1) A alta da unidade de cuidados intensivos pode resultar em problemas de mobilidade e fraqueza muscular significativos nos doentes.
2) Os doentes apresentam frequentemente perda de força muscular e dependência nas atividades da vida diária após a alta.
3) É essencial iniciar programas de reabilitação precocemente para tratar as alterações de mobilidade e autonomia causadas pelo internamento prolongado nos cuidados intensivos.
Em um local de crime com óbito muitas perguntas devem ser respondidas. Quem é...
Poster: Alterações da mobilidade após internamento prolongado em cuidados intensivos
1. Roberto Mendes ; Olinda Gonçalves
Enfermeiros Especialistas em Enfermagem de Reabilitação, a exercer funções na Unidade de Cuidados Intensivos do Hospital Amato Lusitano, ULS de Castelo Branco
A alta da unidade de cuidados intensivos pode acompanhar-se de problemas
significativos a nível físico e psicossocial, com impacto na qualidade de vida A principal causa de alterações na mobilidade articular do doente crítico são as contraturas
articulares, devidas ao encurtamento muscular e/ou alterações a nível do tecido conjuntivo
dos doentes e dos seus familiares ou cuidadores. articular ou periarticular.
A perda de mobilidade é dos problemas mais incapacitantes para o doente
crítico após a alta da Unidade de Cuidados Intensivos (UCI). Mesmo na
As alterações da mobilidade articular e as alterações neuromusculares estão
A fraqueza muscular adquirida na UCI é uma complicação grave da doença crítica. Esta
ausência de trauma, alguns doentes necessitam mais de um ano para fraqueza não é devida à atrofia muscular associada à imobilização, mas a neuropatias ou relacionadas com limitações funcionais significativas no momento da alta,
miopatias decorrentes da doença crítica. nomeadamente em termos de autonomia na realização das suas Atividades de
recuperar a mobilidade normal.
Vida Diária (AVD).
Conhecer as alterações da mobilidade no doente com internamento prolongado em cuidados intensivos e possíveis alterações funcionais associadas. Gráficos1. Caracterização da amostra segundo o sexo
Esta investigação foi realizada na UCI do Hospital Amato Lusitano (HAL), Unidade Local de Saúde de Castelo Branco. Trata-se de um estudo do tipo descritivo, de nível I, que utilizou
uma metodologia quantitativa, envolvendo a colheita de dados à alta da UCI. Gráfico 2. Caracterização da amostra segundo
o grupo etário
A questão de investigação colocada foi: “Quais as alterações da mobilidade que afectam os doentes após internamento prolongado na UCI do HAL?”
A avaliação das alterações da mobilidade foi feita mediante a análise da mobilidade articular (através da goniometria) e da força muscular (através da escala Medical Research Council ).
Foi ainda efectuada uma avaliação funcional, utilizando o índice Barthel, visando avaliar o grau de dependência face às alterações de mobilidade encontradas.
A população em estudo foram todos os indivíduos com alta da UCI após um internamento superior a sete dias, sem história de alterações da mobilidade antes do internamento. Foi
seleccionada uma amostra acidental, constituída por 11 elementos internados no serviço no intervalo temporal entre Novembro de 2010 e Fevereiro de 2011.
Os doentes com internamento superior a uma semana representaram cerca de 40% do total de doentes admitidos na UCI do HAL.
Dos 11 indivíduos que constituíram a amostra efectiva desta investigação 9 são do sexo masculino (81,8%) e 2 do sexo feminino (18,2%), com idades compreendidas entre os 36 e os
Gráfico 3. Tipo de suporte ventilatório aplicado
82 anos (Gráficos 1 e 2). A duração média do internamento foi de 19,3 dias, com mínimo de 8 e máximo de 72 dias.
Não Ventilados
A patologia respiratória foi o principal factor que motivou o internamento destes doentes, que em 90,9% das situações tiveram necessidade de suporte ventilatório (Gráfico 3). Em média 9% 9%
Vent. Invasiva
o suporte ventilatório foi aplicado durante 14,7 dias, com mínimo de 4, máximo de 62 e desvio padrão de 17,41. Após a extubação os doentes permaneceram na UCI em média 6 dias,
Vent. Não
com um mínimo de 2 e um máximo de 10 dias. Invasiva
Para além do tempo de ventilação, um factor de risco para o desenvolvimento de alterações da mobilidade durante o internamento, foi também analisada nesta investigação a exposição Gráfico 4. Frequência de exposição a outros factores de risco
82% Costicosteroides
a outros factores de risco referenciados pela bibliografia consultada e cujos resultados são apresentados no gráfico 4.
Nutrição parentérica
Alterações da mobilidade articular Bloqueadores neuromusculares
Catecolaminas
Apesar de as alterações da mobilidade articular serem, segundo a bibliografia consultada, um problema importante após a alta, nomeadamente devido ao desenvolvimento de
Sedativos
contraturas, na avaliação realizada não foi verificada nenhuma situação de alteração da amplitude de movimento disponível, de forma passiva nas articulações testadas ou em outras
0 2 4 6 8 10
articulações. Nº de elementos
Alterações da força muscular Gráfico 5. Agrupamento de doentes segundo o grau de dependência
Em 90% dos elementos da amostra verificou-se uma redução do Índice MRC, com valores que Tabela 1. Distribuição de frequências segundo 5 classes do Índice MRC 40% 40% 10% 10%
variaram entre 54,2 e 92,5. Em média o valor deste índice foi de 78,71 e o desvio padrão de 13,51. Índice MRC F f f% F ac F'ac f ac f'ac
Para melhor compreensão destas alterações a nível no índice MRC, na Tabela 1 agrupamos os 100 1 0,09 9,09 1 11 0,09 1,00
resultados em 5 classes, que correspondem a 5 graus de força muscular. [80 - 100[ 5 0,45 45,45 6 10 0,55 0,91
Desta análise constatamos que: [60 - 80[ 3 0,27 27,27 9 5 0,82 0,45
• Em cerca de 9% dos casos não se verificou perda de força; [40 - 60[ 2 0,18 18,18 11 2 1,00 0,18
• Em cerca de 45% dos casos houve perda de força ligeira (índice MRC entre 80 e 100); < 40 0 0,00 0,00 11 0 1,00 0,00
TOTAL 11 1,00 100,00
• Em cerca de 45% dos casos houve perda de força moderada a grave (índice MRC entre 40 e 80). 0 a 8 pontos 9 a 12 pontos 13 a 19 pontos 20 pontos
Diagrama 1. Caracterização dos doentes/internamentos com pontuação máxima e mínima no Índice
Autonomia nas Actividades de Vida Diária de Barthel
A avaliação da autonomia nas AVD foi realizada com uma versão do Índice de Barthel em que a pontuação final pode variar entre zero (dependência máxima) e 20 (máxima
autonomia). Como se verifica no gráfico 5, um número considerável de doentes tem alta da UCI com um grau de dependência significativo.
À alta da UCI:
50% dos doentes necessita ajuda para o cuidado pessoal, não conseguindo lavar o rosto, 90% não consegue subir escadas de forma independente;
os dentes, ou barbear-se e pentear-se sozinhos; 90% tem dificuldade em andar e 40% não consegue andar nem com ajuda;
80% não consegue entrar na banheira e tomar banho de forma independente; 90% tem controlo sobre a eliminação intestinal;
80% carece de alguma ajuda para se vestir, em maior ou menor grau; 80% não controla a função vesical por se encontrarem algaliados;
50% necessita ajuda para se alimentar; 80% não consegue ir à casa de banho. Gráfico 6. Correlação entre o índice MRC e o índice de Barthel
80% carece de ajuda para se levantar da cama ou de uma cadeira e 40% necessita 20
18
mesmo de uma grande ajuda física para consegui-lo;
Índice de Barthel
16
14
Esta dependência é bastante variável. Houve inclusive uma situação em que foi obtida a pontuação máxima possível no Índice de Barthel (20 pontos), a contrastar com uma 12
situação de zero pontos (a menor pontuação possível), numa doente que, em virtude do seu grau de fraqueza e dependência, foi posteriormente transferida para o Centro de 10
8
Medicina de Reabilitação da Região Centro-Rovisco Pais para se reabilitar (Diagrama 1). 6
4
2
0
Os resultados demonstraram ainda uma correlação positiva entre o índice MRC e o índice de Barthel (coeficiente de correlação de Spearman de +0,79), ou seja, os doentes 0 20 40 60 80 100
Índice MRC
que apresentam maior fraqueza muscular são os que têm maior grau de dependência, tal como é evidenciado no Gráfico 6.
Angel MJ, Bril V, Shannon P, Herridge MS. Neuromuscular funtion in survivor of the Acute
O internamento numa UCI é por norma um acontecimento marcante na vida de O Gráfico 7 representa o inicio de funções especializadas (em regime de acumulação) dos 2 Respiratory Distress Syndrome. Can J Neurol Sci. 2007;34(4):427-432
uma pessoa. Enfermeiros de Reabilitação do serviço, no período correspondente aos meses de Abril a Julho de 2012. • Clavet H, Hébert PC, Fergusson D, Doucette S, Trudel G. Joint contracture following
prolonged stay in the intensive care unit. CMAJ. 2008;178(6):691-697
Do internamento prolongado na UCI resultam complicações graves a nível físico, Gráfico 7. Intervenção dos Enfermeiros de Reabilitação na UCIP do HAL
• Van der Schaaf M, Dettling DS, Beelen A, Lucas C, Dongelmans DA, Nollet F. Poor functional
psiquico e social. Treino de AVD's status immediately after discharge from an intensive care unit. Disabil Rehabil.
Reabilitação cardíaca individual 2008;30(23):1812-1820
A nível físico, as alterações da mobiliade resultantes do desenvolvimento de Treino da funcionalidade no leito • Vilas E, Fernández JM, Navarro C, Suárez L, García de Lorenzo A. Síndrome neuromuscular
fraqueza muscular generalizada são um achado importante. Treino de equilíbrio e marcha adquirido en el paciente crítico. Rev Neurol. 2006;42(11):674-680
Aerossois • Visser L. Critical illness polyneuropathy and myopathy: clinical features, risk factors and
Drenagem postural prognosis. Eur J Neurol. 2006(11):1203-1212
A fraqueza generalizada após a alta da UCI está relacionada com estados de
dependencia graves, que implicam elevada quantidade e qualidade de cuidados. Técnicas de vibração / percução • Waldmann C. Common problems after ICU. In Bersten A, Neil S - Oh's Intensive Care
Cinesiterapia respiratória
Manual. 6ª ed. [s.l.] : Elsevier, 2009: 67-73
Fortalecimento muscular /mobilização • Weber-Carstens S, Deja M, Koch S, et al. Risk factors in critical illness myopathy during the
É clara a necessidade de iniciar um programa de reabilitação ao doente crítico o early course of critical illness: a prospective observational study. Critical Care Published Online
mais precocemente possível. 0 20 40 60 80
First: 18 Jun 2010. DOI:10.1186/cc9074