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Odilon Roble
Escola e Sociedade
IESDE BRASIL S/A
Curitiba
2016
2.ª edição
© 2008 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor
dos direitos autorais.
Capa: IESDE BRASIL S/A.
Imagem da capa: IESDE BRASIL S/A.
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SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
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R557e
2. ed.
Roble, Odilon
Escola e sociedade / Odilon Roble. - 2. ed. - Curitiba, PR : IESDE BRASIL S/A,
2016.
94 p. : il. ; 21 cm.
ISBN 978-85-387-6181-5
1. Interação social. 2. Cultura. 3. Relações humanas e cultura. 4. Educação - Aspec-
tos sociais I. Título.
16-34098	 CDD: 370.9
	 CDU: 37
__________________________________________________________________________________
Sumário
Introdução ao conceito de sociedade e de vida coletiva.......................................................7
Estabelecimento da vida social.................................................................................................................7
Redes de sociabilidade..............................................................................................................................8
Teorias sobre a sociedade: breve mapeamento.........................................................................................9
Escola e pensamento social...................................................................................................17
Educação grega: paideia...........................................................................................................................17
Idade Média: educação cristianizada........................................................................................................19
Renascimento e educação: todos somos iguais........................................................................................19
Modernidade e discurso............................................................................................................................21
Teorias educacionais, sociedade e escola..............................................................................29
Teorias sociais X teorias educacionais.....................................................................................................29
Teorias educacionais críticas....................................................................................................................33
Passos para uma teoria crítica da educação..............................................................................................36
O conhecimento e suas relações sociais................................................................................41
Educação e autonomia..............................................................................................................................41
Educação e temas sociais contemporâneos...........................................................................51
Meio ambiente..........................................................................................................................................51
Drogas.......................................................................................................................................................53
Sexualidade...............................................................................................................................................54
Saúde.........................................................................................................................................................55
Trabalho....................................................................................................................................................56
A escola e seu entorno...........................................................................................................61
Administração escolar..............................................................................................................................61
Relações entre a escola e a comunidade...................................................................................................64
Violência e educação.............................................................................................................69
Violência social e violência escolar: o contrato social de Hobbes...........................................................69
Estabelecendo um contrato social na sala de aula....................................................................................72
Indisciplina e educação.........................................................................................................79
Reflexão primeira......................................................................................................................................79
Concepção do erro pela escola.................................................................................................................80
Erro e indisciplina.....................................................................................................................................80
Empowerment...........................................................................................................................................82
Arquitetura escolar e indisciplina.............................................................................................................83
Referências ...........................................................................................................................89
Apresentação
N
o meu bairro existe uma escola, e é bem possível que no seu também exista. Estamos acostu-
mados a passar em frente delas, a sabermos que muitos de nossos vizinhos estudam lá e até
mesmo alguns de seus funcionários e professores são moradores próximos. Mas, para além
dessas constatações óbvias, podemos ainda pensar: Qual é o contato real entre escola e bairro? Como
a vida social das pessoas interfere e é interferida pela instituição escolar? Enfim, quais relações po-
demos traçar entre escola e sociedade?
Para respondermos a essas perguntas temos de pensar na educação, porque tal instância não
é um produto mecânico de métodos e fórmulas de ensino, ela tem um processo, uma razão de ser,
ou seja, uma história. Essa história, como veremos, está profundamente ligada ao que se passa na
sociedade. De fato, educação e sociedade são parceiras de um conjunto de significados em comum.
Isso nos mostra como é impossível pensar a sociedade sem levarmos em consideração a educação e
vice-versa.
É com essa certeza que estudaremos a escola e a sociedade partindo de uma constatação pri-
mordial: a natureza do homem é viver coletivamente. Por um lado, essa vida coletiva é algo, difícil,
mas por outro, é recompensador. Na escola também vivemos coletivamente, e sabemos que isso nos
oferece muitas alegrias e também dificuldades. Temas como violência, drogas, sexualidade, trabalho,
indisciplina, preconceito e intolerância, entre outros, emergem dessa convivência e, por isso, devem
ser objetos de estudo e capacitação docente. Refletiremos sobre esses temas e pensaremos em algu-
mas linhas de atuação.
Quando pensamos nessa relação entre escola e sociedade também devemos nos perguntar por
que estamos preocupados com isso qual é nossa participação nesse contexto. Talvez muitos de vocês
trabalham ou irão em escolas. Paralelamente, todos nós vivemos em comunidades, cidades, bairros.
Como é que vamos conciliar nossos saberes e nossas experiências nesses dois espaços diferentes de
nossas vidas? Há integração entre essas esferas de nossa experiência? Podemos transpor saberes de
um local para outro? Tais perguntas exigem que nós saibamos articular conhecimentos sociais e pe-
dagógicos. Mais que isso, assim como nós, os alunos também possuem experiências sociais comple-
mentares às escolares e, certamente, as carregarão para a vida na escola, exigindo de nós a capacidade
para lidar com suas expectativas, desejos, conhecimentos e personalidades. Devemos conhecer o
entorno da escola e construir diálogos, compreender a vida social que nos cerca e que de fato compõe
o que somos.
Essas tarefas importantes e amplas não serão esgotadas nos textos que se seguem, mas os temas
apresentados certamente são atuais e necessários para refletirmos sobre essa relação entre a escola
e sociedade. Após tais reflexões, é possível que vejamos a escola do nosso bairro de um modo novo,
integrada à vida social e parte importante de nossa forma de viver coletivamente.
Introdução ao conceito
de sociedade e de
vida coletiva
Odilon Roble*
S
e observarmos os seres que vivem em nosso planeta, notaremos que ma-
cho e fêmea de algumas espécies vivem isoladamente, unindo-se apenas no
período de acasalamento. No entanto, sabemos que a maioria dos animais
busca a vida em conjunto.
Quais são as vantagens das associações entre indivíduos? Que comporta-
mentos e regras emanam dessa convivência? O homem também faz esse tipo
de associação? Quais são as características peculiares da vida coletiva estabe-
lecida entre seres humanos?
Estabelecimento da vida social
Essas perguntas e tantas outras são objeto de estudo da ciência e, quando di-
zem respeito ao homem em especial, fazem parte das chamadas Ciências Humanas.
Entre elas, a área que mais se dedica ao estudo do homem em sociedade é a Socio-
logia. Entretanto, compreender o comportamento humano a partir de suas relações
sociais, entender o funcionamento das instituições e refletir sobre o regulamento da
vida coletiva são tarefas que interessam a todos que trabalham com pessoas.
A escola, por exemplo, além de ser o espaço da teoria e da prática pedagógi-
ca, é um local de convivência coletiva. Assim, até mesmo essas teorias e práticas
pedagógicas precisam compreender as bases das relações entre os homens para
poder melhor orientar as ações referentes ao cotidiano escolar.
É verdade que nem sempre o homem formou sociedades, ou não eram estru-
turadas da forma como são as sociedades atuais. Nossos ancestrais mais distantes
comportavam-se como coletores, ou seja, eram nômades, não fixando território para
viver e alimentando-se de vegetais e animais que encontravam por onde passavam.
Mas ao longo do desenvolvimento da espécie humana, duas grandes mudanças le-
varam a humanidade a um patamar inigualável com relação às demais espécies.
Vejamos a seguir essas duas mudanças.
A primeira mudança refere-se ao fato de abandonarmos uma posição
quadrúpede para assumir uma postura bípede e ereta, passamos a ter um campo de
visão ampliado, o que nos possibilitou enxergar alimentos, água ou ameaças muito
Doutor e Mestre em Edu-
cação pela Faculdade de
Educação da Universidade
Estadual de Campinas (Uni-
camp). Bacharel em Filosofia
pela Pontifícia Universidade
Católica de Campinas (PUC-
-Campinas). É membro pes-
quisador do Violar – grupo
de estudos sobre o imaginá-
rio, práticas culturais, violên-
cia e educação da Unicamp.
7
mais distantes que outrora. Além disso, a postura bípede liberou as mãos que
serviam de apoio, permitindo que o homem explorasse toda sua motricidade fina
e assim construísse instrumentos e armas.
Divulgação.
Associados em grupos, os homens dividiam as tarefas,
otimizando o tempo e melhorando a qualidade de vida
por meio das relações sociais.
Homem primitivo, com
instrumentos de caça e
proteção. Observe que
tais instrumentos não são
produzidos, mas encon-
trados pelo caminho.
Domínio
público.
A segunda grande mudança deu-se à medida que o homem começou a
constituir grupos socialmente estáveis e passou a viver em coletividade. Nesses
agrupamentos, homens e mulheres procriavam, dividiam as tarefas, revezavam-se
na proteção uns dos outros e trabalhavam em conjunto para manter vivos e sadios
todos os indivíduos participantes dessa comunidade. Com o tempo, os grupos
passaram a viver em territórios fixos e terem uma forma simples, porém efetiva,
de divisão social.
Redes de sociabilidade
O trabalho passou a ter papel fundamental na estruturação social. Quanto
mais as sociedades tornaram-se complexas, maior e mais especializada tornou-
-se a divisão do trabalho. Cada elemento do grupo social passou a ter funções
específicas de modo a otimizar as ações, o que contribuiu muito para diferenciar
os papéis sociais assumidos pelos indivíduos de um mesmo grupo. Com o tempo,
não só o trabalho, mas muitas outras atividades foram compartilhadas. Com isso,
podemos perceber como o trabalho influenciou fortemente a formação de condu-
tas e comportamentos.
Essas condutas são de grande importância para a estruturação da vida co-
letiva, pois elas indicam como o indivíduo deve se comportar no interior de cada
agrupamento. Aqueles que não se comportam de acordo com o esperado não rece-
bem o apoio dos demais, ou seja, são evitados ou até mesmo banidos, dependendo
do local em que buscam se inserir. Isso indica que conhecer os diferentes modos
de vida de uma sociedade é fundamental para orientar nossas ações, pois são
esses modos os responsáveis por caracterizar e diferenciar as diversas sociabili-
dades humanas. Elas podem constituir-se em associações, tribos, comunidades,
civilizações e diversos outros tipos de sociabilidades.
Introdução ao conceito de sociedade e de vida coletiva
8
O importante é destacar certos motivos que levam os indivíduos a se unirem
entre si. Uma comunidade pode ser formada devido à proximidade de interesses
e gostos de seus participantes.
Um exemplo que nos permite entender como as possibilidades de associação
entre indivíduos tornaram-se múltiplas é a infinidade de comunidades formadas
nas redes sociais via internet. A grande rede mundial de computadores estabelece
sites de relacionamento, de aficionados por filmes e músicas ou qualquer outro
aspecto que estabeleça identificação entre as pessoas.
As sociedades são grandes redes por meio das quais as pessoas se relacio-
nam e, assim, estruturam o próprio modo de vida. As regras, leis e normas surgem
dessa vida estruturada em coletividade com intuito de orientar a conduta humana
em favor do bem-estar de todos.
Ao optar por ser conduzido por essas normas sociais, o indivíduo tem a
garantia de proteção contra interesses de outros indivíduos que possam vir a pre-
judicá-lo. De modo geral, viver coletivamente consiste no estabelecimento de um
grande acordo entre as diversas partes, que sustenta os interesses comuns e man-
tém unida a coletividade.
O fim último da norma social, portanto, é o da manutenção do estado de paz, do
respeito mútuo e da boa convivência entre os indivíduos que vivem juntos.
Teorias sobre a sociedade:
breve mapeamento
Thomas Hobbes, filósofo inglês do século XVII, con-
cluiu que o estado natural dos indivíduos não é o de paz,
mas sim o de guerra. Entregues puramente aos interesses
individuais e agindo de acordo com os próprios impulsos,
os homens viveriam num estado de “guerra de todos con-
tra todos” (HOBBES, 2003). No entanto, essa situação não
ocorre porque os indivíduos estabelecem um pacto, um
contrato por meio do qual estão comprometidos a agir de
acordo com a lei, formulada, discutida e aprovada pelos ho-
mens, que também são responsáveis por aplicá-la em seu
dia a dia.
A partir do pensamento de Thomas Hobbes, a so-
ciedade é uma necessidade humana, posto que o indivíduo não vive sozinho. Se
entregue à sorte individual, esse homem só encontrará dificuldades e morte, mas
se optar pela vida coletiva, haverá a necessidade de se ter leis, um contrato social
e a normalização dos costumes.
É evidente que a aplicação dessas normas e leis deverá ser policiada de
modo que se faça valer o direito de julgar e de punir aqueles que não se compor-
Thomas Hobbes, John
Locke e Jean-Jaques
Rousseau são os pensa-
dores que deram funda-
mento ao Estado Moder-
no, que é a base política
da maior parte das socie-
dades de hoje.
Domínio
público.
Introdução ao conceito de sociedade e de vida coletiva
9
tam de acordo com o esperado. Essa tarefa é de responsabilidade das autoridades,
das pessoas encarregadas de policiar e julgar as condutas para que se encaixem
de modo “justo” nos comportamentos desejados. A “justeza” desse encaixe dá
origem à palavra justiça, que se refere à obrigação do indivíduo de se comportar
de acordo com o contrato social, com as leis e sob o respeito das autoridades que
governam.
Desse modo, podemos afirmar que há uma estrutura social para predeter-
minar as leis a serem cumpridas, quem são os responsáveis por cumprí-las e quais
serão as penas aplicadas aos infratores. Se levarmos em consideração tal premis-
sa, não poderíamos imaginar que essa estrutura social daria margem para existir
o abuso do poder por parte de algumas autoridades? Claro que sim, conforme nos
mostra a própria história da civilização ocidental.
Em quantas aulas de História já ouvimos a palavra autoritarismo?
Fosse referente à figura de Stalin, de Pinochet, de Napoleão Bonaparte ou
de tantos outros, a história dos homens conta com muitos episódios de grandes
estadistas e outras figuras políticas que concentraram os poderes de uma nação
(julgar, elaborar e aplicar as leis) unicamente em suas mãos.
Por mais que pensemos o quão longe esses episódios históricos estão de
nossos dias, devemos ter a consciência de que exemplos de autoritarismo podem
ser encontrados em nosso cotidiano e em qualquer situação que apresente uma
relação de poder.
Na sala de aula, entre professor e aluno, pode haver abuso de autoridade.
Outro exemplo pode ser encontrado em uma relação familiar.
Onde quer que exista, o abuso de poder trata-se de uma degeneração do
contrato social, pois o poder que foi concedido a um indivíduo ou a um pequeno
grupo – com o propósito de representação de uma coletividade maior – torna-se
o mecanismo de imposição de interesses pessoais desses representantes. Vejamos
no quadro a seguir, a partir de Aristóteles, filósofo do século III a.C., os tipos de
poder em diferentes sociedades, sua breve descrição e suas formas de degenera-
ção.
Tipo de Governo Característica Degeneração
Monarquia
Sociedade governada por um rei ou
uma rainha. É o governo de “um só”.
O poder real pode agir para o bem
do povo, mas sua decisão é sempre
soberana.
Tirania: é a usurpação do direito
soberano para fins pessoais ou em
desacordo com a vontade popular.
Aristocracia
Aociedade na qual uma classe social
tem privilégios sociais em relação às
demais, por exemplo, o privilégio do
poder econômico (plutocracia).
Oligarquia: é a sociedade dirigida
por pequenos grupos privilegiados
e orientada para seus interesses
particulares.
Democracia
Sociedade democrática é aquela na
qual o povo exerce o poder por meios
de seus representantes eleitos de
modo legítimo (politeia: assembleia
de cidadãos das cidades-estados)
Corrupção: quando os membros
eleitos para representar os
interesses comuns passam a usar o
poder em benefício próprio.
Introdução ao conceito de sociedade e de vida coletiva
10
Como vimos no quadro anterior, toda forma de contrato social, bem como
todo tipo de governo, pode ser corrompido. Mesmo a democracia, que se compa-
rada à monarquia ou à aristocracia parece ser a mais justa, também pode se dege-
nerar em corrupção. Dessa forma, é preciso que aprendamos desde cedo a viver
coletivamente para fazer valer nossos direitos e deveres.
A escola é um espaço de convivência pública. Nossas lembranças do colégio
não se restringem aos conteúdos aprendidos. Aliás, é muito comum que boa parte
de nossas recordações da infância tenha alguma relação com a escola. Isso porque
é nela que travamos o primeiro contato com a vida em sociedade, longe da proteção
da família. No ambiente familiar também vivemos de acordo com leis e normas so-
ciais, no entanto, estamos em uma esfera privada da existência. No seio da família
sabemos que estamos protegidos e temos a constante sensação de sermos aceitos.
Já na esfera pública, logo percebemos que não podemos contar com a aceitação e
com a proteção de todos indistintamente. Temos de conquistar espaços para isso.
Ao ir para a escola, a criança percebe tais necessidades e vai aprendendo realmente
a viver em conjunto. Também é lá que ela vai ser exposta, pela primeira vez, a uma
autoridade que não se relaciona com ela por vínculo afetivo. Mesmo que o professor
tenha um grande carinho por seus alunos, sua relação com eles está fundamentada
na pedagogia e não nos laços familiares. A criança tem, na escola, o protótipo do
modelo social a que será exposta dali por diante.
Resta observar, então, que muito embora o vetor de adaptação mais evi-
dente seja o do indivíduo conformando-se aos modelos sociais, o julgamento que
ele realiza acerca desses modelos pode levá-lo a ações capazes de mudar alguns
padrões preestabelecidos da sociedade. Acreditar que é inexorável a adaptação
dos indivíduos às normas da sociedade e que os padrões sociais são imutáveis
corresponde a crer também que a sociedade em que vivemos é estática e imutável,
o que não é verdade. Embora o mais comum seja o indivíduo ser influenciado pelo
seu meio e se adaptar a ele, também não podemos desconsiderar as possibilidades
de uma pessoa questionar os padrões já exis-
tentes de sua sociedade e de instaurar algumas
mudanças.
Uma escola que propague a ideia de que
o aluno deve sempre se adaptar ao meio, re-
cusando-se a aceitar suas ideias e sugestões,
estará agindo de modo coercitivo e centraliza-
dor. Essa será uma escola autoritária ou aco-
modada. Muitos indivíduos ousaram desafiar
modelos sociais estabelecidos e tidos como
imutáveis, tendo como resultado de sua luta a
mudança desses padrões ou ao menos a sen-
sibilização da opinião pública, o que, em um
regime democrático, culmina, mais cedo ou
mais tarde, na mudança de comportamentos.
Martin Luther King, ativista político nor-
te-americano, lutou pela igualdade de di-
reitos, especialmente dos negros e das mu-
lheres. Foi Prêmio Nobel da Paz em 1964.
Domínio
público.
Introdução ao conceito de sociedade e de vida coletiva
11
Antônio Conselheiro, líder popular bra-
sileiro, levou o pequeno arraial de Canu-
dos a uma verdadeira revolução social no
século XIX, a Guerra de Canudos. Essa
guerra é o tema de uma das mais famosas
obras da literatura brasileira, Os Sertões,
de Euclides da Cunha.
Domínio
público.
Mahatma Gandhi foi um dos idealizado-
res e fundadores do moderno Estado in-
diano, por meio de sua revolução pela não
violência contra os colonizadores britâni-
cos, na primeira metade do século XX.
Domínio
público.
Nesta seção, veremos alguns casos de crianças que, por razões diversas, foram criadas apartadas
da sociedade. Tais histórias nos mostram a importância da vida social e o quanto ela interfere no desen-
volvimento das habilidades humanas, muitas das quais nos diferenciam do restante dos outros animais.
Essas pequenas histórias, embora sejam verídicas, receberam muitos acréscimos ficcionais
como podemos pressupor. No entanto, as três nos levam a concluir que, para possuirmos uma conduta
considerada “humana”, não basta sermos homens no sentido físico e biológico do termo. A convivên-
cia em sociedade, ensinando-nos a linguagem, as normas de conduta e os costumes, é o que acaba por
tornar o homem efetivamente humano.
Mesmo algumas características biológicas dessas crianças criadas isoladamente não se desen-
volveram de forma semelhante a de um indivíduo inserido em uma sociedade humana, como veremos
a seguir.
O ser humano se completa na sociedade. A cultura é a verdadeira responsável pela nossa natu-
reza. Ela, evidentemente, não substitui a força dos fatores biológicos na constituição da vida humana.
Sabemos, por exemplo, que o fator genético possui grande influência sobre o indivíduo, mas, como
afirma Geertz (1989), “nós somos animais incompletos e inacabados que nos completamos e acaba-
mos por meio da cultura”.
A vida em sociedade é uma das tarefas mais importantes que se apresentam em nossa condição
humana. O universo da escola, seja pelas características intrínsecas de vida social que apresenta ou
por ser uma antecipação da dinâmica social da vida adulta, é um dos modelos mais concretos e im-
portantes da sociabilidade. Nesta aula, vimos a base do que é esse viver em comum, suas principais
características, o desenvolvimento do homem como ser social e as formas de poder que estabelece em
sua sociedade.
Introdução ao conceito de sociedade e de vida coletiva
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O menino selvagem de Aveyron
Em setembro de 1799 um menino, de 12 anos de idade aproximadamente, foi encontrado
perto da floresta de Aveyron, sul da França. Estava sozinho, sem roupa, andava de quatro e não
falava uma palavra. Aparentemente fora abandonado pelos pais e cresceu sozinho na floresta. O
menino, a quem deram o nome de Victor, foi levado para Paris, onde ficou aos cuidados do médico
Jean-Marc-Gaspar Itard.
Durante cinco anos o Dr. Itard dedicou-se a ensinar Victor a falar, a ler, a se comportar como
um ser humano, mas seus esforços foram em vão. Pouco progresso foi conseguido durante esse
tempo. Victor nunca falou e aprendeu a ler somente uma palavra (leite). Não era mais o menino
selvagem de quando fora encontrado, mas, também, não se tornou propriamente “humano”.
O enigma de Kaspar Hauser
Kaspar Hauser apareceu para a sociedade em 1828, numa praça do centro de Nuremberg.
Tinha aproximadamente 16 anos de idade e falava de modo confuso; suas palavras eram pouco in-
teligíveis. Sua vida passada era um mistério, porém tudo indica que ele vivera preso em um celeiro
desde seu nascimento. Teve pouco contato (ou talvez nenhum) com outros homens.
Da mesma forma que Victor, Kaspar foi educado por seu tutor e, ao contrário de Victor,
aprendeu a ler e escrever, pelo menos num certo nível em que era possível a comunicação com
outras pessoas. Seu raciocínio, contudo, não foi muito adiante. Continuava a ser a mesma criança
do dia em que fora encontrado. Sua visão não enxergava em perspectiva e também não conseguia
apreender conceitos abstratos, como Deus e religião, apesar dos esforços de padres e educadores.
Morreu 5 anos depois, assassinado, e seu passado misterioso nunca foi desvelado.
As meninas-lobo da Índia
Em 1920, o reverendo Singh encontrou, em uma caverna, duas crianças que viviam entre lo-
bos. Suas idades presumíveis eram de 2 e 8 anos. Deram-lhes os nomes de Amala e Kamala, respec-
tivamente. Após encontrá-las, o reverendo Singh levou-as para o orfanato que mantinha na cidade
de Midnapore. Foi lá que ele iniciou o penoso processo de socialização das duas meninas-lobo.
Elas não falavam, não sorriam, andavam de quatro, uivavam para a lua e sua visão era melhor
à noite do que de dia. Amala, a mais jovem, morreu um ano após ser encontrada. Kamala viveu
por mais oito anos sem, contudo, aprender a falar, ler, usar o banheiro ou a ter qualquer comporta-
mento que pudesse ser considerado específico de seres humanos. A única emoção que demonstrou
em todos esses anos foi algumas lágrimas que derramou, no dia em que Amala morreu.
(O menino selvagem de Aveyron. Adaptado. Disponível em: <http://charlezine.com.br/victor-de-aveyron-garoto-selva
gem/>. Acesso em: 28 abr. 2016.)
(O enigma de Kaspar Hauser. Adaptado. Disponível em: <http://charlezine.com.br/enigma-de-kaspar-hauser/>. Acesso
em: 28 abr. 2016.)
(As meninas-lobo da Índia. Adaptado. Disponível em: <www.psiconlinews.com/2013/06/amala-e-kamala-as-meninas-lobo.
html>. Acesso em: 28 abr. 2016.)
Introdução ao conceito de sociedade e de vida coletiva
13
1.	 Com base no texto da aula, argumente qual é a importância da vida em sociedade.
2.	 Elabore um exemplo para cada uma das formas de degeneração do poder, a saber: tirania, oli-
garquia e corrupção.
Introdução ao conceito de sociedade e de vida coletiva
14
Livros:
	 LUCKMANN, T.; BERGER, P. L. A construção social da realidade. Petrópolis: Vozes,
2006.
	 Trata-se de um livro clássico sobre a realidade social que aborda os fundamentos da vida
cotidiana, a sociedade como realidade subjetiva e a sociologia do conhecimento. Em alusão
aos temas trabalhados nesta aula, sugiro a leitura do capítulo I, item 2: A interação social na
vida cotidiana.
	 GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1989.
	 Obra também clássica, só que mais estudada pela Antropologia e por aqueles que se dedicam
a estudos culturais. Seu tema principal é a questão do significado cultural e o método etno-
gráfico para pesquisa em ciências humanas. A parte II, item 2, “O impacto do conceito de
cultura sobre o conceito de homem”, ilustra muito do que foi trabalhado na parte final desse
texto e aprofunda a discussão.
	 Filmes:
	 O Enigma de Kaspar Hauser. Direção de Werner Herzog.
	 História sobre um misterioso menino de 16 anos que, sem nunca ter tido contato com a cul-
tura humana, aparece repentinamente em um vilarejo. Filmagem do grande diretor alemão
Werner Herzog. Filme vencedor do festival de Cannes, é uma obra-prima do cinema e traz
reflexões muito interessantes sobre a vida em sociedade, a educação e o processo civilizató-
rio.
	 A Guerra do fogo. Direção de Jean-Jacques Annaud.
	 Filme de Jean-Jaques Arnaud que mostra o início do desenvolvimento da civilização hu-
mana, ilustrando o modo como se deu a evolução de nossas formas de organização, divisão
social e luta pela sobrevivência em tribos sociais.
	 Links:
	 Eu tenho um sonho (I have a dream), de Martin Luther King. Disponível em: <www.dhnet.
org.br/desejos/sonhos/dream.htm>. Acesso em: 28 abr. 2016.
	 O discurso do norte-americano Martin Luther King é um bom exemplo de como é possível
lutar contra as injustiças sociais e mudar padrões de comportamento tidos como inflexíveis.
Introdução ao conceito de sociedade e de vida coletiva
15
1. 	 Espera-se que o aluno seja capaz de argumentar sobre os principais tópicos da aula: a importân-
cia da vida coletiva em razão da divisão do trabalho, da segurança, da liberdade e do progresso.
2. 	 Ao apresentar um exemplo (imaginário ou real) sobre as formas de degeneração do poder,
o aluno acaba por compreender melhor a natureza do tipo de poder em questão (monarquia,
aristocracia ou democracia), como também sua forma de usurpação. Esperam-se exemplos de-
scritivos como: a aristocracia pode se degenerar em oligarquia quando, por exemplo, um grupo
de cidadãos são escolhidos como representantes por serem os mais cultos de determinada co-
munidade. No entanto, com o passar do tempo, todas as suas ações têm intenção de valorizar
aqueles que possuam alguma instrução, beneficiando sempre e novamente o próprio grupo do
qual fazem parte.
Introdução ao conceito de sociedade e de vida coletiva
16
Escola e pensamento social
Educação grega: paideia
A
s relações entre pensamento social e escola sempre estiveram presentes nos diversos momen-
tos da história. A escola, como uma das instituições mais importantes do contexto social,
carrega importantes funções entre as quais podemos destacar a política organizacional e for-
mativa, pois cabe a essa instituição o papel de educar os cidadãos. Isso significa dizer que o projeto
educacional de uma escola deve visar, entre outros objetivos, transmitir o conjunto de valores de de-
terminada cultura. Isso possibilita coesão e sincronia entre os indivíduos de uma sociedade de modo
a haver consenso no julgamento moral das ações cotidianas. Por essas razões, encontramos no pen-
samento dos mais diversos filósofos e cientistas sociais grande preocupação com a educação de seus
contextos. O aspecto educacional das ideias desses pensadores geralmente é dado de modo direto –
quando elegem a escola como foco de suas palavras – ou indireto – quando abordam a questão dos
valores sociais, dos significados culturais e das condutas públicas.
Paideia
Paideia é o termo para o qual damos o nome de educação. Essa tradução é correta, mas não
tem em si um entendimento abrangente. Para compreendermos de fato esse conceito, temos de
perceber que, para o grego, havia um conjunto mais amplo de ações ligadas à noção de paideia.
Ela era a formação do povo de um modo total e alcance profundo, ou seja, todos os valores, moral,
ética, condutas e até mesmo o gosto, eram fenômenos abarcados pela paideia. Todos esses fenôme-
nos apareciam nos momentos mais variados da vida grega. Na educação propriamente dita, como
a familiar ou dos mestres e seus discípulos, mas também a encontramos na praça pública (cha-
mada ágora), nos espetáculos de teatro, na prática da ginástica e do esporte, enfim, nos variados
momentos da vida grega. Dessa forma, podemos dizer, de modo simplificado, que paideia era o
aprendizado do “jeito de ser” do grego.
Desde o princípio das civilizações que reconhecemos como berços de nossa cultura, a educação
ocupou um papel central na construção da vida coletiva. A Grécia Antiga, que foi uma das princi-
pais precursoras do modelo de sociedade ocidental, apresenta a nós exemplos muito significativos da
importância da educação para seu povo e da variedade de suas formas na vida cotidiana. O primeiro
grande exemplo vem antes mesmo da constituição de uma ideia de educação formal, ou seja, antes
mesmo da existência de escolas, professores e alunos. A tradição oral, muito comum na transmissão
dos saberes e conhecimentos práticos fundados naquilo que chamamos mitologia grega, era a princi-
pal responsável por educar os valores sociais, transmitidos de geração em geração. As histórias sobre
deuses e heróis, mais do que fragmentos poéticos na cultura grega, eram as direções para a vida nas
cidades-Estado. Os valores expressos nos mitos orientavam o Ethos, ou seja, a conduta que regulava
a vida social da dita sociedade, valores que, em conjunto, deram origem à ética.
17
Pensemos um pouco sobre esse modo de educação social expresso pelo
mito. A conhecida narrativa sobre Narciso1
, por exemplo, servia para mostrar
que quem se ocupasse demais com a própria vaidade poderia ser vítima da sua
egolatria. Quase todas as histórias dos heróis gregos mostravam que havia uma
medida certa para coragem, ou seja, ela não poderia ser maior que a prudência
ou que o limite de cada homem (métis). Aqueles que se atrevessem a ir além des-
se limite, invariavelmente cairiam nos braços do destino (moira). Mnemósime
era a deusa da memória, e como castigo aos que cometessem esquecimentos, ela
enviava um de seus auxiliares, chamado Olvido. Não é por acaso que seu nome
deu origem ao do órgão de audição humana e ao verbo “esquecer” em espanhol
(olvidar). Olvido castigava os esquecidos puxando-lhes a orelha para que, por
certo tempo, sentissem-na latejar. A lição, segundo a mitologia, visava mostrar
que se deve ouvir mais em vez de falar. Enfim, essas e muitas outras histórias
ensinavam ao povo grego sobre os perigos da vida, as melhores condutas frente a
cada situação e que valores faziam parte daquela sociedade. Educar, nesse tempo,
correspondia basicamente a seguir tais histórias e transmiti-las para as gerações
seguintes.
Com o tempo, esse modelo foi se mostrando insuficiente para a crescente
racionalidade grega. Os deuses pareciam-se muito com os humanos e a educação
que provinha da mitologia lentamente foi cedendo espaço para uma forma de pen-
sar que atendesse às novas necessidades das cidades gregas. Necessidades como
circulação de capital, desenvolvimento das artes e dos esportes, contato com no-
vos povos a partir da expansão grega, enfim, fatores que mostraram ao grego que,
para conhecer o mundo mais amplamente, apenas as narrativas de seus deuses não
bastavam. Foi necessário, então, o desenvolvimento de uma nova educação, mais
racional e experimental.
Foi nesse sentido que al-
guns filósofos gregos clássicos
passaram a constituir modos de
ensino sistematizados, em lo-
cais específicos para a prática
educativa, visando uma cultura
elevada. Platão, por exemplo,
criou a Academia, local em que
seus discípulos eram educados.
Já seu mais nobre discípulo,
Aristóteles, seguiu o mesmo ca-
minho, instituindo o Liceu, no
qual eram desenvolvidos estu-
dos junto a seus seguidores. O
mais importante, no entanto, é percebermos que o pensamento que se desenvolve
nesses locais está cada vez mais afinado às necessidades sociais de seu contexto
sócio-histórico. A vida do homem na cidade passou a ser objeto central das preo-
cupações dos grandes pensadores. A virtude, os valores e a conduta tornaram-se
objetos de estudo, discussão e pesquisa. Essa é a forma de educação grega que
ficou conhecida como paideia.
1Narciso, personagem da
mitologia grega, ficou
conhecido pela sua enor-
me vaidade. Certa vez, ao
agachar-se junto a um lago
bastante limpo para servir-se
de um pouco de água, viu seu
próprio reflexo no lago e, em
razão de seu exagerado amor-
-próprio acabou apaixonado
pela própria imagem. De tan-
to contemplar-se no reflexo
distraiu-se e caiu no lago,
morrendo afogado.
Ânfora Ática (tipo de vaso) ilustrando a vitória de Teseu
sobre o Minotauro (cerca de 550 a.C.). Na arte, o grego
contava suas narrativas e constituía uma poderosa forma
de educação de seu povo.
Domínio
público.
Escola e pensamento social
18
Idade Média: educação cristianizada
A influência do tipo de educação dos gregos foi bastante vasta e pode ser
sentida até os dias de hoje. No entanto, no período que conhecemos como Idade
Média, alguns dos valores advindos do modelo de educação grega foram repensa-
dos e modificados de acordo com a doutrina cristã, responsável por dominar a cena
religiosa do período (séculos V a XV). Dessa forma, os valores cristãos passaram a
fazer parte da educação e dos modelos de vida social como referência de vivência
e constituição política. A humildade, o sacrifício e a solidariedade, por exemplo,
passaram a fazer parte da formação do cidadão e, por isso, passaram a fazer parte
da educação dos mais jovens.
Os pensadores dessa época associavam razão à fé. Dessa forma, a educação,
tinha a tarefa de ensinar a viver entre os homens, mas também de prepará-los para
a vida com Deus. Na visão de Santo Agostinho – um dos maiores pensadores do
cristianismo e um dos pilares do pensamento medieval – a convivência terrena,
com suas limitações e pecados, correspondia àquilo que ele chamou de “Cidade
dos Homens”. Toda educação tinha que preparar o fiel para superar as limitações
dessa vida terrena, encontrando paz e plenitude na “Cidade de Deus”.
Sem nos enveredarmos por discussões teológicas, concentremo-nos no foco
de nossa temática, ou seja, percebamos como essa forma de pensamento social
conduz à educação que se desprende de valores como os do corpo, dos prazeres
ou das riquezas. A educação afinada com os propósitos cristãos concentrava-se na
disciplina e na ascese, ou seja, na prática da norma moral. Muito da tradição do que
conhecemos por educação moral, ainda hoje, deve certa herança aos preceitos pre-
conizados pelo ensino medieval. No entanto, diferentemente da época medieval,
nos dias de hoje consideramos que a educação deve ser laica, ou seja, independente
do direito à crença de qualquer aluno, pois as orientações que fundamentam o en-
sino devem ter caráter eminentemente pedagógico.
Renascimento e educação:
todos somos iguais
O Renascimento, movimento cultural (literário, artístico e filosófico) posterior
à Idade Média, teve início na Itália (séculos. XIV ao XVI) e sua principal característi-
ca é a retomada dos valores gregos e romanos nas artes, na cultura e no conhecimento
em geral. Além de promulgar reavivamento de muitos aspectos da cultura greco-ro-
mana clássica, durante esse período também houve muitas mudanças na relação entre
pensamento social e educação. O período foi designado como o do renascer, porque
nessa época a sociedade ocidental, que durante dez séculos esteve guiada pelo pensa-
mento católico, voltou-se para as preocupações ligadas propriamente ao homem e seu
mundo humano.
O peso da religião na Idade Média fez com que toda cultura e educação esti-
vessem voltadas para Deus, por isso dizemos que a visão de mundo nesse período
era teocêntrica, ou seja, tinha Deus como centro de todas as relações sociopolíti-
cas. No Renascimento, a grande mudança na visão de mundo consistiu em colocar
Escola e pensamento social
19
o próprio homem no centro do universo. Lentamente,
o teocentrismo foi sendo substituído pelo antropocen-
trismo (anthropos = homem).
Em todos os campos da vida social foi possível
sentir essa mudança. Com o passar do tempo, os artis-
tas do renascimento italiano, que em suas pinturas e
obras expressaram a temática religiosa, foram adotan-
do caráter antropocêntrico em suas criações2
.
Por exemplo, o São Jorge, de Donatello (figura ao
lado), trata-se de um santo, portanto a escultura é de
um tema religioso. No entanto, sua aparência frágil
e mundana é a de um homem como outro qualquer.
Vemos que mesmo os personagens religiosos passaram,
na visão renascentista, a atender ao desejo da época de
colocar o ser humano em evidência.
A mudança de perspectiva presenciada no pe-
ríodo do Renascimento se dá com tanto ímpeto que
mesmo personagens não pertencentes nem à realeza
nem ao clero, passam a ser objetos de retratos e obras de arte, como é o caso
da famosíssima Mona Lisa, de Leonardo da Vinci. Todo esse novo panorama
se fez sentir na vida social e evidentemente projetou-se na educação da época.
Conhecer passou a ser sinônimo de pesquisar, investigar, refletir sobre o papel
do homem no próprio mundo. Percebemos assim que a ciência e as técnicas,
como a geometria, passaram a ser muito importantes nesse contexto. Voltando
ao exemplo de Leonardo da Vinci, homem que representa muito bem o espíri-
to dessa época, podemos lembrar que, além de pintor, ele também era inventor,
geômetra, astrônomo e anatomista. O que une todas essas capacidades de Le-
onardo é o desejo constante de entender o homem e o mundo.
A educação, com isso, passa a ter caráter sensivelmente menos elitista. É
verdade que essa época ainda estava muito distante de uma real popularização do
ensino, concretizada parcialmente apenas no fim do século XIX.
No entanto, ao estudar o homem pelas suas características naturais, uma
diferença menor (ou, de fato, inexistente) começa a aparecer entre homem nobre e
o homem do povo. Todos nós, ricos ou pobres, temos características comuns como
seres humanos, ideia inadmissível em tempos anteriores aos do Renascimento.
Lentamente, a noção do homem como ser biológico e o mundo como realidade
material, ambos atendendo a leis físicas, foram constituindo-se como fatos ine-
gáveis. No entanto, mudanças tão profundas no pensamento social e na educação
costumam gerar controvérsias e, nesse caso, não foi diferente.
No entanto, a mudança de perspectiva com relação à figura humana trouxe
algumas rupturas ao pensamento educacional da época. O estudo da anatomia,
por exemplo, levou as pessoas a constatarem que boa parte das diferenças entre
os homens não eram propriamente físicas ou biológicas. Elas não são desígnio
divino e só existem porque o próprio homem possui a necessidade de estratifi-
2Um exemplo de obras reali-
zadas nessa época de tran-
sição cultural é a pintura do teto
da Capela Sistina, pintada por
Michelangelo, ou a Santa Ceia,
de Leonardo da Vinci.
São Jorge, de Donatello
(1416-1917).
Domínio
público.
Escola e pensamento social
20
car sua sociedade de forma a organizá-la de acordo com sua visão de mundo. A
ideia de que todos – ricos ou pobres – são biologicamente iguais foi inadmissível
durante muito tempo. Com o Renascimento, a educação e a busca pelo conheci-
mento do homem em todos os aspectos fizeram emergir uma nova verdade entre
a população: o homem é um ser biológico e vive em uma realidade material que,
invariavelmente, atende a leis físicas imutáveis.
Uma das maiores polêmicas do fim da Idade Média, protagonizada primeiro
por Nicolau Copérnico (1473-1543) e, posteriormente, por Galileu Galilei (1564-
-1642), ilustra bem os novos rumos do pensamento nascente. Trata-se da teoria
heliocêntrica, a qual sustenta que a Terra gira em torno do Sol e não o contrário,
como se pensava.
O pensamento social costuma não aceitar grandes mudanças em pouco
tempo. A educação também costuma ser assim. A pedagogia não abandona suas
práticas a qualquer momento, e é preciso que haja um grande movimento nas for-
mas do conhecimento para novos saberes serem incorporados à prática educativa.
Isso nos ajuda a compreender a força da tradição oral e dos saberes que passam
de pais para filhos. Uma escola que queira romper padrões ou implantar novos
saberes precisará sempre de argumentos favoráveis e bastante convincentes para
fórmulas antigas cederem às novidades.
Modernidade e discurso
No plano do conhecimento, além das mudanças anteriormente apresenta-
das, o Renascimento também foi responsável por abrir terreno para a investigação
da realidade, que seria definitiva na substituição da verdade teológica3
vigente
até o final da Idade Média. Essa verdade sofre um abalo com o desenvolvimento
do pensamento humanista-renascentista. Esse pensamento, por sua vez, foi res-
ponsável por dar visibilidade a outro tipo de conhecimento, o racional-científico,
baseado na investigação, no método e na empiria (experiência).
A partir da modernidade (século XVII), a religião não era mais a responsá-
vel por explicar o mundo, mas sim as ciências, que, com seus métodos e observa-
ções, afirmaram ser o discurso científico a única verdade legítima e verificável.
Os estudos empíricos, ou seja, aqueles realizados em laboratórios ou diretamente
no meio ambiente, ofereceram dados para o conhecimento humano que jamais
haviam sido explorados anteriormente.
Com isso, a educação também passou por transformações. A filosofia de
Descartes, por exemplo, inaugurou uma verdadeira revolução no modo de pensar
ao instituir a “dúvida metódica”. Essa dúvida é originada pela aplicação de um
método rigoroso de pensamento, de que devemos duvidar de tudo aquilo que não
pode ser suficientemente comprovado por dados claros e distintos. Você já deve
ter percebido que essa é a base da ciência moderna e até da construção do co-
nhecimento de maneira geral. Ninguém, no campo científico ou acadêmico, ousa
afirmar qualquer coisa que não seja passível de comprovação. Sem tais dados,
sua posição, mesmo que aparentemente bem apresentada e fruto de raciocínio
3Dizer que havia uma ver-
dade teológica é compre-
ender que a noção de verdade,
ou seja, do bom senso e da ra-
zão, eram guiadas pela orien-
tação religiosa, como de fato
já vimos.
Escola e pensamento social
21
elaborado, pode ser tomada como mera especulação. Podemos dizer que a educa-
ção absorveu completamente o modo de pensar moderno, o da verdade científica
e da dúvida metódica.
Outra obra responsável por causar profundas revoluções no modo de ver o
homem e o mundo foi o estudo de Charles Darwin sobre a origem das espécies.
Tal estudo retificou uma das mais tradicionais verdades teológicas, a da criação
do mundo e do homem, representada pela história bíblica de Adão e Eva. Darwin
nos apresenta um modelo de evolução da nossa espécie, no qual o homem descen-
deria de ancestrais bem primitivos, semelhantes aos primatas. Isso causou grande
desconforto na época e violentas reações por parte dos defensores das verdades
bíblicas. No entanto, os estudos de Darwin estavam amplamente baseados em
dados, amparados por anos e anos de pesquisa científica. A teoria desse pesqui-
sador se encarregou de separar a verdade teológica da científica. Por isso, hoje
em dia é socialmente aceitável que os indivíduos tenham sua crença e sigam os
preceitos que ela determina. Hoje já existem aqueles que idealizam a união dessas
duas formas de verdades, vendo possíveis elos nos quais elas não se negariam.
No entanto, para a educação moderna isso foi uma tarefa difícil e houve muitos
choques. Como dito anteriormente, uma discussão teológica não é nosso objetivo
aqui, mas temos de perceber religião e ciência como formas do pensamento social
e como grandes pilares para educação por meio dos tempos. Até o Renascimento,
predominava a religião como explicação da vida; da Idade Moderna aos dias de
hoje, prevalece a busca pela verdade através do método científico.
Ainda que a ciência seja uma tônica da modernidade, devemos perceber que
muitas teorias diferentes abordaram a questão do homem em sociedade e, muitas
delas, conferiram importante relação com o fenômeno da educação. Existem vá-
rios teóricos dos séculos XIX e XX que se destacaram nesse enfoque, mas para
visualizarmos um pouco dessa pluralidade de abordagens, típicas da modernida-
de, foquemos ao menos em, três desses pensadores, especialmente no que eles têm
a nos apresentar sobre a relação da sociedade com a educação.
Durkheim e a educação moral
O primeiro pensador é Émile Durkheim4
. Considerado um dos pilares do
positivismo5
, Durkheim acredita que o ser humano, ao nascer, é uma espécie de
tábula rasa, um elemento vazio, uma espécie de recipiente que devemos completar
para a criança ser, de fato, um homem. Justamente aí está o papel da educação na
concepção do autor. No entanto, por essa via, Durkheim acredita que o indivíduo
não cria nada de novo em sua própria educação, a sociedade lhe impõe o que ele
deve saber. Não há como educar um filho, por exemplo, do modo que queremos.
Temos de agregar a ele os valores vigentes da sociedade em que estamos, pois são
os únicos verdadeiramente válidos. Chamamos isso de determinismo social. Em-
bora haja lógica no pensamento de Durkheim e pareça tentadora sua visão sobre
educação, a extensão desse determinismo social acaba por justificar ideologias
e formas de pensamento que agem de modo conservador. Se a sociedade impõe
4Émile Durkheim (1858-
-1917) é um dos pais da
sociologia moderna, conferin-
do grande ênfase aos fatos so-
ciais e à questão da moralidade.
5Corrente sociológica cujo
precursor foi Augusto
Comte (1789-1857) e que re-
cusa conhecimentos teológi-
cos ou metafísicos, apegan-
do-se a valores radicalmente
humanos em uma herança
intelectual do Iluminismo.
Escola e pensamento social
22
tudo ao indivíduo, é legítimo aceitarmos, por exemplo, as divisões sociais, as in-
justiças e as separações. Mesmo em um regime democrático, a sociedade teria de
impor essas diferenças para sua própria sobrevivência, e a educação, nesse con-
texto, teria de assumir o papel de conformar os indivíduos a essa realidade. Mui-
tas vezes, encontramos uma educação elitista que apregoa valores diferentes para
ricos e pobres, supondo que a escola para os mais favorecidos deve tratar da alta
cultura, e a escola para os menos favorecidos deve limitar-se a saberes práticos.
Enfim, o determinismo social, consequente das ideias de Durkheim, pode nos
levar a uma educação a serviço das diferenças sociais. É por isso que a educação,
em Durkheim, deve ser entendida como educação moral. De fato, há uma obra de
Durkheim chamada Educação Moral, na qual ele aplica em termos pedagógicos
sua concepção sociológica de que o homem deve adaptar-se aos valores vigentes.
Karl Marx e a luta de classes
Um ponto de vista contrário ao de Durkheim foi apresentado por Karl
Marx6
. Para ele, não há determinismo social, o que encontramos é uma luta de
classes, ou seja, a imposição das ideias de alguns sobre outros. Nossa sociedade
é dominada pelas relações de trabalho, pelas formas de produção. Há uma dife-
rença abrupta entre aqueles que detêm os meios de produção, aqueles que são os
donos da terra, da fábrica etc. e aqueles que vendem sua força de trabalho em
troca de salários, como empregados da fazenda ou da fábrica. Como os que detêm
os meios de produção se valem do lucro do trabalho executado pelos que vendem
sua força de trabalho, os detentores dos meios de produção são membros de uma
classe que enriquece enquanto os trabalhadores permanecem como escravos de
suas ocupações. A classe dos donos dos meios de produção, portanto, acaba por
impor suas vontades, uma vez que ela determina as relações de trabalho e domina
os que estão sob seu controle. Por essa razão, tal classe é chamada, por Karl Marx,
de classe dominante, a classe que vende sua força de trabalho é chamada de classe
dominada.
Em todas as esferas da vida social acaba por haver imposição de valores da
classe dominante. O determinismo a que se referia Durkheim não é de fato algo
natural e inevitável, mas corresponde a certa visão de mundo, fruto da imposição
de um conjunto de valores. A educação, nesse contexto, tem o risco de se vergar
a essa visão de mundo e representar as ideias da classe dominante como sendo a
verdade. Na proposta de Marx, há de se tentar superar esses valores dominantes
e se instituir novas formas de interpretação, vindas também da classe dominada,
que de fato representa a maioria das pessoas. De qualquer forma, a crítica de
Marx colabora para percebermos que os valores da sociedade não são naturais
ou imutáveis. Representam uma visão de mundo oriunda de uma classe social
definida e com interesses bastante particulares. Essa percepção nos ajuda muito a
pensar sobre o papel da educação na sociedade, alertando para não nos inclinar-
mos sem reflexão a tais valores e sermos capazes de propiciar um ensino amplo,
que contemple as várias visões de mundo próprias da realidade social em sua
diversidade e pluralidade.
6Filósofo alemão do sécu-
lo XIX (1818-1883), outro
pilar fundamental da sociolo-
gia e precursor dos ideais que
sustentam tanto o socialismo
como o comunismo.
Escola e pensamento social
23
Nietzsche e a educação
para celebrar a existência
Outra posição interessante e marcante do pensamento contemporâneo sobre
a relação do homem com seu meio vem de Friedrich Nietzsche7
. Para ele, somos
vergados a um peso da moral desde tempos muito antigos. Mais especificamente,
podemos dizer que a cultura ocidental, quando deixou de lado aspectos do mundo
grego que valorizavam a vida e a existência, passou a assumir caráter racional e
desapegado do mundo. O advento do cristianismo colaborou para esse desapego,
pois ao prometer uma vida eterna, não terrena, acabava por desprezar a existência
nessa vida. Já discutimos suficientemente esse ponto ao observarmos a Idade Mé-
dia. No entanto, Nietzsche vai além em sua observação e nos demonstra que houve
uma genealogia da moral, ou seja, formação de valores oriunda desses aspectos, de
tal modo profunda, que hoje, mesmo em um panorama social diferente, acabamos
por considerar o certo e o errado, o bem e o mal a partir dessa visão de mundo
moralizada.
Para Nietzsche, uma educação verdadeira deve almejar um homem forte.
Isso corresponde a um indivíduo que não se vergue a essa tábua de valores que
despreza a vida. A educação deve valorizar a existência e fazer com que o indiví-
duo se recuse a aceitar os valores daquilo que Nietzsche chama “moral de reba-
nho”. Nesse “rebanho”, o que impera é o ressentimento, a fraqueza e a submissão.
O espírito que a educação deve oferecer ao homem, para Nietzsche, é o espírito
forte, aquele capaz de assumir sua própria vida como projeto maior e perceber
na cultura elevada não um código para a polidez social, mas antes uma forma de
assumir o projeto humano como meta para si mesmo. Por muitas vezes, a filosofia
de Nietzsche foi acusada de irracionalista, mas isso não passa de engano, pois o
que Nietzsche propunha era uma elevação das potencialidades humanas, inclusive
da potencialidade da razão, mas sem termos de assumir uma carga moral que nos
impeça de experimentar a vida de modo mais amplo e intenso. Percebemos, assim,
como a educação tem papel fundamental no pensamento de Nietzsche, pois cabe
sobretudo a ela o desenvolvimento desse espírito forte e uma reflexão crítica sobre
os valores morais vigentes.
Uma boa educação, atualmente, deve ser capaz de oferecer ao aluno con-
dições de analisar o conhecimento pelas mais diversas formas e estimular sua
reflexão e senso crítico de modo que ele seja capaz de formular sua própria opinião
sobre o assunto.
Neste breve retrospecto da educação pudemos perceber que há uma pro-
funda e inseparável união entre pensamento social e educação. As formas e os
conteúdos educativos estão em sincronia com o pensamento de sua época. Ao
mesmo tempo, é justamente a boa educação que pode propiciar novos pensadores
e formuladores de novas ideias para a sociedade. Podemos concluir, portanto, que
o pensamento social e a educação caminham juntos, um alimentando o outro, no
objetivo que o homem sempre se colocou, o de compreender, o quanto mais possí-
vel, o mundo e a existência.
7Um dos maiores filósofos
do século XIX (1844-
-1889), chamado, ao lado de
Freud e Marx, como um dos
“Mestres da Suspeita”. Cons-
truiu uma severa crítica da
cultura ocidental, especial-
mente em relação aos valores
judaico-cristãos.
Escola e pensamento social
24
Paideia: a formação do povo grego
(JAEGER, 2003, p. 13-14)
A posição específica do helenismo na história da educação humana depende da mesma parti-
cularidade da sua organização íntima – aspiração à forma que domina tanto os empreendimentos
artísticos como todas as coisas da vida – e, além disso, do seu sentido filosófico do universal, da
percepção das leis profundas que governam a natureza humana e das quais derivam as normas que
regem a vida individual e a estrutura da sociedade. Na profunda intuição de Heráclito, o universal,
o logos, é o comum na essência do espírito, como a lei é o comum na cidade. No que se refere
ao problema da educação, a consciência clara dos princípios naturais da vida humana e das leis
imanentes que regem suas forças corporais e espirituais tinha de adquirir a mais alta importância.
Colocar esses conhecimentos como força formativa a serviço da educação e formar por meio
deles verdadeiros homens, como o oleiro modela a sua argila e o escultor as suas pedras, é uma
ideia ousada e criadora que só podia amadurecer no espírito daquele povo artista e pensador. A
mais alta obra de arte que seu anelo se propôs foi a criação do homem vivo. Os gregos viram pela
primeira vez que a educação tem de ser também um processo de produção consciente.
“Constituído de modo correto e sem falha, nas mãos, nos pés e no espírito”, tais são as pala-
vras pelas quais um poeta grego dos tempos de Maratona e Salamina descreve a essência da virtu-
de humana mais difícil de adquirir. Só a este tipo de educação se pode aplicar com propriedade a
palavra formação, tal como a usou Platão pela primeira vez em sentido metafórico, aplicando-a à
ação educadora. A palavra alemã Bildung (formação, configuração) é a que designa de modo mais
intuitivo a essência da educação no sentido grego e platônico. Contém ao mesmo tempo a configu-
ração artística e plástica, e a imagem, a “ideia”, ou “tipo” normativo que se descobre na intimidade
do artista. Em todo lugar onde essa ideia reaparece mais tarde na História, ela é uma herança dos
Gregos, e aparece sempre que o espírito humano abandona a ideia de um adestramento em função
de fins exteriores e reflete na essência própria da educação. O fato de os gregos terem sentido essa
tarefa como algo grandioso e difícil e se terem consagrado a ela com ímpeto sem igual não se
explica nem pela sua visão artística nem pelo seu espírito “teórico”. Desde as primeiras notícias
que temos deles, encontramos o homem no centro de seu pensamento. A forma humana dos seus
deuses, o predomínio evidente do problema da forma humana na sua escultura e na sua pintura, o
movimento consequente da filosofia desde o problema do cosmos até o problema do homem, que
culmina em Sócrates, Platão e Aristóteles; a sua poesia, cujo tema inesgotável desde Homero até
os últimos séculos é o homem e o seu duro destino no sentido pleno da palavra; e finalmente, o
Estado grego cuja essência só pode ser compreendida sob o ponto de vista da formação do homem
e de sua vida inteira: tudo são raios de uma única e mesma luz, expressões de um sentimento vital
antropocêntrico que não pode ser explicado nem derivado de nenhuma outra coisa e que penetra
todas as formas do espírito grego. Assim, entre os povos, o grego é o antropoplástico.
Escola e pensamento social
25
1.	 Com base no que foi estudado, argumente qual a relação entre pensamento social e educação na
época estudada nesta aula.
2.	 Analise a diferença para a educação de uma visão de mundo centrada em Deus (teocêntrica) e
outra centrada no homem (antropocêntrica).
Escola e pensamento social
26
Livros:
	 JAEGER, W. Paideia: a formação do povo grego. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2013.
	 Trata-se de um livro clássico sobre os primórdios da educação e as estruturas sociais do
classicismo grego. Referência indispensável nos estudos helenistas, nos aponta a origem
fundamental da educação na cultura ocidental.
	 ARANHA, M. L. A. História da Educação e da Pedagogia. 3. ed. São Paulo: Moderna,
2006.
	 A autora, que também escreve sobre filosofia, faz um retrospecto sobre a escola e a educação
em geral na cultura ocidental, mas sempre com grande ênfase na relação entre esse movi-
mento e o do pensamento social.
	 DESCARTES, R. Discurso do Método. São Paulo: L&PM, 2013.
	 Essa obra do filósofo francês René Descartes, considerada como ponto inaugural da filosofia
moderna. A dúvida como método, tal qual explicada no texto, é formulada e proposta por
Descartes de modo a balizar de maneira muito profunda o pensamento e a ciência moderna.
	 Links:
	 Sociedade Brasileira de História da Educação. Disponível em: <www.sbhe.org.br/>.
	 Esse site permite o acesso de profissionais de educação e estudantes à íntegra da revista eletrô-
nica da SBHE, com diversos artigos sobre história da educação, tanto geral como brasileira.
	 Filme:
	 A ORIGEM (Inception). Direção de: Christopher Nolan. Warner Bros, 2010.
	 O filme retrata a discussão acerca da realidade do sonho tendo como referência a teoria racio-
nalista de René Descartes evidenciada na obra Discurso do Método.
1.	 Para elaborar a resposta para essa atividade você deverá ser capaz de argumentar sobre os prin-
cipais tópicos desta aula: as diversas relações possíveis entre pensamento social e fenômeno da
educação, passando pelo tema da educação na época da Grécia Antiga, na Época Medieval e na
Época Moderna. Ressalte os pontos que você considerou mais importantes.
2. 	 Ao apresentar as diferentes visões de mundo o aluno deve compreender que uma educação
fundamentada no homem volta-se para temas relacionados ao mundo, à existência terrena e à
ciência de modo geral. A visão de mundo dita teocêntrica ficará ancorada em ideais religiosos
que acabaram por servir a propósitos políticos de segregação e elitização. Uma educação antro-
pocêntrica deve partir da igualdade entre os homens, além de ter como objetivo central o desen-
volvimento das potencialidades humanas nos mais variados campos. Essa distinção importante
deve aparecer no padrão de resposta.
Escola e pensamento social
27
Teorias educacionais,
sociedade e escola
A
s relações entre escola e seu meio social sempre foram efetuadas em dupla direção, tanto a
sociedade foi responsável por influenciar as teorias educacionais como a escola determinou
alguns aspectos que afetaram a vida da sociedade.
ESCOLA impacto SOCIEDADE
Ao longo da história da educação, podemos perceber que essa dinâmica recíproca entre escola
e sociedade se dá de maneiras diferentes, de acordo com o contexto. Algumas teorias educacionais
estão ou já estiveram intimamente relacionadas com a sociedade. Por outro lado, há outras que se
fecham unicamente no ambiente escolar. Ao percebermos as diferenças e características de cada uma
dessas vertentes, podemos construir um conhecimento mais sólido sobre o alcance delas no âmbito
social. Só assim é possível construir um saber capaz de relacionar a vida em sociedade com os proce-
dimentos concretos que acontecem no interior da escola.
Teorias sociais X teorias educacionais
Partindo do pressuposto filosófico de que o conceito de crítica é o de exame de um objeto de
modo racional, o mais isento possível de preconceitos, visando à construção de um novo conhecimen-
to – podemos considerar como teoria crítica, portanto, toda aquela que atenda a essa exigência de
um novo saber. Por outro lado, consideremos como não críticas aquelas vertentes que não tenham o
mesmo objetivo ou até mesmo o recuse.
Se uma teoria crítica preocupa-se sempre em enfocar a realidade social em sua reflexão, uma
abordagem não crítica pode mostrar-se distante de tal realidade.
Um exemplo de teoria crítica da educação encontra-se no livro de Dermeval Saviani, intitulado
Escola e Democracia (1997). Assumiremos essa orientação tanto para caracterização de uma teoria
crítica como para apontar outros tipos de teorias.
Uma teoria crítica é, portanto, aquela que leva em conta os problemas sociais; e não crítica é
aquela que não se preocupa com esses problemas, acreditando haver saberes universais que não
precisam de contextualização.
Ao contrário do que pode parecer, as teorias educacionais não críticas tiveram bastante visibi-
lidade, em especial até meados do século XX, e ainda gozam de certa credibilidade nos dias de hoje.
Se nos parece óbvio que uma teoria em educação deva ser crítica e observadora da realidade social é
por termos, atualmente, uma discussão pedagógica desenvolvida ao longo das décadas nessa direção.
29
No entanto, como veremos a seguir, há muitos aspectos aparentemente vantajosos
nas abordagens não críticas, fazendo com que, muitas vezes, elas sejam franca-
mente assumidas.
Comecemos, então, por apontar e analisar as principais teorias educacionais
classificadas como não críticas. Como já dito, o que as caracteriza é a crença
de que os saberes preconizados pela escola são conhecimentos universais e, sendo
assim, não precisam de contextualização com a realidade, pois serão válidos em
qualquer tempo e local.
Apenas para exemplificar, notemos o caso da disciplina escolar de Matemá-
tica. Há um risco de a tomarmos como algo abstrato, sem conexão com a realida-
de. Muitos supõem que a realidade social não está ligada à Matemática que para
aprendê-la temos de seguir os passos sugeridos na escola. No entanto, um olhar
mais cuidadoso da realidade nos mostra a existência de pessoas que aprendem cer-
tos raciocínios matemáticos de modo prático, valendo-se de caminhos totalmente
diferentes daqueles que são ensinados no ambiente escolar.
Isso não indica que há uma forma melhor de se aprender Matemática ou
qualquer outro saber. Demonstra, no entanto, que há muitos caminhos para obten-
ção do conhecimento e a escola não é a única detentora dos saberes.
Hoje é uma preocupação corrente nas ciências matemáticas a relação entre
seu saber específico e a vida social cotidiana. Essa preocupação advém de uma
abordagem crítica dessa disciplina. Já as teorias não críticas, pelo contrário, su-
põem que o aluno deve receber da escola todas as informações necessárias para
sua formação intelectual e moral. Segundo essa vertente, o que acontece fora dos
muros da escola não se configura como conteúdo para a prática educativa – e a
preocupação com a realidade social, quando aparece, é meramente ilustrativa, ou
seja, não orienta nenhuma forma de conhecimento, apresenta apenas exemplos de
conceitos previamente trabalhados. Ironicamente, os dois modelos mais conhe-
cidos de teorias educacionais não críticas são quase o avesso um do outro, mas,
como veremos, há uma razão na contradição existente entre eles. Estamos falando
da Pedagogia Tradicional e da Pedagogia Nova. Além desses dois, há mais uma
vertente conhecida como Pedagogia Tecnicista.
Teorias educacionais não críticas
Pedagogia Tradicional
Comecemos por entender as características da Pedagogia Tradicional. Esse
modelo de ensino, como o próprio nome diz, tem seu fundamento na tradição.
Tradição moral, tradição intelectual e tradição de ensino. As escolas representan-
tes do ensino tradicional são aquelas nas quais os fundamentos da disciplina (da
conduta) são levadas ao mais alto grau. Todo saber está nas mãos do professor,
que o transmite aos alunos como se eles fossem elementos passivos na relação de
ensino e aprendizado.
Para o professor que segue essa vertente, o bom aluno é aquele que obedece
às regras e tira boas notas. Para esse estudante obter seu êxito escolar é preciso
Teorias educacionais, sociedade e escola
30
conhecer muito sobre tudo o que foi apresentado pelo professor. O estudo, nesse
caso, tem critério quantitativo, e o conteúdo a ser reproduzido pelo aluno em suas
avaliações deve ser sempre o mais semelhante possível à explicação do mestre,
dos livros e dos materiais de referência. A criatividade e a espontaneidade assu-
mem possibilidades muito limitadas dentro desse processo.
No imaginário de nossa sociedade, a Pedagogia Tradicional é responsável
por dotar o processo de ensino-aprendizagem de caráter “forte” e disciplinado,
sem espaço para distrações e individualidades. A partir de todo esse cerceamento
da liberdade individual, advinda da pedagogia tradicional, resta pouco espaço
para uma crítica social, o que exigiria flexibilidade nas opiniões e troca de ideias.
Essa vertente pedagógica já conta com ideias preestabelecidas e, assim, não há
nada para o aluno acrescentar. Por essas razões é que a Pedagogia Tradicional
deve ser considerada uma teoria não crítica da educação.
Até a primeira metade do século XX esse era o modelo pedagógico mais
difundido, inclusive nas escolas públicas de todo país.
Hoje ainda existem muitos focos desse tipo de educação, com evidentes
mudanças disciplinares. Essas escolas que visam estritamente à transmissão de
conteúdos e à disciplinarização de seus alunos podem ser classificadas como se-
guidoras de uma teoria educacional não crítica.
Pedagogia Nova
Como o modelo da Pedagogia Tradicional foi se desgastando, houve an-
seio cada vez maior por alguma forma de educação que não fosse tão repressora
e disciplinarizadora. A partir de meados do século XX, surge um movimento
educacional caracterizado por ser o contraponto da Pedagogia Tradicional. Esse
movimento ficou conhecido como Pedagogia Nova. São representantes desse mo-
vimento a chamada Escola Nova, o Construtivismo, o método Montessori, entre
outros. A tônica principal desses métodos foi a de tentar inverter os pressupostos
da até então hegemônica Pedagogia Tradicional. Assim, no lugar do ensino em
quantidade, preconizava-se a qualidade; no lugar da disciplina, foi defendida a
liberdade; no lugar do professor como senhor do saber, o aluno como descobridor
do conhecimento. O interesse passou a ser a palavra de ordem na prática pedagó-
gica e o professor o estimulador do descobrimento do mundo.
Quando temos um descontentamento, é evidente termos a necessidade de
modificar aquilo que está nos incomodando. Assim ocorreu com a Pedagogia
Nova. Todos os seus principais fundamentos estão ligados a uma simples inver-
são dos valores da Pedagogia Tradicional.
Dessa forma, a Pedagogia Nova não foi capaz de tocar na questão da
crítica educacional porque não questionava os antigos pressupostos pedagó-
gicos à luz da realidade social. Com isso, a Pedagogia Nova também deve ser
entendida como teoria não crítica.
De fato, se notarmos as propostas que essa “nova” vertente pedagógica pre-
coniza, perceberemos que não houve criação de nenhuma estratégia para a reali-
Teorias educacionais, sociedade e escola
31
dade social passar a fazer parte do conteúdo educativo. Ao flexibilizar a disciplina
e centrar o foco no interesse do aluno, a educação da Pedagogia Nova continuou
alheia à sociedade, enfatizando o comportamento do aluno exclusivamente dentro
dos muros da escola. Por exemplo, se há uma diferença social entre os alunos, tal
diferença não será objeto de trabalho pedagógico, mas simplesmente será respei-
tada a forma como cada indivíduo se manifesta.
De acordo com a Pedagogia Tradicional, essas diferenças sociais dadas entre
os estudantes não poderiam existir; o que essa vertente propunha era a equalização
de seus alunos. Já na Pedagogia Nova, as diferenças são respeitadas, mas tanto em
uma como em outra vertente, essas diferenças não serviram para demonstrar reali-
dades diversas, para propor discussões sobre tais diferenças, enfim, para construir
um cenário crítico no qual o aluno fosse capaz de interpretar sua própria realidade
social e também a dos seus colegas. A escola da Pedagogia Nova continuou, por-
tanto, apartada da realidade social, vivendo em um mundo próprio.
Pedagogia Tecnicista
O terceiro tipo de teoria educacional representante das teorias não críticas
é a Pedagogia Tecnicista. Como nem o modelo da Pedagogia Tradicional nem o
da Pedagogia Nova foram capazes de produzir certos resultados – por exemplo, o
de garantir ao aluno formação suficiente para o trabalho ­
– surgiu uma pedagogia
com objetivos extremamente pragmáticos, voltada para a qualificação profissional
do aluno. A Pedagogia Tecnicista deixou de lado tanto os conteúdos tradicionais,
tão valorizados pela Pedagogia Tradicional, como as estratégias de interesse e
criatividade do aluno, focos da Pedagogia Nova. Com isso lançou-se um objetivo
pragmático e direto: capacitar o aluno para tarefas práticas, no sentido técnico e
operacional. Baseada em pressupostos mecânicos da ciência, esse tipo de educa-
ção não se preocupou com a autonomia do aluno, tampouco com sua cultura geral
ou capacidade de reflexão. Essas são virtudes desejáveis, mas não necessárias à
formação do homem técnico. Segundo esse mesmo pressuposto, esse homem téc-
nico é aquele que realiza tarefas, operacionaliza ações, reduz os custos, aumenta
a produtividade, maximiza os lucros, tudo sem muita abstração ou envolvimento
pessoal, que podem distanciá-lo do modo prático de entender a vida.
A escola, como um todo, absorveu muito desse espírito técnico, em especial
nas décadas finais do século XX, quando a Pedagogia Nova se encontrava desa-
creditada. Há alguns exemplos bastante expressivos desse tipo de educação, que
são as chamadas escolas técnicas ou escolas de ensino profissionalizante. Era
comum no final do século XX, e ainda é nesse começo de século XXI, alunos que
não logram êxito na escola optarem pelo ensino profissionalizante. Torna-se claro
como esse modelo educativo está distante de qualquer possibilidade crítica, pois
antes de proporcionar qualquer reflexão do aluno e da sua realidade social, limita-
-se a inserir o indivíduo no mundo do trabalho. A escola, nesse caso, aparece como
mero trampolim para a inclusão social, sem formar o indivíduo para o exercício da
Teorias educacionais, sociedade e escola
32
cidadania consciente. É evidente que nem toda escola de ensino profissionalizante
pode ser enquadrada nesse modelo pedagógico, mas também é claro que existem
variáveis nas escolas de ensino tradicional ou da Pedagogia Nova. O que estamos
abordando aqui são as características gerais de cada uma dessas vertentes da teo-
ria pedagógica e a convergência das três em torno da questão da não criticidade.
Quadro comparativo das teorias não críticas
Pedagogia Tradicional Pedagogia Nova Pedagogia Tecnicista
Centrada no professor Centrada no aluno Centrada no trabalho
Disciplina Liberdade Técnica
Deseja o aluno culto Deseja o aluno criativo Deseja o aluno habilidoso
Aprender a conhecer Aprender a aprender Aprender a fazer
Teorias educacionais críticas
À medida que as ciências humanas foram se desenvolvendo, acentuava-se
uma crítica a esses modelos de escolas, tidos como anacrônicos e alienados quan-
to ao panorama político e social vigentes. Dessa forma, surgem novos modelos
teóricos para abordar a questão educacional e o papel da escola. São teorias que,
embasadas em estudos de natureza social, política ou econômica, propõem uma
reflexão dos diferentes aspectos próprios do âmbito escolar, como a relação de
autoridade existente entre professor e aluno.
Essas novas teorias possuem caráter crítico por tecerem análises e reflexões
sobre a instituição educacional e sobre o papel da escola na sociedade. No entanto,
a forma como as teorias das ciências sociais abordaram o fenômeno educativo
não levou em conta a singularidade da escola, apenas reproduzindo as mesmas
ideias que se tinha sobre as instituições em geral para o particular da escola. Por
essa razão, tais teorias são caracterizadas como teorias crítico-reprodutivistas.
São consideradas críticas, pois se relacionam com a sociedade, mas também são
reprodutivistas porque consideram a escola como simples reflexo da sociedade,
que mantém com essa instância uma relação de profunda dependência.
Como sabemos, a escola faz parte da sociedade e traz marcas do social
em seus comportamentos. No entanto, também é preciso notar que há singu-
laridades nos fenômenos escolares. A escola não é uma “sociedade em minia-
tura”, contendo características que aparecem com maior ou menor ênfase no
ambiente escolar do que em outros lugares.
Há ainda situações e papéis que são vivenciados somente nos anos escolares.
É aí que essas teorias tornam-se passíveis de contestação. Vejamos quais são os
representantes principais dessas teorias crítico-reprodutivistas e suas característi-
cas fundamentais.
Teorias educacionais, sociedade e escola
33
Teorias crítico-reprodutivistas
Escola como espelho da sociedade
A primeira teoria desse grupo entende a escola como espécie de violência
simbólica1
permanente e consentida. Ela parte do pressuposto que a sociedade é
estruturada em classes sociais e toda a vida coletiva desenvolve-se pelo jogo de
forças entre essas classes. A escola, por sua vez, acaba por reproduzir esse jogo
de forças segundo a teoria. Então vejamos: na sociedade há uma classe com mais
poder que outra e esta deseja manter-se no poder. Se isso é verdade, parece óbvio
aos defensores desta teoria a escola, como instituição social, defender valores
que mantenham a posição dos mais fortes. Por isso, fala-se da existência de uma
violência simbólica na escola, visto que essa instituição acaba por forçar os menos
favorecidos socialmente a aceitarem a dominação dos mais fortes. Existem exem-
plos que dão razão a esses argumentos. Por exemplo, no livro As Belas Mentiras,
de Maria de Lourdes C. D. Nosella (1981), há uma análise da ideologia subjacente
aos textos didáticos utilizados por muitas escolas. A autora nos mostra que, sem
percebermos, valores e preconceitos morais estão presentes em simples contos in-
fantojuvenis ou em explicações da matéria, fazendo com que certas desigualdades
sociais sejam perpetuadas. A autora menciona, além desse, muitos outros exem-
plos comuns ao cotidiano escolar de muitas décadas, os quais atuam de acordo
com esse tipo de violência, a simbólica.
Outro exemplo de violência simbólica: um aluno vê a ilustração de uma cena
familiar em que aparece o pai encaminhando-se para o trabalho, os filhos para a
escola e, por fim, a mãe fica em casa, ocupando-se dos afazeres domésticos. Isso
já nos parece algo “normal”, isento de preconceitos, adequado. No entanto, por
mais trivial que possa parecer, a figura traz consigo grande preconceito sobre o
papel social da mulher, preconceito esse que vai sendo perpetuado pela escola nos
moldes de uma violência simbólica. Também nos remete a valores como trabalho,
educação, matrimônio e família nuclear moderna.
De acordo com a vertente crítico-reprodutivista, espera-se que a escola re-
produza o jogo de forças da sociedade, mas não se supõe que essa mesma institui-
ção tenha seu próprio jogo de forças, tampouco ser capaz de desencadear alguma
mudança no panorama social.
Uma teoria crítica mais completa deve subentender essa dialética, compreen-
dendo que tanto a sociedade influencia a escola como a escola influencia a socie-
dade.
Escola a serviço do Estado
O segundo tipo de vertente educacional crítico-reprodutivista vê a esco-
la como aparelho ideológico do Estado. Muito parecida com a teoria da esco-
la como violência simbólica, essa também supõe que a educação escolar disse-
mina os valores sociais dominantes, só que nesse caso, tais valores interessam
1Violência simbólica é um
termo desenvolvido pelo
francês Pierre Bourdieu no
qual aborda uma forma de
violência exercida no corpo
dos sujeitos, contudo, sem
um processo de coação físi-
ca, causando danos morais e
psicológicos.
Teorias educacionais, sociedade e escola
34
à dominação do governo, ou melhor, do Estado. Em um modelo de educação
no qual a grande maioria das crianças estuda em escolas públicas – tal qual o
modelo brasileiro – é evidente que certas determinações impostas pelo Estado às
escolas podem ter impacto muito grande na educação, devido ao enorme número
de indivíduos que serão atingidos de forma direta (alunos) e indireta (famílias,
comunidades).
Um exemplo conhecido e polêmico de medida governamental socialmente
impactante é o da exclusão das disciplinas de Sociologia e Filosofia do currículo;
ou ainda a substituição delas pela “Educação Moral e Cívica” ou pelos “Estudos
Sociais”. Como se sabe, essas exclusões e substituições acarretam em empobre-
cimento da capacidade crítica dos alunos, pressupondos-e ser objetivo de um go-
verno totalitário que deseja manter apaziguada sua população.
No entanto, essa teoria também tem a marca reprodutivista quando se esque-
ce que os atores sociais da escola, ou seja, alunos, professores e outros profissionais
envolvidos com a instituição, não precisam estar sempre vergados às orientações
do Estado. A capacidade crítica desses sujeitos lhes permite contestar, alterar e até
mesmo recusar aquilo que lhes pareça incorreto ou manipulador. Ao supor que a
escola será apenas instrumento para a dominação do Estado, essa teoria não avança
para a possibilidade de uma posição educacional realmente crítica.
Escola dualista
Por fim, a última das teorias crítico-reprodutivistas é a da escola du-
alista. Nela, acredita-se que a escola tem dupla tarefa determinada pela di-
visão social do poder. Por um lado, a escola ensina os valores da camada
social dominante e assim reforça sua ideologia. Por outro, indica que os não deten-
tores do poder devem trabalhar e se esforçar para ter uma vida honesta e feliz. De
modo geral, esse modelo de escola preconiza é a continuidade das desigualdades
sociais e, justamente por isso, é chamada vertente dualista, ou seja, trata-se de
um saber diferenciado para cada estrato social. O mais favorecido deve aprender
a mandar, a exercer o poder e a perpetuar sua dominação, e o menos favorecido,
por meio de seu trabalho, deve saber obedecer, conformar-se com a realidade e so-
nhar que um dia poderá ser rico, seja por meio da sorte, seja por meio do trabalho
– o que do ponto de vista das diferenças sociais é praticamente impossível. Mais
uma vez, embora essa teoria nos alerte para um perigo que de fato se encontra
em muitas realidades educativas, escapa-lhe a possibilidade de a escola construir
um saber superador das desigualdades sociais. É claro que a mudança profunda
nas bases econômicas do país não depende apenas de uma boa educação, mas
também é certo a escola fazer parte desse projeto de erradicação das diferenças
entre seus indivíduos. Pior que a desigualdade social é a desigualdade cultural,
pois ela impede o cidadão de analisar sua própria condição e reivindicar, para si
e para os outros, meios dignos de existência. Ao não considerar essa importante
possibilidade de ação social da educação, a teoria da escola dualista caracteriza-se
como reprodutivista.
Teorias educacionais, sociedade e escola
35
Quadro comparativo das teorias crítico-reprodutivistas
Violência Simbólica Aparelho Ideológico do Estado Escola Dualista
Reproduz as desigualdades sociais Reproduz as desigualdades sociais Reproduz as desigualdades sociais
Predomina a vontade do grupo
dominante
Predomina a vontade do Estado
Dominantes e dominados têm
vontades diferentes
O dominante se impõe sobre o
dominado
O Estado se impõe sobre todos
O dominado sonha em ser
dominante
Como vimos, nem as teorias não críticas nem as crítico-reprodutivistas fo-
ram capazes de construir uma relação positiva entre escola e sociedade, de modo
a possibilitar à escola absorver a realidade social e também de propor formas
de interpretação e transformação dessa mesma realidade. Para nos mantermos
na mesma referência proposta nesse texto, ou seja, na abordagem oferecida por
Dermeval Saviani em Escola e Democracia, vejamos os principais passos para
a superação dessas limitações, ou seja, como poderíamos arquitetar uma teoria
crítica que não incorra nos erros das teorias não críticas ou nos das teorias crítico-
-reprodutivistas. Para isso, o autor nos oferece cinco passos inspirados na peda-
gogia de Herbart e Dewey, que serão apresentados a seguir, com uma adaptação
voltada para os objetivos desse texto.
Passos para uma teoria crítica da educação
	 1.o
passo – prática social
	 Trata-se de partir da realidade social dos alunos para construir o conhe-
cimento. De acordo com a Pedagogia Tradicional, o professor oferece o
conteúdo sem se importar com a realidade social dos alunos. Na Peda-
gogia Nova, a realidade do aluno também é indiferente à prática peda-
gógica, pois o foco está no interesse de transformação dessa realidade.
Na educação que possui caráter crítico, a realidade do discente seria o
ponto de partida para uma prática pedagógica social, pois contextualiza
as experiências vividas pelos alunos no âmbito do processo de ensino-
-aprendizagem. A partir daí, essa educação crítica diagnostica o contexto
do aluno para aplicar os conteúdos e métodos mais coerentes com ele.
	 2.º passo – problematização
	 Nessa etapa, espera-se que os conhecimentos propostos pela educação
sejam capazes de se relacionar com a realidade social, de modo a formar
problemas a serem trabalhados. Portanto, nessa fase não são apresenta-
das soluções práticas, como é o caso da vertente educacional tecnicista,
mas é construído um panorama amplo em torno das relações entre os co-
nhecimentos trabalhados pela escola e as possibilidades de modificação
da vida social que tais saberes podem propiciar.
Teorias educacionais, sociedade e escola
36
3.o
e 4.o
passos – instrumentalização e catarse
	 Para os fins desse texto, evitando compor um referencial muito detalha-
do, propomos uma abordagem do terceiro e do quarto passos em conjun-
to. Ambos referem-se, basicamente, à autonomia que o conhecimento
pode trazer ao aluno. A problematização dos conhecimentos à luz de seu
contexto realizada no passo anterior deve ser incorporada pelos alunos
de modo que eles possam, efetivamente, levar o aprendizado para além
dos muros da escola e aplicar seus saberes para obtenção de melhor qua-
lidade de vida.
	 5.o
passo – prática social
	 O último passo volta ao ponto de partida, que é a prática social. No entan-
to, nessa fase – com a herança dos ganhos dos passos anteriores – espera
-se que o aluno seja capaz de voltar à prática social com conhecimentos
suficientes para capacitá-lo a interpretar e transformar essa prática. Sua
relação com o meio social agora deve ser autônoma e consciente.Aescola
dotou o indivíduo da capacidade de refletir por meio de uma educação
crítica. Essa educação não se limitou a saberes sem relação com o mundo
em que ele vive – como fazem as pedagogias não críticas – tampouco
tentou inculcar-lhe uma visão de mundo conformada e imóvel como pre-
conizam as teorias crítico-reprodutivistas.
É evidente que esses passos propostos não se configuram como receita in-
falível de sucesso educacional, nem mesmo como certeza da relação entre escola
e sociedade, mas certamente apontam um caminho inteligente, até mesmo por
analisarem com cuidado os erros de teorias anteriores que se mostraram insu-
ficientes nesses mesmos propósitos. Manter constante a interação entre escola e
prática social é objetivo central em qualquer prática educativa e o profissional da
educação deve estar sempre atento para quais possibilidades podem melhor aten-
der a essas necessidades.
MANIFESTO DOS PIONEIROS DA
EDUCAÇÃO NOVA (1932)
A RECONSTRUÇÃO EDUCACIONAL NO BRASIL – AO POVO E AO GOVERNO
Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importância e gravidade ao da
educação. Nem mesmo os de caráter econômico lhe podem disputar a primazia nos planos de re-
construção nacional. Pois, se a evolução orgânica do sistema cultural de um país depende de suas
condições econômicas, é impossível desenvolver as forças econômicas ou de produção, sem o pre-
paro intensivo das forças culturais e o desenvolvimento das aptidões à invenção e à iniciativa que
são os fatores fundamentais do acréscimo de riqueza de uma sociedade. No entanto, se depois de
Teorias educacionais, sociedade e escola
37
43 anos de regime republicano, se der um balanço ao estado atual da educação pública, no Brasil,
se verificará que, dissociadas sempre as reformas econômicas e educacionais, que era indispensável
entrelaçar e encadear, dirigindo-as no mesmo sentido, todos os nossos esforços, sem unidade de
plano e sem espírito de continuidade, não lograram ainda criar um sistema de organização escolar,
à altura das necessidades modernas e das necessidades do país. Tudo fragmentário e desarticulado.
A situação atual, criada pela sucessão periódica de reformas parciais e frequentemente arbitrárias,
lançadas sem solidez econômica e sem uma visão global do problema, em todos os seus aspec-
tos, nos deixa antes a impressão desoladora de construções isoladas, algumas já em ruína, outras
abandonadas em seus alicerces, e as melhores, ainda não em termos de serem despojadas de seus
andaimes...
Onde se tem de procurar a causa principal desse estado antes de inorganização do que de de-
sorganização do aparelho escolar, é na falta, em quase todos os planos e iniciativas, da determina-
ção dos fins de educação (aspecto filosófico e social) e da aplicação (aspecto técnico) dos métodos
científicos aos problemas de educação. Ou, em poucas palavras, na falta de espírito filosófico e
científico, na resolução dos problemas da administração escolar. Esse empirismo grosseiro, que
tem presidido ao estudo dos problemas pedagógicos, postos e discutidos numa atmosfera de hori-
zontes estreitos, tem as suas origens na ausência total de uma cultura universitária e na formação
meramente literária de nossa cultura. Nunca chegamos a possuir uma “cultura própria”, nem mes-
mo uma “cultura geral” que nos convencesse da “existência de um problema sobre objetivos e fins
da educação”. Não se podia encontrar, por isto, unidade e continuidade de pensamento em planos
de reformas, nos quais as instituições escolares, esparsas, não traziam, para atraí-las e orientá-las
para uma direção, o polo magnético de uma concepção da vida, nem se submetiam, na sua organi-
zação e no seu funcionamento, a medidas objetivas com que o tratamento científico dos problemas
da administração escolar nos ajuda a descobrir, à luz dos fins estabelecidos, os processos mais
eficazes para a realização da obra educacional.
Certo, um educador pode bem ser um filósofo e deve ter a sua filosofia de educação; mas,
trabalhando cientificamente nesse terreno, ele deve estar tão interessado na determinação dos fins
de educação, quanto também dos meios de realizá-los. O físico e o químico não terão necessidade
de saber o que está e se passa além da janela do seu laboratório. Mas o educador, como o sociólo-
go, tem necessidade de uma cultura múltipla e bem diversa; as alturas e as profundidades da vida
humana e da vida social não devem estender-se além do seu raio visual; ele deve ter o conhecimen-
to dos homens e da sociedade em cada uma de suas fases, para perceber, além do aparente e do
efêmero, “o jogo poderoso das grandes leis que dominam a evolução social”, e a posição que tem
a escola, e a função que representa, na diversidade e pluralidade das forças sociais que cooperam
na obra da civilização. Se têm essa cultura geral, que lhe permite organizar uma doutrina de vida
e ampliar o seu horizonte mental, poderá ver o problema educacional em conjunto, de um ponto de
vista mais largo, para subordinar o problema pedagógico ou dos métodos ao problema filosófico ou
dos fins da educação; se tem um espírito científico, empregará os métodos comuns a todo gênero de
investigação científica, podendo recorrer a técnicas mais ou menos elaboradas e dominar a situa-
ção, realizando experiências e medindo os resultados de toda e qualquer modificação nos processos
e nas técnicas, que se desenvolveram sob o impulso dos trabalhos científicos na administração dos
serviços escolares.
(Disponível em: <www.histedbr.fe.unicamp.br/revista/edicoes/22e/doc1_22e.pdf>. Acesso em: 28 abr. 2016.)
Teorias educacionais, sociedade e escola
38
1.	 Com base no que foi estudado, argumente quais seriam as vantagens e as desvantagens dos três
tipos de educação não crítica: Pedagogia Tradicional, Pedagogia Nova e Pedagogia Tecnicista.
2.	 Seguindo os passos propostos por Dermeval Saviani para uma teoria crítica em educação, apre-
sentados e adaptados por esse texto, proponha um tema simples de aula e descreva brevemente
como esse tema seria tratado em cada um dos cinco passos de uma educação crítica.
	 Livros:
	 SAVIANI, D. Escola e democracia. Campinas: Autores Associados, 1997.
	 Essa obra foi a base deste capítulo. Tanto as classificações das teorias como os passos para
uma teoria crítica basearam-se na terminologia proposta pelo autor. No entanto, este capí-
tulo fluiu para os próprios objetivos e explorou a temática de acordo com os interesses mais
específicos da disciplina em questão. Portanto, é bastante interessante que o aluno entre em
contato com essa obra para saber mais sobre cada uma das teorias pedagógicas apresentadas,
bem como as questões sociais a elas ligadas. No mais, a obra traz ainda dois outros ensaios
do autor de grande pertinência ao universo da educação brasileira.
	 LIBÂNEO, J. C. Didática. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2013.
Teorias educacionais, sociedade e escola
39
O livro é uma referência básica nacional em Didática. Embora seu conteúdo dedique-se espe-
cialmente à relação entre objetivos, conteúdos e métodos de ensino – a relação entre a prática
social e escola aparece com ênfase. Em relação ao que foi trabalhado nesse texto, uma suges-
tão interessante é a leitura do capítulo 2, “Didática e democratização do ensino”.
1. 	 Essa atividade tem dois propósitos. Primeiro identificar as principais características de cada
uma dessas três teorias apresentadas. Segundo, ao elaborar a atividade, perceber que todas as
três formas, embora divergentes entre si, apresentam qualidades e também problemas.
2.	 Espera-se que o aluno seja capaz de transpor o que compreendeu sobre a possibilidade de uma
pedagogia crítica para um exemplo prático à sua escolha. O fundamental nessa atividade é que
haja coerência entre os passos e, evidentemente, uma postura crítica, relacionando sempre a
prática educativa e a prática social.
Teorias educacionais, sociedade e escola
40
O conhecimento
e suas relações sociais
Educação e autonomia
N
os princípios da atividade docente, em tempos nos quais somente os mais privilegiados ti-
nham acesso à educação, era comum os alunos serem assistidos individualmente, por um
único professor. Esse profissional era conhecido como preceptor e cabia a ele ensinar ao
seu “discípulo” os mais diversos saberes. Alexandre Magno, por exemplo, foi aluno de Aristóteles
durante longo tempo e muito de sua grande habilidade estratégica foi fruto de sua educação junto ao
filósofo grego.
No entanto, nos dias de hoje, não é mais comum encontrarmos esse tipo de educação indi-
vidualizada. Mesmo quando notamos a presença de professores particulares – na maior parte das
vezes – seu papel é o de reforçar individualmente os conteúdos trabalhados coletivamente na escola.
Podemos supor que a educação formal atual se desenvolve em um palco coletivo, fruto de processos
de conhecimento focados no desenvolvimento social do aluno como cidadão. Nessa relação coletiva,
entretanto, é imprescindível que a educação possibilite ao aluno condições para ele, por capacidade
própria, construir seu saber e sua conduta. A palavra adequada, nesse caso, é autonomia.
Autonomia é uma palavra originada do grego, tendo como raízes, auto (próprio, por si) e nomus
(lei). Um indivíduo autônomo, então, é aquele capaz de criar para si uma lei, uma conduta. Nesse
caso, ele não desconsidera a norma social, mas a lei que esse indivíduo cria permite-lhe respeitar a
lei comum e, ao mesmo tempo, buscar caminhos pessoais de vida. Se a todo tempo estivéssemos
vergados à opinião pública, agindo de acordo com o pensamento dos outros e não o nosso próprio,
não teríamos autonomia e sim heteronomia. Essa palavra, igualmente de origem grega, refere-se à lei
do outro, em outras palavras, à atitude passiva de um indivíduo em não ter opinião própria e não ser
capaz de se posicionar frente ao coletivo de modo atuante.
A educação, em sua proposta de encaminhar o indivíduo para autonomia, deve ser capaz de
construir saberes que ofereçam aos alunos possibilidades para formação da opinião, dos conceitos e
dos discursos. Por meio desses posicionamentos, os alunos podem ser, de fato, atuantes na realidade
social, aspectos principais que uma boa formação do cidadão deve conter.
Para o aluno ser autônomo frente à sociedade, é preciso que ele possua capacidade de criar
opiniões, conceitos e discursos. Tais capacidades terão de ser fruto de uma reflexão cuidadosa a ser
desencadeada pelo processo educativo. Aquilo que o indivíduo assumir como convicção para sua
vida deve ser fruto de um conhecimento elaborado, transmitido, em grande parte, pela escola. Para
tanto, vejamos como o conhecimento pode gerar possibilidades diferentes de posicionamento do indi-
víduo frente à sua realidade. Vejamos cinco dessas possibilidades, observando os discursos referentes
a cada uma delas e como podemos associá-las à educação.
41
Escola e sociedade
Escola e sociedade
Escola e sociedade
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  • 2.
  • 3. Odilon Roble Escola e Sociedade IESDE BRASIL S/A Curitiba 2016 2.ª edição
  • 4. © 2008 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais. Capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: IESDE BRASIL S/A. IESDE Brasil S.A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br Todos os direitos reservados. CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ __________________________________________________________________________________ R557e 2. ed. Roble, Odilon Escola e sociedade / Odilon Roble. - 2. ed. - Curitiba, PR : IESDE BRASIL S/A, 2016. 94 p. : il. ; 21 cm. ISBN 978-85-387-6181-5 1. Interação social. 2. Cultura. 3. Relações humanas e cultura. 4. Educação - Aspec- tos sociais I. Título. 16-34098 CDD: 370.9 CDU: 37 __________________________________________________________________________________
  • 5. Sumário Introdução ao conceito de sociedade e de vida coletiva.......................................................7 Estabelecimento da vida social.................................................................................................................7 Redes de sociabilidade..............................................................................................................................8 Teorias sobre a sociedade: breve mapeamento.........................................................................................9 Escola e pensamento social...................................................................................................17 Educação grega: paideia...........................................................................................................................17 Idade Média: educação cristianizada........................................................................................................19 Renascimento e educação: todos somos iguais........................................................................................19 Modernidade e discurso............................................................................................................................21 Teorias educacionais, sociedade e escola..............................................................................29 Teorias sociais X teorias educacionais.....................................................................................................29 Teorias educacionais críticas....................................................................................................................33 Passos para uma teoria crítica da educação..............................................................................................36 O conhecimento e suas relações sociais................................................................................41 Educação e autonomia..............................................................................................................................41 Educação e temas sociais contemporâneos...........................................................................51 Meio ambiente..........................................................................................................................................51 Drogas.......................................................................................................................................................53 Sexualidade...............................................................................................................................................54 Saúde.........................................................................................................................................................55 Trabalho....................................................................................................................................................56 A escola e seu entorno...........................................................................................................61 Administração escolar..............................................................................................................................61 Relações entre a escola e a comunidade...................................................................................................64 Violência e educação.............................................................................................................69 Violência social e violência escolar: o contrato social de Hobbes...........................................................69 Estabelecendo um contrato social na sala de aula....................................................................................72 Indisciplina e educação.........................................................................................................79 Reflexão primeira......................................................................................................................................79 Concepção do erro pela escola.................................................................................................................80 Erro e indisciplina.....................................................................................................................................80 Empowerment...........................................................................................................................................82 Arquitetura escolar e indisciplina.............................................................................................................83 Referências ...........................................................................................................................89
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  • 7. Apresentação N o meu bairro existe uma escola, e é bem possível que no seu também exista. Estamos acostu- mados a passar em frente delas, a sabermos que muitos de nossos vizinhos estudam lá e até mesmo alguns de seus funcionários e professores são moradores próximos. Mas, para além dessas constatações óbvias, podemos ainda pensar: Qual é o contato real entre escola e bairro? Como a vida social das pessoas interfere e é interferida pela instituição escolar? Enfim, quais relações po- demos traçar entre escola e sociedade? Para respondermos a essas perguntas temos de pensar na educação, porque tal instância não é um produto mecânico de métodos e fórmulas de ensino, ela tem um processo, uma razão de ser, ou seja, uma história. Essa história, como veremos, está profundamente ligada ao que se passa na sociedade. De fato, educação e sociedade são parceiras de um conjunto de significados em comum. Isso nos mostra como é impossível pensar a sociedade sem levarmos em consideração a educação e vice-versa. É com essa certeza que estudaremos a escola e a sociedade partindo de uma constatação pri- mordial: a natureza do homem é viver coletivamente. Por um lado, essa vida coletiva é algo, difícil, mas por outro, é recompensador. Na escola também vivemos coletivamente, e sabemos que isso nos oferece muitas alegrias e também dificuldades. Temas como violência, drogas, sexualidade, trabalho, indisciplina, preconceito e intolerância, entre outros, emergem dessa convivência e, por isso, devem ser objetos de estudo e capacitação docente. Refletiremos sobre esses temas e pensaremos em algu- mas linhas de atuação. Quando pensamos nessa relação entre escola e sociedade também devemos nos perguntar por que estamos preocupados com isso qual é nossa participação nesse contexto. Talvez muitos de vocês trabalham ou irão em escolas. Paralelamente, todos nós vivemos em comunidades, cidades, bairros. Como é que vamos conciliar nossos saberes e nossas experiências nesses dois espaços diferentes de nossas vidas? Há integração entre essas esferas de nossa experiência? Podemos transpor saberes de um local para outro? Tais perguntas exigem que nós saibamos articular conhecimentos sociais e pe- dagógicos. Mais que isso, assim como nós, os alunos também possuem experiências sociais comple- mentares às escolares e, certamente, as carregarão para a vida na escola, exigindo de nós a capacidade para lidar com suas expectativas, desejos, conhecimentos e personalidades. Devemos conhecer o entorno da escola e construir diálogos, compreender a vida social que nos cerca e que de fato compõe o que somos. Essas tarefas importantes e amplas não serão esgotadas nos textos que se seguem, mas os temas apresentados certamente são atuais e necessários para refletirmos sobre essa relação entre a escola e sociedade. Após tais reflexões, é possível que vejamos a escola do nosso bairro de um modo novo, integrada à vida social e parte importante de nossa forma de viver coletivamente.
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  • 9. Introdução ao conceito de sociedade e de vida coletiva Odilon Roble* S e observarmos os seres que vivem em nosso planeta, notaremos que ma- cho e fêmea de algumas espécies vivem isoladamente, unindo-se apenas no período de acasalamento. No entanto, sabemos que a maioria dos animais busca a vida em conjunto. Quais são as vantagens das associações entre indivíduos? Que comporta- mentos e regras emanam dessa convivência? O homem também faz esse tipo de associação? Quais são as características peculiares da vida coletiva estabe- lecida entre seres humanos? Estabelecimento da vida social Essas perguntas e tantas outras são objeto de estudo da ciência e, quando di- zem respeito ao homem em especial, fazem parte das chamadas Ciências Humanas. Entre elas, a área que mais se dedica ao estudo do homem em sociedade é a Socio- logia. Entretanto, compreender o comportamento humano a partir de suas relações sociais, entender o funcionamento das instituições e refletir sobre o regulamento da vida coletiva são tarefas que interessam a todos que trabalham com pessoas. A escola, por exemplo, além de ser o espaço da teoria e da prática pedagógi- ca, é um local de convivência coletiva. Assim, até mesmo essas teorias e práticas pedagógicas precisam compreender as bases das relações entre os homens para poder melhor orientar as ações referentes ao cotidiano escolar. É verdade que nem sempre o homem formou sociedades, ou não eram estru- turadas da forma como são as sociedades atuais. Nossos ancestrais mais distantes comportavam-se como coletores, ou seja, eram nômades, não fixando território para viver e alimentando-se de vegetais e animais que encontravam por onde passavam. Mas ao longo do desenvolvimento da espécie humana, duas grandes mudanças le- varam a humanidade a um patamar inigualável com relação às demais espécies. Vejamos a seguir essas duas mudanças. A primeira mudança refere-se ao fato de abandonarmos uma posição quadrúpede para assumir uma postura bípede e ereta, passamos a ter um campo de visão ampliado, o que nos possibilitou enxergar alimentos, água ou ameaças muito Doutor e Mestre em Edu- cação pela Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Uni- camp). Bacharel em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC- -Campinas). É membro pes- quisador do Violar – grupo de estudos sobre o imaginá- rio, práticas culturais, violên- cia e educação da Unicamp. 7
  • 10. mais distantes que outrora. Além disso, a postura bípede liberou as mãos que serviam de apoio, permitindo que o homem explorasse toda sua motricidade fina e assim construísse instrumentos e armas. Divulgação. Associados em grupos, os homens dividiam as tarefas, otimizando o tempo e melhorando a qualidade de vida por meio das relações sociais. Homem primitivo, com instrumentos de caça e proteção. Observe que tais instrumentos não são produzidos, mas encon- trados pelo caminho. Domínio público. A segunda grande mudança deu-se à medida que o homem começou a constituir grupos socialmente estáveis e passou a viver em coletividade. Nesses agrupamentos, homens e mulheres procriavam, dividiam as tarefas, revezavam-se na proteção uns dos outros e trabalhavam em conjunto para manter vivos e sadios todos os indivíduos participantes dessa comunidade. Com o tempo, os grupos passaram a viver em territórios fixos e terem uma forma simples, porém efetiva, de divisão social. Redes de sociabilidade O trabalho passou a ter papel fundamental na estruturação social. Quanto mais as sociedades tornaram-se complexas, maior e mais especializada tornou- -se a divisão do trabalho. Cada elemento do grupo social passou a ter funções específicas de modo a otimizar as ações, o que contribuiu muito para diferenciar os papéis sociais assumidos pelos indivíduos de um mesmo grupo. Com o tempo, não só o trabalho, mas muitas outras atividades foram compartilhadas. Com isso, podemos perceber como o trabalho influenciou fortemente a formação de condu- tas e comportamentos. Essas condutas são de grande importância para a estruturação da vida co- letiva, pois elas indicam como o indivíduo deve se comportar no interior de cada agrupamento. Aqueles que não se comportam de acordo com o esperado não rece- bem o apoio dos demais, ou seja, são evitados ou até mesmo banidos, dependendo do local em que buscam se inserir. Isso indica que conhecer os diferentes modos de vida de uma sociedade é fundamental para orientar nossas ações, pois são esses modos os responsáveis por caracterizar e diferenciar as diversas sociabili- dades humanas. Elas podem constituir-se em associações, tribos, comunidades, civilizações e diversos outros tipos de sociabilidades. Introdução ao conceito de sociedade e de vida coletiva 8
  • 11. O importante é destacar certos motivos que levam os indivíduos a se unirem entre si. Uma comunidade pode ser formada devido à proximidade de interesses e gostos de seus participantes. Um exemplo que nos permite entender como as possibilidades de associação entre indivíduos tornaram-se múltiplas é a infinidade de comunidades formadas nas redes sociais via internet. A grande rede mundial de computadores estabelece sites de relacionamento, de aficionados por filmes e músicas ou qualquer outro aspecto que estabeleça identificação entre as pessoas. As sociedades são grandes redes por meio das quais as pessoas se relacio- nam e, assim, estruturam o próprio modo de vida. As regras, leis e normas surgem dessa vida estruturada em coletividade com intuito de orientar a conduta humana em favor do bem-estar de todos. Ao optar por ser conduzido por essas normas sociais, o indivíduo tem a garantia de proteção contra interesses de outros indivíduos que possam vir a pre- judicá-lo. De modo geral, viver coletivamente consiste no estabelecimento de um grande acordo entre as diversas partes, que sustenta os interesses comuns e man- tém unida a coletividade. O fim último da norma social, portanto, é o da manutenção do estado de paz, do respeito mútuo e da boa convivência entre os indivíduos que vivem juntos. Teorias sobre a sociedade: breve mapeamento Thomas Hobbes, filósofo inglês do século XVII, con- cluiu que o estado natural dos indivíduos não é o de paz, mas sim o de guerra. Entregues puramente aos interesses individuais e agindo de acordo com os próprios impulsos, os homens viveriam num estado de “guerra de todos con- tra todos” (HOBBES, 2003). No entanto, essa situação não ocorre porque os indivíduos estabelecem um pacto, um contrato por meio do qual estão comprometidos a agir de acordo com a lei, formulada, discutida e aprovada pelos ho- mens, que também são responsáveis por aplicá-la em seu dia a dia. A partir do pensamento de Thomas Hobbes, a so- ciedade é uma necessidade humana, posto que o indivíduo não vive sozinho. Se entregue à sorte individual, esse homem só encontrará dificuldades e morte, mas se optar pela vida coletiva, haverá a necessidade de se ter leis, um contrato social e a normalização dos costumes. É evidente que a aplicação dessas normas e leis deverá ser policiada de modo que se faça valer o direito de julgar e de punir aqueles que não se compor- Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jaques Rousseau são os pensa- dores que deram funda- mento ao Estado Moder- no, que é a base política da maior parte das socie- dades de hoje. Domínio público. Introdução ao conceito de sociedade e de vida coletiva 9
  • 12. tam de acordo com o esperado. Essa tarefa é de responsabilidade das autoridades, das pessoas encarregadas de policiar e julgar as condutas para que se encaixem de modo “justo” nos comportamentos desejados. A “justeza” desse encaixe dá origem à palavra justiça, que se refere à obrigação do indivíduo de se comportar de acordo com o contrato social, com as leis e sob o respeito das autoridades que governam. Desse modo, podemos afirmar que há uma estrutura social para predeter- minar as leis a serem cumpridas, quem são os responsáveis por cumprí-las e quais serão as penas aplicadas aos infratores. Se levarmos em consideração tal premis- sa, não poderíamos imaginar que essa estrutura social daria margem para existir o abuso do poder por parte de algumas autoridades? Claro que sim, conforme nos mostra a própria história da civilização ocidental. Em quantas aulas de História já ouvimos a palavra autoritarismo? Fosse referente à figura de Stalin, de Pinochet, de Napoleão Bonaparte ou de tantos outros, a história dos homens conta com muitos episódios de grandes estadistas e outras figuras políticas que concentraram os poderes de uma nação (julgar, elaborar e aplicar as leis) unicamente em suas mãos. Por mais que pensemos o quão longe esses episódios históricos estão de nossos dias, devemos ter a consciência de que exemplos de autoritarismo podem ser encontrados em nosso cotidiano e em qualquer situação que apresente uma relação de poder. Na sala de aula, entre professor e aluno, pode haver abuso de autoridade. Outro exemplo pode ser encontrado em uma relação familiar. Onde quer que exista, o abuso de poder trata-se de uma degeneração do contrato social, pois o poder que foi concedido a um indivíduo ou a um pequeno grupo – com o propósito de representação de uma coletividade maior – torna-se o mecanismo de imposição de interesses pessoais desses representantes. Vejamos no quadro a seguir, a partir de Aristóteles, filósofo do século III a.C., os tipos de poder em diferentes sociedades, sua breve descrição e suas formas de degenera- ção. Tipo de Governo Característica Degeneração Monarquia Sociedade governada por um rei ou uma rainha. É o governo de “um só”. O poder real pode agir para o bem do povo, mas sua decisão é sempre soberana. Tirania: é a usurpação do direito soberano para fins pessoais ou em desacordo com a vontade popular. Aristocracia Aociedade na qual uma classe social tem privilégios sociais em relação às demais, por exemplo, o privilégio do poder econômico (plutocracia). Oligarquia: é a sociedade dirigida por pequenos grupos privilegiados e orientada para seus interesses particulares. Democracia Sociedade democrática é aquela na qual o povo exerce o poder por meios de seus representantes eleitos de modo legítimo (politeia: assembleia de cidadãos das cidades-estados) Corrupção: quando os membros eleitos para representar os interesses comuns passam a usar o poder em benefício próprio. Introdução ao conceito de sociedade e de vida coletiva 10
  • 13. Como vimos no quadro anterior, toda forma de contrato social, bem como todo tipo de governo, pode ser corrompido. Mesmo a democracia, que se compa- rada à monarquia ou à aristocracia parece ser a mais justa, também pode se dege- nerar em corrupção. Dessa forma, é preciso que aprendamos desde cedo a viver coletivamente para fazer valer nossos direitos e deveres. A escola é um espaço de convivência pública. Nossas lembranças do colégio não se restringem aos conteúdos aprendidos. Aliás, é muito comum que boa parte de nossas recordações da infância tenha alguma relação com a escola. Isso porque é nela que travamos o primeiro contato com a vida em sociedade, longe da proteção da família. No ambiente familiar também vivemos de acordo com leis e normas so- ciais, no entanto, estamos em uma esfera privada da existência. No seio da família sabemos que estamos protegidos e temos a constante sensação de sermos aceitos. Já na esfera pública, logo percebemos que não podemos contar com a aceitação e com a proteção de todos indistintamente. Temos de conquistar espaços para isso. Ao ir para a escola, a criança percebe tais necessidades e vai aprendendo realmente a viver em conjunto. Também é lá que ela vai ser exposta, pela primeira vez, a uma autoridade que não se relaciona com ela por vínculo afetivo. Mesmo que o professor tenha um grande carinho por seus alunos, sua relação com eles está fundamentada na pedagogia e não nos laços familiares. A criança tem, na escola, o protótipo do modelo social a que será exposta dali por diante. Resta observar, então, que muito embora o vetor de adaptação mais evi- dente seja o do indivíduo conformando-se aos modelos sociais, o julgamento que ele realiza acerca desses modelos pode levá-lo a ações capazes de mudar alguns padrões preestabelecidos da sociedade. Acreditar que é inexorável a adaptação dos indivíduos às normas da sociedade e que os padrões sociais são imutáveis corresponde a crer também que a sociedade em que vivemos é estática e imutável, o que não é verdade. Embora o mais comum seja o indivíduo ser influenciado pelo seu meio e se adaptar a ele, também não podemos desconsiderar as possibilidades de uma pessoa questionar os padrões já exis- tentes de sua sociedade e de instaurar algumas mudanças. Uma escola que propague a ideia de que o aluno deve sempre se adaptar ao meio, re- cusando-se a aceitar suas ideias e sugestões, estará agindo de modo coercitivo e centraliza- dor. Essa será uma escola autoritária ou aco- modada. Muitos indivíduos ousaram desafiar modelos sociais estabelecidos e tidos como imutáveis, tendo como resultado de sua luta a mudança desses padrões ou ao menos a sen- sibilização da opinião pública, o que, em um regime democrático, culmina, mais cedo ou mais tarde, na mudança de comportamentos. Martin Luther King, ativista político nor- te-americano, lutou pela igualdade de di- reitos, especialmente dos negros e das mu- lheres. Foi Prêmio Nobel da Paz em 1964. Domínio público. Introdução ao conceito de sociedade e de vida coletiva 11
  • 14. Antônio Conselheiro, líder popular bra- sileiro, levou o pequeno arraial de Canu- dos a uma verdadeira revolução social no século XIX, a Guerra de Canudos. Essa guerra é o tema de uma das mais famosas obras da literatura brasileira, Os Sertões, de Euclides da Cunha. Domínio público. Mahatma Gandhi foi um dos idealizado- res e fundadores do moderno Estado in- diano, por meio de sua revolução pela não violência contra os colonizadores britâni- cos, na primeira metade do século XX. Domínio público. Nesta seção, veremos alguns casos de crianças que, por razões diversas, foram criadas apartadas da sociedade. Tais histórias nos mostram a importância da vida social e o quanto ela interfere no desen- volvimento das habilidades humanas, muitas das quais nos diferenciam do restante dos outros animais. Essas pequenas histórias, embora sejam verídicas, receberam muitos acréscimos ficcionais como podemos pressupor. No entanto, as três nos levam a concluir que, para possuirmos uma conduta considerada “humana”, não basta sermos homens no sentido físico e biológico do termo. A convivên- cia em sociedade, ensinando-nos a linguagem, as normas de conduta e os costumes, é o que acaba por tornar o homem efetivamente humano. Mesmo algumas características biológicas dessas crianças criadas isoladamente não se desen- volveram de forma semelhante a de um indivíduo inserido em uma sociedade humana, como veremos a seguir. O ser humano se completa na sociedade. A cultura é a verdadeira responsável pela nossa natu- reza. Ela, evidentemente, não substitui a força dos fatores biológicos na constituição da vida humana. Sabemos, por exemplo, que o fator genético possui grande influência sobre o indivíduo, mas, como afirma Geertz (1989), “nós somos animais incompletos e inacabados que nos completamos e acaba- mos por meio da cultura”. A vida em sociedade é uma das tarefas mais importantes que se apresentam em nossa condição humana. O universo da escola, seja pelas características intrínsecas de vida social que apresenta ou por ser uma antecipação da dinâmica social da vida adulta, é um dos modelos mais concretos e im- portantes da sociabilidade. Nesta aula, vimos a base do que é esse viver em comum, suas principais características, o desenvolvimento do homem como ser social e as formas de poder que estabelece em sua sociedade. Introdução ao conceito de sociedade e de vida coletiva 12
  • 15. O menino selvagem de Aveyron Em setembro de 1799 um menino, de 12 anos de idade aproximadamente, foi encontrado perto da floresta de Aveyron, sul da França. Estava sozinho, sem roupa, andava de quatro e não falava uma palavra. Aparentemente fora abandonado pelos pais e cresceu sozinho na floresta. O menino, a quem deram o nome de Victor, foi levado para Paris, onde ficou aos cuidados do médico Jean-Marc-Gaspar Itard. Durante cinco anos o Dr. Itard dedicou-se a ensinar Victor a falar, a ler, a se comportar como um ser humano, mas seus esforços foram em vão. Pouco progresso foi conseguido durante esse tempo. Victor nunca falou e aprendeu a ler somente uma palavra (leite). Não era mais o menino selvagem de quando fora encontrado, mas, também, não se tornou propriamente “humano”. O enigma de Kaspar Hauser Kaspar Hauser apareceu para a sociedade em 1828, numa praça do centro de Nuremberg. Tinha aproximadamente 16 anos de idade e falava de modo confuso; suas palavras eram pouco in- teligíveis. Sua vida passada era um mistério, porém tudo indica que ele vivera preso em um celeiro desde seu nascimento. Teve pouco contato (ou talvez nenhum) com outros homens. Da mesma forma que Victor, Kaspar foi educado por seu tutor e, ao contrário de Victor, aprendeu a ler e escrever, pelo menos num certo nível em que era possível a comunicação com outras pessoas. Seu raciocínio, contudo, não foi muito adiante. Continuava a ser a mesma criança do dia em que fora encontrado. Sua visão não enxergava em perspectiva e também não conseguia apreender conceitos abstratos, como Deus e religião, apesar dos esforços de padres e educadores. Morreu 5 anos depois, assassinado, e seu passado misterioso nunca foi desvelado. As meninas-lobo da Índia Em 1920, o reverendo Singh encontrou, em uma caverna, duas crianças que viviam entre lo- bos. Suas idades presumíveis eram de 2 e 8 anos. Deram-lhes os nomes de Amala e Kamala, respec- tivamente. Após encontrá-las, o reverendo Singh levou-as para o orfanato que mantinha na cidade de Midnapore. Foi lá que ele iniciou o penoso processo de socialização das duas meninas-lobo. Elas não falavam, não sorriam, andavam de quatro, uivavam para a lua e sua visão era melhor à noite do que de dia. Amala, a mais jovem, morreu um ano após ser encontrada. Kamala viveu por mais oito anos sem, contudo, aprender a falar, ler, usar o banheiro ou a ter qualquer comporta- mento que pudesse ser considerado específico de seres humanos. A única emoção que demonstrou em todos esses anos foi algumas lágrimas que derramou, no dia em que Amala morreu. (O menino selvagem de Aveyron. Adaptado. Disponível em: <http://charlezine.com.br/victor-de-aveyron-garoto-selva gem/>. Acesso em: 28 abr. 2016.) (O enigma de Kaspar Hauser. Adaptado. Disponível em: <http://charlezine.com.br/enigma-de-kaspar-hauser/>. Acesso em: 28 abr. 2016.) (As meninas-lobo da Índia. Adaptado. Disponível em: <www.psiconlinews.com/2013/06/amala-e-kamala-as-meninas-lobo. html>. Acesso em: 28 abr. 2016.) Introdução ao conceito de sociedade e de vida coletiva 13
  • 16. 1. Com base no texto da aula, argumente qual é a importância da vida em sociedade. 2. Elabore um exemplo para cada uma das formas de degeneração do poder, a saber: tirania, oli- garquia e corrupção. Introdução ao conceito de sociedade e de vida coletiva 14
  • 17. Livros: LUCKMANN, T.; BERGER, P. L. A construção social da realidade. Petrópolis: Vozes, 2006. Trata-se de um livro clássico sobre a realidade social que aborda os fundamentos da vida cotidiana, a sociedade como realidade subjetiva e a sociologia do conhecimento. Em alusão aos temas trabalhados nesta aula, sugiro a leitura do capítulo I, item 2: A interação social na vida cotidiana. GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1989. Obra também clássica, só que mais estudada pela Antropologia e por aqueles que se dedicam a estudos culturais. Seu tema principal é a questão do significado cultural e o método etno- gráfico para pesquisa em ciências humanas. A parte II, item 2, “O impacto do conceito de cultura sobre o conceito de homem”, ilustra muito do que foi trabalhado na parte final desse texto e aprofunda a discussão. Filmes: O Enigma de Kaspar Hauser. Direção de Werner Herzog. História sobre um misterioso menino de 16 anos que, sem nunca ter tido contato com a cul- tura humana, aparece repentinamente em um vilarejo. Filmagem do grande diretor alemão Werner Herzog. Filme vencedor do festival de Cannes, é uma obra-prima do cinema e traz reflexões muito interessantes sobre a vida em sociedade, a educação e o processo civilizató- rio. A Guerra do fogo. Direção de Jean-Jacques Annaud. Filme de Jean-Jaques Arnaud que mostra o início do desenvolvimento da civilização hu- mana, ilustrando o modo como se deu a evolução de nossas formas de organização, divisão social e luta pela sobrevivência em tribos sociais. Links: Eu tenho um sonho (I have a dream), de Martin Luther King. Disponível em: <www.dhnet. org.br/desejos/sonhos/dream.htm>. Acesso em: 28 abr. 2016. O discurso do norte-americano Martin Luther King é um bom exemplo de como é possível lutar contra as injustiças sociais e mudar padrões de comportamento tidos como inflexíveis. Introdução ao conceito de sociedade e de vida coletiva 15
  • 18. 1. Espera-se que o aluno seja capaz de argumentar sobre os principais tópicos da aula: a importân- cia da vida coletiva em razão da divisão do trabalho, da segurança, da liberdade e do progresso. 2. Ao apresentar um exemplo (imaginário ou real) sobre as formas de degeneração do poder, o aluno acaba por compreender melhor a natureza do tipo de poder em questão (monarquia, aristocracia ou democracia), como também sua forma de usurpação. Esperam-se exemplos de- scritivos como: a aristocracia pode se degenerar em oligarquia quando, por exemplo, um grupo de cidadãos são escolhidos como representantes por serem os mais cultos de determinada co- munidade. No entanto, com o passar do tempo, todas as suas ações têm intenção de valorizar aqueles que possuam alguma instrução, beneficiando sempre e novamente o próprio grupo do qual fazem parte. Introdução ao conceito de sociedade e de vida coletiva 16
  • 19. Escola e pensamento social Educação grega: paideia A s relações entre pensamento social e escola sempre estiveram presentes nos diversos momen- tos da história. A escola, como uma das instituições mais importantes do contexto social, carrega importantes funções entre as quais podemos destacar a política organizacional e for- mativa, pois cabe a essa instituição o papel de educar os cidadãos. Isso significa dizer que o projeto educacional de uma escola deve visar, entre outros objetivos, transmitir o conjunto de valores de de- terminada cultura. Isso possibilita coesão e sincronia entre os indivíduos de uma sociedade de modo a haver consenso no julgamento moral das ações cotidianas. Por essas razões, encontramos no pen- samento dos mais diversos filósofos e cientistas sociais grande preocupação com a educação de seus contextos. O aspecto educacional das ideias desses pensadores geralmente é dado de modo direto – quando elegem a escola como foco de suas palavras – ou indireto – quando abordam a questão dos valores sociais, dos significados culturais e das condutas públicas. Paideia Paideia é o termo para o qual damos o nome de educação. Essa tradução é correta, mas não tem em si um entendimento abrangente. Para compreendermos de fato esse conceito, temos de perceber que, para o grego, havia um conjunto mais amplo de ações ligadas à noção de paideia. Ela era a formação do povo de um modo total e alcance profundo, ou seja, todos os valores, moral, ética, condutas e até mesmo o gosto, eram fenômenos abarcados pela paideia. Todos esses fenôme- nos apareciam nos momentos mais variados da vida grega. Na educação propriamente dita, como a familiar ou dos mestres e seus discípulos, mas também a encontramos na praça pública (cha- mada ágora), nos espetáculos de teatro, na prática da ginástica e do esporte, enfim, nos variados momentos da vida grega. Dessa forma, podemos dizer, de modo simplificado, que paideia era o aprendizado do “jeito de ser” do grego. Desde o princípio das civilizações que reconhecemos como berços de nossa cultura, a educação ocupou um papel central na construção da vida coletiva. A Grécia Antiga, que foi uma das princi- pais precursoras do modelo de sociedade ocidental, apresenta a nós exemplos muito significativos da importância da educação para seu povo e da variedade de suas formas na vida cotidiana. O primeiro grande exemplo vem antes mesmo da constituição de uma ideia de educação formal, ou seja, antes mesmo da existência de escolas, professores e alunos. A tradição oral, muito comum na transmissão dos saberes e conhecimentos práticos fundados naquilo que chamamos mitologia grega, era a princi- pal responsável por educar os valores sociais, transmitidos de geração em geração. As histórias sobre deuses e heróis, mais do que fragmentos poéticos na cultura grega, eram as direções para a vida nas cidades-Estado. Os valores expressos nos mitos orientavam o Ethos, ou seja, a conduta que regulava a vida social da dita sociedade, valores que, em conjunto, deram origem à ética. 17
  • 20. Pensemos um pouco sobre esse modo de educação social expresso pelo mito. A conhecida narrativa sobre Narciso1 , por exemplo, servia para mostrar que quem se ocupasse demais com a própria vaidade poderia ser vítima da sua egolatria. Quase todas as histórias dos heróis gregos mostravam que havia uma medida certa para coragem, ou seja, ela não poderia ser maior que a prudência ou que o limite de cada homem (métis). Aqueles que se atrevessem a ir além des- se limite, invariavelmente cairiam nos braços do destino (moira). Mnemósime era a deusa da memória, e como castigo aos que cometessem esquecimentos, ela enviava um de seus auxiliares, chamado Olvido. Não é por acaso que seu nome deu origem ao do órgão de audição humana e ao verbo “esquecer” em espanhol (olvidar). Olvido castigava os esquecidos puxando-lhes a orelha para que, por certo tempo, sentissem-na latejar. A lição, segundo a mitologia, visava mostrar que se deve ouvir mais em vez de falar. Enfim, essas e muitas outras histórias ensinavam ao povo grego sobre os perigos da vida, as melhores condutas frente a cada situação e que valores faziam parte daquela sociedade. Educar, nesse tempo, correspondia basicamente a seguir tais histórias e transmiti-las para as gerações seguintes. Com o tempo, esse modelo foi se mostrando insuficiente para a crescente racionalidade grega. Os deuses pareciam-se muito com os humanos e a educação que provinha da mitologia lentamente foi cedendo espaço para uma forma de pen- sar que atendesse às novas necessidades das cidades gregas. Necessidades como circulação de capital, desenvolvimento das artes e dos esportes, contato com no- vos povos a partir da expansão grega, enfim, fatores que mostraram ao grego que, para conhecer o mundo mais amplamente, apenas as narrativas de seus deuses não bastavam. Foi necessário, então, o desenvolvimento de uma nova educação, mais racional e experimental. Foi nesse sentido que al- guns filósofos gregos clássicos passaram a constituir modos de ensino sistematizados, em lo- cais específicos para a prática educativa, visando uma cultura elevada. Platão, por exemplo, criou a Academia, local em que seus discípulos eram educados. Já seu mais nobre discípulo, Aristóteles, seguiu o mesmo ca- minho, instituindo o Liceu, no qual eram desenvolvidos estu- dos junto a seus seguidores. O mais importante, no entanto, é percebermos que o pensamento que se desenvolve nesses locais está cada vez mais afinado às necessidades sociais de seu contexto sócio-histórico. A vida do homem na cidade passou a ser objeto central das preo- cupações dos grandes pensadores. A virtude, os valores e a conduta tornaram-se objetos de estudo, discussão e pesquisa. Essa é a forma de educação grega que ficou conhecida como paideia. 1Narciso, personagem da mitologia grega, ficou conhecido pela sua enor- me vaidade. Certa vez, ao agachar-se junto a um lago bastante limpo para servir-se de um pouco de água, viu seu próprio reflexo no lago e, em razão de seu exagerado amor- -próprio acabou apaixonado pela própria imagem. De tan- to contemplar-se no reflexo distraiu-se e caiu no lago, morrendo afogado. Ânfora Ática (tipo de vaso) ilustrando a vitória de Teseu sobre o Minotauro (cerca de 550 a.C.). Na arte, o grego contava suas narrativas e constituía uma poderosa forma de educação de seu povo. Domínio público. Escola e pensamento social 18
  • 21. Idade Média: educação cristianizada A influência do tipo de educação dos gregos foi bastante vasta e pode ser sentida até os dias de hoje. No entanto, no período que conhecemos como Idade Média, alguns dos valores advindos do modelo de educação grega foram repensa- dos e modificados de acordo com a doutrina cristã, responsável por dominar a cena religiosa do período (séculos V a XV). Dessa forma, os valores cristãos passaram a fazer parte da educação e dos modelos de vida social como referência de vivência e constituição política. A humildade, o sacrifício e a solidariedade, por exemplo, passaram a fazer parte da formação do cidadão e, por isso, passaram a fazer parte da educação dos mais jovens. Os pensadores dessa época associavam razão à fé. Dessa forma, a educação, tinha a tarefa de ensinar a viver entre os homens, mas também de prepará-los para a vida com Deus. Na visão de Santo Agostinho – um dos maiores pensadores do cristianismo e um dos pilares do pensamento medieval – a convivência terrena, com suas limitações e pecados, correspondia àquilo que ele chamou de “Cidade dos Homens”. Toda educação tinha que preparar o fiel para superar as limitações dessa vida terrena, encontrando paz e plenitude na “Cidade de Deus”. Sem nos enveredarmos por discussões teológicas, concentremo-nos no foco de nossa temática, ou seja, percebamos como essa forma de pensamento social conduz à educação que se desprende de valores como os do corpo, dos prazeres ou das riquezas. A educação afinada com os propósitos cristãos concentrava-se na disciplina e na ascese, ou seja, na prática da norma moral. Muito da tradição do que conhecemos por educação moral, ainda hoje, deve certa herança aos preceitos pre- conizados pelo ensino medieval. No entanto, diferentemente da época medieval, nos dias de hoje consideramos que a educação deve ser laica, ou seja, independente do direito à crença de qualquer aluno, pois as orientações que fundamentam o en- sino devem ter caráter eminentemente pedagógico. Renascimento e educação: todos somos iguais O Renascimento, movimento cultural (literário, artístico e filosófico) posterior à Idade Média, teve início na Itália (séculos. XIV ao XVI) e sua principal característi- ca é a retomada dos valores gregos e romanos nas artes, na cultura e no conhecimento em geral. Além de promulgar reavivamento de muitos aspectos da cultura greco-ro- mana clássica, durante esse período também houve muitas mudanças na relação entre pensamento social e educação. O período foi designado como o do renascer, porque nessa época a sociedade ocidental, que durante dez séculos esteve guiada pelo pensa- mento católico, voltou-se para as preocupações ligadas propriamente ao homem e seu mundo humano. O peso da religião na Idade Média fez com que toda cultura e educação esti- vessem voltadas para Deus, por isso dizemos que a visão de mundo nesse período era teocêntrica, ou seja, tinha Deus como centro de todas as relações sociopolíti- cas. No Renascimento, a grande mudança na visão de mundo consistiu em colocar Escola e pensamento social 19
  • 22. o próprio homem no centro do universo. Lentamente, o teocentrismo foi sendo substituído pelo antropocen- trismo (anthropos = homem). Em todos os campos da vida social foi possível sentir essa mudança. Com o passar do tempo, os artis- tas do renascimento italiano, que em suas pinturas e obras expressaram a temática religiosa, foram adotan- do caráter antropocêntrico em suas criações2 . Por exemplo, o São Jorge, de Donatello (figura ao lado), trata-se de um santo, portanto a escultura é de um tema religioso. No entanto, sua aparência frágil e mundana é a de um homem como outro qualquer. Vemos que mesmo os personagens religiosos passaram, na visão renascentista, a atender ao desejo da época de colocar o ser humano em evidência. A mudança de perspectiva presenciada no pe- ríodo do Renascimento se dá com tanto ímpeto que mesmo personagens não pertencentes nem à realeza nem ao clero, passam a ser objetos de retratos e obras de arte, como é o caso da famosíssima Mona Lisa, de Leonardo da Vinci. Todo esse novo panorama se fez sentir na vida social e evidentemente projetou-se na educação da época. Conhecer passou a ser sinônimo de pesquisar, investigar, refletir sobre o papel do homem no próprio mundo. Percebemos assim que a ciência e as técnicas, como a geometria, passaram a ser muito importantes nesse contexto. Voltando ao exemplo de Leonardo da Vinci, homem que representa muito bem o espíri- to dessa época, podemos lembrar que, além de pintor, ele também era inventor, geômetra, astrônomo e anatomista. O que une todas essas capacidades de Le- onardo é o desejo constante de entender o homem e o mundo. A educação, com isso, passa a ter caráter sensivelmente menos elitista. É verdade que essa época ainda estava muito distante de uma real popularização do ensino, concretizada parcialmente apenas no fim do século XIX. No entanto, ao estudar o homem pelas suas características naturais, uma diferença menor (ou, de fato, inexistente) começa a aparecer entre homem nobre e o homem do povo. Todos nós, ricos ou pobres, temos características comuns como seres humanos, ideia inadmissível em tempos anteriores aos do Renascimento. Lentamente, a noção do homem como ser biológico e o mundo como realidade material, ambos atendendo a leis físicas, foram constituindo-se como fatos ine- gáveis. No entanto, mudanças tão profundas no pensamento social e na educação costumam gerar controvérsias e, nesse caso, não foi diferente. No entanto, a mudança de perspectiva com relação à figura humana trouxe algumas rupturas ao pensamento educacional da época. O estudo da anatomia, por exemplo, levou as pessoas a constatarem que boa parte das diferenças entre os homens não eram propriamente físicas ou biológicas. Elas não são desígnio divino e só existem porque o próprio homem possui a necessidade de estratifi- 2Um exemplo de obras reali- zadas nessa época de tran- sição cultural é a pintura do teto da Capela Sistina, pintada por Michelangelo, ou a Santa Ceia, de Leonardo da Vinci. São Jorge, de Donatello (1416-1917). Domínio público. Escola e pensamento social 20
  • 23. car sua sociedade de forma a organizá-la de acordo com sua visão de mundo. A ideia de que todos – ricos ou pobres – são biologicamente iguais foi inadmissível durante muito tempo. Com o Renascimento, a educação e a busca pelo conheci- mento do homem em todos os aspectos fizeram emergir uma nova verdade entre a população: o homem é um ser biológico e vive em uma realidade material que, invariavelmente, atende a leis físicas imutáveis. Uma das maiores polêmicas do fim da Idade Média, protagonizada primeiro por Nicolau Copérnico (1473-1543) e, posteriormente, por Galileu Galilei (1564- -1642), ilustra bem os novos rumos do pensamento nascente. Trata-se da teoria heliocêntrica, a qual sustenta que a Terra gira em torno do Sol e não o contrário, como se pensava. O pensamento social costuma não aceitar grandes mudanças em pouco tempo. A educação também costuma ser assim. A pedagogia não abandona suas práticas a qualquer momento, e é preciso que haja um grande movimento nas for- mas do conhecimento para novos saberes serem incorporados à prática educativa. Isso nos ajuda a compreender a força da tradição oral e dos saberes que passam de pais para filhos. Uma escola que queira romper padrões ou implantar novos saberes precisará sempre de argumentos favoráveis e bastante convincentes para fórmulas antigas cederem às novidades. Modernidade e discurso No plano do conhecimento, além das mudanças anteriormente apresenta- das, o Renascimento também foi responsável por abrir terreno para a investigação da realidade, que seria definitiva na substituição da verdade teológica3 vigente até o final da Idade Média. Essa verdade sofre um abalo com o desenvolvimento do pensamento humanista-renascentista. Esse pensamento, por sua vez, foi res- ponsável por dar visibilidade a outro tipo de conhecimento, o racional-científico, baseado na investigação, no método e na empiria (experiência). A partir da modernidade (século XVII), a religião não era mais a responsá- vel por explicar o mundo, mas sim as ciências, que, com seus métodos e observa- ções, afirmaram ser o discurso científico a única verdade legítima e verificável. Os estudos empíricos, ou seja, aqueles realizados em laboratórios ou diretamente no meio ambiente, ofereceram dados para o conhecimento humano que jamais haviam sido explorados anteriormente. Com isso, a educação também passou por transformações. A filosofia de Descartes, por exemplo, inaugurou uma verdadeira revolução no modo de pensar ao instituir a “dúvida metódica”. Essa dúvida é originada pela aplicação de um método rigoroso de pensamento, de que devemos duvidar de tudo aquilo que não pode ser suficientemente comprovado por dados claros e distintos. Você já deve ter percebido que essa é a base da ciência moderna e até da construção do co- nhecimento de maneira geral. Ninguém, no campo científico ou acadêmico, ousa afirmar qualquer coisa que não seja passível de comprovação. Sem tais dados, sua posição, mesmo que aparentemente bem apresentada e fruto de raciocínio 3Dizer que havia uma ver- dade teológica é compre- ender que a noção de verdade, ou seja, do bom senso e da ra- zão, eram guiadas pela orien- tação religiosa, como de fato já vimos. Escola e pensamento social 21
  • 24. elaborado, pode ser tomada como mera especulação. Podemos dizer que a educa- ção absorveu completamente o modo de pensar moderno, o da verdade científica e da dúvida metódica. Outra obra responsável por causar profundas revoluções no modo de ver o homem e o mundo foi o estudo de Charles Darwin sobre a origem das espécies. Tal estudo retificou uma das mais tradicionais verdades teológicas, a da criação do mundo e do homem, representada pela história bíblica de Adão e Eva. Darwin nos apresenta um modelo de evolução da nossa espécie, no qual o homem descen- deria de ancestrais bem primitivos, semelhantes aos primatas. Isso causou grande desconforto na época e violentas reações por parte dos defensores das verdades bíblicas. No entanto, os estudos de Darwin estavam amplamente baseados em dados, amparados por anos e anos de pesquisa científica. A teoria desse pesqui- sador se encarregou de separar a verdade teológica da científica. Por isso, hoje em dia é socialmente aceitável que os indivíduos tenham sua crença e sigam os preceitos que ela determina. Hoje já existem aqueles que idealizam a união dessas duas formas de verdades, vendo possíveis elos nos quais elas não se negariam. No entanto, para a educação moderna isso foi uma tarefa difícil e houve muitos choques. Como dito anteriormente, uma discussão teológica não é nosso objetivo aqui, mas temos de perceber religião e ciência como formas do pensamento social e como grandes pilares para educação por meio dos tempos. Até o Renascimento, predominava a religião como explicação da vida; da Idade Moderna aos dias de hoje, prevalece a busca pela verdade através do método científico. Ainda que a ciência seja uma tônica da modernidade, devemos perceber que muitas teorias diferentes abordaram a questão do homem em sociedade e, muitas delas, conferiram importante relação com o fenômeno da educação. Existem vá- rios teóricos dos séculos XIX e XX que se destacaram nesse enfoque, mas para visualizarmos um pouco dessa pluralidade de abordagens, típicas da modernida- de, foquemos ao menos em, três desses pensadores, especialmente no que eles têm a nos apresentar sobre a relação da sociedade com a educação. Durkheim e a educação moral O primeiro pensador é Émile Durkheim4 . Considerado um dos pilares do positivismo5 , Durkheim acredita que o ser humano, ao nascer, é uma espécie de tábula rasa, um elemento vazio, uma espécie de recipiente que devemos completar para a criança ser, de fato, um homem. Justamente aí está o papel da educação na concepção do autor. No entanto, por essa via, Durkheim acredita que o indivíduo não cria nada de novo em sua própria educação, a sociedade lhe impõe o que ele deve saber. Não há como educar um filho, por exemplo, do modo que queremos. Temos de agregar a ele os valores vigentes da sociedade em que estamos, pois são os únicos verdadeiramente válidos. Chamamos isso de determinismo social. Em- bora haja lógica no pensamento de Durkheim e pareça tentadora sua visão sobre educação, a extensão desse determinismo social acaba por justificar ideologias e formas de pensamento que agem de modo conservador. Se a sociedade impõe 4Émile Durkheim (1858- -1917) é um dos pais da sociologia moderna, conferin- do grande ênfase aos fatos so- ciais e à questão da moralidade. 5Corrente sociológica cujo precursor foi Augusto Comte (1789-1857) e que re- cusa conhecimentos teológi- cos ou metafísicos, apegan- do-se a valores radicalmente humanos em uma herança intelectual do Iluminismo. Escola e pensamento social 22
  • 25. tudo ao indivíduo, é legítimo aceitarmos, por exemplo, as divisões sociais, as in- justiças e as separações. Mesmo em um regime democrático, a sociedade teria de impor essas diferenças para sua própria sobrevivência, e a educação, nesse con- texto, teria de assumir o papel de conformar os indivíduos a essa realidade. Mui- tas vezes, encontramos uma educação elitista que apregoa valores diferentes para ricos e pobres, supondo que a escola para os mais favorecidos deve tratar da alta cultura, e a escola para os menos favorecidos deve limitar-se a saberes práticos. Enfim, o determinismo social, consequente das ideias de Durkheim, pode nos levar a uma educação a serviço das diferenças sociais. É por isso que a educação, em Durkheim, deve ser entendida como educação moral. De fato, há uma obra de Durkheim chamada Educação Moral, na qual ele aplica em termos pedagógicos sua concepção sociológica de que o homem deve adaptar-se aos valores vigentes. Karl Marx e a luta de classes Um ponto de vista contrário ao de Durkheim foi apresentado por Karl Marx6 . Para ele, não há determinismo social, o que encontramos é uma luta de classes, ou seja, a imposição das ideias de alguns sobre outros. Nossa sociedade é dominada pelas relações de trabalho, pelas formas de produção. Há uma dife- rença abrupta entre aqueles que detêm os meios de produção, aqueles que são os donos da terra, da fábrica etc. e aqueles que vendem sua força de trabalho em troca de salários, como empregados da fazenda ou da fábrica. Como os que detêm os meios de produção se valem do lucro do trabalho executado pelos que vendem sua força de trabalho, os detentores dos meios de produção são membros de uma classe que enriquece enquanto os trabalhadores permanecem como escravos de suas ocupações. A classe dos donos dos meios de produção, portanto, acaba por impor suas vontades, uma vez que ela determina as relações de trabalho e domina os que estão sob seu controle. Por essa razão, tal classe é chamada, por Karl Marx, de classe dominante, a classe que vende sua força de trabalho é chamada de classe dominada. Em todas as esferas da vida social acaba por haver imposição de valores da classe dominante. O determinismo a que se referia Durkheim não é de fato algo natural e inevitável, mas corresponde a certa visão de mundo, fruto da imposição de um conjunto de valores. A educação, nesse contexto, tem o risco de se vergar a essa visão de mundo e representar as ideias da classe dominante como sendo a verdade. Na proposta de Marx, há de se tentar superar esses valores dominantes e se instituir novas formas de interpretação, vindas também da classe dominada, que de fato representa a maioria das pessoas. De qualquer forma, a crítica de Marx colabora para percebermos que os valores da sociedade não são naturais ou imutáveis. Representam uma visão de mundo oriunda de uma classe social definida e com interesses bastante particulares. Essa percepção nos ajuda muito a pensar sobre o papel da educação na sociedade, alertando para não nos inclinar- mos sem reflexão a tais valores e sermos capazes de propiciar um ensino amplo, que contemple as várias visões de mundo próprias da realidade social em sua diversidade e pluralidade. 6Filósofo alemão do sécu- lo XIX (1818-1883), outro pilar fundamental da sociolo- gia e precursor dos ideais que sustentam tanto o socialismo como o comunismo. Escola e pensamento social 23
  • 26. Nietzsche e a educação para celebrar a existência Outra posição interessante e marcante do pensamento contemporâneo sobre a relação do homem com seu meio vem de Friedrich Nietzsche7 . Para ele, somos vergados a um peso da moral desde tempos muito antigos. Mais especificamente, podemos dizer que a cultura ocidental, quando deixou de lado aspectos do mundo grego que valorizavam a vida e a existência, passou a assumir caráter racional e desapegado do mundo. O advento do cristianismo colaborou para esse desapego, pois ao prometer uma vida eterna, não terrena, acabava por desprezar a existência nessa vida. Já discutimos suficientemente esse ponto ao observarmos a Idade Mé- dia. No entanto, Nietzsche vai além em sua observação e nos demonstra que houve uma genealogia da moral, ou seja, formação de valores oriunda desses aspectos, de tal modo profunda, que hoje, mesmo em um panorama social diferente, acabamos por considerar o certo e o errado, o bem e o mal a partir dessa visão de mundo moralizada. Para Nietzsche, uma educação verdadeira deve almejar um homem forte. Isso corresponde a um indivíduo que não se vergue a essa tábua de valores que despreza a vida. A educação deve valorizar a existência e fazer com que o indiví- duo se recuse a aceitar os valores daquilo que Nietzsche chama “moral de reba- nho”. Nesse “rebanho”, o que impera é o ressentimento, a fraqueza e a submissão. O espírito que a educação deve oferecer ao homem, para Nietzsche, é o espírito forte, aquele capaz de assumir sua própria vida como projeto maior e perceber na cultura elevada não um código para a polidez social, mas antes uma forma de assumir o projeto humano como meta para si mesmo. Por muitas vezes, a filosofia de Nietzsche foi acusada de irracionalista, mas isso não passa de engano, pois o que Nietzsche propunha era uma elevação das potencialidades humanas, inclusive da potencialidade da razão, mas sem termos de assumir uma carga moral que nos impeça de experimentar a vida de modo mais amplo e intenso. Percebemos, assim, como a educação tem papel fundamental no pensamento de Nietzsche, pois cabe sobretudo a ela o desenvolvimento desse espírito forte e uma reflexão crítica sobre os valores morais vigentes. Uma boa educação, atualmente, deve ser capaz de oferecer ao aluno con- dições de analisar o conhecimento pelas mais diversas formas e estimular sua reflexão e senso crítico de modo que ele seja capaz de formular sua própria opinião sobre o assunto. Neste breve retrospecto da educação pudemos perceber que há uma pro- funda e inseparável união entre pensamento social e educação. As formas e os conteúdos educativos estão em sincronia com o pensamento de sua época. Ao mesmo tempo, é justamente a boa educação que pode propiciar novos pensadores e formuladores de novas ideias para a sociedade. Podemos concluir, portanto, que o pensamento social e a educação caminham juntos, um alimentando o outro, no objetivo que o homem sempre se colocou, o de compreender, o quanto mais possí- vel, o mundo e a existência. 7Um dos maiores filósofos do século XIX (1844- -1889), chamado, ao lado de Freud e Marx, como um dos “Mestres da Suspeita”. Cons- truiu uma severa crítica da cultura ocidental, especial- mente em relação aos valores judaico-cristãos. Escola e pensamento social 24
  • 27. Paideia: a formação do povo grego (JAEGER, 2003, p. 13-14) A posição específica do helenismo na história da educação humana depende da mesma parti- cularidade da sua organização íntima – aspiração à forma que domina tanto os empreendimentos artísticos como todas as coisas da vida – e, além disso, do seu sentido filosófico do universal, da percepção das leis profundas que governam a natureza humana e das quais derivam as normas que regem a vida individual e a estrutura da sociedade. Na profunda intuição de Heráclito, o universal, o logos, é o comum na essência do espírito, como a lei é o comum na cidade. No que se refere ao problema da educação, a consciência clara dos princípios naturais da vida humana e das leis imanentes que regem suas forças corporais e espirituais tinha de adquirir a mais alta importância. Colocar esses conhecimentos como força formativa a serviço da educação e formar por meio deles verdadeiros homens, como o oleiro modela a sua argila e o escultor as suas pedras, é uma ideia ousada e criadora que só podia amadurecer no espírito daquele povo artista e pensador. A mais alta obra de arte que seu anelo se propôs foi a criação do homem vivo. Os gregos viram pela primeira vez que a educação tem de ser também um processo de produção consciente. “Constituído de modo correto e sem falha, nas mãos, nos pés e no espírito”, tais são as pala- vras pelas quais um poeta grego dos tempos de Maratona e Salamina descreve a essência da virtu- de humana mais difícil de adquirir. Só a este tipo de educação se pode aplicar com propriedade a palavra formação, tal como a usou Platão pela primeira vez em sentido metafórico, aplicando-a à ação educadora. A palavra alemã Bildung (formação, configuração) é a que designa de modo mais intuitivo a essência da educação no sentido grego e platônico. Contém ao mesmo tempo a configu- ração artística e plástica, e a imagem, a “ideia”, ou “tipo” normativo que se descobre na intimidade do artista. Em todo lugar onde essa ideia reaparece mais tarde na História, ela é uma herança dos Gregos, e aparece sempre que o espírito humano abandona a ideia de um adestramento em função de fins exteriores e reflete na essência própria da educação. O fato de os gregos terem sentido essa tarefa como algo grandioso e difícil e se terem consagrado a ela com ímpeto sem igual não se explica nem pela sua visão artística nem pelo seu espírito “teórico”. Desde as primeiras notícias que temos deles, encontramos o homem no centro de seu pensamento. A forma humana dos seus deuses, o predomínio evidente do problema da forma humana na sua escultura e na sua pintura, o movimento consequente da filosofia desde o problema do cosmos até o problema do homem, que culmina em Sócrates, Platão e Aristóteles; a sua poesia, cujo tema inesgotável desde Homero até os últimos séculos é o homem e o seu duro destino no sentido pleno da palavra; e finalmente, o Estado grego cuja essência só pode ser compreendida sob o ponto de vista da formação do homem e de sua vida inteira: tudo são raios de uma única e mesma luz, expressões de um sentimento vital antropocêntrico que não pode ser explicado nem derivado de nenhuma outra coisa e que penetra todas as formas do espírito grego. Assim, entre os povos, o grego é o antropoplástico. Escola e pensamento social 25
  • 28. 1. Com base no que foi estudado, argumente qual a relação entre pensamento social e educação na época estudada nesta aula. 2. Analise a diferença para a educação de uma visão de mundo centrada em Deus (teocêntrica) e outra centrada no homem (antropocêntrica). Escola e pensamento social 26
  • 29. Livros: JAEGER, W. Paideia: a formação do povo grego. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2013. Trata-se de um livro clássico sobre os primórdios da educação e as estruturas sociais do classicismo grego. Referência indispensável nos estudos helenistas, nos aponta a origem fundamental da educação na cultura ocidental. ARANHA, M. L. A. História da Educação e da Pedagogia. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2006. A autora, que também escreve sobre filosofia, faz um retrospecto sobre a escola e a educação em geral na cultura ocidental, mas sempre com grande ênfase na relação entre esse movi- mento e o do pensamento social. DESCARTES, R. Discurso do Método. São Paulo: L&PM, 2013. Essa obra do filósofo francês René Descartes, considerada como ponto inaugural da filosofia moderna. A dúvida como método, tal qual explicada no texto, é formulada e proposta por Descartes de modo a balizar de maneira muito profunda o pensamento e a ciência moderna. Links: Sociedade Brasileira de História da Educação. Disponível em: <www.sbhe.org.br/>. Esse site permite o acesso de profissionais de educação e estudantes à íntegra da revista eletrô- nica da SBHE, com diversos artigos sobre história da educação, tanto geral como brasileira. Filme: A ORIGEM (Inception). Direção de: Christopher Nolan. Warner Bros, 2010. O filme retrata a discussão acerca da realidade do sonho tendo como referência a teoria racio- nalista de René Descartes evidenciada na obra Discurso do Método. 1. Para elaborar a resposta para essa atividade você deverá ser capaz de argumentar sobre os prin- cipais tópicos desta aula: as diversas relações possíveis entre pensamento social e fenômeno da educação, passando pelo tema da educação na época da Grécia Antiga, na Época Medieval e na Época Moderna. Ressalte os pontos que você considerou mais importantes. 2. Ao apresentar as diferentes visões de mundo o aluno deve compreender que uma educação fundamentada no homem volta-se para temas relacionados ao mundo, à existência terrena e à ciência de modo geral. A visão de mundo dita teocêntrica ficará ancorada em ideais religiosos que acabaram por servir a propósitos políticos de segregação e elitização. Uma educação antro- pocêntrica deve partir da igualdade entre os homens, além de ter como objetivo central o desen- volvimento das potencialidades humanas nos mais variados campos. Essa distinção importante deve aparecer no padrão de resposta. Escola e pensamento social 27
  • 30.
  • 31. Teorias educacionais, sociedade e escola A s relações entre escola e seu meio social sempre foram efetuadas em dupla direção, tanto a sociedade foi responsável por influenciar as teorias educacionais como a escola determinou alguns aspectos que afetaram a vida da sociedade. ESCOLA impacto SOCIEDADE Ao longo da história da educação, podemos perceber que essa dinâmica recíproca entre escola e sociedade se dá de maneiras diferentes, de acordo com o contexto. Algumas teorias educacionais estão ou já estiveram intimamente relacionadas com a sociedade. Por outro lado, há outras que se fecham unicamente no ambiente escolar. Ao percebermos as diferenças e características de cada uma dessas vertentes, podemos construir um conhecimento mais sólido sobre o alcance delas no âmbito social. Só assim é possível construir um saber capaz de relacionar a vida em sociedade com os proce- dimentos concretos que acontecem no interior da escola. Teorias sociais X teorias educacionais Partindo do pressuposto filosófico de que o conceito de crítica é o de exame de um objeto de modo racional, o mais isento possível de preconceitos, visando à construção de um novo conhecimen- to – podemos considerar como teoria crítica, portanto, toda aquela que atenda a essa exigência de um novo saber. Por outro lado, consideremos como não críticas aquelas vertentes que não tenham o mesmo objetivo ou até mesmo o recuse. Se uma teoria crítica preocupa-se sempre em enfocar a realidade social em sua reflexão, uma abordagem não crítica pode mostrar-se distante de tal realidade. Um exemplo de teoria crítica da educação encontra-se no livro de Dermeval Saviani, intitulado Escola e Democracia (1997). Assumiremos essa orientação tanto para caracterização de uma teoria crítica como para apontar outros tipos de teorias. Uma teoria crítica é, portanto, aquela que leva em conta os problemas sociais; e não crítica é aquela que não se preocupa com esses problemas, acreditando haver saberes universais que não precisam de contextualização. Ao contrário do que pode parecer, as teorias educacionais não críticas tiveram bastante visibi- lidade, em especial até meados do século XX, e ainda gozam de certa credibilidade nos dias de hoje. Se nos parece óbvio que uma teoria em educação deva ser crítica e observadora da realidade social é por termos, atualmente, uma discussão pedagógica desenvolvida ao longo das décadas nessa direção. 29
  • 32. No entanto, como veremos a seguir, há muitos aspectos aparentemente vantajosos nas abordagens não críticas, fazendo com que, muitas vezes, elas sejam franca- mente assumidas. Comecemos, então, por apontar e analisar as principais teorias educacionais classificadas como não críticas. Como já dito, o que as caracteriza é a crença de que os saberes preconizados pela escola são conhecimentos universais e, sendo assim, não precisam de contextualização com a realidade, pois serão válidos em qualquer tempo e local. Apenas para exemplificar, notemos o caso da disciplina escolar de Matemá- tica. Há um risco de a tomarmos como algo abstrato, sem conexão com a realida- de. Muitos supõem que a realidade social não está ligada à Matemática que para aprendê-la temos de seguir os passos sugeridos na escola. No entanto, um olhar mais cuidadoso da realidade nos mostra a existência de pessoas que aprendem cer- tos raciocínios matemáticos de modo prático, valendo-se de caminhos totalmente diferentes daqueles que são ensinados no ambiente escolar. Isso não indica que há uma forma melhor de se aprender Matemática ou qualquer outro saber. Demonstra, no entanto, que há muitos caminhos para obten- ção do conhecimento e a escola não é a única detentora dos saberes. Hoje é uma preocupação corrente nas ciências matemáticas a relação entre seu saber específico e a vida social cotidiana. Essa preocupação advém de uma abordagem crítica dessa disciplina. Já as teorias não críticas, pelo contrário, su- põem que o aluno deve receber da escola todas as informações necessárias para sua formação intelectual e moral. Segundo essa vertente, o que acontece fora dos muros da escola não se configura como conteúdo para a prática educativa – e a preocupação com a realidade social, quando aparece, é meramente ilustrativa, ou seja, não orienta nenhuma forma de conhecimento, apresenta apenas exemplos de conceitos previamente trabalhados. Ironicamente, os dois modelos mais conhe- cidos de teorias educacionais não críticas são quase o avesso um do outro, mas, como veremos, há uma razão na contradição existente entre eles. Estamos falando da Pedagogia Tradicional e da Pedagogia Nova. Além desses dois, há mais uma vertente conhecida como Pedagogia Tecnicista. Teorias educacionais não críticas Pedagogia Tradicional Comecemos por entender as características da Pedagogia Tradicional. Esse modelo de ensino, como o próprio nome diz, tem seu fundamento na tradição. Tradição moral, tradição intelectual e tradição de ensino. As escolas representan- tes do ensino tradicional são aquelas nas quais os fundamentos da disciplina (da conduta) são levadas ao mais alto grau. Todo saber está nas mãos do professor, que o transmite aos alunos como se eles fossem elementos passivos na relação de ensino e aprendizado. Para o professor que segue essa vertente, o bom aluno é aquele que obedece às regras e tira boas notas. Para esse estudante obter seu êxito escolar é preciso Teorias educacionais, sociedade e escola 30
  • 33. conhecer muito sobre tudo o que foi apresentado pelo professor. O estudo, nesse caso, tem critério quantitativo, e o conteúdo a ser reproduzido pelo aluno em suas avaliações deve ser sempre o mais semelhante possível à explicação do mestre, dos livros e dos materiais de referência. A criatividade e a espontaneidade assu- mem possibilidades muito limitadas dentro desse processo. No imaginário de nossa sociedade, a Pedagogia Tradicional é responsável por dotar o processo de ensino-aprendizagem de caráter “forte” e disciplinado, sem espaço para distrações e individualidades. A partir de todo esse cerceamento da liberdade individual, advinda da pedagogia tradicional, resta pouco espaço para uma crítica social, o que exigiria flexibilidade nas opiniões e troca de ideias. Essa vertente pedagógica já conta com ideias preestabelecidas e, assim, não há nada para o aluno acrescentar. Por essas razões é que a Pedagogia Tradicional deve ser considerada uma teoria não crítica da educação. Até a primeira metade do século XX esse era o modelo pedagógico mais difundido, inclusive nas escolas públicas de todo país. Hoje ainda existem muitos focos desse tipo de educação, com evidentes mudanças disciplinares. Essas escolas que visam estritamente à transmissão de conteúdos e à disciplinarização de seus alunos podem ser classificadas como se- guidoras de uma teoria educacional não crítica. Pedagogia Nova Como o modelo da Pedagogia Tradicional foi se desgastando, houve an- seio cada vez maior por alguma forma de educação que não fosse tão repressora e disciplinarizadora. A partir de meados do século XX, surge um movimento educacional caracterizado por ser o contraponto da Pedagogia Tradicional. Esse movimento ficou conhecido como Pedagogia Nova. São representantes desse mo- vimento a chamada Escola Nova, o Construtivismo, o método Montessori, entre outros. A tônica principal desses métodos foi a de tentar inverter os pressupostos da até então hegemônica Pedagogia Tradicional. Assim, no lugar do ensino em quantidade, preconizava-se a qualidade; no lugar da disciplina, foi defendida a liberdade; no lugar do professor como senhor do saber, o aluno como descobridor do conhecimento. O interesse passou a ser a palavra de ordem na prática pedagó- gica e o professor o estimulador do descobrimento do mundo. Quando temos um descontentamento, é evidente termos a necessidade de modificar aquilo que está nos incomodando. Assim ocorreu com a Pedagogia Nova. Todos os seus principais fundamentos estão ligados a uma simples inver- são dos valores da Pedagogia Tradicional. Dessa forma, a Pedagogia Nova não foi capaz de tocar na questão da crítica educacional porque não questionava os antigos pressupostos pedagó- gicos à luz da realidade social. Com isso, a Pedagogia Nova também deve ser entendida como teoria não crítica. De fato, se notarmos as propostas que essa “nova” vertente pedagógica pre- coniza, perceberemos que não houve criação de nenhuma estratégia para a reali- Teorias educacionais, sociedade e escola 31
  • 34. dade social passar a fazer parte do conteúdo educativo. Ao flexibilizar a disciplina e centrar o foco no interesse do aluno, a educação da Pedagogia Nova continuou alheia à sociedade, enfatizando o comportamento do aluno exclusivamente dentro dos muros da escola. Por exemplo, se há uma diferença social entre os alunos, tal diferença não será objeto de trabalho pedagógico, mas simplesmente será respei- tada a forma como cada indivíduo se manifesta. De acordo com a Pedagogia Tradicional, essas diferenças sociais dadas entre os estudantes não poderiam existir; o que essa vertente propunha era a equalização de seus alunos. Já na Pedagogia Nova, as diferenças são respeitadas, mas tanto em uma como em outra vertente, essas diferenças não serviram para demonstrar reali- dades diversas, para propor discussões sobre tais diferenças, enfim, para construir um cenário crítico no qual o aluno fosse capaz de interpretar sua própria realidade social e também a dos seus colegas. A escola da Pedagogia Nova continuou, por- tanto, apartada da realidade social, vivendo em um mundo próprio. Pedagogia Tecnicista O terceiro tipo de teoria educacional representante das teorias não críticas é a Pedagogia Tecnicista. Como nem o modelo da Pedagogia Tradicional nem o da Pedagogia Nova foram capazes de produzir certos resultados – por exemplo, o de garantir ao aluno formação suficiente para o trabalho ­ – surgiu uma pedagogia com objetivos extremamente pragmáticos, voltada para a qualificação profissional do aluno. A Pedagogia Tecnicista deixou de lado tanto os conteúdos tradicionais, tão valorizados pela Pedagogia Tradicional, como as estratégias de interesse e criatividade do aluno, focos da Pedagogia Nova. Com isso lançou-se um objetivo pragmático e direto: capacitar o aluno para tarefas práticas, no sentido técnico e operacional. Baseada em pressupostos mecânicos da ciência, esse tipo de educa- ção não se preocupou com a autonomia do aluno, tampouco com sua cultura geral ou capacidade de reflexão. Essas são virtudes desejáveis, mas não necessárias à formação do homem técnico. Segundo esse mesmo pressuposto, esse homem téc- nico é aquele que realiza tarefas, operacionaliza ações, reduz os custos, aumenta a produtividade, maximiza os lucros, tudo sem muita abstração ou envolvimento pessoal, que podem distanciá-lo do modo prático de entender a vida. A escola, como um todo, absorveu muito desse espírito técnico, em especial nas décadas finais do século XX, quando a Pedagogia Nova se encontrava desa- creditada. Há alguns exemplos bastante expressivos desse tipo de educação, que são as chamadas escolas técnicas ou escolas de ensino profissionalizante. Era comum no final do século XX, e ainda é nesse começo de século XXI, alunos que não logram êxito na escola optarem pelo ensino profissionalizante. Torna-se claro como esse modelo educativo está distante de qualquer possibilidade crítica, pois antes de proporcionar qualquer reflexão do aluno e da sua realidade social, limita- -se a inserir o indivíduo no mundo do trabalho. A escola, nesse caso, aparece como mero trampolim para a inclusão social, sem formar o indivíduo para o exercício da Teorias educacionais, sociedade e escola 32
  • 35. cidadania consciente. É evidente que nem toda escola de ensino profissionalizante pode ser enquadrada nesse modelo pedagógico, mas também é claro que existem variáveis nas escolas de ensino tradicional ou da Pedagogia Nova. O que estamos abordando aqui são as características gerais de cada uma dessas vertentes da teo- ria pedagógica e a convergência das três em torno da questão da não criticidade. Quadro comparativo das teorias não críticas Pedagogia Tradicional Pedagogia Nova Pedagogia Tecnicista Centrada no professor Centrada no aluno Centrada no trabalho Disciplina Liberdade Técnica Deseja o aluno culto Deseja o aluno criativo Deseja o aluno habilidoso Aprender a conhecer Aprender a aprender Aprender a fazer Teorias educacionais críticas À medida que as ciências humanas foram se desenvolvendo, acentuava-se uma crítica a esses modelos de escolas, tidos como anacrônicos e alienados quan- to ao panorama político e social vigentes. Dessa forma, surgem novos modelos teóricos para abordar a questão educacional e o papel da escola. São teorias que, embasadas em estudos de natureza social, política ou econômica, propõem uma reflexão dos diferentes aspectos próprios do âmbito escolar, como a relação de autoridade existente entre professor e aluno. Essas novas teorias possuem caráter crítico por tecerem análises e reflexões sobre a instituição educacional e sobre o papel da escola na sociedade. No entanto, a forma como as teorias das ciências sociais abordaram o fenômeno educativo não levou em conta a singularidade da escola, apenas reproduzindo as mesmas ideias que se tinha sobre as instituições em geral para o particular da escola. Por essa razão, tais teorias são caracterizadas como teorias crítico-reprodutivistas. São consideradas críticas, pois se relacionam com a sociedade, mas também são reprodutivistas porque consideram a escola como simples reflexo da sociedade, que mantém com essa instância uma relação de profunda dependência. Como sabemos, a escola faz parte da sociedade e traz marcas do social em seus comportamentos. No entanto, também é preciso notar que há singu- laridades nos fenômenos escolares. A escola não é uma “sociedade em minia- tura”, contendo características que aparecem com maior ou menor ênfase no ambiente escolar do que em outros lugares. Há ainda situações e papéis que são vivenciados somente nos anos escolares. É aí que essas teorias tornam-se passíveis de contestação. Vejamos quais são os representantes principais dessas teorias crítico-reprodutivistas e suas característi- cas fundamentais. Teorias educacionais, sociedade e escola 33
  • 36. Teorias crítico-reprodutivistas Escola como espelho da sociedade A primeira teoria desse grupo entende a escola como espécie de violência simbólica1 permanente e consentida. Ela parte do pressuposto que a sociedade é estruturada em classes sociais e toda a vida coletiva desenvolve-se pelo jogo de forças entre essas classes. A escola, por sua vez, acaba por reproduzir esse jogo de forças segundo a teoria. Então vejamos: na sociedade há uma classe com mais poder que outra e esta deseja manter-se no poder. Se isso é verdade, parece óbvio aos defensores desta teoria a escola, como instituição social, defender valores que mantenham a posição dos mais fortes. Por isso, fala-se da existência de uma violência simbólica na escola, visto que essa instituição acaba por forçar os menos favorecidos socialmente a aceitarem a dominação dos mais fortes. Existem exem- plos que dão razão a esses argumentos. Por exemplo, no livro As Belas Mentiras, de Maria de Lourdes C. D. Nosella (1981), há uma análise da ideologia subjacente aos textos didáticos utilizados por muitas escolas. A autora nos mostra que, sem percebermos, valores e preconceitos morais estão presentes em simples contos in- fantojuvenis ou em explicações da matéria, fazendo com que certas desigualdades sociais sejam perpetuadas. A autora menciona, além desse, muitos outros exem- plos comuns ao cotidiano escolar de muitas décadas, os quais atuam de acordo com esse tipo de violência, a simbólica. Outro exemplo de violência simbólica: um aluno vê a ilustração de uma cena familiar em que aparece o pai encaminhando-se para o trabalho, os filhos para a escola e, por fim, a mãe fica em casa, ocupando-se dos afazeres domésticos. Isso já nos parece algo “normal”, isento de preconceitos, adequado. No entanto, por mais trivial que possa parecer, a figura traz consigo grande preconceito sobre o papel social da mulher, preconceito esse que vai sendo perpetuado pela escola nos moldes de uma violência simbólica. Também nos remete a valores como trabalho, educação, matrimônio e família nuclear moderna. De acordo com a vertente crítico-reprodutivista, espera-se que a escola re- produza o jogo de forças da sociedade, mas não se supõe que essa mesma institui- ção tenha seu próprio jogo de forças, tampouco ser capaz de desencadear alguma mudança no panorama social. Uma teoria crítica mais completa deve subentender essa dialética, compreen- dendo que tanto a sociedade influencia a escola como a escola influencia a socie- dade. Escola a serviço do Estado O segundo tipo de vertente educacional crítico-reprodutivista vê a esco- la como aparelho ideológico do Estado. Muito parecida com a teoria da esco- la como violência simbólica, essa também supõe que a educação escolar disse- mina os valores sociais dominantes, só que nesse caso, tais valores interessam 1Violência simbólica é um termo desenvolvido pelo francês Pierre Bourdieu no qual aborda uma forma de violência exercida no corpo dos sujeitos, contudo, sem um processo de coação físi- ca, causando danos morais e psicológicos. Teorias educacionais, sociedade e escola 34
  • 37. à dominação do governo, ou melhor, do Estado. Em um modelo de educação no qual a grande maioria das crianças estuda em escolas públicas – tal qual o modelo brasileiro – é evidente que certas determinações impostas pelo Estado às escolas podem ter impacto muito grande na educação, devido ao enorme número de indivíduos que serão atingidos de forma direta (alunos) e indireta (famílias, comunidades). Um exemplo conhecido e polêmico de medida governamental socialmente impactante é o da exclusão das disciplinas de Sociologia e Filosofia do currículo; ou ainda a substituição delas pela “Educação Moral e Cívica” ou pelos “Estudos Sociais”. Como se sabe, essas exclusões e substituições acarretam em empobre- cimento da capacidade crítica dos alunos, pressupondos-e ser objetivo de um go- verno totalitário que deseja manter apaziguada sua população. No entanto, essa teoria também tem a marca reprodutivista quando se esque- ce que os atores sociais da escola, ou seja, alunos, professores e outros profissionais envolvidos com a instituição, não precisam estar sempre vergados às orientações do Estado. A capacidade crítica desses sujeitos lhes permite contestar, alterar e até mesmo recusar aquilo que lhes pareça incorreto ou manipulador. Ao supor que a escola será apenas instrumento para a dominação do Estado, essa teoria não avança para a possibilidade de uma posição educacional realmente crítica. Escola dualista Por fim, a última das teorias crítico-reprodutivistas é a da escola du- alista. Nela, acredita-se que a escola tem dupla tarefa determinada pela di- visão social do poder. Por um lado, a escola ensina os valores da camada social dominante e assim reforça sua ideologia. Por outro, indica que os não deten- tores do poder devem trabalhar e se esforçar para ter uma vida honesta e feliz. De modo geral, esse modelo de escola preconiza é a continuidade das desigualdades sociais e, justamente por isso, é chamada vertente dualista, ou seja, trata-se de um saber diferenciado para cada estrato social. O mais favorecido deve aprender a mandar, a exercer o poder e a perpetuar sua dominação, e o menos favorecido, por meio de seu trabalho, deve saber obedecer, conformar-se com a realidade e so- nhar que um dia poderá ser rico, seja por meio da sorte, seja por meio do trabalho – o que do ponto de vista das diferenças sociais é praticamente impossível. Mais uma vez, embora essa teoria nos alerte para um perigo que de fato se encontra em muitas realidades educativas, escapa-lhe a possibilidade de a escola construir um saber superador das desigualdades sociais. É claro que a mudança profunda nas bases econômicas do país não depende apenas de uma boa educação, mas também é certo a escola fazer parte desse projeto de erradicação das diferenças entre seus indivíduos. Pior que a desigualdade social é a desigualdade cultural, pois ela impede o cidadão de analisar sua própria condição e reivindicar, para si e para os outros, meios dignos de existência. Ao não considerar essa importante possibilidade de ação social da educação, a teoria da escola dualista caracteriza-se como reprodutivista. Teorias educacionais, sociedade e escola 35
  • 38. Quadro comparativo das teorias crítico-reprodutivistas Violência Simbólica Aparelho Ideológico do Estado Escola Dualista Reproduz as desigualdades sociais Reproduz as desigualdades sociais Reproduz as desigualdades sociais Predomina a vontade do grupo dominante Predomina a vontade do Estado Dominantes e dominados têm vontades diferentes O dominante se impõe sobre o dominado O Estado se impõe sobre todos O dominado sonha em ser dominante Como vimos, nem as teorias não críticas nem as crítico-reprodutivistas fo- ram capazes de construir uma relação positiva entre escola e sociedade, de modo a possibilitar à escola absorver a realidade social e também de propor formas de interpretação e transformação dessa mesma realidade. Para nos mantermos na mesma referência proposta nesse texto, ou seja, na abordagem oferecida por Dermeval Saviani em Escola e Democracia, vejamos os principais passos para a superação dessas limitações, ou seja, como poderíamos arquitetar uma teoria crítica que não incorra nos erros das teorias não críticas ou nos das teorias crítico- -reprodutivistas. Para isso, o autor nos oferece cinco passos inspirados na peda- gogia de Herbart e Dewey, que serão apresentados a seguir, com uma adaptação voltada para os objetivos desse texto. Passos para uma teoria crítica da educação 1.o passo – prática social Trata-se de partir da realidade social dos alunos para construir o conhe- cimento. De acordo com a Pedagogia Tradicional, o professor oferece o conteúdo sem se importar com a realidade social dos alunos. Na Peda- gogia Nova, a realidade do aluno também é indiferente à prática peda- gógica, pois o foco está no interesse de transformação dessa realidade. Na educação que possui caráter crítico, a realidade do discente seria o ponto de partida para uma prática pedagógica social, pois contextualiza as experiências vividas pelos alunos no âmbito do processo de ensino- -aprendizagem. A partir daí, essa educação crítica diagnostica o contexto do aluno para aplicar os conteúdos e métodos mais coerentes com ele. 2.º passo – problematização Nessa etapa, espera-se que os conhecimentos propostos pela educação sejam capazes de se relacionar com a realidade social, de modo a formar problemas a serem trabalhados. Portanto, nessa fase não são apresenta- das soluções práticas, como é o caso da vertente educacional tecnicista, mas é construído um panorama amplo em torno das relações entre os co- nhecimentos trabalhados pela escola e as possibilidades de modificação da vida social que tais saberes podem propiciar. Teorias educacionais, sociedade e escola 36
  • 39. 3.o e 4.o passos – instrumentalização e catarse Para os fins desse texto, evitando compor um referencial muito detalha- do, propomos uma abordagem do terceiro e do quarto passos em conjun- to. Ambos referem-se, basicamente, à autonomia que o conhecimento pode trazer ao aluno. A problematização dos conhecimentos à luz de seu contexto realizada no passo anterior deve ser incorporada pelos alunos de modo que eles possam, efetivamente, levar o aprendizado para além dos muros da escola e aplicar seus saberes para obtenção de melhor qua- lidade de vida. 5.o passo – prática social O último passo volta ao ponto de partida, que é a prática social. No entan- to, nessa fase – com a herança dos ganhos dos passos anteriores – espera -se que o aluno seja capaz de voltar à prática social com conhecimentos suficientes para capacitá-lo a interpretar e transformar essa prática. Sua relação com o meio social agora deve ser autônoma e consciente.Aescola dotou o indivíduo da capacidade de refletir por meio de uma educação crítica. Essa educação não se limitou a saberes sem relação com o mundo em que ele vive – como fazem as pedagogias não críticas – tampouco tentou inculcar-lhe uma visão de mundo conformada e imóvel como pre- conizam as teorias crítico-reprodutivistas. É evidente que esses passos propostos não se configuram como receita in- falível de sucesso educacional, nem mesmo como certeza da relação entre escola e sociedade, mas certamente apontam um caminho inteligente, até mesmo por analisarem com cuidado os erros de teorias anteriores que se mostraram insu- ficientes nesses mesmos propósitos. Manter constante a interação entre escola e prática social é objetivo central em qualquer prática educativa e o profissional da educação deve estar sempre atento para quais possibilidades podem melhor aten- der a essas necessidades. MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO NOVA (1932) A RECONSTRUÇÃO EDUCACIONAL NO BRASIL – AO POVO E AO GOVERNO Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importância e gravidade ao da educação. Nem mesmo os de caráter econômico lhe podem disputar a primazia nos planos de re- construção nacional. Pois, se a evolução orgânica do sistema cultural de um país depende de suas condições econômicas, é impossível desenvolver as forças econômicas ou de produção, sem o pre- paro intensivo das forças culturais e o desenvolvimento das aptidões à invenção e à iniciativa que são os fatores fundamentais do acréscimo de riqueza de uma sociedade. No entanto, se depois de Teorias educacionais, sociedade e escola 37
  • 40. 43 anos de regime republicano, se der um balanço ao estado atual da educação pública, no Brasil, se verificará que, dissociadas sempre as reformas econômicas e educacionais, que era indispensável entrelaçar e encadear, dirigindo-as no mesmo sentido, todos os nossos esforços, sem unidade de plano e sem espírito de continuidade, não lograram ainda criar um sistema de organização escolar, à altura das necessidades modernas e das necessidades do país. Tudo fragmentário e desarticulado. A situação atual, criada pela sucessão periódica de reformas parciais e frequentemente arbitrárias, lançadas sem solidez econômica e sem uma visão global do problema, em todos os seus aspec- tos, nos deixa antes a impressão desoladora de construções isoladas, algumas já em ruína, outras abandonadas em seus alicerces, e as melhores, ainda não em termos de serem despojadas de seus andaimes... Onde se tem de procurar a causa principal desse estado antes de inorganização do que de de- sorganização do aparelho escolar, é na falta, em quase todos os planos e iniciativas, da determina- ção dos fins de educação (aspecto filosófico e social) e da aplicação (aspecto técnico) dos métodos científicos aos problemas de educação. Ou, em poucas palavras, na falta de espírito filosófico e científico, na resolução dos problemas da administração escolar. Esse empirismo grosseiro, que tem presidido ao estudo dos problemas pedagógicos, postos e discutidos numa atmosfera de hori- zontes estreitos, tem as suas origens na ausência total de uma cultura universitária e na formação meramente literária de nossa cultura. Nunca chegamos a possuir uma “cultura própria”, nem mes- mo uma “cultura geral” que nos convencesse da “existência de um problema sobre objetivos e fins da educação”. Não se podia encontrar, por isto, unidade e continuidade de pensamento em planos de reformas, nos quais as instituições escolares, esparsas, não traziam, para atraí-las e orientá-las para uma direção, o polo magnético de uma concepção da vida, nem se submetiam, na sua organi- zação e no seu funcionamento, a medidas objetivas com que o tratamento científico dos problemas da administração escolar nos ajuda a descobrir, à luz dos fins estabelecidos, os processos mais eficazes para a realização da obra educacional. Certo, um educador pode bem ser um filósofo e deve ter a sua filosofia de educação; mas, trabalhando cientificamente nesse terreno, ele deve estar tão interessado na determinação dos fins de educação, quanto também dos meios de realizá-los. O físico e o químico não terão necessidade de saber o que está e se passa além da janela do seu laboratório. Mas o educador, como o sociólo- go, tem necessidade de uma cultura múltipla e bem diversa; as alturas e as profundidades da vida humana e da vida social não devem estender-se além do seu raio visual; ele deve ter o conhecimen- to dos homens e da sociedade em cada uma de suas fases, para perceber, além do aparente e do efêmero, “o jogo poderoso das grandes leis que dominam a evolução social”, e a posição que tem a escola, e a função que representa, na diversidade e pluralidade das forças sociais que cooperam na obra da civilização. Se têm essa cultura geral, que lhe permite organizar uma doutrina de vida e ampliar o seu horizonte mental, poderá ver o problema educacional em conjunto, de um ponto de vista mais largo, para subordinar o problema pedagógico ou dos métodos ao problema filosófico ou dos fins da educação; se tem um espírito científico, empregará os métodos comuns a todo gênero de investigação científica, podendo recorrer a técnicas mais ou menos elaboradas e dominar a situa- ção, realizando experiências e medindo os resultados de toda e qualquer modificação nos processos e nas técnicas, que se desenvolveram sob o impulso dos trabalhos científicos na administração dos serviços escolares. (Disponível em: <www.histedbr.fe.unicamp.br/revista/edicoes/22e/doc1_22e.pdf>. Acesso em: 28 abr. 2016.) Teorias educacionais, sociedade e escola 38
  • 41. 1. Com base no que foi estudado, argumente quais seriam as vantagens e as desvantagens dos três tipos de educação não crítica: Pedagogia Tradicional, Pedagogia Nova e Pedagogia Tecnicista. 2. Seguindo os passos propostos por Dermeval Saviani para uma teoria crítica em educação, apre- sentados e adaptados por esse texto, proponha um tema simples de aula e descreva brevemente como esse tema seria tratado em cada um dos cinco passos de uma educação crítica. Livros: SAVIANI, D. Escola e democracia. Campinas: Autores Associados, 1997. Essa obra foi a base deste capítulo. Tanto as classificações das teorias como os passos para uma teoria crítica basearam-se na terminologia proposta pelo autor. No entanto, este capí- tulo fluiu para os próprios objetivos e explorou a temática de acordo com os interesses mais específicos da disciplina em questão. Portanto, é bastante interessante que o aluno entre em contato com essa obra para saber mais sobre cada uma das teorias pedagógicas apresentadas, bem como as questões sociais a elas ligadas. No mais, a obra traz ainda dois outros ensaios do autor de grande pertinência ao universo da educação brasileira. LIBÂNEO, J. C. Didática. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2013. Teorias educacionais, sociedade e escola 39
  • 42. O livro é uma referência básica nacional em Didática. Embora seu conteúdo dedique-se espe- cialmente à relação entre objetivos, conteúdos e métodos de ensino – a relação entre a prática social e escola aparece com ênfase. Em relação ao que foi trabalhado nesse texto, uma suges- tão interessante é a leitura do capítulo 2, “Didática e democratização do ensino”. 1. Essa atividade tem dois propósitos. Primeiro identificar as principais características de cada uma dessas três teorias apresentadas. Segundo, ao elaborar a atividade, perceber que todas as três formas, embora divergentes entre si, apresentam qualidades e também problemas. 2. Espera-se que o aluno seja capaz de transpor o que compreendeu sobre a possibilidade de uma pedagogia crítica para um exemplo prático à sua escolha. O fundamental nessa atividade é que haja coerência entre os passos e, evidentemente, uma postura crítica, relacionando sempre a prática educativa e a prática social. Teorias educacionais, sociedade e escola 40
  • 43. O conhecimento e suas relações sociais Educação e autonomia N os princípios da atividade docente, em tempos nos quais somente os mais privilegiados ti- nham acesso à educação, era comum os alunos serem assistidos individualmente, por um único professor. Esse profissional era conhecido como preceptor e cabia a ele ensinar ao seu “discípulo” os mais diversos saberes. Alexandre Magno, por exemplo, foi aluno de Aristóteles durante longo tempo e muito de sua grande habilidade estratégica foi fruto de sua educação junto ao filósofo grego. No entanto, nos dias de hoje, não é mais comum encontrarmos esse tipo de educação indi- vidualizada. Mesmo quando notamos a presença de professores particulares – na maior parte das vezes – seu papel é o de reforçar individualmente os conteúdos trabalhados coletivamente na escola. Podemos supor que a educação formal atual se desenvolve em um palco coletivo, fruto de processos de conhecimento focados no desenvolvimento social do aluno como cidadão. Nessa relação coletiva, entretanto, é imprescindível que a educação possibilite ao aluno condições para ele, por capacidade própria, construir seu saber e sua conduta. A palavra adequada, nesse caso, é autonomia. Autonomia é uma palavra originada do grego, tendo como raízes, auto (próprio, por si) e nomus (lei). Um indivíduo autônomo, então, é aquele capaz de criar para si uma lei, uma conduta. Nesse caso, ele não desconsidera a norma social, mas a lei que esse indivíduo cria permite-lhe respeitar a lei comum e, ao mesmo tempo, buscar caminhos pessoais de vida. Se a todo tempo estivéssemos vergados à opinião pública, agindo de acordo com o pensamento dos outros e não o nosso próprio, não teríamos autonomia e sim heteronomia. Essa palavra, igualmente de origem grega, refere-se à lei do outro, em outras palavras, à atitude passiva de um indivíduo em não ter opinião própria e não ser capaz de se posicionar frente ao coletivo de modo atuante. A educação, em sua proposta de encaminhar o indivíduo para autonomia, deve ser capaz de construir saberes que ofereçam aos alunos possibilidades para formação da opinião, dos conceitos e dos discursos. Por meio desses posicionamentos, os alunos podem ser, de fato, atuantes na realidade social, aspectos principais que uma boa formação do cidadão deve conter. Para o aluno ser autônomo frente à sociedade, é preciso que ele possua capacidade de criar opiniões, conceitos e discursos. Tais capacidades terão de ser fruto de uma reflexão cuidadosa a ser desencadeada pelo processo educativo. Aquilo que o indivíduo assumir como convicção para sua vida deve ser fruto de um conhecimento elaborado, transmitido, em grande parte, pela escola. Para tanto, vejamos como o conhecimento pode gerar possibilidades diferentes de posicionamento do indi- víduo frente à sua realidade. Vejamos cinco dessas possibilidades, observando os discursos referentes a cada uma delas e como podemos associá-las à educação. 41