais é ilusão e mentira. 
Também a linguagem sofreu algumas retificações, e certas conclusões, que me tinham parecido simples, vi que eram temerárias. 
Não podia ainda escrever a memória que havia de mandar ao Museu Nacional, ao Instituto Histórico e às universidades alemãs, não porque faltasse matéria, mas para acumular primeiro todas as observações e ratificá-las. Nos últimos dias, não saía de casa, não respondia a cartas, não quis saber de amigos nem parentes. Todo eu era canário. De manhã, um dos criados tinha a seu cargo limpar a gaiola e pôr lhe água e comida. O passarinho não lhe dizia nada, como se soubesse que a esse homem faltava qualquer preparo científico. Também o serviço era o mais sumário do mundo; o criado não era amador de pássaros. 
Um sábado amanheci enfermo, a cabeça e a espinha doíam-me. O médico ordenou absoluto repouso; era excesso de estudo, não devia ler nem pensar, não devia saber sequer o que se passava na cidade e no mundo. Assim fiquei cinco dias; no sexto levantei-me, e só então soube que o canário, estando o criado a tratar dele, fugira da gaiola. O meu primeiro gesto foi para esganar o criado; a indignação sufocou-me, caí na cadeira, sem voz, tonto. O culpado defendeu-se, jurou que tivera cuidado, o passarinho é que fugira por astuto. 
– Mas não o procuraram? 
Procuramos, sim, senhor; a princípio trepou ao telhado, trepei também, ele fugiu, foi para uma árvore, depois escondeu-se não sei onde. Tenho indagado desde ontem, perguntei aos vizinhos, aos chacareiros, ninguém sabe nada. 
Padeci muito; felizmente, a fadiga estava passada, e com algumas horas pude sair à varanda e ao jardim. Nem sombra de canário. Indaguei, corri, anunciei, e nada. Tinha já recolhido as notas para compor a memória, ainda que truncada e incompleta, quando me sucedeu visitar um amigo, que ocupa uma das mais belas
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ideologias mundiais 
e grandes chácaras dos arrabaldes. Passeávamos nela antes de jantar, quando ouvi trilar esta pergunta: 
– Viva, Sr. Macedo, por onde tem andado que desapareceu? 
Era o canário; estava no galho de uma árvore. Imaginem como fiquei, e o que lhe disse. O meu amigo cuidou que eu estivesse doido; mas que me importavam cuidados de amigos? 
Falei ao canário com ternura, pedi-lhe que viesse continuar a conversação, naquele nosso mundo composto de um jardim e repuxo, varanda e gaiola branca e circular. 
– Que jardim? que repuxo? 
– O mundo, meu querido. 
– Que mundo? Tu não perdes os maus costumes de professor. O mundo, concluiu solenemente, é um espaço infinito e azul, com o sol por cima. 
Indignado, retorqui-lhe que, se eu lhe desse crédito, o mundo era tudo; até já fora uma loja de belchior. 
– De belchior? trilou ele às bandeiras despregadas. Mas há mesmo lojas de belchior?” 
Texto extraído do livro “O Alienista e outros contos”, Editora Moderna – São Paulo, 1995, pág. 73. 
D 
ebate sobre as idéias centrais do texto: Quais suas impressões do texto? 
I 
. O conceito de ideologia 
A história do termo “ideologia” é relativamente recente, datando de cerca de 200 anos e, portanto, coincidente com a nossa era contemporânea. Mais especificamente, o termo foi cunhado pelo pensador francês Antoine Destutt Tracy por volta de 1796. Seguindo a classificação de Andrew Vicent (1995), o estudo do conceito de ideologia pode ser dividido em quatro abordagens: 
a) ideologia como uma ciência empírica das idéias; 
b) como filiação a um republicanismo liberal secular; ou ainda; 
c) ideologia entendida pejorativamente como esterilidade intelectual; e 
d) ideologia como uma doutrina política em geral. 
a) O termo “ideologia” foi criado a partir das palavras gregas eidos+logos, ou seja, significando ciências das idéias. No bojo desse neologismo, Tracy revelava uma postura anticlerical e materialista, muito próprias da Revolução Francesa e do Iluminismo. O termo foi pensado para designar uma nova ciência, que tentava se afastar de qualquer parentesco com a metafísica e com a psicologia. Em outras palavras, pretendia-se criar uma ciência que estudasse a origem natural das idéias, suas causas de produção a partir das sensações. Para Tracy, “ideologia” seria a rainha das ciências, isto porque todas as outras ciências se utilizam necessariamente de idéias para a formulação do conhecimento. Assim, conhecendo o procedimento/lei que rege a produção das idéias seria possível compreender todas as ações humanas.
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ideologias mundiais 
b) Um segundo entendimento do significado de “ideologia” se explica pelo contexto histórico em que foi criado. Certos pensadores, associados ao ideário da Revolução Francesa, passaram a ser identificados como idéologues, ou seja, um grupo político de intelectuais ricos e liberais. 
c) Desta identificação pouco precisa de idéologues, os bonapartistas e restauradores franceses começaram a taxá-los de intelectuais estéreis, inaptos para a prática política e, mais, portadores de sentimentos perigosos contra o trono e o altar. 
d) Por fim, “ideologia”, desde a sua criação, semeou um significado pouco preciso de nomear qualquer doutrina política em geral. 
2. A ideologia alemã 
O termo “ideologia” ganha projeção e repercussão com Marx e Engels. Em “Ideologia Alemã”, Marx rotula pejorativamente como portadores de uma “ideologia alemã” aqueles que interpretavam o mundo filosoficamente, mas que não demonstravam capacidade para transformá-lo. De certa forma, Marx segue o mesmo sentido dado à ideologia por Bonaparte e pelos restauradores, isto é, idéologues como metafísicos teóricos inaptos à prática política. Com Marx, o conceito ideologia passa a se referir a uma ineficácia prática combinada com a ilusão ou perda da realidade causada pela divisão social do trabalho. Na formulação marxista do materialismo histórico, os homens têm necessidade de subsistir, trabalhar, produzir; ao contrapasso que os intelectuais e religiosos para manterem seu status buscam proteção das classes dominantes e em troca oferecem-lhes justificativas intelectuais da ordem existente no sentido da permanência da dominação de uma classe sobre as demais. Assim, para Marx o trabalho dos intelectuais resume-se a criar ilusões, distorções da realidade; essa postura crítica está voltada à filosofia alemã de sua época (Kant, Fichte, Hegel) que privilegiaram a consciência como estruturante do mundo, o que contrariava o pensamento tanto dos materialistas, como Marx, como dos sensualistas, para os quais, inclusive Tracy, as condições materiais e as sensações é que constituem a consciência, o homem e o mundo. 
A conclusão em Marx torna o termo “ideologia” sinônimo de ilusão ou distorção da realidade, e o contrapõe à realidade prática e à ciência materialista, estas, sim, significantes de “verdade”. 
Partindo das reflexões de Marx, Gramsci, no início do século XX, aponta que a ideologia da classe dominante vulgariza-se no senso comum do cidadão médio. Sendo assim, o poder não é exercido necessariamente pela força física ou violência, mas, através da cooptação das massas pela internalização da concepção de mundo da classe dominante. Diante desse quadro, Gramsci propõe aos intelectuais engajados com a luta de classes a construção de uma ideologia “contra-hegemônica” à burguesia. 
3. Escola do fim das ideologias 
Uma terceira fase na história do termo “ideologia” é chamada de “Escola do fim das ideologias”, fruto do pós-guerra e da guerra fria nos anos pós-1945. Esse debate
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ideologias mundiais 
foi produzido, de certa forma, como uma reação às recordações do uso político de ideologia como doutrina e sistema político totalitários – tais como o nazismo, o fascismo, o stalinismo e todas as outras formas de sofrimento dos tempos de guerra. Assim, a “Escola do fim das ideologias” identificou as “políticas ideológicas” como sendo a causa do sofrimento humano na primeira metade do século XX. 
Uma segunda perspectiva desse debate está associada ao momento de crescimento econômico e estabilidade dos regimes social-democratas, o que significou, para alguns pensadores, como o consenso, a convergência das metas políticas; isto é, pela primeira vez na era moderna havia sido alcançando um acordo básico sobre os valores e ações políticas. Assim, nesse contexto de paz, dispensam-se ideologias para justificar ou motivar a ação política. 
Ainda podemos associar a essa “Escola do fim das ideologias” uma suposta “idade heróica da sociologia”, vez que esta ciência buscava reforçar seu estatuto científico, buscando as bases de uma ciência social empírica liberta de valores, isenta de apelos emotivos das teorias políticas ideológicas. Observa-se, portanto, uma oposição, tal qual em Marx, entre ciência, portadora da verdade, e ideologia, estrutura teórica distorcida e falsa. No intuito de sepultar as ideologias, renova-se o sentido “sujo” de ideologia. 
4. Ideologia e Ciência 
Na última etapa deste percurso histórico do termo ideologia, a contribuição de Thomas Khun acerca dos paradigmas científicos aplaina o caminho para se compreender que a ciência não é feita somente por adição e confirmação empírica, mas antes, a ciência é estruturada e dinamizada dentro de um paradigma científico que lhe propõe os instrumentos, as questões e as possíveis respostas. A concepção científica a partir de paradigmas implica uma circularidade teórica, isto é, a própria teoria determinará o caráter de realidade sobre o qual se debruçará. Entretanto, Khun indica que os paradigmas são periodicamente trocados ou transformados à medida que sua coerência interna e sua capacidade de oferecer respostas às suas próprias questões tornam-se insuficientes ou incongruentes. 
No mesmo esteio, a filosofia da linguagem entende que os conceitos não correspondem a coisas objetivamente, mas antes são criações que nos orientam no mundo. Dessa forma, “ideologia” aqui já não tem mais um significado “sujo”, antes, porém, “ideologia” é concebida como uma das formas de vida, parte do mundo e da ação. 
B 
ibliografia Básica 
MARX, Karl. A Ideologia Alemã. São Paulo: Martins Fontes, 2002. 
B 
ibliografia Complementar 
BOUDON, Raymond. A Ideologia: ou a origem das idéias recebidas. São Paulo: Editora Ática, 1989, pp. 25-46. 
VICENT, Andrew. Ideologias políticas modernas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995, pp. 13-26
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ideologias mundiais 
A 
ula 2. um mapa da ideologia 
I 
. Perspectiva crítica 
O pensador Slavoj Zizek nos aponta a sutil diferença entre o real e o espectro do real, bem ilustrada no texto de Machado de Assis. Se considerar que a realidade nunca é apreensível diretamente por “ela mesma”, mas somente através de seus símbolos incompletos, percebe-se que a realidade tem um aspecto de ficção, ou seja, o espectro do real (ideologia) é que dá corpo (representa, projeta) àquilo que se denomina de real, que nada mais é do que uma sobreestrutura simbolicamente estruturada (mundo discursivamente construído). 
Questão reflexiva: “Ideologias são corpos de conceitos, valores e símbolos que incorporam concepções da natureza humana e, assim, apontam o que é possível ou impossível aos homens realizar”. (Andrew Vicent) Nesse conceito, ideologia reivindica descrever o mundo e prescrever ações? 
Nessa mesma trilha, ideologia pode ser compreendida como um “mapa” que, tal qual os mapas geográficos, tem primordialmente duas funções: representar e orientar. Ou seja, a ideologia constitui uma grande metáfora que, tal qual os mapas, “são distorções reguladas da realidade, distorções organizadas de territórios que criam ilusões credíveis de correspondência” (Boaventura de Sousa Santos). Importante ter presente que os mapas representam a realidade – logo, não são a própria realidade; assim sendo, a ideologia, apesar de manter pontos de coincidência com o mundo, não é o mundo em si, mas, tão somente, uma dentre várias representações possíveis. 
Questão reflexiva: A segunda função de um mapa é a orientação. Nesse sentido, a ideologia, ao construir representações do mundo, serve para orientação de nossa ação sobre o mundo? 
Contudo, nem sempre será possível abordar as ideologias como constructos coerentes que de fato descrevam ou orientem a ação política, uma vez que as ideologias, como estruturas complexas de discurso, sempre apresentam misturas e sobreposições tanto no nível fundamental (justificativa) quanto no nível operante (funcionamento). 
B 
ibliografia Básica 
BOUDON, Raymond. A Ideologia: ou a origem das idéias recebidas. São Paulo: Editora Ática, 1989, pp. 71-89. 
MARX, Karl. A Ideologia Alemã. São Paulo: Martins Fontes, 2002. 
B 
ibliografia Complementar 
ARON. Raymond. O Ópio dos Intelectuais. Brasília: UNB, 1980. 
BELL, Daniel. O Fim da Ideologia. Brasília: UNB, 1980.
FGV DIREITO RIO 14 
ideologias mundiais 
GEERTZ, Clifford. “A Ideologia como sistema cultural”. In A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989. 
SARTORI, Giovanni. A Teoria da Democracia Revisitada. São Paulo: Editora Ática, 2004, pp.299-324.
FGV DIREITO RIO 15 
ideologias mundiais 
A 
ula 3. Aparatos ideológicos e seu funcionamento 
Caso: Ensino religioso nas escolas: Estado, igreja e ideologia 
L 
ei nº 3.459, de 14 de setembro de 2000, que dispõe sobre ensino religioso confessional nas escolas da rede pública de ensino do Estado do Rio de Janeiro. 
“O Governador do Estado do Rio de Janeiro, 
Faço saber que a Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro decreta e eu sanciono a seguinte Lei: 
Art. 1º – O Ensino Religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina obrigatória dos horários normais das escolas públicas, na Educação Básica, sendo disponível na forma confessional de acordo com as preferências manifestadas pelos responsáveis ou pelos próprios alunos a partir de 16 anos, inclusive, assegurado o respeito à diversidade cultural e religiosa do Rio de Janeiro, vedadas quaisquer formas de proselitismo. 
Parágrafo único – No ato da matrícula, os pais, ou responsáveis pelos alunos deverão expressar, se desejarem, que seus filhos ou tutelados freqüentem as aulas de Ensino Religioso. 
Art. 2º – Só poderão ministrar aulas de Ensino Religioso nas escolas oficiais, professores que atendam às seguintes condições: 
I – Que tenham registro no MEC, e de preferência que pertençam aos quadros do Magistério Público Estadual; 
II – tenham sido credenciados pela autoridade religiosa competente, que deverá exigir do professor, formação religiosa obtida em Instituição por ela mantida ou reconhecida. 
Art. 3º – Fica estabelecido que o conteúdo do ensino religioso é atribuição específica das diversas autoridades religiosas, cabendo ao Estado o dever de apoiá-lo integralmente. 
Art. 4º – A carga horária mínima da disciplina de Ensino Religioso será estabelecida pelo Conselho Estadual de Educação, dentro das 800 (oitocentas) horas-aulas anuais. 
Art. 5º – Fica autorizado o Poder Executivo a abrir concurso público específico para a disciplina de Ensino Religioso para suprir a carência de professores de Ensino Religioso para a regência de turmas na educação básica, especial, profissional e na reeducação, nas unidades escolares da Secretaria de Estado de Educação, de Ciência e Tecnologia e de Justiça, e demais órgãos a critério do Poder Executivo Estadual. 
Parágrafo Único – A remuneração dos professores concursados obedecerá aos mesmos padrões remuneratórios de pessoal do quadro permanente do Magistério Público Estadual. 
Art. 6º – Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.” 
Rio de Janeiro, 14 de setembro de 2000. 
Anthony Garotinho 
Governador
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ideologias mundiais 
D 
iálogo fecundo: Sancionada no Rio de Janeiro em setembro a lei estadual que faculta na rede pública de ensino o ensino religioso confessional 
“Por D. Filippo Santoro (bispo auxiliar do Rio de Janeiro) 
É um evento de grande importância a aprovação da Lei 3.459, “Sobre o Ensino Religioso Confessional nas Escolas da Rede Pública de Ensino do Estado do Rio de Janeiro”, concretizada em setembro passado pelo governador Anthony Garotinho, e tornando executivo um projeto-de-lei de autoria do deputado Carlos Dias. 
Os órgãos de imprensa registraram reação amplamente favorável à lei, dada a importância da religião na formação integral do aluno e a característica pluralista desta lei, que respeita os diferentes credos presentes na nossa sociedade. 
A lei recém-aprovada no Estado do Rio de Janeiro comporta novidades significativas em relação ao ensino religioso e supera várias incongruências da lei vigente em nível nacional (nº 9.475/77, que por sua vez, tinha mudado o artigo 33 da LDB). Em artigo publicado em O Globo, o cardeal D. Eugênio Sales identificava três pontos críticos desta lei nacional cuja solução era particularmente urgente. 
Em primeiro lugar, a lei atribui ao Estado, ou seja, aos “sistemas de ensino”, determinar os conteúdos do ensino religioso, ouvida uma “entidade civil constituída pelas diferentes denominações religiosas”. Dizia D. Eugenio: “Não é o Estado que ensina religião, ao menos em uma democracia”. Isso depende das instituições religiosas, de acordo com os interesses dos pais ou do próprio aluno. 
Em segundo lugar, obriga as denominações religiosas a formarem uma entidade civil, o que fere a Constituição, a qual, no artigo 5º, inciso XX, reza: “Ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”. 
O terceiro problema era a afirmação de que não se deve ensinar uma religião bem definida, mas apenas elementos de antropologia que analisem o fenômeno religioso. D. Eugênio afirmava que a religião “deve ser transmitida segundo o corpo doutrinário de cada confissão, por professores capacitados por essa missão e aprovados pela autoridade religiosa”. E concluía: “Assim se ajudará a desenvolver a personalidade do aluno segundo uma determinada visão do valor da vida e no respeito às outras”. 
A lei estadual recém-aprovada responde a essas exigências, e instaura um diálogo fecundo entre as denominações religiosas e os poderes do Estado. 
Os setores que se opõem à nova lei, aprovada na Assembléia Legislativa do Estado com 32 votos favoráveis e 16 contrários, querem voltar à situação anterior, sustentando um ensino religioso antropológico desligado de qualquer religião, com programas e professores escolhidos pelo Estado. 
Alega-se que a questão é a relação constitucional entre Igreja e Estado. Mas exatamente uma correta relação entre Igreja e Estado comporta que o Estado respeite cada entidade religiosa, e não se constitua como fonte de doutrinas religiosas e de sua transmissão às novas gerações. 
Se o ensino religioso fosse reduzido a puros elementos de antropologia, sob esse nome poderiam ser colocadas as coisas mais diversas e contrastantes, que acabariam confundindo ou mesmo desviando a religiosidade do aluno.
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ideologias mundiais 
Com efeito, um professor que fosse desligado de qualquer credo religioso, e não fosse autorizado por uma instituição religiosa, poderia ensinar, por exemplo, que a religião é ópio dos povos, alienação para perpetuar a opressão econômica, neurose coletiva, projeção infantil da libido, etc. 
Acusa-se a lei recém-aprovada de submeter a aprovação dos programas e dos professores à autoridade das respectivas confissões religiosas. Ora – citando um hipotético exemplo que envolve dois ilustres analistas do fenômeno religioso – Marx e Freud com certeza ganhariam um concurso público para o ensino religioso; mas, com pleno direito, as instituições religiosas negariam o mandato a quem tivesse o objetivo de destruir ou alterar uma determinada religião. 
Esse tipo de ensino religioso que se caracteriza com “confessional” nada tira à importância do ecumenismo e do diálogo inter-religioso que deve realizar-se nas formas e nas sedes próprias. No ensino religioso poderá ser apresentada toda a variedade das religiões, como também a análise do problema do ateísmo, mas isso é diferente da normativa que, por decisão do Parlamento, presume silenciar todos aqueles aspectos de uma religião que vão além do puro senso religioso. 
Os gravíssimos problemas que afetam a nossa sociedade, envolvendo menores no crime organizado, dependem, entre outros fatores, da falta de uma visão da vida que comporta a defesa da dignidade da nossa pessoa, dos outros e particularmente dos mais pobres. O ensino religioso oferece um sentido pleno à vida, e educa a dominar qualquer forma de violência, “assegurando o respeito à diversidade cultural e religiosa do Rio de Janeiro, vedadas quaisquer formas de proselitismo”, como afirma a lei recém-aprovada.” 
(Artigo extraído do jornal O Globo, edição de 3/11/2000) 
T 
rechos da entrevista com o Deputado Estadual Carlos Dias (PPB/RJ), autor da Lei 3.459/2000 que instituiu o ensino religioso confessional nas escolas públicas do Estado do Rio de Janeiro. 
“Pela sua lei, o ensino religioso passa a ser obrigatório? 
Dias: Não, é um direito da família. No momento da matrícula dos alunos, a escola tem obrigação de oferecer esta disciplina. O oferecimento é obrigatório, mas são os responsáveis pelas crianças quem decidem pela matrícula. No caso dos adolescentes, os maiores de 16 podem decidir sozinhos se querem o ensino religioso e qual o credo que desejam aprender. 
Qual o papel do Estado no provimento do ensino religioso, segundo a nova Lei? 
Dias: A obrigação do Estado é pagar os professores, que serão indicados pelas instituições religiosas, o material didático, a sala de aula, enfim, as condições necessárias para a realização das aulas. O que estamos fazendo é resgatar o direito da família de decidir sobre a educação dos seus filhos. Esse direito era garantido na Constituição, mas o discurso do Estado laico e totalmente responsável pela educação acabou retirando esse direito das famílias. O ensino religioso confessional será ministrado desde a alfabetização até o ensino complementar. É uma lei e quem não a cumprir sofrerá uma ação do Ministério Público.
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ideologias mundiais 
Como será feita a escolha dos professores? 
Dias: Os professores serão indicados pelas instituições religiosas, que deverão indicar também o conteúdo e o material didático a ser utilizado. O Estado poderá optar pela realização de um concurso público ou pela contratação simples. 
Como as entidades religiosas habilitarão os seus professores para ministrar as aulas? 
Dias: Foram credenciados três credos: Católicos, Judeus e Evangélicos. Os representantes desses credos deverão manifestar o desejo de oferecer as aulas, apresentar os professores e o material didático sobre a sua doutrina à Secretaria Estadual de Educação. No caso dos evangélicos, que têm várias denominações, caberá à Secretaria decidir sobre a habilitação, obedecendo aos critérios de formação dos professores, conteúdo doutrinal e material didático. As religiões tradicionais como o Judaísmo e o Catolicismo terão maior facilidade, uma vez que já possuem essa estrutura montada há anos. É o caso, por exemplo, da Mater Ecclesie. Teremos professores com liberdade de ensinar aquilo em que acreditam. 
A aprovação da Lei foi uma grande vitória para nós. Qual o papel da sociedade a partir de agora? 
Dias: O nosso papel é incentivar os pais que nós conhecemos, cujos filhos estudam em escolas públicas, para que matriculem os seus filhos no ensino religioso. É importante conscientizá-los sobre a importância do relacionamento com Deus para a realização plena da nossa humanidade. É preciso também que nos movimentemos enquanto Igreja para disponibilizar professores e toda a estrutura necessária a essa missão evangelizadora.” 
(Disponível em < http://www.cl.org.br/>) 
T 
rechos da entrevista como o Deputado Carlos Minc (PT/RJ), autor do projeto alternativo de ensino religioso de caráter histórico-antropológico que fora aprovado pela Assembléia Legislativa, porém vetado pelo governadora Rosinha Garotinho. 
ComCiência: “Quais foram as alterações propostas em relação à lei estadual 3459/00, de autoria do ex-deputado Carlos Dias? 
Minc: Na verdade, quando foi apresentado o projeto de lei do ex-deputado Carlos Dias, que implementava o ensino religioso confessional, isto é, por religião, fizemos emendas contrárias. Quando tal aberração foi aprovada, fizemos um projeto de lei alternativo para que o ensino religioso obedecesse à lei federal, sendo não confessional. Pelo nosso projeto, ele poderia ser ministrado por professores de quaisquer disciplinas, desde que devidamente capacitados. Certamente, professores formados em história, filosofia, sociologia poderiam dar noções de religião sob o enfoque antropológico. 
ComCiência: Na sua opinião, a instituição do ensino religioso nas escolas públicas fere o princípio do Estado laico? 
Minc: Fere. Além disso, o Estado tem que zelar pela legislação, defendendo o princípio da liberdade religiosa. Até por isso as escolas públicas não podem ensinar religião sob o enfoque confessional. 
ComCiência: Na sua opinião, as aulas de religião no ensino público, de modo geral, são necessárias?
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ideologias mundiais 
Minc: Não. Infelizmente, falta tanta coisa nas escolas públicas que não deveria ter sido dada tal prioridade ao assunto. Acredito que haja outros interesses por trás do ensino religioso confessional defendido pela Igreja Católica conservadora. 
ComCiência: Como o senhor vê a inclusão do criacionismo no currículo escolar? O senhor é partidário das críticas que apontam a incorporação do criacionismo na ementa do ensino religioso como estratégia para conseguir apoio político de lideranças religiosas? 
Minc: Trata-se de uma aberração legal e pedagógica. É claro que o oportunismo político ultrapassa fronteiras éticas e morais e pode se utilizar do atraso para conquistar apoio político de lideranças religiosas. 
ComCiência: O senhor acredita na teoria do evolucionismo? 
Minc: Não é questão de credo pessoal. Trata-se de ciência e, mesmo acreditando que até as “verdades” científicas são provisórias, o evolucionismo é a teoria na qual todos acreditamos. O absurdo atual é o ensino do criacionismo em escolas públicas, desautorizando a teoria evolucionista. É o caminho de volta à Idade Média, com o risco de se incentivar as crianças a queimar os livros de Darwin.” 
(Disponível em http://www.comciencia.br) 
ISER 
. Ensino Religioso no Estado do Rio de Janeiro. Apresentação 
“Iniciado o debate público, para além da disputa de credos e concepções sobre educação e sobre o papel da escola pública, foi muito revelador observar como se posicionaram as diferentes alternativas religiosas. Em outubro de 2000, participei na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro de uma Audiência Pública sobre Ensino Religioso promovida pelo ISER e pelo deputado Carlos Minc. Naquela ocasião vimos acontecer alianças pouco usuais no campo religioso brasileiro. Por um lado, o que não é novidade, católicos divergiram entre si: a favor do ensino religioso confessional, falou seu autor, o Deputado Carlos Dias, que se apresentou como católico convicto; contra falaram outros católicos: o deputado Padre Roque, do Paraná, e o deputado Chico Alencar, do Rio de Janeiro, considerado católico da ala progressista. Por outro lado, a favor da interconfessionalidade, em uma curiosa e circunstancial aliança estavam católicos de esquerda, evangélicos pentecostais, evangélicos históricos, espíritas kardecistas e representantes de religiões afro-brasileiras. Foi interessante observar que o Projeto alternativo apresentado pelo Deputado Carlos Minc, ele mesmo de origem judaica, foi apoiado na tribuna não só pelo padre católico e por um católico da ala progressista, mas também por deputados ligados à Igreja Universal do Reino de Deus, denominação esta que, no geral, tem se mostrado pouco afeita ao ecumenismo ou ao diálogo inter-religioso. A este peculiar arco de aliança, na platéia, se somaram mães de santo do Candomblé, espíritas, adeptos do Santo Daime, budistas e, ainda, outras alternativas religiosas que participam do MIR (Movimento Inter-Religioso). 
Seriam muitos os fatores que poderiam explicar tais posicionamentos. Para um lado, para parte dos protagonistas o que estava em jogo era a valorização da diversidade e da tolerância religiosa. Mas, por outro, havia ali uma também disputa
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ideologias mundiais 
de bens simbólicos, própria ao campo religioso. A defesa da lei alternativa passava por uma avaliação: o modelo confessional proposto favoreceria, sobretudo, a Igreja Católica. Isto não só porque o peso institucional da Igreja Católica no Brasil é indiscutível. Mas, também, porque a unidade e centralização hierárquica católica tornam esta Igreja mais adequada para a implantação do modelo confessional. Isto, em comparação com a dispersão e a grande diversidade presente entre os centros e terreiros das religiões mediúnicas, em comparação com a segmentação das inúmeras denominações evangélicas conhecidas como históricas, pentecostais e neo-pentecostais e, ainda, em comparação com a variedade pulverizada das novas alternativas religiosas.” 
E 
stado laico – Entidade quer suspender lei que institui ensino religioso 
A CNTE – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação – quer suspender os efeitos da lei estadual do Rio de Janeiro que prevê que o ensino religioso nas escolas públicas só pode ser ministrado por professores que tenham sido credenciados pela autoridade religiosa competente. 
A determinação está presente nos artigos 1º, 2º e 3º da Lei Estadual 3.450/00, que prevê também que o conteúdo do ensino religioso é atribuição específica das autoridades religiosas, cabendo ao estado o dever de apoiá-lo integralmente. Os dispositivos são questionados pela entidade em Ação Direta de Inconstitucionalidade, com pedido de liminar, impetrada no Supremo Tribunal Federal. 
Para a CNTE, esses artigos ferem a Constituição Federal na medida em que pretendem estabelecer diretrizes e bases para o ensino religioso diversas das constantes da Lei Federal 9394/96, que trata do assunto. 
Segundo o STF, a entidade alegou, ainda, que a lei fere o parágrafo 1º do artigo 19 da Constituição Federal, que veda ao Estado a manutenção de relações de dependência ou aliança com cultos religiosos. Cita também a afronta ao que dispõe o inciso VII, artigo 5º, no que é pertinente à inconstitucionalidade da privação de direitos por motivos de crença religiosa. 
ADI 3.268 
Revista Consultor Jurídico, 3 de agosto de 2004 
(http://conjur.estadao.com.br/static/text/28313,1) 
Qu 
estões 
• Quais elementos ideológicos poderiam ser apontados no debate pró-contra Ensino Religioso Confessional versus ensino religioso sob o enfoque antropológico? 
• Quais reproduções ideológicas estariam implícitas nos depoimentos? 
• Até que ponto a implementação da Lei 3.459 reproduz a naturalização de um processo que de fato implica o próprio mecanismo de funcionamento da ideologia?
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ideologias mundiais 
I 
. A reprodução da ideologia 
Para a exposição dos aparatos ideológicos do Estado serão avaliadas, inicialmente, duas teses (Louis Althusser): 1) a ideologia representa a relação imaginária dos indivíduos com as suas condições reais de existência, isto é, ideologia é compreendida como uma concepção de mundo, que, aliás, não corresponde à realidade, mas efetivamente se referencia nela – ou no dizer de Marx, se os homens criam uma representação alienada de suas condições de existência é porque essas condições de existência são, em si mesmas, alienantes; e 2) a ideologia tem uma existência material, possibilitada pela atuação dos Aparelhos Ideológicos de Estado que mediam as idéias até às práticas e atos concretos do cotidiano. Assim, o Estado apresentaria três dimensões, aqui abordadas: 
a) Poder Estatal; 
b) Aparelho de Estado; e 
c) Aparelho Ideológico de Estado. 
O Poder Estatal é, na teoria da revolução socialista, o objetivo da luta de classes para dominar os aparelhos do Estado burguês e convertê-los em aparelhos de um Estado proletário. Porém, num último estágio a revolução eliminará toda forma de Estado (seja burguês ou proletário) e inclusive o próprio Poder Estatal. 
O Aparelho de Estado – o que inclui o governo, o exército, os tribunais, os presídios, etc. – tem um caráter repressor, haja vista que sua atuação se dá, eminentemente, por meio do uso da violência. Apresenta uma natureza monolítica e como um bem público. Por tudo isso, mais apropriado seria denominá-lo de Aparelho Repressor de Estado. 
Em paralelo, os Aparelhos Ideológicos de Estado apresentam-se como poderes ou instituições privadas, sendo-lhes característicos a pluralidade de manifestações. Ao contrário do Aparelho Repressor de Estado, os Aparelhos Ideológicos de Estado atuam, essencialmente, por meio das práticas e da difusão ideológicas. Como exemplos dos Aparelhos Ideológicos de Estado têm-se os sistemas: religioso, escolar, familiar, jurídico, político, sindical, de informação, cultural, etc. 
Q 
uestão crítico-reflexiva 
Caberia, assim, ao Aparelho Repressor de Estado garantir pelo uso da força as condições de reprodução das relações de produção; ao passo em que cabe aos Aparelhos Ideológicos de Estado também garantir tal reprodução, contudo, pelo uso da ideologia? O Poder Estatal figura neste quadro teórico como o fundamento de legitimidade da repressão em favor do status quo dominante?
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ideologias mundiais 
II 
. 
O funcionamento da ideologia 
O filósofo Slavoj Zizek apresenta-nos a ideologia a partir de uma classificação tripartite: 
a) A ideologia em-si é um conjunto de idéias destinadas a nos convencer acerca de sua veracidade, mas, em verdade, serve a um interesse particular de poder não confessado. Por isso, é importante em nossa análise discernir, através das rupturas, lapsos, lacunas, a tendenciosidade (o projeto de poder) não declarada no texto oficial. Como por exemplo, discernir na “igualdade e liberdade” a igualdade e a liberdade dos parceiros nas trocas comerciais que, evidentemente, privilegiam o proprietário dos meios de produção e o livre mercado. O papel, pois, da ideologia é gerar uma rede de discursividade (constituição do mundo) em que os fatos falem por si, sejam auto-evidentes, isto é, sejam naturalizados. 
b) A ideologia para-si revela, na linha do pensamento de Althusser, a necessidade de reprodução por meio dos aparelhos especiais de Estado voltados para a materialização da ideologia no cotidiano que, como Foucault diria, disciplinam o sujeito nas microestruturas do poder. 
c) A ideologia em-si-e-para-si, ou seja, a ideologia refletida em si mesma obscurece uma rede de pressupostos e de atitudes quase-espontâneas que formam um momento irredutível da reprodução de práticas “não-ideológicas”, como por exemplo os atos comerciais, legais, políticos, sexuais, etc. Ou seja, a ideologia, suas manifestações concretas, suas instituições de reprodução apresentam-se no cotidiano como “naturais”, destituídas de história, destituídas de ideologia. 
Q 
uestões: 
• Um aspecto importante a ser considerado é que aquilo que se identifica como uma mera contingência do real, carente de sentido, banal, em verdade, consiste em um símbolo cujo sentido foi internalizado, naturalizado. Talvez essa percepção da ideologia leve ao seguinte paradoxo: será que a recusa a uma determinada posição “ideológica” leva inevitavelmente o sujeito à submissão ao seu duplo “não-ideológico”, o qual carrega os mesmos pressupostos do “ideológico”? (Zizek) 
• Esse alerta serve para destacar que uma ideologia não necessariamente é uma “falsa” representação da realidade ou dos fatos, mas, antes, é um modo como esse conteúdo (realidade, fatos) se apresenta em uma relação de dominação? Diz-se que algo é “ideológico” quando um determinado conteúdo torna-se funcionalmente não transparente para facilitar o exercício do poder? 
• Assim, pode-se conceituar ideologia como um complexo de idéias que adquirem materialidade por meio de instituições e aparatos de tal modo que se incorporem no cotidiano e se apresentem como se fossem espontâneas, auto-evidentes?
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ideologias mundiais 
Segundo Gramsci, uma classe é hegemônica não só porque detém a propriedade dos meios de produção e o poder do Estado, mas principalmente porque suas idéias e valores são dominantes, e são mantidos pelos dominados até mesmo quando lutam contra essa dominação. 
Na linha do pensamento marxista, Marilena Chauí indica três momentos fundamentais da ideologia que serão abordados neste tópico: i) a ideologia surge como um conjunto sistemático de idéias de uma classe em ascensão que aparece como representante de todos os não-dominantes, tornando-se uma universalidade legitimadora da luta da classe ascendente; ii) a ideologia se consolida como um senso comum a todos aqueles que não são dominantes; e iii) quando a transição se completa, as idéias – antes universais a todos os não-dominantes – são, agora, negadas pela nova realidade de dominação. Mas, ainda assim, as idéias permanecem “comuns” porque são apresentadas descoladas (emancipadas) da classe particular que as produziu segundo seus interesses. 
Por fim, vale lembrar Althusser quando explicita que toda ideologia tem uma estrutura especular, ou seja, atua como se fosse uma caixa de espelhos que se refletem reciprocamente. Isto é, em um primeiro momento do agir da ideologia os indivíduos são interpelados como sujeitos e, em seguida, submetidos a um Sujeito (relação de dominação). Nessa etapa, ocorre um triplo reconhecimento: i) um reconhecimento mútuo (identidade) entre os sujeitos e o Sujeito; ii) um reconhecimento mútuo entre dos sujeitos entre si; e, por último, iii) um reconhecimento de si mesmo pelo sujeito. No último estágio, a ideologia apresenta uma garantia absoluta de que tudo realmente é “de fato” assim mesmo (naturalização) e que, desde que os sujeitos reconheçam o que “são” (a imagem proposta pelo Sujeito) e que se comportem “conformemente”, tudo ficará bem, isto é, em boa ordem. 
B 
ibliografia básica 
ALTHUSSER, Louis. Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado (notas para uma investigação). In: ZIZEK, Slavoj (org). Um mapa da ideologia. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996. (pp. 105-142) 
B 
ibliografia complementar 
ARON, Raymond. O Ópio dos Intelectuais. Brasília: UNB, 1980. 
BELL, Daniel. O Fim da Ideologia. Brasília: UNB, 1980. 
BOUDON, Raymond. A Ideologia: ou a origem das idéias recebidas. São Paulo: Editora Ática, 1989, pp. 71-89. 
GEERTZ, Clifford. “A Ideologia como sistema cultural”. In A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989. 
SARTORI, Giovanni. A Teoria da Democracia Revisitada. São Paulo: Editora Ática, 2004, pp.299-324.
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ideologias mundiais 
A 
ula 4. Direito e ideologia no mundo contemporâneo 
I 
. Ideologia no mundo contemporâneo 
Considerando os subsídios teóricos de Althusser, Marilena Chauí expõe que: “Através do Estado, a classe dominante monta um aparelho de coerção e de repressão social que lhe permite exercer o poder sobre toda a sociedade, fazendo-a submeter-se às regras políticas. O grande instrumento do Estado é o Direito, isto é, o estabelecimento das leis que regulam as relações sociais em proveito dos dominantes. Através do Direito, o Estado aparece como legal, ou seja, como ‘Estado de direito’. O papel do direito ou das leis é o de fazer com que a dominação não seja tida como uma violência, mas como legal, e por ser legal e não violenta deve ser aceita. A lei é direito para o dominante e dever para o dominado. Ora, se o Estado e o Direito fossem percebidos nessa sua realidade real, isto é, como instrumento para o exercício consentido da violência, evidentemente ambos não seriam respeitados e os dominados se revoltariam. A função da ideologia consiste em impedir essa revolta fazendo com que o legal apareça para os homens como legítimo, isto é, como justo e bom. Assim, a ideologia substitui a realidade do Estado pela idéia de Estado – ou seja, a dominação de uma classe é substituída pela idéia de interesse geral encarnado pelo Estado. E substitui a realidade do Direito pela idéia do Direito – ou seja, a dominação de uma classe por meio das leis é substituída pela representação ou idéias dessas leis como legítimas, justas, boas e válidas para todos”. (Marilena Chauí. O que é ideologia? São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 90-91) 
B 
ibliografia Básica 
BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2007, pp. 03-24 (Capítulo I – O direito como regra de conduta). 
LYRA FILHO, Roberto, “Ideologias jurídicas.” In: O que é o direito? São Paulo: Editora Brasiliense, 1982, 17 ed., 2005, pp. 12-24. 
WOLKMER, Antônio Carlos. Ideologia, Estado e Direito. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. 
________. Fundamentos da História do Direito. Belo Horizonte: Del Rey, 1996.
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ideologias mundiais 
UNIDADE 
II 
– LIBERALISMO 
A 
ula 5 e 6. indivíduo, Propriedade, liberalismo e igualdade 
Caso: História do Sonho Real: Caso da Reintegração de Posse de uma área ocupada por 4.000 famílias, localizada no Parque Oeste Industrial, Goiânia, em 2004 
“Em maio de 2004, cerca de quatro mil famílias (14.000 pessoas) ocuparam – construíram casas e barracos – uma área de 89 hectares localizada no Parque Oeste Industrial, em Goiânia, abandonada há mais de 50 anos e utilizada, até então, para desova de carros e cadáveres. 
Apesar da inexistência de benfeitorias no local e do débito de cerca de dois milhões de reais em impostos à prefeitura, o judiciário local entendeu que ‘não houve desuso associado ao inadimplemento absoluto dos tributos capaz de induzir a presunção de abandono do imóvel ou de desnaturação de sua função social’, o que determinou em favor dos antigos proprietários a concessão de medida liminar para a desocupação do imóvel. 
Contudo, em ano eleitoral que era, os candidatos a prefeitos (Íris Resende e Sandes Junior) demonstraram publicamente apoio à ocupação e o governador (Marconi Perillo) prometeu não usar violência contra os posseiros, o que, de fato, retardou o cumprimento da ordem judicial. 
Porém, sob pressão dos proprietários e do setor imobiliário temeroso frente à organização dos sem-tetos, o governo do estado autorizou em fevereiro de 2005 a polícia militar a iniciar a operação ‘Inquietação’, que durante uma semana intimidou os moradores com sirenes, alertas durante a madrugada e bombas de efeito moral, para em seguida produzir o desfecho com a operação ‘Triunfo’, que obteve como saldo a desocupação total da área, mais 800 pessoas detidas, dezenas de feridos e dois mortos.” 
(http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2005/02/307174.shtml) 
A 
s noções e concepções de propriedade que estão em questão 
A partir deste caso, podemos identificar claramente um conflito entre os sem- tetos e os proprietários acerca do mesmo objeto – a gleba de terra localizada no Parque Oeste Industrial. Assim, pretendemos discutir os diferentes fundamentos que sustentam tais posições. Como apoio, selecionamos algumas opiniões. Vejamos: 
“A situação dos ocupantes é sim alarmante, porém não podemos deixar de lembrar que vivemos em um país regido por leis e estas devem ser respeitadas. Mesmo que os moradores da invasão necessitem dessa área para morar, a lei assegura a propriedade privada e, mesmo que nossa constituição não seja eficaz em todos os casos, deve ser aplicada.” (Diuds 16/02/2005 03:19, www.midiaindependente.org)
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“A vocês sensacionalistas... 
(...) Primeiramente é válido lembrar que bem ou mal eles devem desocupar a área, e se resistirem, a polícia tem o dever de agir com maior rigor, um policial foi ferido enquanto cumpria seu dever, e aí vem uma série de indivíduos Estúpidos (na minha opinião) apelando para os direitos humanos desses criminosos!!! Que absurdo!!! onde estão os direitos humanos do proprietário do imóvel invadido, que pagou pela propriedade, ou do policial ferido, que estava apenas cumprindo com o seu dever??? 
Eles invadiram, agora arquem com as conseqüências.” (Rafael 15/02/2005 22:04, www.midiaindependente.org) 
Qu 
estões 
• Por que o judiciário e a polícia têm o dever de proteger a defesa da propriedade? 
• O que impede os posseiros da ocupação da área tal qual ela ocorreu? 
• Em quais fundamentos se apóiam as opiniões? O que justifica a existência da propriedade privada? 
• Qual o fundamento para o direito pleiteado pelos proprietários? Qual o fundamento para a defesa da propriedade? 
• Qual o contexto histórico da noção de propriedade na formação do Estado moderno? 
• Qual a relação entre indivíduo e propriedade? 
I 
. Contextualização histórica do pensamento liberal 
O primeiro sentido que se deu ao termo “liberal” foi para se referir a um tipo específico de educação, abrangente e humanística, com largueza de espírito e tolerância – virtudes típicas do homem livre moderno. Mas ao lado desse, um segundo sentido associava, de forma pejorativa, os liberais à libertinagem, à licenciosidade sexual, ao desrespeito às normas morais e à tradição. O primeiro uso político do termo foi feito na Espanha nos anos de 1810 a 1820 para designar os liberales, que pregavam um reformismo radical, secular e republicano contrário aos interesses dos monarquistas. Contudo, foram a Revolução Gloriosa Inglesa, 1680, a Revolução Americana, 1776, o Iluminismo e a Revolução Francesa, 1789, que determinaram as características e a difusão do liberalismo. 
Um fator insigne a ser abordado é que a nova doutrina política foi construída a partir dos pilares da consolidação dos Estados nacionais e da expansão do modo de produção capitalista. E de modo a consolidar essa nova ordem, o movimento do constitucionalismo cuidou de inserir os ideais liberais em normas positivas superiores, isto é, inscrever direitos do homem e limites do Estado em Constituições escritas e rígidas. 
Desse modo, será avaliado de que maneira o liberalismo delineou-se como uma ideologia baseada na defesa e na promoção das liberdades e direitos individuais, na
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ideologias mundiais 
separação entre esfera pública e esfera privada, no contrato como expressão da vontade, na limitação dos governantes e, por fim, na soberania popular. 
II 
. 
A 
influência do pensamento de John Locke 
2.1 – Contraponto intelectual: Thomas Hobbes 
2.2 – John Locke como o principal pensador fundador do liberalismo. 
Dentre os principais aspectos destacar-se-á que, para Locke, originalmente os homens viviam livres e harmoniosamente em um estado de natureza guiados unicamente pela Razão. Ou seja, todos os homens eram igualmente livres porque livres uns dos outros, e iguais porque igualmente submetidos à superioridade de Deus e igualmente dotados de razão própria. A razão, portanto, como essência da natureza humana concedida por Deus era a única lei a que deviam se submeter os homens em estado de natureza. Nesse sentido, tentar colocar outrem sob o seu domínio constituía um ato contra a natureza humana – o mesmo que tratar um homem racional como se fosse animal irracional. Para Locke, Deus não permitiu a superioridade de uns sobre os outros, ao contrário, deu-lhes igual Razão e entregou-lhes em comum todos os bens da natureza. 
Dessa forma, “todo homem tem uma propriedade em sua pessoa”, ou seja, o indivíduo é soberano de si mesmo, o que faz com que “O trabalho braçal aplicado a qualquer objeto que antes pertencia a todos torne esse objeto propriedade exclusiva”. Isto porque “embora as coisas da natureza sejam dadas a todos em comum, o homem, senhor de si próprio e proprietário de sua própria pessoa e de suas respectivas ações e trabalho, tem ainda em si mesmo o fundamento da propriedade”1 (Locke). Tem-se, assim, um outro ponto fundamental a ser trabalhando durante esta aula: a unidade conceitual entre o individualismo e a propriedade privada. 
A defesa dessa propriedade exclusiva evoca um dos pilares do liberalismo a ser estudado nesta disciplina: cada homem detém pela lei da razão o poder executivo de afastar qualquer tentativa de subjugação de sua pessoa ou de sua propriedade. Contudo, em certo momento os indivíduos entram em consenso de que seria mais cômodo entregar esse poder executivo a um ente criado unicamente para este fim, nascendo, assim, o Estado. De fato um Estado limitado única e exclusivamente à proteção da vida e da propriedade dos indivíduos. Isto é, os indivíduos concedem ao Estado um poder executivo para este fim específico; caso o Estado desvirtue ou viole os direitos naturais, deverá ser dissolvido e o poder retornar aos seus titulares – os indivíduos. Portanto, o único fundamento legítimo para o poder do Estado é o consenso dos indivíduos em lhe entregar o poder executivo para defender a liberdade e a propriedade. Em outras palavras, o fundamento do Estado é uma concessão da soberania individual em favor de uma comodidade na proteção da vida, da liberdade e das posses individuais. 
O pensamento de John Locke oferecerá a base para os principais fundamentos do liberalismo abordado durante o curso, quais sejam: o individualismo, os direitos 
1 Locke, John, Two treatises of civil government. London, Everyman’s Library, 1966, pp. 117-241. Tradução de Cid Knipell Moreira.
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naturais, o Estado limitado. Nesta análise devem ser observadas simultaneamente três dimensões: 
i) Uma dimensão ético-filosófica preocupada em justificar os atributos da natureza moral e racional do ser humano, tais como a liberdade, o individualismo e a tolerância. 
ii) Uma dimensão econômica, defensora da propriedade privada, da economia de mercado, do controle estatal mínimo, da livre iniciativa, etc. 
iii) Uma dimensão político-jurídica que contribui para a formação dos institutos do individualismo político, da representação política, da divisão dos poderes, da descentralização administrativa, da soberania popular, dos direitos individuais, da supremacia da constituição e do Estado de direito (Wolkmer). 
III 
. Individualismo e propriedade privada 
Este tópico visa abordar o individualismo como o conceito-chave do liberalismo. A natureza humana é apreendida a partir da seguinte premissa: “o indivíduo precede a sociedade”. Assim dito, para o liberalismo clássico o indivíduo encontra-se confinado em sua própria subjetividade, a qual, por sua própria natureza, é inviolável. Por isso, o primeiro direito natural do ser humano é a propriedade sobre si mesmo e sobre seu corpo – sobre os quais o único soberano é a razão do indivíduo, sendo ilegítimas e contra a natureza toda e qualquer coação. “Ninguém pode impor nada ao indivíduo”. 
Mais tarde, desse raciocínio deduzir-se-á que as extensões do corpo também são extensões da subjetividade do próprio indivíduo; portanto, será necessário estender a inviolabilidade do indivíduo também para a propriedade destes objetos. 
A partir destes fundamentos, correntes no século XIX, será avaliado o entendimento de que “o propósito do homem é sua própria auto-realização e seria pervertê- lo sacrificar-se pelos outros, muito menos por uma entidade fictícia chamada ‘sociedade’”. Nesse sentido H. Spencer, em “The man versus the state” (1884) discorrendo sobre os direitos naturais dos indivíduos sobre/contra o Estado enfatiza que “Promover os que não servem para nada à custa dos que servem para alguma coisa é uma extrema crueldade”. Em paralelo, Humboldt, em “Limits of the state action” recomenda que “O Estado deve abster-se de toda solicitude para o bem-estar dos cidadãos e não ir além do que é necessário para a proteção e segurança dos cidadãos contra os inimigos estrangeiros”. 
A partir de tais proposições, será discutido em que sentidos e implicações a liberdade da razão individual – única soberana legítima sobre o indivíduo – é a condição fundamental para a realização do homem, ao passo em que o Estado e toda forma de coerção sufocam-no.
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ideologias mundiais 
IV 
. 
EXER 
C 
Í 
CIO: PESQUISAR OS Princípios liberais no ordenamento jurídico brasileiro 
Pesquisar os direitos naturais e os contornos do Estado de direito liberais expostos na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 e na Declaração de Independência dos EUA de 1776 foram amplamente recepcionados, ao menos no plano formal positivo, nas constituições brasileiras. 
E 
xemplo da questão da propriedade para discussão em classe: 
“Medidas jurídicas a serem adotadas nos casos de risco de invasão, turbação da posse e invasão” 
(Orientações da União Democrática Ruralista) 
[referências aos arts. do Código Civil de 1916] 
R 
isco de Invasão 
Ocorre o risco de invasão, quando se detecta qualquer ameaça, movimentação de pessoas, veículos, acampamento nas proximidades da propriedade, etc. Nesse caso, o proprietário deverá ingressar com Ação de Interdito Proibitório com Pedido de Concessão de Liminar. Esse remédio jurídico tem amparo nos artigos 501 do Código Civil e Artigos 932 e 933 do Código de Processo Civil. 
T 
urbação da posse 
Dá-se a turbação da posse quando a propriedade é atingida por pessoas que manifestam o objetivo de causar prejuízo, etc., furtando bens, destruindo cercas, etc. Nessa hipótese, deverá o proprietário ingressar com Ação de Manutenção de Posse com Pedido de Concessão de Liminar. 
I 
nvasão 
Havendo a invasão propriamente dita, o proprietário após proceder as comunicações de praxe, poderá fazer uso do seu direito ao Desforço Privado e Imediato, previsto no artigo 502 do Código Civil, que assim estabelece: Art.502: O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se, ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo. 
Parágrafo único: Os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção ou restituição da posse. 
Não havendo a possibilidade jurídica do uso de tal prerrogativa, ou não sendo esta opção do proprietário, deverá então ingressar com Ação de Reintegração de Posse cumulada com Ação de Indenização por Perdas e Danos, com Pedido de Concessão Liminar, com respaldo no artigo 506 do Código Civil e artigos 926 a 931 do Código de Processo Civil.
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ideologias mundiais 
Medidas criminais 
É comum nas ações de invasões de propriedade a ocorrência de diversos crimes, os quais devem ser denunciados à autoridade policial mais próxima da propriedade. Dentre os crimes que mais comumente se constata, pode-se citar: 
E 
sbulho processório 
Pena: 1 a 6 meses de detenção e multa, mais a pena correspondente à violência (Código Penal, art.161, parágrafo 1º, alínea II) 
D 
ano 
Pena: 1 a 6 meses de detenção ou multa. (Código Penal, art.163) Se o crime de dano for cometido com violência a pessoa ou grave ameaça, a pena é de 6 meses a 3 anos, e multa, mais a pena correspondente à violência (Código Penal, art.163, parágrafo único) 
I 
ncitação ao crime 
Pena: detenção de 3 a 6 meses, ou multa. (Art. 286 do Código Penal) 
A 
pologia de crime ou criminoso 
Pena: detenção de 3 a 6 meses, ou multa (Art. 287 do Código Penal) 
Q 
uadrilha ou bando 
Pena: Reclusão de 1 a 3 anos. A pena é dobrada se a quadrilha ou bando é armado. (Art. 288 do Código Penal) 
I 
ncêndio 
Pena: 3 a 6 anos de reclusão (Art. 250 do Código Penal) 
B 
ibliografia Básica 
HOBBES, Thomas. O Leviatã. São Paulo: Martins Fontes, 2004. 
LOCKE, John. “O segundo tratado sobre o governo civil”. In Dois tratados sobre o governo. São Paulo: Martins Fontes, 1988. 
B 
ibliografia Complementar 
BOBBIO, Norberto. Locke e o Direito Natural. Brasília: Editora da UNB, 1997.
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A 
ula 7 e 8. Indivíduo, propriedade, liberdade e igualdade 
(continuação) 
Caso: Operações da polícia federal – escritórios de advocacia e caso Daslu 
As recentes operações da polícia federal em escritórios de advogados, a prisão da dona da butique Daslu e a conseqüente reação dos setores hegemônicos da sociedade. 
Princípios liberais: inviolabilidade, legalidade, igualdade. Análise dos seguintes textos: 
“Retrospectiva 2005 – Invasão de escritórios foi momento grave para advocacia” 
“Durante o ano de 2005, a Advocacia viveu um dos momentos mais graves de sua história, com a invasão dos escritórios de advogados, amparada em mandados judiciais genéricos, expedidos por alguns poucos juízes federais, que consideramos ilegais e contra os quais a classe lutou, mostrando uma união excepcional. Cerraram fileiras todas as entidades da Advocacia, OAB-SP, Aasp, Iasp e Cesa, as Seccionais da Ordem em todo o Brasil e o Conselho Federal da Ordem, desembargadores oriundos do Quinto Constitucional e cada advogado, individualmente. Todos unidos em torno do mesmo propósito: combater esse desrespeito à Constituição Federal e às prerrogativas profissionais. Nem nos tempos de chumbo do período militar éramos alvo de tamanha violência. Invadir escritórios de advocacia é mutilar o Estado Democrático de Direito. 
Uma diligência da PF, amparada em Mandado de Busca e Apreensão, no escritório da advocacia só seria admissível se o investigado fosse o próprio advogado e desde que existisse justa causa para essa diligência, preservando os arquivos e o sagrado sigilo entre advogado e cliente. Como essas premissas não foram observadas, essas diligências nada mais eram que invasões, amparadas em decisões genéricas, que contrariam a Constituição Federal. A OAB-SP representou contra os juízes federais na Procuradoria Geral da União, promoveu Ato de Desagravo aos colegas e de repúdio às invasões, esteve com o ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, e com a direção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região no sentido de fazer cessar tais invasões, além de ter tomado medidas judiciais e legislativas. As invasões de escritórios pararam no Estado e essa é uma vitória integralmente creditada à classe que, em São Paulo, soma mais de 250 mil profissionais inscritos.” 
Por Luiz Flávio Borges D´Urso 
(Revista Consultor Jurídico, 18 de dezembro de 2005) 
Célio Jacinto dos Santos – Delegado de Polícia Federal 
“É reconhecido pela comunidade jurídica o trabalho do Dr. Durso à frente da OAB/SP, assim como pelo ótimo relacionamento com os Delegados Federais, entretanto, o nobre presidente continua empregando a expressão ‘invasão de escritório’.
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O que não é sabido e divulgado pela grande mídia é que a maioria dos advogados presos nas diligências da PF, ainda continuam presos, exatamente porque não houve invasão de escritório, mas, devido ao profundo envolvimento desses cidadãos com a criminalidade econômica, senão os tribunais superiores já teriam colocado em liberdade os advogados que cometeram graves desvios. 
A OAB, assim como a imprensa e alguns setores com claros interesses no arrefecimento da atividade de apuração criminal da PF, está empregando processo de estigmatização, de acusação, também, é uma faceta da dominação pelo institucionalismo, onde algumas instituições (setores da OAB, do MPF, da imprensa etc.) se julgam donas da verdades e possuidoras de auréolas da divindade, e no caso específico, a PF seria de somenos importância ou carregada de vícios, partidária da ilegalidade e do arbítrio, com isso, tentam empreender uma dominação cultural. Hoje, os criminosos de colarinho branco e a criminalidade organizada, já não agem livremente, exatamente porque em algum momento um Policial Federal baterá em sua porta, para isso, basta oferecer meios, estrutura, liberdade de ação e certamente, a PF fará muito mais em 2006.” 
18/12/2005 – 17:45 
Disponível em http://conjur.estadao.com.br/static/text/35511,1 
Criminalidade de butique – alguns humanos têm mais direitos do que os outros 
Em 1940, Edwin H. Sutherland publicou um ensaio na American Sociological Review intitulado “White-Collar Criminality” no qual tratava de um tipo de criminalidade até então muito pouco discutida na criminologia: a criminalidade econômica, praticada por pessoas ocupantes de posições sociais de prestígio. A expressão “colarinho branco”, uma alusão às camisas usadas pelos empresários, tornou-se então a marca do diferencial de classe nas ciências penais. 
A recente prisão da dona da butique Daslu e a conseqüente reação dos setores hegemônicos da sociedade aos supostos excessos da polícia federal é a prova cabal de que há algo muito especial que difere a “white-collar criminality” ou, em uma tradução livre, a criminalidade de butique, da criminalidade genérica encontrada nas ruas das grandes metrópoles. 
Tomemos a nota oficial da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) sobre o caso: 
“A prisão antecipada, sem sentença, seja qual for sua natureza, só pode ter lugar para os infratores perigosos que ameaçam a ordem pública, que causam prejuízos irreparáveis à sociedade e à própria segurança dos processos judiciais.” 
A criminalidade de butique não é perigosa? Os criminosos ricos não ameaçam a ordem pública? A sonegação de impostos não causa prejuízos irreparáveis à sociedade? Os empresários não têm maior chance de fugir do Brasil e, com isso, ameaçar a segurança dos processos judiciais? 
Quem afinal a FIESP considera um criminoso perigoso? O ladrão de carteiras, de carros, de bancos? Quem é mais perigoso para a sociedade o ladrão ou o sonegador? Quem se apropria do dinheiro privado ou do dinheiro público?
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Segue a nota afirmando que: 
“O combate à criminalidade não pode prescindir do respeito ao Estado de Direito, sendo inadmissível que alguém possa ser preso, ou tenha sua residência, escritório ou empresa violados sem que a segurança de sua prévia culpa esteja evidenciada e que, pior ainda, seja essa prisão realizada de modo extravagante, com exibição de algemas, com publicidade afrontosa, como um espetáculo pirotécnico, expondo o cidadão à condenação pública, para todo o sempre.” 
Todos os dias favelas e barracos são invadidos pela polícia sem que “a segurança de prévia culpa” de quem quer que seja esteja evidenciada. Alguma vez a FIESP divulgou nota oficial sobre isso? Todos os dias ladrões e traficantes são presos, algemados e levados à delegacia onde são exibidos em cadeia nacional de televisão para alívio dos “homens de bem”. Isso nunca incomodou os empresários da FIESP? 
O que incomoda à FIESP e à maioria dos que levantaram suas vozes para defender os direitos da empresária não é propriamente o desrespeito aos direitos do acusado, mas a prisão de alguém de sua classe social. O que incomoda é saber que sonegação de impostos é crime e que, pelo desencadear dos fatos, muitos colegas podem acabar em situação semelhante. O que incomoda é a perda da imunidade penal de uma classe, representada simbolicamente por esta prisão. 
Enquanto a mídia se limitava a cobrir as ações policiais em favelas, reafirmando o estereótipo do pobre bandido, a FIESP nunca se indignou com a “pirotecnia” das reportagens. Bastou os colarinhos-brancos e as roupas de butique fazerem um breve desfile nas delegacias de polícia, para que novos paladinos dos direitos humanos pululassem pelo empresariado. 
A criminalidade de butique não incomoda aos ricos, pois não derrama sangue, não se esconde nos morros e, principalmente, não gera medo. Mesmo quando noticiada na imprensa, seus personagens não são marginais, bandidos ou muambeiros. São empresários; quase cidadãos de bem. A criminalidade de butique quase não é crime. 
Parafraseando Orwell: “todos têm direitos humanos, mas alguns humanos têm mais direitos do que outros.” 
Revista Consultor Jurídico, 15 de julho de 2005 
Por Tulio Lima Vianna. 
Disponível em http://conjur.estadao.com.br/static/text/36297,1 
S 
onegar é preciso? 
“Mercadorias importadas que não pagam impostos ao entrar no país têm um nome: muamba. A diferença das muambas vendidas na Daslu e as comercializadas pelos camelôs nas ruas de São Paulo é que as ‘dasluzetes’, como são chamadas as vendedoras da loja, não são perseguidas e espancadas pela polícia. Pelo contrário, servem à mais ‘fina’ elite do país. Daí a indignação dos políticos em Brasília ao tomarem conhecimento da detenção da proprietária da Daslu. 
O senador e presidente do PFL, Jorge Bornhausen, reagiu com extrema indignação. O ‘coronel’ e também cliente Antônio Carlos Magalhães foi mais longe e
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ideologias mundiais 
chegou a chorar ao falar por telefone com a contraventora presa. Diversos telejornais chegaram a criticar no ar o que chamaram de ‘abuso’ da polícia federal. A OAB e o presidente da Fiesp, o petista Paulo Skaf, também criticaram a ação da polícia, como se o crime fosse prender os bandidos, e não propriamente praticar o crime. 
Essa tremenda intranqüilidade da mídia, políticos e empresários encontra explicação na seguinte fala do presidente do PSDB, o senador Alberto Goldman: ‘Essa prisão pode gerar uma crise econômica. O empresário vai dizer: para que vou investir no Brasil se posso ser preso?’. Ou seja, empresário sonegar imposto é a regra. Impedir isso levaria, segundo essa lógica, o país a uma crise econômica. Esse escândalo explicitou de forma ainda mais aguda a institucionalização da corrupção não só entre os políticos, mas entre a burguesia brasileira.” 
Centro de Mídia Independente (http://www.midiaindependente.org/eo/ blue/2005/07/322934.shtml) 
P 
rerrogativas da advocacia – Câmara aprova projeto sobre inviolabilidade de escritório 
“A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (7/12) o Projeto de Lei 5.245/05, que reforça a garantia ao advogado da inviolabilidade de seu escritório e protege o sigilo de documentos de seus clientes. Como tramita em caráter conclusivo, a proposta segue agora para o Senado sem que precise passar pelo Plenário da Câmara. 
De autoria do deputado Michel Temer (PMDB-SP), o projeto foi apresentado em maio passado, no auge da polêmica das invasões de escritórios pela Polícia Federal. O relator, deputado Darci Coelho (PP-TO), emitiu parecer favorável ao texto, que modifica o Estatuto da Advocacia – Lei 8.906/94. 
A proposta limita as ordens de busca e apreensão em escritórios aos casos em que há indícios de crime praticado pelos próprios advogados. Pelo texto, o mandado tem de ser ‘específico e pormenorizado, a ser cumprido na presença de representante da OAB, sendo, em qualquer hipótese, resguardados os documentos, as mídias e os objetos pertencentes a clientes do advogado averiguado, bem como os demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes’. 
O dispositivo atende a uma das principais reclamações dos advogados, de que invasões de escritórios têm sido baseadas em mandados genéricos, que não especificam o objeto da busca. 
O projeto de lei também detalha o que são os instrumentos de trabalho dos advogados: ‘todo e qualquer bem móvel ou intelectual utilizado no exercício da advocacia, especialmente seus computadores, telefones, arquivos impressos ou digitais, bancos de dados, livros e anotações de qualquer espécie, bem como documentos, objetos e mídias de som ou imagem, recebidos de clientes ou de terceiros’. (www. conjur.com.br).
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ideologias mundiais 
I 
. A idéia de liberdade e de igualdade para o liberalismo e suas implicações 
A liberdade será analisada no curso como um dos conceitos fundamentais para o liberalismo, seja ela negativa (abstenção de ser molestado), seja ela positiva (necessidade de condições para o seu exercício). Para os liberais clássicos o homem é “livre” quando “livre de coação” sobre sua pessoa ou sobre sua propriedade. Sendo o fim último o pleno desenvolvimento individual, a coação surge como a imposição de uma razão sobre outra, isto é, contraria a natureza humana que é de ser igualmente livre e dotada de razão. 
Como é sabido, o liberalismo surge para a contestação do absolutismo, o que o leva a identificar o Estado como o principal violador dessa liberdade. Mas uma vez definido que o Estado é um “mal necessário”, será importante distinguir entre a repressão justificável e a repressão injustificável. Uma possível hipótese para discussão pode ser enunciada nos seguintes termos: entendendo que o Estado foi criado com a função única de proteger o exercício da liberdade individual, o exercício da liberdade de um indivíduo não pode se fazer às custas da liberdade dos outros. O que implica dizer que será justificável intervir na sociedade e sobre o indivíduo quando, para o exercício de sua liberdade, injustificadamente, coagiu/reprimiu a liberdade de outros indivíduos (VICENT, 1995:50-51). 
Um outro e fundamental aspecto da liberdade a ser abordado no curso consiste na reflexão a cerca da livre iniciativa econômica. A economia, segundo os pressupostos liberais, deve estar orientada para a satisfação dos interesses e para o desenvolvimento do indivíduo. Adam Smith, cujas idéias foram apropriadas pelos liberais, acreditava que havia um deísmo otimista controlando os eventos aleatórios do mercado – a mão invisível do mercado. Assim, a economia de livre mercado consistiria em um espaço regrado pelo próprio mercado no qual se sobressairiam os mais capacitados, os mais disciplinados. Essa ordem do livre mercado seria quebrada tão somente pela constituição de monopólios ou pela regulação estatal, os quais inviabilizariam a livre circulação dos agentes econômicos e restringiria a autonomia da vontade. 
Com base nos pressupostos da liberdade acima enunciados, contrários a qualquer tipo de coação sobre o indivíduo, surge a indagação, objeto de debate em sala de aula: a economia deve ser compreendida sem qualquer ente regulador ou repressor do livre desenvolvimento do indivíduo? Será abordada a premissa da “mão invisível do mercado”, que reitera a harmonia original do estado de natureza. Por outro lado, os monopólios e a regulação estatal consistem em atentados contra a natureza individual – liberdade de iniciativa e autonomia da vontade? 
Neste ponto, discutir-se-á o pressuposto operacional da liberdade econômica, a idéia de contrato, ou seja, a conjunção entre a livre iniciativa e autonomia da vontade. Assim, indivíduos, porque considerados iguais perante o ordenamento (igualdade formal), podem livremente expressar sua vontade (livre iniciativa) de se vincularem mutuamente segundo as regras formuladas pelas partes (autonomia da vontade). 
Destacar-se-á que as razões históricas do liberalismo explicam os contornos de sua teoria econômica: as revoluções burguesas lutaram basicamente contra os vínculos estamentais e os obstáculos de circulação comuns à época feudal.
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ideologias mundiais 
Será importante refletir acerca da famosa expressão absenteísta “laissez faire”, que não foi propriamente uma criação dos liberais; mesmo os mais ortodoxos advogavam que a intervenção do Estado seria necessária sempre que a liberdade de mercado estivesse ameaçada. Nessa linha, Keynes se tornou um dos principais economistas ao propor, em um momento de crise cíclica, a necessidade de supervisão do Estado na economia de mercado a fim de aumentar a eficácia do sistema capitalista por meio de um rol de medidas, dentre elas a redução do desemprego e da pobreza através de obras públicas, a distribuição de títulos de propriedades, o estímulo à poupança, tributação mínima, etc. – auxiliando, dessa forma, e temporariamente, o sistema capitalista a usar toda sua capacidade ociosa. 
II 
. 
Ju 
s 
tiça, individualidade e inviolabilidade 
Abordagem do debate liberal sobre o que prevalecia: a crença na soberania individual e na inviolabilidade de sua individualidade. Surge uma questão fundamental a ser refletida: 
Para a realização plena do homem bastava a não interferência do Estado ou de outrem na esfera privada do indivíduo? Se for o caso, a igualdade concebida pelos liberais foi uma igualdade abstrata e formal, ou seja, bastava a idéia da igualdade jurídica dos indivíduos para que cada qual, segundo suas capacidades e sua própria razão, buscasse a felicidade? Debate entre os alunos sobre a questão. 
Outro aspecto crucial a ser investigado durante a aula diz respeito aos critérios distributivistas. Tais critérios são vistos como um arbítrio do Estado contra a natureza das coisas na medida em que impunha uma razão de um homem sobre todos os demais? Spencer é mais enfático ao discorrer sobre a justiça, para ele “os incapazes, os ociosos e os fracos deveriam ser eliminados, pois poupá-los, distribuindo-lhes recursos é um paternalismo inoportuno e uma inversão do processo evolucionista” (apud VICENTE, 1995:52). Aqui será abordada a questão fundamental da influência neoliberalista para a conceituação de justiça distributiva. 
III 
. EXERCÍCIO: PESQUISAR OS Princípios liberais no ordenamento jurídico brasileiro 
B 
ibliografia básica 
LOCKE, John. “O segundo tratado sobre o governo civil”, In Dois tratados sobre o governo. São Paulo: Martins Fontes, 1988, pp 379-405. 
SARTORI, Giovanni. A Teoria da Democracia Revisitada, vol. 2. São Paulo: Editora Ática, 1994, pp 59-106.
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ideologias mundiais 
B 
ibliografia complementar 
ANDRIOLI, Antonio Inácio. A ideologia da “liberdade” liberal. Revista Espaço Acadêmico. Disponível em <www.espacoacademico.com.br>. 
VICENT, Andrew. Ideologias políticas modernas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995, pp. 33-64.
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A 
ula 9. Estado e democracia 
I 
. Liberalismo: uma doutrina do Estado limitado? 
Um primeiro aspecto é mostrar que as raízes da concepção de Estado liberais confundem-se com o movimento do constitucionalismo, uma vez que este elabora os princípios e mecanismos jurídicos que irão limitar a esfera do Estado para que suas ações estejam voltadas unicamente para a proteção da liberdade e da propriedade privada, conforme foi expresso no artigo 2º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789: “A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são: a liberdade, a prosperidade, a segurança e a resistência à opressão”. 
Assim posto, discutir-se-á como o Estado surge quando os indivíduos consentem em ceder parcela de sua soberania a um ente que terá como único fim lhes proteger contra os ataques à sua individualidade e à sua propriedade. Um aspecto fundamental a ser abordado é o ápice do processo laicizante do Estado: rompe- se, assim, com os fundamentos de soberania do Estado baseada no direito divino dos reis, passando-se a entender que todo fundamento de legitimidade do Estado encontra-se na sociedade. Aqui serão enfatizados os dois fundamentos do Estado liberal: o contrato social e a soberania popular. 
Comumente se diz que o liberalismo é uma doutrina do Estado limitado porque é um Estado com poderes limitados – Estado de direito – e com funções limitadas – Estado mínimo. No que toca à limitação de poderes, será avaliado como a proposta liberal delineia, contraposto ao Estado absoluto anterior, um Estado de direito submetido às leis gerais do país (como limite formal) e aos direitos naturais fundamentais constitucionalizados (como limite material). 
Para o funcionamento desse Estado de direito, avaliar-se-á como foram formulados os mecanismos constitucionais de tripartição e controles recíprocos entres os poderes. Assim sendo, o executivo é controlado pelo legislativo, cujos atos (leis) são monitorados por um poder jurisdicional independente dos outros dois poderes. Aqui será promovido o debate se de fato desta forma tenta-se afastar o arbítrio estatal sobre a liberdade individual. 
Ainda neste tópico será levada em consideração a limitação das funções – Estado mínimo –, os mecanismos de direito devem restringir a atuação do Estado às áreas que assim foram consentidas pela soberania popular, quais sejam, a proteção da vida, da liberdade e da propriedade – enfim, a proteção dos direitos individuais. Será que tudo o que for para além desses objetivos será considerado ilegítimo e causa para a dissolução do governo? 
Todavia, será avaliado se o Estado de direito e Estado mínimo conformam ou não uma unidade conceitual, conforme se pode constatar pela existência de modelos de Estado de direito que não sejam minimalistas (como, por exemplo, o Estado de bem-estar social) e de Estados mínimos que não sejam de direito (o Leviatã, de Hobbes).
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A propriedade, como visto, é compreendida como extensão do próprio corpo do indivíduo e, portanto, sua proteção é pré-requisito do desenvolvimento da pessoa. Por isso, discutir-se-á se é papel de uma sociedade liberal garantir a todos o acesso à propriedade e a proteção jurídica contra possíveis turbações. Importante destacar que garantir o acesso não quer dizer garantir o usufruto, uma vez que, para os liberais, os frutos dependem exclusivamente da capacidade do indivíduo. 
II 
. 
D 
emocracia liberal 
O padrão atual hegemônico da democracia liberal faz crer que haja uma interdependência essencial entre esses dois termos. Será analisado se por liberalismo pode-se compreender uma determinada concepção de Estado com poderes e funções limitados – contraposto, pois, aos modelos absolutistas e de bem-estar social. Por outro lado, por democracia há um entendimento que se trata de uma forma específica de governo em que o poder não está monopolizado por um monarca ou aristocracia. (Bobbio) 
Há fortes argumentos de que os governos democráticos, porque mais limitados e controlados, garantiriam mais os direitos naturais/fundamentais. Discutir-se-á se é por essa via que os liberais tendem a aceitar a democracia como uma forma de governo e passam a conceber os direitos políticos como uma extensão natural das liberdades individual e civil. 
Aproveitando-se do argumento que já era encontrado em Rousseau – de que a democracia direta somente se viabilizaria em um Estado de pequenas proporções, cujos cidadãos tivessem grande igualdade de condições e fortunas, costumes simples, sem nada de luxo –, os liberais concluem que a democracia representativa seria a única possível nos Estados nacionais modernos. Desse modo, os liberais passam a compreender que, não sendo possível a democracia direta, seria necessário eleger representantes para o exercício efetivo do poder. 
Com base em tais premissas, questionar-se-á se o modelo liberal converteu a democracia – que para os antigos significava “governo do povo” – em uma forma de governo em que o poder é delegado a um pequeno número de indivíduos de provada sabedoria que estariam em condições de avaliar e gerir os interesses de todos os cidadãos – isto é, converte democracia em oligarquia. 
Dessa forma, ainda como parte deste debate, será indagado se os liberais mantiveram suas desconfianças quanto a um governo popular e, por isso, tornaram-se férreos defensores do padrão representativo e do sufrágio restrito. 
Segundo o sentido dado por Rousseau, a vontade geral, de fato, não seria a soma das vontades individuais, mas, sim, um novo ente composto durante a deliberação democrática. Porém, bem se sabe, os representantes eleitos não se vinculam aos seus eleitores, mas, ao contrário, devem, teoricamente, expressar a vontade da nação. Assim, refletir-se-á se seria possível afirmar a criação de uma abstração chamada vontade geral, que seria administrada pelo Estado e pelos representantes eleitos e serviria de justificação dos atos da classe dirigente.
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ideologias mundiais 
Dessa conjunção entre liberalismo e democracia, discutir-se-á a construção de um novo padrão de igualdade mínimo necessário à democracia. 
Ainda neste tópico será abordado o surgimento da corrente do neoliberalismo, a doutrina política do liberalismo, compreendida apenas como um instrumental para se realizar o liberalismo econômico – livre mercado, livre iniciativa, intervenção mínima do Estado. 
III 
. EXERCÍCIOS: PESQUISAR OS PRINCÍPIOS liberais no ordenamento jurídico brasileiro 
B 
ibliografia básica 
BOBBIO, Norberto, Liberalismo e democracia. São Paulo: Editora Brasiliense, 7. ed, 2000. 
B 
ibliografia complementar 
DAHL, Robert. Poliarquia. São Paulo: Edusp, 1999. 
RAWLS, John, & HABERMAS, Jürgen, Debate sobre el Liberalismo Político. Buenos Aires: Paidos, 1998. 
SARTORI, Giovanni. A Teoria da Democracia Revisitada, vol. 2. São Paulo: Editora Ática, 1994, pp 34-58 e pp.145-184.
FGV DIREITO RIO 41 
ideologias mundiais 
A 
ula 10. Liberalismo no Brasil 
I 
. Questões para a discussão na perspectiva crítica da história 
Somente depois da Revolução de 1930 e com um novo arranjo político das elites é que foram reconhecidos os direitos sociais no Brasil. Discutir a máxima atribuída às nossas elites: “façamos a revolução antes que o povo a faça”. O reconhecimento de direitos sociais no período pós-1930 por governos populistas teriam a missão de acalmar as massas? 
Discutir o trecho de Florestan Fernandes que aponta como a causa da ineficiência revolucionária na América Latina o casamento de interesses das elites com os das classes médias que portavam alguns ideais revolucionários. 
“Excluindo-se Cuba, a experiência chilena e algumas manifestações verdadeiramente políticas da guerrilha, a América Latina foi o paraíso da contra-revolução (da contra-revolução mais elementar e odiosa, a que impede até a implantação de uma democracia-burguesa autêntica). (...) 
Os partidos que deveriam ser revolucionários (anarquistas, socialistas ou comunistas) devotaram-se à causa da consolidação da ordem, na esperança de que, dado o primeiro passo democrático, ter-se-ia uma situação histórica distinta. Em suma, bateram-se pela democracia-burguesa (...) 
O diagnóstico correto, embora terrível para todos nós, é que nunca fizemos o que deveríamos ter feito. Os “revolucionários” quiseram manter seus privilégios, ou os seus meio-privilégios, sintonizando-se com as elites no poder e com as classes dominantes. Formaram a sua ala radical, sempre pronta a esclarecer os donos do poder sobre o que certas reformas implicariam, para evitar uma aceleração da desagregação da ordem e os seus efeitos imprevisíveis... 
Não estou inventando. Voltamos as costas à organização da revolução e auxiliamos a contra-revolução, uns mais, outros menos, uns conscientemente, outros sem ter consciência disso. E a “massa” da esquerda tem os olhos fitos no desfrute das vantagens do status de classe média. O que ameaça esse status entra em conflito com o socialismo democrático”. 
(Florestan Fernandes. Apresentação. In: LÊNIN. Que fazer? SP: Hucitec, 1979) 
II 
. 
P 
rincípios liberais no Direito Brasileiro 
A 
nálise da adaptação das idéias liberais européias: 
I. A estrutura política patrimonialista-conservadora – importada pelos filhos da elite que se ilustravam na Europa. 
II. A estrutura econômica escravista e agrária, próprias do Brasil.
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Ideologias mundiais

  • 1. ideologias mundiais Autor: Bethânia Assy Pesquisador: Rafael Alves Alterações: Leandro Molhano Ribeiro ROTEIRO De CURSO 2010.1 6ª edição
  • 2. Sumário Ideologias Mundiais APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA........................................................................................................................................................3 AULAS.............................................................................................................................................................................................5 Unidade I – Ideologia...............................................................................................................7 Aula 1. O que é ideologia?..............................................................................................................7 Aula 2. Um mapa da ideologia......................................................................................................13 Aula 3. Aparatos ideológicos e seu funcionamento........................................................................15 Aula 4. Direito e ideologia no mundo contemporâneo..................................................................24 Unidade II – Liberalismo.......................................................................................................25 Aula 5 e 6. Indivíduo, propriedade, liberalismo e igualdade..........................................................25 Aula 7 e 8. Indivíduo, propriedade, liberdade e igualdade (continuação).......................................31 Aula 9. Estado e democracia..........................................................................................................38 Aula 10. Liberalismo no Brasil......................................................................................................41 Aula 11. Exercícios: reflexões, paralelos e ascendências do liberalismo no Direito..........................44 Unidade iii – Socialismo.......................................................................................................45 Aula 12. Origem e contextualização do socialismo........................................................................45 Aula 13. Socialismo, estado e natureza humana.............................................................................49 Aula 14. Socialismo e democracia.................................................................................................54 Aula 15. Tradição socialista e política de esquerda hoje..................................................................57 Aula 16. Exercícios: reflexões, paralelos e ascendências do socialismo no Direito...........................59 Aula 17. Terminologia e espectro..................................................................................................60 Aula 18. As experiências das colônicas anárquicas no Brasil...........................................................75 Unidade V – Nacionalismo.....................................................................................................76 Aula 19. Estado, nação e nacionalismo..........................................................................................76 Aula 20. Mobilização do discurso nacionalista: “nações sem estado”; “estado sem nações”; diversidade étno-cultural, tolerância e discriminação..............................................................84 Aula 21. Nacionalismo em um mundo globalizado.......................................................................90 Aula 22. Seminário.......................................................................................................................99 Unidade VI – Fascismo, nazismo e totalitarismo..................................................................100 Aula 23. Por dentro do movimento nazista.................................................................................100 Aula 24. Origens e fundamentos.................................................................................................101 Aula 25. Totalitarismo e “a vida nua”...........................................................................................108 Aula 26. Estado total...................................................................................................................115 Aula 27. Exercícios......................................................................................................................122
  • 3. 3 FGV DIREITO RIO ideo logias mundiais A PRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA 1. Objetivo Proporcionar um pensamento crítico-reflexivo das principais vertentes teóricas que têm orientado a relação entre indivíduo e sociedade ao longo da história moderna: Liberalismo, Socialismo, Anarquismo, Fascismo e Nacionalismo. Especificamente, abordam-se os desdobramentos históricos dessas principais matrizes ideológicas na configuração das instituições políticas no Brasil e sua relação com as temáticas fundamentais do direito brasileiro. 2. Metodologia Análise crítica de casos e eventos atuais, com ênfase na relidade brasileira; Discussão de textos teóricos; Seminários críticos-reflexivos; Aulas expositivas; Exame de documentos históricos; Análise de legislação; Oficinas; Filmes seguidos de debates. 3. Bibliografia A bibliografia do curso foi estruturada de forma temática, e não monográfica, contemplando o estudo crítico-reflexivo das matrizes ideológicas em seus aspectos histórico, conceitual e político, frente às transformações teóricas e dogmáticas do Direito. Privilegiou-se desenvolver no aluno a capacidade de, ao compreender conceitualmente as ideologias, necessariamente fazê-lo de forma a contextualizá-las em sua composição histórica e política, a partir de casos e eventos atuais. Estrutura: O curso está estruturado em VI unidades 4. A unidade I apresenta um panorama histórico-conceitual do que é ideologia. 5. As unidades II a VI traçam um panorama histórico-político das mais significativas ideologias: Liberalismo, Socialismo, Anarquismo, Fascismo e Nacionalismo. Serão analisadas, simultaneamente à abordagem de cada ideologia, suas respectivas influências às temáticas fundamentais do Direito. 6. Formas de Avaliação Participação em aula; prova escrita; seminários críticos, trabalhos, oficinas.
  • 4. FGV DIREITO RIO 4 ideologias mundiais 7. Atividade Complementar Filmes e Documentários.
  • 5. FGV DIREITO RIO 5 ideologias mundiais AULAS UNIDADE I: Ideologia 1. O que é ideologia? 2. Um mapa da ideologia 3. Aparatos ideológicos e seu funcionamento 4. Direito e ideologia no mundo contemporâneo – Exercícios UNIDADE II: Liberalismo 5 e 6. Indivíduo, Liberdade, Igualdade e Propriedade 7 e 8. Indivíduo, Liberdade, Igualdade e Propriedade (continuação) 9. Estado e Democracia 10. A ideologia liberal no Brasil 11. Liberalismo – Exercícios UNIDADE III: Socialismo 12. Origem e contextualização do socialismo 13. Socialismo, Estado e natureza humana 14. Socialismo e Democracia 15. Tradição Socialista e Política de Esquerda Hoje 16. Socialismo - Exercícios UNIDADE IV: Anarquismo 17. Terminologia e espectro 18. A experiência das colônias anárquicas no Brasil – Exercícios UNIDADE V: Nacionalismo 19. Estado, Nação e Nacionalismo 20. Mobilização do discurso nacionalista: “nações sem estado”; “estado sem nações”; diversidade étno-cultural, tolerância e discriminação 21. Nacionalismo em um mundo globalizado 22. Nacionalismo - Exercícios
  • 6. FGV DIREITO RIO 6 ideologias mundiais UNIDADE VI: Fascismo e Totalitarismo 23. Por dentro do movimento nazista 24. Origens e fundamentos 25. Totalitarismo e “a vida nua” 26. Estado Total 27. Fascismo – Totalitarismo – Exercícios
  • 7. FGV DIREITO RIO 7 ideologias mundiais UNIDADE I – IDEOLOGIA A ula 1. O que é ideologia? I déias do canário M achado de Assis “Um homem dado a estudos de ornitologia, por nome Macedo, referiu a alguns amigos um caso tão extraordinário que ninguém lhe deu crédito. Alguns chegam a supor que Macedo virou o juízo. Eis aqui o resumo da narração. No princípio do mês passado – disse ele –, indo por uma rua, sucedeu que um tílburi à disparada, quase me atirou ao chão. Escapei saltando para dentro de urna loja de belchior. Nem o estrépito do cavalo e do veículo, nem a minha entrada fez levantar o dono do negócio, que cochilava ao fundo, sentado numa cadeira de abrir. Era um frangalho de homem, barba cor de palha suja, a cabeça enfiada em um gorro esfarrapado, que provavelmente não achara comprador. Não se adivinhava nele nenhuma história, como podiam ter alguns dos objetos que vendia, nem se lhe sentia a tristeza austera e desenganada das vidas que foram vidas. A loja era escura, atulhada das cousas velhas, tortas, rotas, enxovalhadas, enferrujadas que de ordinário se acham em tais casas, tudo naquela meia desordem própria do negócio. Essa mistura, posto que banal, era interessante. Panelas sem tampa, tampas sem panela, botões, sapatos, fechaduras, uma saia preta, chapéus de palha e de pêlo, caixilhos, binóculos, meias casacas, um florete, um cão empalhado, um par de chinelas, luvas, vasos sem nome, dragonas, uma bolsa de veludo, dois cabides, um bodoque, um termômetro, cadeiras, um retrato litografado pelo finado Sisson, um gamão, duas máscaras de arame para o carnaval que há de vir, tudo isso e o mais que não vi ou não me ficou de memória, enchia a loja nas imediações da porta, encostado, pendurado ou exposto em caixas de vidro, igualmente velhas. Lá para dentro, havia outras cousas mais e muitas, e do mesmo aspecto, dominando os objetos grandes, cômodas, cadeiras, camas, uns por cima dos outros, perdidos na escuridão. Ia a sair, quando vi uma gaiola pendurada da porta. Tão velha como o resto, para ter o mesmo aspecto da desolação geral, faltava lhe estar vazia. Não estava vazia. Dentro pulava um canário. A cor, a animação e a graça do passarinho davam àquele amontoado de destroços uma nota de vida e de mocidade. Era o último passageiro de algum naufrágio, que ali foi parar íntegro e alegre como dantes. Logo que olhei para ele, entrou a saltar mais abaixo e acima, de poleiro em poleiro, como se quisesse dizer que no meio daquele cemitério brincava um raio de sol. Não atribuo essa imagem ao canário, senão porque falo a gente retórica; em verdade, ele não pensou em cemitério nem sol, segundo me disse depois. Eu, de envolta com o prazer que me trouxe aquela vista, senti-me indignado do destino do pássaro, e murmurei baixinho palavras de azedume.
  • 8. FGV DIREITO RIO 8 ideologias mundiais – Quem seria o dono execrável deste bichinho, que teve ânimo de se desfazer dele por alguns pares de níqueis? Ou que mão indiferente, não querendo guardar esse companheiro de dono defunto, o deu de graça a algum pequeno, que o vendeu para ir jogar uma quiniela? E o canário, quedando-se em cima do poleiro, trilou isto: – Quem quer que sejas tu, certamente não estás em teu juízo. Não tive dono execrável, nem fui dado a nenhum menino que me vendesse. São imaginações de pessoa doente; vai-te curar, amigo. – Como – interrompi eu, sem ter tempo de ficar espantado. Então o teu dono não te vendeu a esta casa? Não foi a miséria ou a ociosidade que te trouxe a este cemitério, como um raio de sol? – Não sei que seja sol nem cemitério. Se os canários que tens visto usam do primeiro desses nomes, tanto melhor, porque é bonito, mas estou vendo que confundes. – Perdão, mas tu não vieste para aqui à toa, sem ninguém, salvo se o teu dono foi sempre aquele homem que ali está sentado. – Que dono? Esse homem que aí está é meu criado, dá-me água e comida todos os dias, com tal regularidade que eu, se devesse pagar-lhe os serviços, não seria com pouco; mas os canários não pagam criados. Em verdade, se o mundo é propriedade dos canários, seria extravagante que eles pagassem o que está no mundo. Pasmado das respostas, não sabia que mais admirar, se a linguagem, se as idéias. A linguagem, posto me entrasse pelo ouvido como de gente, saía do bicho em trilos engraçados. Olhei em volta de mim, para verificar se estava acordado; a rua era a mesma, a loja era a mesma loja escura, triste e úmida. O canário, movendo a um lado e outro, esperava que eu lhe falasse. Perguntei-lhe então se tinha saudades do espaço azul e infinito. – Mas, caro homem, trilou o canário, que quer dizer espaço azul e infinito? – Mas, perdão, que pensas deste mundo? Que cousa é o mundo? O mundo, redargüiu o canário com certo ar de professor, o mundo é uma loja de belchior, com uma pequena gaiola de taquara, quadrilonga, pendente de um prego; o canário é senhor da gaiola que habita e da loja que o cerca. Fora daí, tudo é ilusão e mentira. Nisto acordou o velho, e veio a mim arrastando os pés. Perguntou-me se queria comprar o canário. Indaguei se o adquirira, como o resto dos objetos que vendia, e soube que sim, que o comprara a um barbeiro, acompanhado de uma coleção de navalhas. – As navalhas estão em muito bom uso, concluiu ele. – Quero só o canário. Paguei-lhe o preço, mandei comprar uma gaiola vasta, circular, de madeira e arame, pintada de branco, e ordenei que a pusessem na varanda da minha casa, donde o passarinho podia ver o jardim, o repuxo e um pouco do céu azul. Era meu intuito fazer um longo estudo do fenômeno, sem dizer nada a ninguém, até poder assombrar o século com a minha extraordinária descoberta. Comecei por alfabeto a língua do canário, por estudar-lhe a estrutura, as relações com a música,
  • 9. FGV DIREITO RIO 9 ideologias mundiais os sentimentos estéticos do bicho, as suas idéias e reminiscências. Feita essa análise filológica e psicológica, entrei propriamente na história dos canários, na origem deles, primeiros séculos, geologia e flora das ilhas Canárias, se ele tinha conhecimento da navegação, etc. Conversávamos longas horas, eu escrevendo as notas, ele esperando, saltando, trilando. Não tendo mais família que dois criados, ordenava lhes que não me interrompessem, ainda por motivo de alguma carta ou telegrama urgente, ou visita de importância. Sabendo ambos das minhas ocupações científicas, acharam natural a ordem, e não suspeitaram que o canário e eu nos entendíamos. Não é mister dizer que dormia pouco, acordava duas e três vezes por noite, passeava à toa, sentia me com febre. Afinal tornava ao trabalho, para reler, acrescentar, emendar. Retifiquei mais de uma observação – ou por havê-la entendido mal, ou porque ele não a tivesse expresso claramente. A definição do mundo foi uma delas. Três semanas depois da entrada do canário em minha casa, pedi-lhe que me repetisse a definição do mundo. – O mundo, respondeu ele, é um jardim assaz largo com repuxo no meio, flores e arbustos, alguma grama, ar claro e um pouco de azul por cima; o canário, dono do mundo, habita uma gaiola vasta, branca e circular, donde mira o resto. Tudo o mais é ilusão e mentira. Também a linguagem sofreu algumas retificações, e certas conclusões, que me tinham parecido simples, vi que eram temerárias. Não podia ainda escrever a memória que havia de mandar ao Museu Nacional, ao Instituto Histórico e às universidades alemãs, não porque faltasse matéria, mas para acumular primeiro todas as observações e ratificá-las. Nos últimos dias, não saía de casa, não respondia a cartas, não quis saber de amigos nem parentes. Todo eu era canário. De manhã, um dos criados tinha a seu cargo limpar a gaiola e pôr lhe água e comida. O passarinho não lhe dizia nada, como se soubesse que a esse homem faltava qualquer preparo científico. Também o serviço era o mais sumário do mundo; o criado não era amador de pássaros. Um sábado amanheci enfermo, a cabeça e a espinha doíam-me. O médico ordenou absoluto repouso; era excesso de estudo, não devia ler nem pensar, não devia saber sequer o que se passava na cidade e no mundo. Assim fiquei cinco dias; no sexto levantei-me, e só então soube que o canário, estando o criado a tratar dele, fugira da gaiola. O meu primeiro gesto foi para esganar o criado; a indignação sufocou-me, caí na cadeira, sem voz, tonto. O culpado defendeu-se, jurou que tivera cuidado, o passarinho é que fugira por astuto. – Mas não o procuraram? Procuramos, sim, senhor; a princípio trepou ao telhado, trepei também, ele fugiu, foi para uma árvore, depois escondeu-se não sei onde. Tenho indagado desde ontem, perguntei aos vizinhos, aos chacareiros, ninguém sabe nada. Padeci muito; felizmente, a fadiga estava passada, e com algumas horas pude sair à varanda e ao jardim. Nem sombra de canário. Indaguei, corri, anunciei, e nada. Tinha já recolhido as notas para compor a memória, ainda que truncada e incompleta, quando me sucedeu visitar um amigo, que ocupa uma das mais belas
  • 10. FGV DIREITO RIO 10 ideologias mundiais e grandes chácaras dos arrabaldes. Passeávamos nela antes de jantar, quando ouvi trilar esta pergunta: – Viva, Sr. Macedo, por onde tem andado que desapareceu? Era o canário; estava no galho de uma árvore. Imaginem como fiquei, e o que lhe disse. O meu amigo cuidou que eu estivesse doido; mas que me importavam cuidados de amigos? Falei ao canário com ternura, pedi-lhe que viesse continuar a conversação, naquele nosso mundo composto de um jardim e repuxo, varanda e gaiola branca e circular. – Que jardim? que repuxo? – O mundo, meu querido. – Que mundo? Tu não perdes os maus costumes de professor. O mundo, concluiu solenemente, é um espaço infinito e azul, com o sol por cima. Indignado, retorqui-lhe que, se eu lhe desse crédito, o mundo era tudo; até já fora uma loja de belchior. – De belchior? trilou ele às bandeiras despregadas. Mas há mesmo lojas de belchior?” Texto extraído do livro “O Alienista e outros contos”, Editora Moderna – São Paulo, 1995, pág. 73. D ebate sobre as idéias centrais do texto: Quais suas impressões do texto? I . O conceito de ideologia A história do termo “ideologia” é relativamente recente, datando de cerca de 200 anos e, portanto, coincidente com a nossa era contemporânea. Mais especificamente, o termo foi cunhado pelo pensador francês Antoine Destutt Tracy por volta de 1796. Seguindo a classificação de Andrew Vicent (1995), o estudo do conceito de ideologia pode ser dividido em quatro abordagens: a) ideologia como uma ciência empírica das idéias; b) como filiação a um republicanismo liberal secular; ou ainda; c) ideologia entendida pejorativamente como esterilidade intelectual; e d) ideologia como uma doutrina política em geral. a) O termo “ideologia” foi criado a partir das palavras gregas eidos+logos, ou seja, significando ciências das idéias. No bojo desse neologismo, Tracy revelava uma postura anticlerical e materialista, muito próprias da Revolução Francesa e do Iluminismo. O termo foi pensado para designar uma nova ciência, que tentava se afastar de qualquer parentesco com a metafísica e com a psicologia. Em outras palavras, pretendia-se criar uma ciência que estudasse a origem natural das idéias, suas causas de produção a partir das sensações. Para Tracy, “ideologia” seria a rainha das ciências, isto porque todas as outras ciências se utilizam necessariamente de idéias para a formulação do conhecimento. Assim, conhecendo o procedimento/lei que rege a produção das idéias seria possível compreender todas as ações humanas.
  • 11. FGV DIREITO RIO 11 ideologias mundiais b) Um segundo entendimento do significado de “ideologia” se explica pelo contexto histórico em que foi criado. Certos pensadores, associados ao ideário da Revolução Francesa, passaram a ser identificados como idéologues, ou seja, um grupo político de intelectuais ricos e liberais. c) Desta identificação pouco precisa de idéologues, os bonapartistas e restauradores franceses começaram a taxá-los de intelectuais estéreis, inaptos para a prática política e, mais, portadores de sentimentos perigosos contra o trono e o altar. d) Por fim, “ideologia”, desde a sua criação, semeou um significado pouco preciso de nomear qualquer doutrina política em geral. 2. A ideologia alemã O termo “ideologia” ganha projeção e repercussão com Marx e Engels. Em “Ideologia Alemã”, Marx rotula pejorativamente como portadores de uma “ideologia alemã” aqueles que interpretavam o mundo filosoficamente, mas que não demonstravam capacidade para transformá-lo. De certa forma, Marx segue o mesmo sentido dado à ideologia por Bonaparte e pelos restauradores, isto é, idéologues como metafísicos teóricos inaptos à prática política. Com Marx, o conceito ideologia passa a se referir a uma ineficácia prática combinada com a ilusão ou perda da realidade causada pela divisão social do trabalho. Na formulação marxista do materialismo histórico, os homens têm necessidade de subsistir, trabalhar, produzir; ao contrapasso que os intelectuais e religiosos para manterem seu status buscam proteção das classes dominantes e em troca oferecem-lhes justificativas intelectuais da ordem existente no sentido da permanência da dominação de uma classe sobre as demais. Assim, para Marx o trabalho dos intelectuais resume-se a criar ilusões, distorções da realidade; essa postura crítica está voltada à filosofia alemã de sua época (Kant, Fichte, Hegel) que privilegiaram a consciência como estruturante do mundo, o que contrariava o pensamento tanto dos materialistas, como Marx, como dos sensualistas, para os quais, inclusive Tracy, as condições materiais e as sensações é que constituem a consciência, o homem e o mundo. A conclusão em Marx torna o termo “ideologia” sinônimo de ilusão ou distorção da realidade, e o contrapõe à realidade prática e à ciência materialista, estas, sim, significantes de “verdade”. Partindo das reflexões de Marx, Gramsci, no início do século XX, aponta que a ideologia da classe dominante vulgariza-se no senso comum do cidadão médio. Sendo assim, o poder não é exercido necessariamente pela força física ou violência, mas, através da cooptação das massas pela internalização da concepção de mundo da classe dominante. Diante desse quadro, Gramsci propõe aos intelectuais engajados com a luta de classes a construção de uma ideologia “contra-hegemônica” à burguesia. 3. Escola do fim das ideologias Uma terceira fase na história do termo “ideologia” é chamada de “Escola do fim das ideologias”, fruto do pós-guerra e da guerra fria nos anos pós-1945. Esse debate
  • 12. FGV DIREITO RIO 12 ideologias mundiais foi produzido, de certa forma, como uma reação às recordações do uso político de ideologia como doutrina e sistema político totalitários – tais como o nazismo, o fascismo, o stalinismo e todas as outras formas de sofrimento dos tempos de guerra. Assim, a “Escola do fim das ideologias” identificou as “políticas ideológicas” como sendo a causa do sofrimento humano na primeira metade do século XX. Uma segunda perspectiva desse debate está associada ao momento de crescimento econômico e estabilidade dos regimes social-democratas, o que significou, para alguns pensadores, como o consenso, a convergência das metas políticas; isto é, pela primeira vez na era moderna havia sido alcançando um acordo básico sobre os valores e ações políticas. Assim, nesse contexto de paz, dispensam-se ideologias para justificar ou motivar a ação política. Ainda podemos associar a essa “Escola do fim das ideologias” uma suposta “idade heróica da sociologia”, vez que esta ciência buscava reforçar seu estatuto científico, buscando as bases de uma ciência social empírica liberta de valores, isenta de apelos emotivos das teorias políticas ideológicas. Observa-se, portanto, uma oposição, tal qual em Marx, entre ciência, portadora da verdade, e ideologia, estrutura teórica distorcida e falsa. No intuito de sepultar as ideologias, renova-se o sentido “sujo” de ideologia. 4. Ideologia e Ciência Na última etapa deste percurso histórico do termo ideologia, a contribuição de Thomas Khun acerca dos paradigmas científicos aplaina o caminho para se compreender que a ciência não é feita somente por adição e confirmação empírica, mas antes, a ciência é estruturada e dinamizada dentro de um paradigma científico que lhe propõe os instrumentos, as questões e as possíveis respostas. A concepção científica a partir de paradigmas implica uma circularidade teórica, isto é, a própria teoria determinará o caráter de realidade sobre o qual se debruçará. Entretanto, Khun indica que os paradigmas são periodicamente trocados ou transformados à medida que sua coerência interna e sua capacidade de oferecer respostas às suas próprias questões tornam-se insuficientes ou incongruentes. No mesmo esteio, a filosofia da linguagem entende que os conceitos não correspondem a coisas objetivamente, mas antes são criações que nos orientam no mundo. Dessa forma, “ideologia” aqui já não tem mais um significado “sujo”, antes, porém, “ideologia” é concebida como uma das formas de vida, parte do mundo e da ação. B ibliografia Básica MARX, Karl. A Ideologia Alemã. São Paulo: Martins Fontes, 2002. B ibliografia Complementar BOUDON, Raymond. A Ideologia: ou a origem das idéias recebidas. São Paulo: Editora Ática, 1989, pp. 25-46. VICENT, Andrew. Ideologias políticas modernas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995, pp. 13-26
  • 13. FGV DIREITO RIO 13 ideologias mundiais A ula 2. um mapa da ideologia I . Perspectiva crítica O pensador Slavoj Zizek nos aponta a sutil diferença entre o real e o espectro do real, bem ilustrada no texto de Machado de Assis. Se considerar que a realidade nunca é apreensível diretamente por “ela mesma”, mas somente através de seus símbolos incompletos, percebe-se que a realidade tem um aspecto de ficção, ou seja, o espectro do real (ideologia) é que dá corpo (representa, projeta) àquilo que se denomina de real, que nada mais é do que uma sobreestrutura simbolicamente estruturada (mundo discursivamente construído). Questão reflexiva: “Ideologias são corpos de conceitos, valores e símbolos que incorporam concepções da natureza humana e, assim, apontam o que é possível ou impossível aos homens realizar”. (Andrew Vicent) Nesse conceito, ideologia reivindica descrever o mundo e prescrever ações? Nessa mesma trilha, ideologia pode ser compreendida como um “mapa” que, tal qual os mapas geográficos, tem primordialmente duas funções: representar e orientar. Ou seja, a ideologia constitui uma grande metáfora que, tal qual os mapas, “são distorções reguladas da realidade, distorções organizadas de territórios que criam ilusões credíveis de correspondência” (Boaventura de Sousa Santos). Importante ter presente que os mapas representam a realidade – logo, não são a própria realidade; assim sendo, a ideologia, apesar de manter pontos de coincidência com o mundo, não é o mundo em si, mas, tão somente, uma dentre várias representações possíveis. Questão reflexiva: A segunda função de um mapa é a orientação. Nesse sentido, a ideologia, ao construir representações do mundo, serve para orientação de nossa ação sobre o mundo? Contudo, nem sempre será possível abordar as ideologias como constructos coerentes que de fato descrevam ou orientem a ação política, uma vez que as ideologias, como estruturas complexas de discurso, sempre apresentam misturas e sobreposições tanto no nível fundamental (justificativa) quanto no nível operante (funcionamento). B ibliografia Básica BOUDON, Raymond. A Ideologia: ou a origem das idéias recebidas. São Paulo: Editora Ática, 1989, pp. 71-89. MARX, Karl. A Ideologia Alemã. São Paulo: Martins Fontes, 2002. B ibliografia Complementar ARON. Raymond. O Ópio dos Intelectuais. Brasília: UNB, 1980. BELL, Daniel. O Fim da Ideologia. Brasília: UNB, 1980.
  • 14. FGV DIREITO RIO 14 ideologias mundiais GEERTZ, Clifford. “A Ideologia como sistema cultural”. In A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989. SARTORI, Giovanni. A Teoria da Democracia Revisitada. São Paulo: Editora Ática, 2004, pp.299-324.
  • 15. FGV DIREITO RIO 15 ideologias mundiais A ula 3. Aparatos ideológicos e seu funcionamento Caso: Ensino religioso nas escolas: Estado, igreja e ideologia L ei nº 3.459, de 14 de setembro de 2000, que dispõe sobre ensino religioso confessional nas escolas da rede pública de ensino do Estado do Rio de Janeiro. “O Governador do Estado do Rio de Janeiro, Faço saber que a Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1º – O Ensino Religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina obrigatória dos horários normais das escolas públicas, na Educação Básica, sendo disponível na forma confessional de acordo com as preferências manifestadas pelos responsáveis ou pelos próprios alunos a partir de 16 anos, inclusive, assegurado o respeito à diversidade cultural e religiosa do Rio de Janeiro, vedadas quaisquer formas de proselitismo. Parágrafo único – No ato da matrícula, os pais, ou responsáveis pelos alunos deverão expressar, se desejarem, que seus filhos ou tutelados freqüentem as aulas de Ensino Religioso. Art. 2º – Só poderão ministrar aulas de Ensino Religioso nas escolas oficiais, professores que atendam às seguintes condições: I – Que tenham registro no MEC, e de preferência que pertençam aos quadros do Magistério Público Estadual; II – tenham sido credenciados pela autoridade religiosa competente, que deverá exigir do professor, formação religiosa obtida em Instituição por ela mantida ou reconhecida. Art. 3º – Fica estabelecido que o conteúdo do ensino religioso é atribuição específica das diversas autoridades religiosas, cabendo ao Estado o dever de apoiá-lo integralmente. Art. 4º – A carga horária mínima da disciplina de Ensino Religioso será estabelecida pelo Conselho Estadual de Educação, dentro das 800 (oitocentas) horas-aulas anuais. Art. 5º – Fica autorizado o Poder Executivo a abrir concurso público específico para a disciplina de Ensino Religioso para suprir a carência de professores de Ensino Religioso para a regência de turmas na educação básica, especial, profissional e na reeducação, nas unidades escolares da Secretaria de Estado de Educação, de Ciência e Tecnologia e de Justiça, e demais órgãos a critério do Poder Executivo Estadual. Parágrafo Único – A remuneração dos professores concursados obedecerá aos mesmos padrões remuneratórios de pessoal do quadro permanente do Magistério Público Estadual. Art. 6º – Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.” Rio de Janeiro, 14 de setembro de 2000. Anthony Garotinho Governador
  • 16. FGV DIREITO RIO 16 ideologias mundiais D iálogo fecundo: Sancionada no Rio de Janeiro em setembro a lei estadual que faculta na rede pública de ensino o ensino religioso confessional “Por D. Filippo Santoro (bispo auxiliar do Rio de Janeiro) É um evento de grande importância a aprovação da Lei 3.459, “Sobre o Ensino Religioso Confessional nas Escolas da Rede Pública de Ensino do Estado do Rio de Janeiro”, concretizada em setembro passado pelo governador Anthony Garotinho, e tornando executivo um projeto-de-lei de autoria do deputado Carlos Dias. Os órgãos de imprensa registraram reação amplamente favorável à lei, dada a importância da religião na formação integral do aluno e a característica pluralista desta lei, que respeita os diferentes credos presentes na nossa sociedade. A lei recém-aprovada no Estado do Rio de Janeiro comporta novidades significativas em relação ao ensino religioso e supera várias incongruências da lei vigente em nível nacional (nº 9.475/77, que por sua vez, tinha mudado o artigo 33 da LDB). Em artigo publicado em O Globo, o cardeal D. Eugênio Sales identificava três pontos críticos desta lei nacional cuja solução era particularmente urgente. Em primeiro lugar, a lei atribui ao Estado, ou seja, aos “sistemas de ensino”, determinar os conteúdos do ensino religioso, ouvida uma “entidade civil constituída pelas diferentes denominações religiosas”. Dizia D. Eugenio: “Não é o Estado que ensina religião, ao menos em uma democracia”. Isso depende das instituições religiosas, de acordo com os interesses dos pais ou do próprio aluno. Em segundo lugar, obriga as denominações religiosas a formarem uma entidade civil, o que fere a Constituição, a qual, no artigo 5º, inciso XX, reza: “Ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”. O terceiro problema era a afirmação de que não se deve ensinar uma religião bem definida, mas apenas elementos de antropologia que analisem o fenômeno religioso. D. Eugênio afirmava que a religião “deve ser transmitida segundo o corpo doutrinário de cada confissão, por professores capacitados por essa missão e aprovados pela autoridade religiosa”. E concluía: “Assim se ajudará a desenvolver a personalidade do aluno segundo uma determinada visão do valor da vida e no respeito às outras”. A lei estadual recém-aprovada responde a essas exigências, e instaura um diálogo fecundo entre as denominações religiosas e os poderes do Estado. Os setores que se opõem à nova lei, aprovada na Assembléia Legislativa do Estado com 32 votos favoráveis e 16 contrários, querem voltar à situação anterior, sustentando um ensino religioso antropológico desligado de qualquer religião, com programas e professores escolhidos pelo Estado. Alega-se que a questão é a relação constitucional entre Igreja e Estado. Mas exatamente uma correta relação entre Igreja e Estado comporta que o Estado respeite cada entidade religiosa, e não se constitua como fonte de doutrinas religiosas e de sua transmissão às novas gerações. Se o ensino religioso fosse reduzido a puros elementos de antropologia, sob esse nome poderiam ser colocadas as coisas mais diversas e contrastantes, que acabariam confundindo ou mesmo desviando a religiosidade do aluno.
  • 17. FGV DIREITO RIO 17 ideologias mundiais Com efeito, um professor que fosse desligado de qualquer credo religioso, e não fosse autorizado por uma instituição religiosa, poderia ensinar, por exemplo, que a religião é ópio dos povos, alienação para perpetuar a opressão econômica, neurose coletiva, projeção infantil da libido, etc. Acusa-se a lei recém-aprovada de submeter a aprovação dos programas e dos professores à autoridade das respectivas confissões religiosas. Ora – citando um hipotético exemplo que envolve dois ilustres analistas do fenômeno religioso – Marx e Freud com certeza ganhariam um concurso público para o ensino religioso; mas, com pleno direito, as instituições religiosas negariam o mandato a quem tivesse o objetivo de destruir ou alterar uma determinada religião. Esse tipo de ensino religioso que se caracteriza com “confessional” nada tira à importância do ecumenismo e do diálogo inter-religioso que deve realizar-se nas formas e nas sedes próprias. No ensino religioso poderá ser apresentada toda a variedade das religiões, como também a análise do problema do ateísmo, mas isso é diferente da normativa que, por decisão do Parlamento, presume silenciar todos aqueles aspectos de uma religião que vão além do puro senso religioso. Os gravíssimos problemas que afetam a nossa sociedade, envolvendo menores no crime organizado, dependem, entre outros fatores, da falta de uma visão da vida que comporta a defesa da dignidade da nossa pessoa, dos outros e particularmente dos mais pobres. O ensino religioso oferece um sentido pleno à vida, e educa a dominar qualquer forma de violência, “assegurando o respeito à diversidade cultural e religiosa do Rio de Janeiro, vedadas quaisquer formas de proselitismo”, como afirma a lei recém-aprovada.” (Artigo extraído do jornal O Globo, edição de 3/11/2000) T rechos da entrevista com o Deputado Estadual Carlos Dias (PPB/RJ), autor da Lei 3.459/2000 que instituiu o ensino religioso confessional nas escolas públicas do Estado do Rio de Janeiro. “Pela sua lei, o ensino religioso passa a ser obrigatório? Dias: Não, é um direito da família. No momento da matrícula dos alunos, a escola tem obrigação de oferecer esta disciplina. O oferecimento é obrigatório, mas são os responsáveis pelas crianças quem decidem pela matrícula. No caso dos adolescentes, os maiores de 16 podem decidir sozinhos se querem o ensino religioso e qual o credo que desejam aprender. Qual o papel do Estado no provimento do ensino religioso, segundo a nova Lei? Dias: A obrigação do Estado é pagar os professores, que serão indicados pelas instituições religiosas, o material didático, a sala de aula, enfim, as condições necessárias para a realização das aulas. O que estamos fazendo é resgatar o direito da família de decidir sobre a educação dos seus filhos. Esse direito era garantido na Constituição, mas o discurso do Estado laico e totalmente responsável pela educação acabou retirando esse direito das famílias. O ensino religioso confessional será ministrado desde a alfabetização até o ensino complementar. É uma lei e quem não a cumprir sofrerá uma ação do Ministério Público.
  • 18. FGV DIREITO RIO 18 ideologias mundiais Como será feita a escolha dos professores? Dias: Os professores serão indicados pelas instituições religiosas, que deverão indicar também o conteúdo e o material didático a ser utilizado. O Estado poderá optar pela realização de um concurso público ou pela contratação simples. Como as entidades religiosas habilitarão os seus professores para ministrar as aulas? Dias: Foram credenciados três credos: Católicos, Judeus e Evangélicos. Os representantes desses credos deverão manifestar o desejo de oferecer as aulas, apresentar os professores e o material didático sobre a sua doutrina à Secretaria Estadual de Educação. No caso dos evangélicos, que têm várias denominações, caberá à Secretaria decidir sobre a habilitação, obedecendo aos critérios de formação dos professores, conteúdo doutrinal e material didático. As religiões tradicionais como o Judaísmo e o Catolicismo terão maior facilidade, uma vez que já possuem essa estrutura montada há anos. É o caso, por exemplo, da Mater Ecclesie. Teremos professores com liberdade de ensinar aquilo em que acreditam. A aprovação da Lei foi uma grande vitória para nós. Qual o papel da sociedade a partir de agora? Dias: O nosso papel é incentivar os pais que nós conhecemos, cujos filhos estudam em escolas públicas, para que matriculem os seus filhos no ensino religioso. É importante conscientizá-los sobre a importância do relacionamento com Deus para a realização plena da nossa humanidade. É preciso também que nos movimentemos enquanto Igreja para disponibilizar professores e toda a estrutura necessária a essa missão evangelizadora.” (Disponível em < http://www.cl.org.br/>) T rechos da entrevista como o Deputado Carlos Minc (PT/RJ), autor do projeto alternativo de ensino religioso de caráter histórico-antropológico que fora aprovado pela Assembléia Legislativa, porém vetado pelo governadora Rosinha Garotinho. ComCiência: “Quais foram as alterações propostas em relação à lei estadual 3459/00, de autoria do ex-deputado Carlos Dias? Minc: Na verdade, quando foi apresentado o projeto de lei do ex-deputado Carlos Dias, que implementava o ensino religioso confessional, isto é, por religião, fizemos emendas contrárias. Quando tal aberração foi aprovada, fizemos um projeto de lei alternativo para que o ensino religioso obedecesse à lei federal, sendo não confessional. Pelo nosso projeto, ele poderia ser ministrado por professores de quaisquer disciplinas, desde que devidamente capacitados. Certamente, professores formados em história, filosofia, sociologia poderiam dar noções de religião sob o enfoque antropológico. ComCiência: Na sua opinião, a instituição do ensino religioso nas escolas públicas fere o princípio do Estado laico? Minc: Fere. Além disso, o Estado tem que zelar pela legislação, defendendo o princípio da liberdade religiosa. Até por isso as escolas públicas não podem ensinar religião sob o enfoque confessional. ComCiência: Na sua opinião, as aulas de religião no ensino público, de modo geral, são necessárias?
  • 19. FGV DIREITO RIO 19 ideologias mundiais Minc: Não. Infelizmente, falta tanta coisa nas escolas públicas que não deveria ter sido dada tal prioridade ao assunto. Acredito que haja outros interesses por trás do ensino religioso confessional defendido pela Igreja Católica conservadora. ComCiência: Como o senhor vê a inclusão do criacionismo no currículo escolar? O senhor é partidário das críticas que apontam a incorporação do criacionismo na ementa do ensino religioso como estratégia para conseguir apoio político de lideranças religiosas? Minc: Trata-se de uma aberração legal e pedagógica. É claro que o oportunismo político ultrapassa fronteiras éticas e morais e pode se utilizar do atraso para conquistar apoio político de lideranças religiosas. ComCiência: O senhor acredita na teoria do evolucionismo? Minc: Não é questão de credo pessoal. Trata-se de ciência e, mesmo acreditando que até as “verdades” científicas são provisórias, o evolucionismo é a teoria na qual todos acreditamos. O absurdo atual é o ensino do criacionismo em escolas públicas, desautorizando a teoria evolucionista. É o caminho de volta à Idade Média, com o risco de se incentivar as crianças a queimar os livros de Darwin.” (Disponível em http://www.comciencia.br) ISER . Ensino Religioso no Estado do Rio de Janeiro. Apresentação “Iniciado o debate público, para além da disputa de credos e concepções sobre educação e sobre o papel da escola pública, foi muito revelador observar como se posicionaram as diferentes alternativas religiosas. Em outubro de 2000, participei na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro de uma Audiência Pública sobre Ensino Religioso promovida pelo ISER e pelo deputado Carlos Minc. Naquela ocasião vimos acontecer alianças pouco usuais no campo religioso brasileiro. Por um lado, o que não é novidade, católicos divergiram entre si: a favor do ensino religioso confessional, falou seu autor, o Deputado Carlos Dias, que se apresentou como católico convicto; contra falaram outros católicos: o deputado Padre Roque, do Paraná, e o deputado Chico Alencar, do Rio de Janeiro, considerado católico da ala progressista. Por outro lado, a favor da interconfessionalidade, em uma curiosa e circunstancial aliança estavam católicos de esquerda, evangélicos pentecostais, evangélicos históricos, espíritas kardecistas e representantes de religiões afro-brasileiras. Foi interessante observar que o Projeto alternativo apresentado pelo Deputado Carlos Minc, ele mesmo de origem judaica, foi apoiado na tribuna não só pelo padre católico e por um católico da ala progressista, mas também por deputados ligados à Igreja Universal do Reino de Deus, denominação esta que, no geral, tem se mostrado pouco afeita ao ecumenismo ou ao diálogo inter-religioso. A este peculiar arco de aliança, na platéia, se somaram mães de santo do Candomblé, espíritas, adeptos do Santo Daime, budistas e, ainda, outras alternativas religiosas que participam do MIR (Movimento Inter-Religioso). Seriam muitos os fatores que poderiam explicar tais posicionamentos. Para um lado, para parte dos protagonistas o que estava em jogo era a valorização da diversidade e da tolerância religiosa. Mas, por outro, havia ali uma também disputa
  • 20. FGV DIREITO RIO 20 ideologias mundiais de bens simbólicos, própria ao campo religioso. A defesa da lei alternativa passava por uma avaliação: o modelo confessional proposto favoreceria, sobretudo, a Igreja Católica. Isto não só porque o peso institucional da Igreja Católica no Brasil é indiscutível. Mas, também, porque a unidade e centralização hierárquica católica tornam esta Igreja mais adequada para a implantação do modelo confessional. Isto, em comparação com a dispersão e a grande diversidade presente entre os centros e terreiros das religiões mediúnicas, em comparação com a segmentação das inúmeras denominações evangélicas conhecidas como históricas, pentecostais e neo-pentecostais e, ainda, em comparação com a variedade pulverizada das novas alternativas religiosas.” E stado laico – Entidade quer suspender lei que institui ensino religioso A CNTE – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação – quer suspender os efeitos da lei estadual do Rio de Janeiro que prevê que o ensino religioso nas escolas públicas só pode ser ministrado por professores que tenham sido credenciados pela autoridade religiosa competente. A determinação está presente nos artigos 1º, 2º e 3º da Lei Estadual 3.450/00, que prevê também que o conteúdo do ensino religioso é atribuição específica das autoridades religiosas, cabendo ao estado o dever de apoiá-lo integralmente. Os dispositivos são questionados pela entidade em Ação Direta de Inconstitucionalidade, com pedido de liminar, impetrada no Supremo Tribunal Federal. Para a CNTE, esses artigos ferem a Constituição Federal na medida em que pretendem estabelecer diretrizes e bases para o ensino religioso diversas das constantes da Lei Federal 9394/96, que trata do assunto. Segundo o STF, a entidade alegou, ainda, que a lei fere o parágrafo 1º do artigo 19 da Constituição Federal, que veda ao Estado a manutenção de relações de dependência ou aliança com cultos religiosos. Cita também a afronta ao que dispõe o inciso VII, artigo 5º, no que é pertinente à inconstitucionalidade da privação de direitos por motivos de crença religiosa. ADI 3.268 Revista Consultor Jurídico, 3 de agosto de 2004 (http://conjur.estadao.com.br/static/text/28313,1) Qu estões • Quais elementos ideológicos poderiam ser apontados no debate pró-contra Ensino Religioso Confessional versus ensino religioso sob o enfoque antropológico? • Quais reproduções ideológicas estariam implícitas nos depoimentos? • Até que ponto a implementação da Lei 3.459 reproduz a naturalização de um processo que de fato implica o próprio mecanismo de funcionamento da ideologia?
  • 21. FGV DIREITO RIO 21 ideologias mundiais I . A reprodução da ideologia Para a exposição dos aparatos ideológicos do Estado serão avaliadas, inicialmente, duas teses (Louis Althusser): 1) a ideologia representa a relação imaginária dos indivíduos com as suas condições reais de existência, isto é, ideologia é compreendida como uma concepção de mundo, que, aliás, não corresponde à realidade, mas efetivamente se referencia nela – ou no dizer de Marx, se os homens criam uma representação alienada de suas condições de existência é porque essas condições de existência são, em si mesmas, alienantes; e 2) a ideologia tem uma existência material, possibilitada pela atuação dos Aparelhos Ideológicos de Estado que mediam as idéias até às práticas e atos concretos do cotidiano. Assim, o Estado apresentaria três dimensões, aqui abordadas: a) Poder Estatal; b) Aparelho de Estado; e c) Aparelho Ideológico de Estado. O Poder Estatal é, na teoria da revolução socialista, o objetivo da luta de classes para dominar os aparelhos do Estado burguês e convertê-los em aparelhos de um Estado proletário. Porém, num último estágio a revolução eliminará toda forma de Estado (seja burguês ou proletário) e inclusive o próprio Poder Estatal. O Aparelho de Estado – o que inclui o governo, o exército, os tribunais, os presídios, etc. – tem um caráter repressor, haja vista que sua atuação se dá, eminentemente, por meio do uso da violência. Apresenta uma natureza monolítica e como um bem público. Por tudo isso, mais apropriado seria denominá-lo de Aparelho Repressor de Estado. Em paralelo, os Aparelhos Ideológicos de Estado apresentam-se como poderes ou instituições privadas, sendo-lhes característicos a pluralidade de manifestações. Ao contrário do Aparelho Repressor de Estado, os Aparelhos Ideológicos de Estado atuam, essencialmente, por meio das práticas e da difusão ideológicas. Como exemplos dos Aparelhos Ideológicos de Estado têm-se os sistemas: religioso, escolar, familiar, jurídico, político, sindical, de informação, cultural, etc. Q uestão crítico-reflexiva Caberia, assim, ao Aparelho Repressor de Estado garantir pelo uso da força as condições de reprodução das relações de produção; ao passo em que cabe aos Aparelhos Ideológicos de Estado também garantir tal reprodução, contudo, pelo uso da ideologia? O Poder Estatal figura neste quadro teórico como o fundamento de legitimidade da repressão em favor do status quo dominante?
  • 22. FGV DIREITO RIO 22 ideologias mundiais II . O funcionamento da ideologia O filósofo Slavoj Zizek apresenta-nos a ideologia a partir de uma classificação tripartite: a) A ideologia em-si é um conjunto de idéias destinadas a nos convencer acerca de sua veracidade, mas, em verdade, serve a um interesse particular de poder não confessado. Por isso, é importante em nossa análise discernir, através das rupturas, lapsos, lacunas, a tendenciosidade (o projeto de poder) não declarada no texto oficial. Como por exemplo, discernir na “igualdade e liberdade” a igualdade e a liberdade dos parceiros nas trocas comerciais que, evidentemente, privilegiam o proprietário dos meios de produção e o livre mercado. O papel, pois, da ideologia é gerar uma rede de discursividade (constituição do mundo) em que os fatos falem por si, sejam auto-evidentes, isto é, sejam naturalizados. b) A ideologia para-si revela, na linha do pensamento de Althusser, a necessidade de reprodução por meio dos aparelhos especiais de Estado voltados para a materialização da ideologia no cotidiano que, como Foucault diria, disciplinam o sujeito nas microestruturas do poder. c) A ideologia em-si-e-para-si, ou seja, a ideologia refletida em si mesma obscurece uma rede de pressupostos e de atitudes quase-espontâneas que formam um momento irredutível da reprodução de práticas “não-ideológicas”, como por exemplo os atos comerciais, legais, políticos, sexuais, etc. Ou seja, a ideologia, suas manifestações concretas, suas instituições de reprodução apresentam-se no cotidiano como “naturais”, destituídas de história, destituídas de ideologia. Q uestões: • Um aspecto importante a ser considerado é que aquilo que se identifica como uma mera contingência do real, carente de sentido, banal, em verdade, consiste em um símbolo cujo sentido foi internalizado, naturalizado. Talvez essa percepção da ideologia leve ao seguinte paradoxo: será que a recusa a uma determinada posição “ideológica” leva inevitavelmente o sujeito à submissão ao seu duplo “não-ideológico”, o qual carrega os mesmos pressupostos do “ideológico”? (Zizek) • Esse alerta serve para destacar que uma ideologia não necessariamente é uma “falsa” representação da realidade ou dos fatos, mas, antes, é um modo como esse conteúdo (realidade, fatos) se apresenta em uma relação de dominação? Diz-se que algo é “ideológico” quando um determinado conteúdo torna-se funcionalmente não transparente para facilitar o exercício do poder? • Assim, pode-se conceituar ideologia como um complexo de idéias que adquirem materialidade por meio de instituições e aparatos de tal modo que se incorporem no cotidiano e se apresentem como se fossem espontâneas, auto-evidentes?
  • 23. FGV DIREITO RIO 23 ideologias mundiais Segundo Gramsci, uma classe é hegemônica não só porque detém a propriedade dos meios de produção e o poder do Estado, mas principalmente porque suas idéias e valores são dominantes, e são mantidos pelos dominados até mesmo quando lutam contra essa dominação. Na linha do pensamento marxista, Marilena Chauí indica três momentos fundamentais da ideologia que serão abordados neste tópico: i) a ideologia surge como um conjunto sistemático de idéias de uma classe em ascensão que aparece como representante de todos os não-dominantes, tornando-se uma universalidade legitimadora da luta da classe ascendente; ii) a ideologia se consolida como um senso comum a todos aqueles que não são dominantes; e iii) quando a transição se completa, as idéias – antes universais a todos os não-dominantes – são, agora, negadas pela nova realidade de dominação. Mas, ainda assim, as idéias permanecem “comuns” porque são apresentadas descoladas (emancipadas) da classe particular que as produziu segundo seus interesses. Por fim, vale lembrar Althusser quando explicita que toda ideologia tem uma estrutura especular, ou seja, atua como se fosse uma caixa de espelhos que se refletem reciprocamente. Isto é, em um primeiro momento do agir da ideologia os indivíduos são interpelados como sujeitos e, em seguida, submetidos a um Sujeito (relação de dominação). Nessa etapa, ocorre um triplo reconhecimento: i) um reconhecimento mútuo (identidade) entre os sujeitos e o Sujeito; ii) um reconhecimento mútuo entre dos sujeitos entre si; e, por último, iii) um reconhecimento de si mesmo pelo sujeito. No último estágio, a ideologia apresenta uma garantia absoluta de que tudo realmente é “de fato” assim mesmo (naturalização) e que, desde que os sujeitos reconheçam o que “são” (a imagem proposta pelo Sujeito) e que se comportem “conformemente”, tudo ficará bem, isto é, em boa ordem. B ibliografia básica ALTHUSSER, Louis. Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado (notas para uma investigação). In: ZIZEK, Slavoj (org). Um mapa da ideologia. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996. (pp. 105-142) B ibliografia complementar ARON, Raymond. O Ópio dos Intelectuais. Brasília: UNB, 1980. BELL, Daniel. O Fim da Ideologia. Brasília: UNB, 1980. BOUDON, Raymond. A Ideologia: ou a origem das idéias recebidas. São Paulo: Editora Ática, 1989, pp. 71-89. GEERTZ, Clifford. “A Ideologia como sistema cultural”. In A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989. SARTORI, Giovanni. A Teoria da Democracia Revisitada. São Paulo: Editora Ática, 2004, pp.299-324.
  • 24. FGV DIREITO RIO 24 ideologias mundiais A ula 4. Direito e ideologia no mundo contemporâneo I . Ideologia no mundo contemporâneo Considerando os subsídios teóricos de Althusser, Marilena Chauí expõe que: “Através do Estado, a classe dominante monta um aparelho de coerção e de repressão social que lhe permite exercer o poder sobre toda a sociedade, fazendo-a submeter-se às regras políticas. O grande instrumento do Estado é o Direito, isto é, o estabelecimento das leis que regulam as relações sociais em proveito dos dominantes. Através do Direito, o Estado aparece como legal, ou seja, como ‘Estado de direito’. O papel do direito ou das leis é o de fazer com que a dominação não seja tida como uma violência, mas como legal, e por ser legal e não violenta deve ser aceita. A lei é direito para o dominante e dever para o dominado. Ora, se o Estado e o Direito fossem percebidos nessa sua realidade real, isto é, como instrumento para o exercício consentido da violência, evidentemente ambos não seriam respeitados e os dominados se revoltariam. A função da ideologia consiste em impedir essa revolta fazendo com que o legal apareça para os homens como legítimo, isto é, como justo e bom. Assim, a ideologia substitui a realidade do Estado pela idéia de Estado – ou seja, a dominação de uma classe é substituída pela idéia de interesse geral encarnado pelo Estado. E substitui a realidade do Direito pela idéia do Direito – ou seja, a dominação de uma classe por meio das leis é substituída pela representação ou idéias dessas leis como legítimas, justas, boas e válidas para todos”. (Marilena Chauí. O que é ideologia? São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 90-91) B ibliografia Básica BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2007, pp. 03-24 (Capítulo I – O direito como regra de conduta). LYRA FILHO, Roberto, “Ideologias jurídicas.” In: O que é o direito? São Paulo: Editora Brasiliense, 1982, 17 ed., 2005, pp. 12-24. WOLKMER, Antônio Carlos. Ideologia, Estado e Direito. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. ________. Fundamentos da História do Direito. Belo Horizonte: Del Rey, 1996.
  • 25. FGV DIREITO RIO 25 ideologias mundiais UNIDADE II – LIBERALISMO A ula 5 e 6. indivíduo, Propriedade, liberalismo e igualdade Caso: História do Sonho Real: Caso da Reintegração de Posse de uma área ocupada por 4.000 famílias, localizada no Parque Oeste Industrial, Goiânia, em 2004 “Em maio de 2004, cerca de quatro mil famílias (14.000 pessoas) ocuparam – construíram casas e barracos – uma área de 89 hectares localizada no Parque Oeste Industrial, em Goiânia, abandonada há mais de 50 anos e utilizada, até então, para desova de carros e cadáveres. Apesar da inexistência de benfeitorias no local e do débito de cerca de dois milhões de reais em impostos à prefeitura, o judiciário local entendeu que ‘não houve desuso associado ao inadimplemento absoluto dos tributos capaz de induzir a presunção de abandono do imóvel ou de desnaturação de sua função social’, o que determinou em favor dos antigos proprietários a concessão de medida liminar para a desocupação do imóvel. Contudo, em ano eleitoral que era, os candidatos a prefeitos (Íris Resende e Sandes Junior) demonstraram publicamente apoio à ocupação e o governador (Marconi Perillo) prometeu não usar violência contra os posseiros, o que, de fato, retardou o cumprimento da ordem judicial. Porém, sob pressão dos proprietários e do setor imobiliário temeroso frente à organização dos sem-tetos, o governo do estado autorizou em fevereiro de 2005 a polícia militar a iniciar a operação ‘Inquietação’, que durante uma semana intimidou os moradores com sirenes, alertas durante a madrugada e bombas de efeito moral, para em seguida produzir o desfecho com a operação ‘Triunfo’, que obteve como saldo a desocupação total da área, mais 800 pessoas detidas, dezenas de feridos e dois mortos.” (http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2005/02/307174.shtml) A s noções e concepções de propriedade que estão em questão A partir deste caso, podemos identificar claramente um conflito entre os sem- tetos e os proprietários acerca do mesmo objeto – a gleba de terra localizada no Parque Oeste Industrial. Assim, pretendemos discutir os diferentes fundamentos que sustentam tais posições. Como apoio, selecionamos algumas opiniões. Vejamos: “A situação dos ocupantes é sim alarmante, porém não podemos deixar de lembrar que vivemos em um país regido por leis e estas devem ser respeitadas. Mesmo que os moradores da invasão necessitem dessa área para morar, a lei assegura a propriedade privada e, mesmo que nossa constituição não seja eficaz em todos os casos, deve ser aplicada.” (Diuds 16/02/2005 03:19, www.midiaindependente.org)
  • 26. FGV DIREITO RIO 26 ideologias mundiais “A vocês sensacionalistas... (...) Primeiramente é válido lembrar que bem ou mal eles devem desocupar a área, e se resistirem, a polícia tem o dever de agir com maior rigor, um policial foi ferido enquanto cumpria seu dever, e aí vem uma série de indivíduos Estúpidos (na minha opinião) apelando para os direitos humanos desses criminosos!!! Que absurdo!!! onde estão os direitos humanos do proprietário do imóvel invadido, que pagou pela propriedade, ou do policial ferido, que estava apenas cumprindo com o seu dever??? Eles invadiram, agora arquem com as conseqüências.” (Rafael 15/02/2005 22:04, www.midiaindependente.org) Qu estões • Por que o judiciário e a polícia têm o dever de proteger a defesa da propriedade? • O que impede os posseiros da ocupação da área tal qual ela ocorreu? • Em quais fundamentos se apóiam as opiniões? O que justifica a existência da propriedade privada? • Qual o fundamento para o direito pleiteado pelos proprietários? Qual o fundamento para a defesa da propriedade? • Qual o contexto histórico da noção de propriedade na formação do Estado moderno? • Qual a relação entre indivíduo e propriedade? I . Contextualização histórica do pensamento liberal O primeiro sentido que se deu ao termo “liberal” foi para se referir a um tipo específico de educação, abrangente e humanística, com largueza de espírito e tolerância – virtudes típicas do homem livre moderno. Mas ao lado desse, um segundo sentido associava, de forma pejorativa, os liberais à libertinagem, à licenciosidade sexual, ao desrespeito às normas morais e à tradição. O primeiro uso político do termo foi feito na Espanha nos anos de 1810 a 1820 para designar os liberales, que pregavam um reformismo radical, secular e republicano contrário aos interesses dos monarquistas. Contudo, foram a Revolução Gloriosa Inglesa, 1680, a Revolução Americana, 1776, o Iluminismo e a Revolução Francesa, 1789, que determinaram as características e a difusão do liberalismo. Um fator insigne a ser abordado é que a nova doutrina política foi construída a partir dos pilares da consolidação dos Estados nacionais e da expansão do modo de produção capitalista. E de modo a consolidar essa nova ordem, o movimento do constitucionalismo cuidou de inserir os ideais liberais em normas positivas superiores, isto é, inscrever direitos do homem e limites do Estado em Constituições escritas e rígidas. Desse modo, será avaliado de que maneira o liberalismo delineou-se como uma ideologia baseada na defesa e na promoção das liberdades e direitos individuais, na
  • 27. FGV DIREITO RIO 27 ideologias mundiais separação entre esfera pública e esfera privada, no contrato como expressão da vontade, na limitação dos governantes e, por fim, na soberania popular. II . A influência do pensamento de John Locke 2.1 – Contraponto intelectual: Thomas Hobbes 2.2 – John Locke como o principal pensador fundador do liberalismo. Dentre os principais aspectos destacar-se-á que, para Locke, originalmente os homens viviam livres e harmoniosamente em um estado de natureza guiados unicamente pela Razão. Ou seja, todos os homens eram igualmente livres porque livres uns dos outros, e iguais porque igualmente submetidos à superioridade de Deus e igualmente dotados de razão própria. A razão, portanto, como essência da natureza humana concedida por Deus era a única lei a que deviam se submeter os homens em estado de natureza. Nesse sentido, tentar colocar outrem sob o seu domínio constituía um ato contra a natureza humana – o mesmo que tratar um homem racional como se fosse animal irracional. Para Locke, Deus não permitiu a superioridade de uns sobre os outros, ao contrário, deu-lhes igual Razão e entregou-lhes em comum todos os bens da natureza. Dessa forma, “todo homem tem uma propriedade em sua pessoa”, ou seja, o indivíduo é soberano de si mesmo, o que faz com que “O trabalho braçal aplicado a qualquer objeto que antes pertencia a todos torne esse objeto propriedade exclusiva”. Isto porque “embora as coisas da natureza sejam dadas a todos em comum, o homem, senhor de si próprio e proprietário de sua própria pessoa e de suas respectivas ações e trabalho, tem ainda em si mesmo o fundamento da propriedade”1 (Locke). Tem-se, assim, um outro ponto fundamental a ser trabalhando durante esta aula: a unidade conceitual entre o individualismo e a propriedade privada. A defesa dessa propriedade exclusiva evoca um dos pilares do liberalismo a ser estudado nesta disciplina: cada homem detém pela lei da razão o poder executivo de afastar qualquer tentativa de subjugação de sua pessoa ou de sua propriedade. Contudo, em certo momento os indivíduos entram em consenso de que seria mais cômodo entregar esse poder executivo a um ente criado unicamente para este fim, nascendo, assim, o Estado. De fato um Estado limitado única e exclusivamente à proteção da vida e da propriedade dos indivíduos. Isto é, os indivíduos concedem ao Estado um poder executivo para este fim específico; caso o Estado desvirtue ou viole os direitos naturais, deverá ser dissolvido e o poder retornar aos seus titulares – os indivíduos. Portanto, o único fundamento legítimo para o poder do Estado é o consenso dos indivíduos em lhe entregar o poder executivo para defender a liberdade e a propriedade. Em outras palavras, o fundamento do Estado é uma concessão da soberania individual em favor de uma comodidade na proteção da vida, da liberdade e das posses individuais. O pensamento de John Locke oferecerá a base para os principais fundamentos do liberalismo abordado durante o curso, quais sejam: o individualismo, os direitos 1 Locke, John, Two treatises of civil government. London, Everyman’s Library, 1966, pp. 117-241. Tradução de Cid Knipell Moreira.
  • 28. FGV DIREITO RIO 28 ideologias mundiais naturais, o Estado limitado. Nesta análise devem ser observadas simultaneamente três dimensões: i) Uma dimensão ético-filosófica preocupada em justificar os atributos da natureza moral e racional do ser humano, tais como a liberdade, o individualismo e a tolerância. ii) Uma dimensão econômica, defensora da propriedade privada, da economia de mercado, do controle estatal mínimo, da livre iniciativa, etc. iii) Uma dimensão político-jurídica que contribui para a formação dos institutos do individualismo político, da representação política, da divisão dos poderes, da descentralização administrativa, da soberania popular, dos direitos individuais, da supremacia da constituição e do Estado de direito (Wolkmer). III . Individualismo e propriedade privada Este tópico visa abordar o individualismo como o conceito-chave do liberalismo. A natureza humana é apreendida a partir da seguinte premissa: “o indivíduo precede a sociedade”. Assim dito, para o liberalismo clássico o indivíduo encontra-se confinado em sua própria subjetividade, a qual, por sua própria natureza, é inviolável. Por isso, o primeiro direito natural do ser humano é a propriedade sobre si mesmo e sobre seu corpo – sobre os quais o único soberano é a razão do indivíduo, sendo ilegítimas e contra a natureza toda e qualquer coação. “Ninguém pode impor nada ao indivíduo”. Mais tarde, desse raciocínio deduzir-se-á que as extensões do corpo também são extensões da subjetividade do próprio indivíduo; portanto, será necessário estender a inviolabilidade do indivíduo também para a propriedade destes objetos. A partir destes fundamentos, correntes no século XIX, será avaliado o entendimento de que “o propósito do homem é sua própria auto-realização e seria pervertê- lo sacrificar-se pelos outros, muito menos por uma entidade fictícia chamada ‘sociedade’”. Nesse sentido H. Spencer, em “The man versus the state” (1884) discorrendo sobre os direitos naturais dos indivíduos sobre/contra o Estado enfatiza que “Promover os que não servem para nada à custa dos que servem para alguma coisa é uma extrema crueldade”. Em paralelo, Humboldt, em “Limits of the state action” recomenda que “O Estado deve abster-se de toda solicitude para o bem-estar dos cidadãos e não ir além do que é necessário para a proteção e segurança dos cidadãos contra os inimigos estrangeiros”. A partir de tais proposições, será discutido em que sentidos e implicações a liberdade da razão individual – única soberana legítima sobre o indivíduo – é a condição fundamental para a realização do homem, ao passo em que o Estado e toda forma de coerção sufocam-no.
  • 29. FGV DIREITO RIO 29 ideologias mundiais IV . EXER C Í CIO: PESQUISAR OS Princípios liberais no ordenamento jurídico brasileiro Pesquisar os direitos naturais e os contornos do Estado de direito liberais expostos na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 e na Declaração de Independência dos EUA de 1776 foram amplamente recepcionados, ao menos no plano formal positivo, nas constituições brasileiras. E xemplo da questão da propriedade para discussão em classe: “Medidas jurídicas a serem adotadas nos casos de risco de invasão, turbação da posse e invasão” (Orientações da União Democrática Ruralista) [referências aos arts. do Código Civil de 1916] R isco de Invasão Ocorre o risco de invasão, quando se detecta qualquer ameaça, movimentação de pessoas, veículos, acampamento nas proximidades da propriedade, etc. Nesse caso, o proprietário deverá ingressar com Ação de Interdito Proibitório com Pedido de Concessão de Liminar. Esse remédio jurídico tem amparo nos artigos 501 do Código Civil e Artigos 932 e 933 do Código de Processo Civil. T urbação da posse Dá-se a turbação da posse quando a propriedade é atingida por pessoas que manifestam o objetivo de causar prejuízo, etc., furtando bens, destruindo cercas, etc. Nessa hipótese, deverá o proprietário ingressar com Ação de Manutenção de Posse com Pedido de Concessão de Liminar. I nvasão Havendo a invasão propriamente dita, o proprietário após proceder as comunicações de praxe, poderá fazer uso do seu direito ao Desforço Privado e Imediato, previsto no artigo 502 do Código Civil, que assim estabelece: Art.502: O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se, ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo. Parágrafo único: Os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção ou restituição da posse. Não havendo a possibilidade jurídica do uso de tal prerrogativa, ou não sendo esta opção do proprietário, deverá então ingressar com Ação de Reintegração de Posse cumulada com Ação de Indenização por Perdas e Danos, com Pedido de Concessão Liminar, com respaldo no artigo 506 do Código Civil e artigos 926 a 931 do Código de Processo Civil.
  • 30. FGV DIREITO RIO 30 ideologias mundiais Medidas criminais É comum nas ações de invasões de propriedade a ocorrência de diversos crimes, os quais devem ser denunciados à autoridade policial mais próxima da propriedade. Dentre os crimes que mais comumente se constata, pode-se citar: E sbulho processório Pena: 1 a 6 meses de detenção e multa, mais a pena correspondente à violência (Código Penal, art.161, parágrafo 1º, alínea II) D ano Pena: 1 a 6 meses de detenção ou multa. (Código Penal, art.163) Se o crime de dano for cometido com violência a pessoa ou grave ameaça, a pena é de 6 meses a 3 anos, e multa, mais a pena correspondente à violência (Código Penal, art.163, parágrafo único) I ncitação ao crime Pena: detenção de 3 a 6 meses, ou multa. (Art. 286 do Código Penal) A pologia de crime ou criminoso Pena: detenção de 3 a 6 meses, ou multa (Art. 287 do Código Penal) Q uadrilha ou bando Pena: Reclusão de 1 a 3 anos. A pena é dobrada se a quadrilha ou bando é armado. (Art. 288 do Código Penal) I ncêndio Pena: 3 a 6 anos de reclusão (Art. 250 do Código Penal) B ibliografia Básica HOBBES, Thomas. O Leviatã. São Paulo: Martins Fontes, 2004. LOCKE, John. “O segundo tratado sobre o governo civil”. In Dois tratados sobre o governo. São Paulo: Martins Fontes, 1988. B ibliografia Complementar BOBBIO, Norberto. Locke e o Direito Natural. Brasília: Editora da UNB, 1997.
  • 31. FGV DIREITO RIO 31 ideologias mundiais A ula 7 e 8. Indivíduo, propriedade, liberdade e igualdade (continuação) Caso: Operações da polícia federal – escritórios de advocacia e caso Daslu As recentes operações da polícia federal em escritórios de advogados, a prisão da dona da butique Daslu e a conseqüente reação dos setores hegemônicos da sociedade. Princípios liberais: inviolabilidade, legalidade, igualdade. Análise dos seguintes textos: “Retrospectiva 2005 – Invasão de escritórios foi momento grave para advocacia” “Durante o ano de 2005, a Advocacia viveu um dos momentos mais graves de sua história, com a invasão dos escritórios de advogados, amparada em mandados judiciais genéricos, expedidos por alguns poucos juízes federais, que consideramos ilegais e contra os quais a classe lutou, mostrando uma união excepcional. Cerraram fileiras todas as entidades da Advocacia, OAB-SP, Aasp, Iasp e Cesa, as Seccionais da Ordem em todo o Brasil e o Conselho Federal da Ordem, desembargadores oriundos do Quinto Constitucional e cada advogado, individualmente. Todos unidos em torno do mesmo propósito: combater esse desrespeito à Constituição Federal e às prerrogativas profissionais. Nem nos tempos de chumbo do período militar éramos alvo de tamanha violência. Invadir escritórios de advocacia é mutilar o Estado Democrático de Direito. Uma diligência da PF, amparada em Mandado de Busca e Apreensão, no escritório da advocacia só seria admissível se o investigado fosse o próprio advogado e desde que existisse justa causa para essa diligência, preservando os arquivos e o sagrado sigilo entre advogado e cliente. Como essas premissas não foram observadas, essas diligências nada mais eram que invasões, amparadas em decisões genéricas, que contrariam a Constituição Federal. A OAB-SP representou contra os juízes federais na Procuradoria Geral da União, promoveu Ato de Desagravo aos colegas e de repúdio às invasões, esteve com o ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, e com a direção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região no sentido de fazer cessar tais invasões, além de ter tomado medidas judiciais e legislativas. As invasões de escritórios pararam no Estado e essa é uma vitória integralmente creditada à classe que, em São Paulo, soma mais de 250 mil profissionais inscritos.” Por Luiz Flávio Borges D´Urso (Revista Consultor Jurídico, 18 de dezembro de 2005) Célio Jacinto dos Santos – Delegado de Polícia Federal “É reconhecido pela comunidade jurídica o trabalho do Dr. Durso à frente da OAB/SP, assim como pelo ótimo relacionamento com os Delegados Federais, entretanto, o nobre presidente continua empregando a expressão ‘invasão de escritório’.
  • 32. FGV DIREITO RIO 32 ideologias mundiais O que não é sabido e divulgado pela grande mídia é que a maioria dos advogados presos nas diligências da PF, ainda continuam presos, exatamente porque não houve invasão de escritório, mas, devido ao profundo envolvimento desses cidadãos com a criminalidade econômica, senão os tribunais superiores já teriam colocado em liberdade os advogados que cometeram graves desvios. A OAB, assim como a imprensa e alguns setores com claros interesses no arrefecimento da atividade de apuração criminal da PF, está empregando processo de estigmatização, de acusação, também, é uma faceta da dominação pelo institucionalismo, onde algumas instituições (setores da OAB, do MPF, da imprensa etc.) se julgam donas da verdades e possuidoras de auréolas da divindade, e no caso específico, a PF seria de somenos importância ou carregada de vícios, partidária da ilegalidade e do arbítrio, com isso, tentam empreender uma dominação cultural. Hoje, os criminosos de colarinho branco e a criminalidade organizada, já não agem livremente, exatamente porque em algum momento um Policial Federal baterá em sua porta, para isso, basta oferecer meios, estrutura, liberdade de ação e certamente, a PF fará muito mais em 2006.” 18/12/2005 – 17:45 Disponível em http://conjur.estadao.com.br/static/text/35511,1 Criminalidade de butique – alguns humanos têm mais direitos do que os outros Em 1940, Edwin H. Sutherland publicou um ensaio na American Sociological Review intitulado “White-Collar Criminality” no qual tratava de um tipo de criminalidade até então muito pouco discutida na criminologia: a criminalidade econômica, praticada por pessoas ocupantes de posições sociais de prestígio. A expressão “colarinho branco”, uma alusão às camisas usadas pelos empresários, tornou-se então a marca do diferencial de classe nas ciências penais. A recente prisão da dona da butique Daslu e a conseqüente reação dos setores hegemônicos da sociedade aos supostos excessos da polícia federal é a prova cabal de que há algo muito especial que difere a “white-collar criminality” ou, em uma tradução livre, a criminalidade de butique, da criminalidade genérica encontrada nas ruas das grandes metrópoles. Tomemos a nota oficial da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) sobre o caso: “A prisão antecipada, sem sentença, seja qual for sua natureza, só pode ter lugar para os infratores perigosos que ameaçam a ordem pública, que causam prejuízos irreparáveis à sociedade e à própria segurança dos processos judiciais.” A criminalidade de butique não é perigosa? Os criminosos ricos não ameaçam a ordem pública? A sonegação de impostos não causa prejuízos irreparáveis à sociedade? Os empresários não têm maior chance de fugir do Brasil e, com isso, ameaçar a segurança dos processos judiciais? Quem afinal a FIESP considera um criminoso perigoso? O ladrão de carteiras, de carros, de bancos? Quem é mais perigoso para a sociedade o ladrão ou o sonegador? Quem se apropria do dinheiro privado ou do dinheiro público?
  • 33. FGV DIREITO RIO 33 ideologias mundiais Segue a nota afirmando que: “O combate à criminalidade não pode prescindir do respeito ao Estado de Direito, sendo inadmissível que alguém possa ser preso, ou tenha sua residência, escritório ou empresa violados sem que a segurança de sua prévia culpa esteja evidenciada e que, pior ainda, seja essa prisão realizada de modo extravagante, com exibição de algemas, com publicidade afrontosa, como um espetáculo pirotécnico, expondo o cidadão à condenação pública, para todo o sempre.” Todos os dias favelas e barracos são invadidos pela polícia sem que “a segurança de prévia culpa” de quem quer que seja esteja evidenciada. Alguma vez a FIESP divulgou nota oficial sobre isso? Todos os dias ladrões e traficantes são presos, algemados e levados à delegacia onde são exibidos em cadeia nacional de televisão para alívio dos “homens de bem”. Isso nunca incomodou os empresários da FIESP? O que incomoda à FIESP e à maioria dos que levantaram suas vozes para defender os direitos da empresária não é propriamente o desrespeito aos direitos do acusado, mas a prisão de alguém de sua classe social. O que incomoda é saber que sonegação de impostos é crime e que, pelo desencadear dos fatos, muitos colegas podem acabar em situação semelhante. O que incomoda é a perda da imunidade penal de uma classe, representada simbolicamente por esta prisão. Enquanto a mídia se limitava a cobrir as ações policiais em favelas, reafirmando o estereótipo do pobre bandido, a FIESP nunca se indignou com a “pirotecnia” das reportagens. Bastou os colarinhos-brancos e as roupas de butique fazerem um breve desfile nas delegacias de polícia, para que novos paladinos dos direitos humanos pululassem pelo empresariado. A criminalidade de butique não incomoda aos ricos, pois não derrama sangue, não se esconde nos morros e, principalmente, não gera medo. Mesmo quando noticiada na imprensa, seus personagens não são marginais, bandidos ou muambeiros. São empresários; quase cidadãos de bem. A criminalidade de butique quase não é crime. Parafraseando Orwell: “todos têm direitos humanos, mas alguns humanos têm mais direitos do que outros.” Revista Consultor Jurídico, 15 de julho de 2005 Por Tulio Lima Vianna. Disponível em http://conjur.estadao.com.br/static/text/36297,1 S onegar é preciso? “Mercadorias importadas que não pagam impostos ao entrar no país têm um nome: muamba. A diferença das muambas vendidas na Daslu e as comercializadas pelos camelôs nas ruas de São Paulo é que as ‘dasluzetes’, como são chamadas as vendedoras da loja, não são perseguidas e espancadas pela polícia. Pelo contrário, servem à mais ‘fina’ elite do país. Daí a indignação dos políticos em Brasília ao tomarem conhecimento da detenção da proprietária da Daslu. O senador e presidente do PFL, Jorge Bornhausen, reagiu com extrema indignação. O ‘coronel’ e também cliente Antônio Carlos Magalhães foi mais longe e
  • 34. FGV DIREITO RIO 34 ideologias mundiais chegou a chorar ao falar por telefone com a contraventora presa. Diversos telejornais chegaram a criticar no ar o que chamaram de ‘abuso’ da polícia federal. A OAB e o presidente da Fiesp, o petista Paulo Skaf, também criticaram a ação da polícia, como se o crime fosse prender os bandidos, e não propriamente praticar o crime. Essa tremenda intranqüilidade da mídia, políticos e empresários encontra explicação na seguinte fala do presidente do PSDB, o senador Alberto Goldman: ‘Essa prisão pode gerar uma crise econômica. O empresário vai dizer: para que vou investir no Brasil se posso ser preso?’. Ou seja, empresário sonegar imposto é a regra. Impedir isso levaria, segundo essa lógica, o país a uma crise econômica. Esse escândalo explicitou de forma ainda mais aguda a institucionalização da corrupção não só entre os políticos, mas entre a burguesia brasileira.” Centro de Mídia Independente (http://www.midiaindependente.org/eo/ blue/2005/07/322934.shtml) P rerrogativas da advocacia – Câmara aprova projeto sobre inviolabilidade de escritório “A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (7/12) o Projeto de Lei 5.245/05, que reforça a garantia ao advogado da inviolabilidade de seu escritório e protege o sigilo de documentos de seus clientes. Como tramita em caráter conclusivo, a proposta segue agora para o Senado sem que precise passar pelo Plenário da Câmara. De autoria do deputado Michel Temer (PMDB-SP), o projeto foi apresentado em maio passado, no auge da polêmica das invasões de escritórios pela Polícia Federal. O relator, deputado Darci Coelho (PP-TO), emitiu parecer favorável ao texto, que modifica o Estatuto da Advocacia – Lei 8.906/94. A proposta limita as ordens de busca e apreensão em escritórios aos casos em que há indícios de crime praticado pelos próprios advogados. Pelo texto, o mandado tem de ser ‘específico e pormenorizado, a ser cumprido na presença de representante da OAB, sendo, em qualquer hipótese, resguardados os documentos, as mídias e os objetos pertencentes a clientes do advogado averiguado, bem como os demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes’. O dispositivo atende a uma das principais reclamações dos advogados, de que invasões de escritórios têm sido baseadas em mandados genéricos, que não especificam o objeto da busca. O projeto de lei também detalha o que são os instrumentos de trabalho dos advogados: ‘todo e qualquer bem móvel ou intelectual utilizado no exercício da advocacia, especialmente seus computadores, telefones, arquivos impressos ou digitais, bancos de dados, livros e anotações de qualquer espécie, bem como documentos, objetos e mídias de som ou imagem, recebidos de clientes ou de terceiros’. (www. conjur.com.br).
  • 35. FGV DIREITO RIO 35 ideologias mundiais I . A idéia de liberdade e de igualdade para o liberalismo e suas implicações A liberdade será analisada no curso como um dos conceitos fundamentais para o liberalismo, seja ela negativa (abstenção de ser molestado), seja ela positiva (necessidade de condições para o seu exercício). Para os liberais clássicos o homem é “livre” quando “livre de coação” sobre sua pessoa ou sobre sua propriedade. Sendo o fim último o pleno desenvolvimento individual, a coação surge como a imposição de uma razão sobre outra, isto é, contraria a natureza humana que é de ser igualmente livre e dotada de razão. Como é sabido, o liberalismo surge para a contestação do absolutismo, o que o leva a identificar o Estado como o principal violador dessa liberdade. Mas uma vez definido que o Estado é um “mal necessário”, será importante distinguir entre a repressão justificável e a repressão injustificável. Uma possível hipótese para discussão pode ser enunciada nos seguintes termos: entendendo que o Estado foi criado com a função única de proteger o exercício da liberdade individual, o exercício da liberdade de um indivíduo não pode se fazer às custas da liberdade dos outros. O que implica dizer que será justificável intervir na sociedade e sobre o indivíduo quando, para o exercício de sua liberdade, injustificadamente, coagiu/reprimiu a liberdade de outros indivíduos (VICENT, 1995:50-51). Um outro e fundamental aspecto da liberdade a ser abordado no curso consiste na reflexão a cerca da livre iniciativa econômica. A economia, segundo os pressupostos liberais, deve estar orientada para a satisfação dos interesses e para o desenvolvimento do indivíduo. Adam Smith, cujas idéias foram apropriadas pelos liberais, acreditava que havia um deísmo otimista controlando os eventos aleatórios do mercado – a mão invisível do mercado. Assim, a economia de livre mercado consistiria em um espaço regrado pelo próprio mercado no qual se sobressairiam os mais capacitados, os mais disciplinados. Essa ordem do livre mercado seria quebrada tão somente pela constituição de monopólios ou pela regulação estatal, os quais inviabilizariam a livre circulação dos agentes econômicos e restringiria a autonomia da vontade. Com base nos pressupostos da liberdade acima enunciados, contrários a qualquer tipo de coação sobre o indivíduo, surge a indagação, objeto de debate em sala de aula: a economia deve ser compreendida sem qualquer ente regulador ou repressor do livre desenvolvimento do indivíduo? Será abordada a premissa da “mão invisível do mercado”, que reitera a harmonia original do estado de natureza. Por outro lado, os monopólios e a regulação estatal consistem em atentados contra a natureza individual – liberdade de iniciativa e autonomia da vontade? Neste ponto, discutir-se-á o pressuposto operacional da liberdade econômica, a idéia de contrato, ou seja, a conjunção entre a livre iniciativa e autonomia da vontade. Assim, indivíduos, porque considerados iguais perante o ordenamento (igualdade formal), podem livremente expressar sua vontade (livre iniciativa) de se vincularem mutuamente segundo as regras formuladas pelas partes (autonomia da vontade). Destacar-se-á que as razões históricas do liberalismo explicam os contornos de sua teoria econômica: as revoluções burguesas lutaram basicamente contra os vínculos estamentais e os obstáculos de circulação comuns à época feudal.
  • 36. FGV DIREITO RIO 36 ideologias mundiais Será importante refletir acerca da famosa expressão absenteísta “laissez faire”, que não foi propriamente uma criação dos liberais; mesmo os mais ortodoxos advogavam que a intervenção do Estado seria necessária sempre que a liberdade de mercado estivesse ameaçada. Nessa linha, Keynes se tornou um dos principais economistas ao propor, em um momento de crise cíclica, a necessidade de supervisão do Estado na economia de mercado a fim de aumentar a eficácia do sistema capitalista por meio de um rol de medidas, dentre elas a redução do desemprego e da pobreza através de obras públicas, a distribuição de títulos de propriedades, o estímulo à poupança, tributação mínima, etc. – auxiliando, dessa forma, e temporariamente, o sistema capitalista a usar toda sua capacidade ociosa. II . Ju s tiça, individualidade e inviolabilidade Abordagem do debate liberal sobre o que prevalecia: a crença na soberania individual e na inviolabilidade de sua individualidade. Surge uma questão fundamental a ser refletida: Para a realização plena do homem bastava a não interferência do Estado ou de outrem na esfera privada do indivíduo? Se for o caso, a igualdade concebida pelos liberais foi uma igualdade abstrata e formal, ou seja, bastava a idéia da igualdade jurídica dos indivíduos para que cada qual, segundo suas capacidades e sua própria razão, buscasse a felicidade? Debate entre os alunos sobre a questão. Outro aspecto crucial a ser investigado durante a aula diz respeito aos critérios distributivistas. Tais critérios são vistos como um arbítrio do Estado contra a natureza das coisas na medida em que impunha uma razão de um homem sobre todos os demais? Spencer é mais enfático ao discorrer sobre a justiça, para ele “os incapazes, os ociosos e os fracos deveriam ser eliminados, pois poupá-los, distribuindo-lhes recursos é um paternalismo inoportuno e uma inversão do processo evolucionista” (apud VICENTE, 1995:52). Aqui será abordada a questão fundamental da influência neoliberalista para a conceituação de justiça distributiva. III . EXERCÍCIO: PESQUISAR OS Princípios liberais no ordenamento jurídico brasileiro B ibliografia básica LOCKE, John. “O segundo tratado sobre o governo civil”, In Dois tratados sobre o governo. São Paulo: Martins Fontes, 1988, pp 379-405. SARTORI, Giovanni. A Teoria da Democracia Revisitada, vol. 2. São Paulo: Editora Ática, 1994, pp 59-106.
  • 37. FGV DIREITO RIO 37 ideologias mundiais B ibliografia complementar ANDRIOLI, Antonio Inácio. A ideologia da “liberdade” liberal. Revista Espaço Acadêmico. Disponível em <www.espacoacademico.com.br>. VICENT, Andrew. Ideologias políticas modernas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995, pp. 33-64.
  • 38. FGV DIREITO RIO 38 ideologias mundiais A ula 9. Estado e democracia I . Liberalismo: uma doutrina do Estado limitado? Um primeiro aspecto é mostrar que as raízes da concepção de Estado liberais confundem-se com o movimento do constitucionalismo, uma vez que este elabora os princípios e mecanismos jurídicos que irão limitar a esfera do Estado para que suas ações estejam voltadas unicamente para a proteção da liberdade e da propriedade privada, conforme foi expresso no artigo 2º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789: “A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são: a liberdade, a prosperidade, a segurança e a resistência à opressão”. Assim posto, discutir-se-á como o Estado surge quando os indivíduos consentem em ceder parcela de sua soberania a um ente que terá como único fim lhes proteger contra os ataques à sua individualidade e à sua propriedade. Um aspecto fundamental a ser abordado é o ápice do processo laicizante do Estado: rompe- se, assim, com os fundamentos de soberania do Estado baseada no direito divino dos reis, passando-se a entender que todo fundamento de legitimidade do Estado encontra-se na sociedade. Aqui serão enfatizados os dois fundamentos do Estado liberal: o contrato social e a soberania popular. Comumente se diz que o liberalismo é uma doutrina do Estado limitado porque é um Estado com poderes limitados – Estado de direito – e com funções limitadas – Estado mínimo. No que toca à limitação de poderes, será avaliado como a proposta liberal delineia, contraposto ao Estado absoluto anterior, um Estado de direito submetido às leis gerais do país (como limite formal) e aos direitos naturais fundamentais constitucionalizados (como limite material). Para o funcionamento desse Estado de direito, avaliar-se-á como foram formulados os mecanismos constitucionais de tripartição e controles recíprocos entres os poderes. Assim sendo, o executivo é controlado pelo legislativo, cujos atos (leis) são monitorados por um poder jurisdicional independente dos outros dois poderes. Aqui será promovido o debate se de fato desta forma tenta-se afastar o arbítrio estatal sobre a liberdade individual. Ainda neste tópico será levada em consideração a limitação das funções – Estado mínimo –, os mecanismos de direito devem restringir a atuação do Estado às áreas que assim foram consentidas pela soberania popular, quais sejam, a proteção da vida, da liberdade e da propriedade – enfim, a proteção dos direitos individuais. Será que tudo o que for para além desses objetivos será considerado ilegítimo e causa para a dissolução do governo? Todavia, será avaliado se o Estado de direito e Estado mínimo conformam ou não uma unidade conceitual, conforme se pode constatar pela existência de modelos de Estado de direito que não sejam minimalistas (como, por exemplo, o Estado de bem-estar social) e de Estados mínimos que não sejam de direito (o Leviatã, de Hobbes).
  • 39. FGV DIREITO RIO 39 ideologias mundiais A propriedade, como visto, é compreendida como extensão do próprio corpo do indivíduo e, portanto, sua proteção é pré-requisito do desenvolvimento da pessoa. Por isso, discutir-se-á se é papel de uma sociedade liberal garantir a todos o acesso à propriedade e a proteção jurídica contra possíveis turbações. Importante destacar que garantir o acesso não quer dizer garantir o usufruto, uma vez que, para os liberais, os frutos dependem exclusivamente da capacidade do indivíduo. II . D emocracia liberal O padrão atual hegemônico da democracia liberal faz crer que haja uma interdependência essencial entre esses dois termos. Será analisado se por liberalismo pode-se compreender uma determinada concepção de Estado com poderes e funções limitados – contraposto, pois, aos modelos absolutistas e de bem-estar social. Por outro lado, por democracia há um entendimento que se trata de uma forma específica de governo em que o poder não está monopolizado por um monarca ou aristocracia. (Bobbio) Há fortes argumentos de que os governos democráticos, porque mais limitados e controlados, garantiriam mais os direitos naturais/fundamentais. Discutir-se-á se é por essa via que os liberais tendem a aceitar a democracia como uma forma de governo e passam a conceber os direitos políticos como uma extensão natural das liberdades individual e civil. Aproveitando-se do argumento que já era encontrado em Rousseau – de que a democracia direta somente se viabilizaria em um Estado de pequenas proporções, cujos cidadãos tivessem grande igualdade de condições e fortunas, costumes simples, sem nada de luxo –, os liberais concluem que a democracia representativa seria a única possível nos Estados nacionais modernos. Desse modo, os liberais passam a compreender que, não sendo possível a democracia direta, seria necessário eleger representantes para o exercício efetivo do poder. Com base em tais premissas, questionar-se-á se o modelo liberal converteu a democracia – que para os antigos significava “governo do povo” – em uma forma de governo em que o poder é delegado a um pequeno número de indivíduos de provada sabedoria que estariam em condições de avaliar e gerir os interesses de todos os cidadãos – isto é, converte democracia em oligarquia. Dessa forma, ainda como parte deste debate, será indagado se os liberais mantiveram suas desconfianças quanto a um governo popular e, por isso, tornaram-se férreos defensores do padrão representativo e do sufrágio restrito. Segundo o sentido dado por Rousseau, a vontade geral, de fato, não seria a soma das vontades individuais, mas, sim, um novo ente composto durante a deliberação democrática. Porém, bem se sabe, os representantes eleitos não se vinculam aos seus eleitores, mas, ao contrário, devem, teoricamente, expressar a vontade da nação. Assim, refletir-se-á se seria possível afirmar a criação de uma abstração chamada vontade geral, que seria administrada pelo Estado e pelos representantes eleitos e serviria de justificação dos atos da classe dirigente.
  • 40. FGV DIREITO RIO 40 ideologias mundiais Dessa conjunção entre liberalismo e democracia, discutir-se-á a construção de um novo padrão de igualdade mínimo necessário à democracia. Ainda neste tópico será abordado o surgimento da corrente do neoliberalismo, a doutrina política do liberalismo, compreendida apenas como um instrumental para se realizar o liberalismo econômico – livre mercado, livre iniciativa, intervenção mínima do Estado. III . EXERCÍCIOS: PESQUISAR OS PRINCÍPIOS liberais no ordenamento jurídico brasileiro B ibliografia básica BOBBIO, Norberto, Liberalismo e democracia. São Paulo: Editora Brasiliense, 7. ed, 2000. B ibliografia complementar DAHL, Robert. Poliarquia. São Paulo: Edusp, 1999. RAWLS, John, & HABERMAS, Jürgen, Debate sobre el Liberalismo Político. Buenos Aires: Paidos, 1998. SARTORI, Giovanni. A Teoria da Democracia Revisitada, vol. 2. São Paulo: Editora Ática, 1994, pp 34-58 e pp.145-184.
  • 41. FGV DIREITO RIO 41 ideologias mundiais A ula 10. Liberalismo no Brasil I . Questões para a discussão na perspectiva crítica da história Somente depois da Revolução de 1930 e com um novo arranjo político das elites é que foram reconhecidos os direitos sociais no Brasil. Discutir a máxima atribuída às nossas elites: “façamos a revolução antes que o povo a faça”. O reconhecimento de direitos sociais no período pós-1930 por governos populistas teriam a missão de acalmar as massas? Discutir o trecho de Florestan Fernandes que aponta como a causa da ineficiência revolucionária na América Latina o casamento de interesses das elites com os das classes médias que portavam alguns ideais revolucionários. “Excluindo-se Cuba, a experiência chilena e algumas manifestações verdadeiramente políticas da guerrilha, a América Latina foi o paraíso da contra-revolução (da contra-revolução mais elementar e odiosa, a que impede até a implantação de uma democracia-burguesa autêntica). (...) Os partidos que deveriam ser revolucionários (anarquistas, socialistas ou comunistas) devotaram-se à causa da consolidação da ordem, na esperança de que, dado o primeiro passo democrático, ter-se-ia uma situação histórica distinta. Em suma, bateram-se pela democracia-burguesa (...) O diagnóstico correto, embora terrível para todos nós, é que nunca fizemos o que deveríamos ter feito. Os “revolucionários” quiseram manter seus privilégios, ou os seus meio-privilégios, sintonizando-se com as elites no poder e com as classes dominantes. Formaram a sua ala radical, sempre pronta a esclarecer os donos do poder sobre o que certas reformas implicariam, para evitar uma aceleração da desagregação da ordem e os seus efeitos imprevisíveis... Não estou inventando. Voltamos as costas à organização da revolução e auxiliamos a contra-revolução, uns mais, outros menos, uns conscientemente, outros sem ter consciência disso. E a “massa” da esquerda tem os olhos fitos no desfrute das vantagens do status de classe média. O que ameaça esse status entra em conflito com o socialismo democrático”. (Florestan Fernandes. Apresentação. In: LÊNIN. Que fazer? SP: Hucitec, 1979) II . P rincípios liberais no Direito Brasileiro A nálise da adaptação das idéias liberais européias: I. A estrutura política patrimonialista-conservadora – importada pelos filhos da elite que se ilustravam na Europa. II. A estrutura econômica escravista e agrária, próprias do Brasil.