SlideShare ist ein Scribd-Unternehmen logo
1 von 1
Downloaden Sie, um offline zu lesen
abA8 poder ★ ★ ★ SextA-FeirA, 29 De Dezembro De 2017
ANA LUIZA ALBUQUERQUE
ENVIADA ESPECIAL A CAPIVARI DO SUL (RS)
“Eufaleiparaaminhafilha
quevocênãoiriamereconhe-
cer… Porque esperaria uma
mulhernegra,né?”,dizMaria
Joaquina da Conceição, 75.
Depeleeolhosclaroseca-
belos vermelhos, “Quina”,
como é chamada entre os fa-
miliares, carregaa negritude
na genética e nas memórias.
Descendente de escravos,
Joaquinalevouareportagem
aoquilomboCostadaLagoa,
no município de Capivari do
Sul, 80 km de Porto Alegre
(RS).Oterritóriopossuicerti-
ficaçãodaFundaçãoCultural
Palmares desde 2006 e abriu
processo de regularização
fundiária no Incra (Instituto
Nacional de Colonização e
Reforma Agrária) em 2011.
Oquilomboaindanãocon-
seguiu a titulação, último
passodoprocesso,masoRe-
latórioTécnicodeIdentifica-
ção e Delimitação da terra já
foipublicado.Nele,apesqui-
sa de antropólogos do Incra
atesta que a identidade étni-
ca do local não é apenas re-
memorada,mas“vivenciada
e preservada nas relações de
compadrio, parentesco e re-
ciprocidade”.
O relógio marcava 14h e o
sol forte anunciava a proxi-
midade do verão. Idosos,
adultos e crianças se abriga-
vam na sombra das centená-
rias figueiras para contar a
história da comunidade.
Cerca de 15 famílias man-
têm relações com o Costa da
Lagoa. Nem todas moram ali
—a vida no quilombo não é
sustentávele,porisso,amai-
oria dos quilombolas busca
emprego no cultivo do arroz.
Aindaassim,estãosempre
reunidos. Descendentes de
três famílias que acabaram
casando entre si (os Concei-
ção,osBernardeseosOlivei-
ra)dividemorigemepráticas.
Os quilombolas relatam
que a decisão de regularizar
o território no Incra tomou
corpoquandoalgunslotesde
terracomeçaramaservendi-
dos para pessoas de fora.
Dizem que a terra quilom-
bola não pode ser vendida e
que é preciso preservar o es-
paço de seus tataravós.
Segundo a pesquisa do In-
cra,achegadadosnegrosno
quilombo remonta há, pelo
menos, 140 anos.
Umadashipótesesédeque
a ocupação tenha se dado a
partir da herança de um se-
nhor de terras, que deixou a
regiãoparaaescravaDelfina
Boeira da Conceição, liberta
no batismo.
Sobrinha-neta de Delfina,
ou “Dedê”, Joaquina conta
que a origem da terra nunca
foi objeto de discussão entre
os habitantes e que as raízes
só foram descobertas com a
aberturadoprocessonoIncra.
“Na nossa cabeça, era nosso
epronto.Osmaisvelhosmor-
reram, vieram os filhos, os
netos… É a nossa terra”, diz.
COTIDIANOQUILOMBOLA
Era na lagoa que dá nome
aoquilomboque,noiníciodo
século passado, as mulheres
lavavam roupas para garan-
tir o sustento.
Em 1941, a lagoa inundou,
causando uma grande en-
chentenoterritório.Emmeio
a esse cenário, Quina nascia
em uma das casas.
Suamãeesuaavóatuavam
como parteiras. Ela ainda
guardaaespiriteiradaavóSe-
rafina, utilizada para esteri-
lizaratesouracomaqualcor-
tava o cordão umbilical dos
recém-nascidos.
Entreaspráticaspassadas
pelas gerações, estava a ofe-
renda dos bebês para a lua.
“Dizia-se ‘lua, luar, pega
essa criança e ajuda a criar’.
Também colocava-se uma
roupinhadacriançanumaár-
vore cheia de espinhos para
a bruxa não pegar”, conta.
Joaquinarelata,ainda,que
nãohaviamédicosparaaten-
der a comunidade e que, as-
sim, “era só na base do chá”.
“Quando o adolescente era
muito magrinho, matavam
uma coruja e faziam um cal-
do. Diziam que tinha muitos
ingredientesquedeixavama
criança forte.”
Deacordocomela,dinhei-
INVISÍVEIS
raízes
No RS, comunidades descendentes de escravosbuscam regularizar
suas terras e mostram que região vai além da herança europeia
DE CURITIBA
Ficoupara2018ojulga-
mentonoSTFdeumaADI
(Ação Direta de Inconsti-
tucionalidade) que pode
alterararegularizaçãodas
terras quilombolas. A
açãofoiajuizadaem2004
pelo PFL (hoje DEM).
A discussão foi inter-
rompida em novembro,
porpedidodevistadomi-
nistro Edson Fachin.
A ADI 3.239 alega a in-
constitucionalidade do
decreto nº 4.887, assina-
do em 2003 pelo ex-pre-
sidente Lula. A ação ar-
gumenta que a regula-
mentação das terras de-
veserdefinidapeloLegis-
lativo e que não cabe ao
poder público desapro-
priar áreas privadas.
O texto também ques-
tionaocritériodeautode-
claração dos quilombos.
Emnovembro,oministro
Dias Toffoli votou pela
procedência parcial da
ADI.Elereconheceuate-
se do marco temporal,
quegarantesomenteati-
tulação das terras que já
estavamocupadasporre-
manescentes de quilom-
bos em 1988, ano da
Constituição. Toffoli res-
saltou que também de-
vem ser considerados
quilombolas os territóri-
os que não estivessem
ocupados em função de
atos ilícitos de terceiros.
OprocuradordaRepú-
blica Leandro Mitidieri
afirma que o receio é que
o julgamento crie as cha-
madas“condicionantes”.
Eleressaltaqueoreco-
nhecimento da tese do
marcotemporalestabele-
ceanecessidadedecom-
provação da expulsão
dos povos. “É mais uma
dificuldade num proces-
soextremamentedifícil.”
Presidente da Frente
Parlamentar da Agrope-
cuária, Nilson Leitão
(PSDB)sedizfavorávelao
marco temporal e afirma
que a situação atual traz
insegurança.
“Oqueestásediscutin-
do é uma questão jurídi-
ca,emrelação,inclusive,
aodireitoàpropriedade”,
diz.“Muitagenteseauto-
denominou indígena,
quilombola,edefatonão
são.Temmuitoíndionas-
cendo no Brasil com 40
anos de idade, olhos ver-
des e cabelo loiro.”
STFdefiniráem
2018regraspara
demarcação
ronãoexistia.Osfazendeiros
entregavam como pagamen-
toumafichaquesópodiaser
trocada em um armazém es-
pecífico na cidade de Palma-
res. “[As mães] traziam a co-
mida na cabeça e a gente
acompanhava. Eram umas
três horas de caminhada.”
OCostadaLagoaéapenas
umdos127territóriosquilom-
bolasreconhecidospelaFun-
daçãoPalmaresnoRioGran-
de do Sul. Somente 4, entre-
tanto, já foram titulados pe-
loIncra.Outros92buscamti-
tulação, por meio de um lon-
go processo de seis fases.
Apesar da concepção de
que o Sul possui um arranjo
cultural distinto do resto do
país, em razão da coloniza-
ção europeia, o Rio Grande
doSuléosextoEstadodopa-
ís com mais quilombos reco-
nhecidos.
Segundooúltimocensodo
IBGE (2010), das 10 cidades
commaispraticantesdaum-
banda, 8 estão no Estado.
Porto Alegre é o terceiro mu-
nicípio do país com mais
adeptos, quase 41 mil.
“Talvez a explicação para
estadiscrepânciaestejamais
na forma pela qual a história
do Rio Grande do Sul é inter-
pretada, que se choca com o
processohistóricoefetivoque
aconteceu”,afirmaJoséRiva-
ir Macedo, professor de his-
tória da Universidade Fede-
ral do Rio Grande do Sul.
Segundooespecialista,to-
das as atividades no Estado
contaram com mão de obra
escrava, principalmente pa-
ra a atuação nas estâncias
[espaçoruraldestinadoàcri-
açãodegado]enascharque-
adas [onde se produz o char-
que, carne típica da região].
O professor afirma que o
mito do Sul europeizado tem
a ver com os debates que
aconteceramnaprimeirame-
tade do século 20, como par-
tedeum“projetodebranque-
amento” da sociedade.
Segundo ele, faltou vonta-
de dos intelectuais de pensar
profundamenteaquestão.“É
ummitoqueseretroalimenta
o tempo inteiro e gera esses
aparentes contrassensos.”
QUILOMBOS URBANOS
Não é apenas no meio ru-
ral que se encontram os qui-
lombos. Porto Alegre tem
quatrocomunidadesquilom-
bolas, entre elas a do Areal.
Localizado em um dos bair-
ros mais valorizados de Por-
to Alegre, o território sofreu
comespeculaçãoimobiliária.
AtelefonistaFabianeXavi-
er, 41, secretária da associa-
çãocomunitáriadoAreal,diz
queosmoradoreseramasse-
diados para que vendessem
suas casas.
A prefeitura, dona do ter-
reno, publicou em 2015 uma
lei que reconhece o território
quilombola do Areal. A titu-
lação é o próximo passo.
“O título de propriedade é
importanteporqueresgatato-
da a história dos nossos an-
tepassados e vai poder pro-
porcionaracessoaváriaspo-
líticaspúblicas”,dizFabiane.
Comotítulo,osmoradores
querem revitalizar a fachada
seculardocasarãoqueésím-
bolo da comunidade.
Junto ao Pelourinho e ao
LargoZumbidosPalmares,o
Areal era um dos pontos de
interessedoprojeto“Territó-
rios Negros”. Alunos da rede
municipal eram levados de
ônibusparapercorrerumro-
teiro que contava a história
negra da cidade.
O programa foi criado em
2008 e suspenso em março
deste ano. A prefeitura de
NelsonMarchezanJr.(PSDB)
afirmaqueasuspensãosede-
ve à situação financeira do
município e à passagem do
projeto para a Secretaria de
Educação.
Segundo a secretaria, a re-
tomadadainiciativaéestipu-
ladaparamarçode2018,com
“nova roupagem” e “ferra-
mentas de inovação”.
Maria Joaquina da Conceição, 75, em sua casa no quilombo da cidade de Capivari do Sul, no Rio Grande do Sul
Fotos Eduardo Anizelli/Folhapress
Moradores no Quilombo do Areal, em Porto Alegre (RS), que ainda buscam reconhecimento legal; local tem sofrido efeitos de especulação imobiliária

Weitere ähnliche Inhalte

Ähnlich wie Folha de s_paulo29_de_dezembro_de_2017_primeiro_cadernopag8

A assunção quilombola e os limites entre memória e história SILVÂNIO BARCELOS
A assunção quilombola e os limites entre memória e história SILVÂNIO BARCELOSA assunção quilombola e os limites entre memória e história SILVÂNIO BARCELOS
A assunção quilombola e os limites entre memória e história SILVÂNIO BARCELOSSilvânio Barcelos
 
Discurso cidadão olindense
Discurso cidadão olindenseDiscurso cidadão olindense
Discurso cidadão olindenseJamildo Melo
 
Diálogos do Turismo: Uma viagem de Inclusão - IGUALDADE RACIAL E TURISMO (P. ...
Diálogos do Turismo: Uma viagem de Inclusão - IGUALDADE RACIAL E TURISMO (P. ...Diálogos do Turismo: Uma viagem de Inclusão - IGUALDADE RACIAL E TURISMO (P. ...
Diálogos do Turismo: Uma viagem de Inclusão - IGUALDADE RACIAL E TURISMO (P. ...Maísa Fernandes
 
Prova - Simulado Alvaro Gaudêncio
Prova - Simulado Alvaro Gaudêncio  Prova - Simulado Alvaro Gaudêncio
Prova - Simulado Alvaro Gaudêncio Lenivaldo Costa
 
ESCRAVIDÃO NO BRASIL. AFRICANOS NO BRASIL
ESCRAVIDÃO NO BRASIL. AFRICANOS NO BRASILESCRAVIDÃO NO BRASIL. AFRICANOS NO BRASIL
ESCRAVIDÃO NO BRASIL. AFRICANOS NO BRASILdeisewonka30
 
A escravidão e formas de resistência indígena e africana na América.pdf
A escravidão e formas de resistência indígena e africana na América.pdfA escravidão e formas de resistência indígena e africana na América.pdf
A escravidão e formas de resistência indígena e africana na América.pdfGabrielaDuarte699486
 
Boletim - Diversidade Brasileira
Boletim - Diversidade BrasileiraBoletim - Diversidade Brasileira
Boletim - Diversidade BrasileiraRodrigo Silveira
 
Cantigas de ninar apresentação
Cantigas de ninar   apresentaçãoCantigas de ninar   apresentação
Cantigas de ninar apresentaçãoCopene2010
 
Cantigas de ninar apresentação
Cantigas de ninar   apresentaçãoCantigas de ninar   apresentação
Cantigas de ninar apresentaçãoCopene2010
 
Caçadores de história
Caçadores de históriaCaçadores de história
Caçadores de históriaUrano Andrade
 
Escravidão racial o legado do racismo aula de história prof. silvânio barcelos
Escravidão racial o legado do racismo  aula de história prof. silvânio barcelosEscravidão racial o legado do racismo  aula de história prof. silvânio barcelos
Escravidão racial o legado do racismo aula de história prof. silvânio barcelosSilvânio Barcelos
 
Educação para as relações étnico-raciais e ensino de cultura Afro brasileira.
Educação para as relações étnico-raciais e ensino de cultura Afro brasileira.Educação para as relações étnico-raciais e ensino de cultura Afro brasileira.
Educação para as relações étnico-raciais e ensino de cultura Afro brasileira.Glauco Ricciele
 
Apresentação do ciclo de charla & caipirinha raízes afro 16 03_2012
Apresentação do ciclo de charla & caipirinha raízes afro  16 03_2012Apresentação do ciclo de charla & caipirinha raízes afro  16 03_2012
Apresentação do ciclo de charla & caipirinha raízes afro 16 03_2012casadobrasil
 

Ähnlich wie Folha de s_paulo29_de_dezembro_de_2017_primeiro_cadernopag8 (20)

A assunção quilombola e os limites entre memória e história SILVÂNIO BARCELOS
A assunção quilombola e os limites entre memória e história SILVÂNIO BARCELOSA assunção quilombola e os limites entre memória e história SILVÂNIO BARCELOS
A assunção quilombola e os limites entre memória e história SILVÂNIO BARCELOS
 
Discurso cidadão olindense
Discurso cidadão olindenseDiscurso cidadão olindense
Discurso cidadão olindense
 
Pdf artigo6
Pdf artigo6Pdf artigo6
Pdf artigo6
 
Diálogos do Turismo: Uma viagem de Inclusão - IGUALDADE RACIAL E TURISMO (P. ...
Diálogos do Turismo: Uma viagem de Inclusão - IGUALDADE RACIAL E TURISMO (P. ...Diálogos do Turismo: Uma viagem de Inclusão - IGUALDADE RACIAL E TURISMO (P. ...
Diálogos do Turismo: Uma viagem de Inclusão - IGUALDADE RACIAL E TURISMO (P. ...
 
Prova - Simulado Alvaro Gaudêncio
Prova - Simulado Alvaro Gaudêncio  Prova - Simulado Alvaro Gaudêncio
Prova - Simulado Alvaro Gaudêncio
 
O Tempo do Caju
O Tempo do CajuO Tempo do Caju
O Tempo do Caju
 
ESCRAVIDÃO NO BRASIL. AFRICANOS NO BRASIL
ESCRAVIDÃO NO BRASIL. AFRICANOS NO BRASILESCRAVIDÃO NO BRASIL. AFRICANOS NO BRASIL
ESCRAVIDÃO NO BRASIL. AFRICANOS NO BRASIL
 
A escravidão e formas de resistência indígena e africana na América.pdf
A escravidão e formas de resistência indígena e africana na América.pdfA escravidão e formas de resistência indígena e africana na América.pdf
A escravidão e formas de resistência indígena e africana na América.pdf
 
Relato ofo onam
Relato ofo onamRelato ofo onam
Relato ofo onam
 
Boletim - Diversidade Brasileira
Boletim - Diversidade BrasileiraBoletim - Diversidade Brasileira
Boletim - Diversidade Brasileira
 
Cantigas de ninar apresentação
Cantigas de ninar   apresentaçãoCantigas de ninar   apresentação
Cantigas de ninar apresentação
 
Cantigas de ninar apresentação
Cantigas de ninar   apresentaçãoCantigas de ninar   apresentação
Cantigas de ninar apresentação
 
JACOBINISMO NEGRO
JACOBINISMO NEGROJACOBINISMO NEGRO
JACOBINISMO NEGRO
 
Caçadores de história
Caçadores de históriaCaçadores de história
Caçadores de história
 
Escravidão racial o legado do racismo aula de história prof. silvânio barcelos
Escravidão racial o legado do racismo  aula de história prof. silvânio barcelosEscravidão racial o legado do racismo  aula de história prof. silvânio barcelos
Escravidão racial o legado do racismo aula de história prof. silvânio barcelos
 
Educação para as relações étnico-raciais e ensino de cultura Afro brasileira.
Educação para as relações étnico-raciais e ensino de cultura Afro brasileira.Educação para as relações étnico-raciais e ensino de cultura Afro brasileira.
Educação para as relações étnico-raciais e ensino de cultura Afro brasileira.
 
Tropicalia trabalho
Tropicalia trabalhoTropicalia trabalho
Tropicalia trabalho
 
Introducao
 Introducao Introducao
Introducao
 
O Catarina
O CatarinaO Catarina
O Catarina
 
Apresentação do ciclo de charla & caipirinha raízes afro 16 03_2012
Apresentação do ciclo de charla & caipirinha raízes afro  16 03_2012Apresentação do ciclo de charla & caipirinha raízes afro  16 03_2012
Apresentação do ciclo de charla & caipirinha raízes afro 16 03_2012
 

Mehr von tyromello

Os quadros de 2017
Os quadros de 2017Os quadros de 2017
Os quadros de 2017tyromello
 
Wole soyinka
Wole soyinkaWole soyinka
Wole soyinkatyromello
 
Reforma e a justiça
Reforma e a justiçaReforma e a justiça
Reforma e a justiçatyromello
 
Wole soyinka e o ciclo da existência
Wole soyinka e o ciclo da existênciaWole soyinka e o ciclo da existência
Wole soyinka e o ciclo da existênciatyromello
 
Terreno oferecido à Uergs pelo município é do governo estadual
Terreno oferecido à Uergs pelo município é do governo estadualTerreno oferecido à Uergs pelo município é do governo estadual
Terreno oferecido à Uergs pelo município é do governo estadualtyromello
 
Revolução russa
Revolução russaRevolução russa
Revolução russatyromello
 
50 ANOS SEM CHEGUEVARA
50 ANOS SEM CHEGUEVARA50 ANOS SEM CHEGUEVARA
50 ANOS SEM CHEGUEVARAtyromello
 
Direito a terra
Direito  a terraDireito  a terra
Direito a terratyromello
 
Revista matria 2017
Revista matria 2017Revista matria 2017
Revista matria 2017tyromello
 
Representações sociais dos alunos
Representações sociais dos alunosRepresentações sociais dos alunos
Representações sociais dos alunostyromello
 
Geografia sem terra
Geografia sem terraGeografia sem terra
Geografia sem terratyromello
 
Um lugar que vê o futuro no passado
Um lugar que vê o futuro no passadoUm lugar que vê o futuro no passado
Um lugar que vê o futuro no passadotyromello
 
Rincãoo do inferno
Rincãoo do infernoRincãoo do inferno
Rincãoo do infernotyromello
 
Minas do camaqua
Minas do camaquaMinas do camaqua
Minas do camaquatyromello
 
Ex escravos na zona rural de Bagé
Ex escravos na zona rural de BagéEx escravos na zona rural de Bagé
Ex escravos na zona rural de Bagétyromello
 

Mehr von tyromello (20)

2019 em
2019 em2019 em
2019 em
 
Os quadros de 2017
Os quadros de 2017Os quadros de 2017
Os quadros de 2017
 
Wole soyinka
Wole soyinkaWole soyinka
Wole soyinka
 
Reforma e a justiça
Reforma e a justiçaReforma e a justiça
Reforma e a justiça
 
Wole soyinka e o ciclo da existência
Wole soyinka e o ciclo da existênciaWole soyinka e o ciclo da existência
Wole soyinka e o ciclo da existência
 
Terreno oferecido à Uergs pelo município é do governo estadual
Terreno oferecido à Uergs pelo município é do governo estadualTerreno oferecido à Uergs pelo município é do governo estadual
Terreno oferecido à Uergs pelo município é do governo estadual
 
Revolução russa
Revolução russaRevolução russa
Revolução russa
 
50 ANOS SEM CHEGUEVARA
50 ANOS SEM CHEGUEVARA50 ANOS SEM CHEGUEVARA
50 ANOS SEM CHEGUEVARA
 
Piketty
PikettyPiketty
Piketty
 
Refugiados
RefugiadosRefugiados
Refugiados
 
Direito a terra
Direito  a terraDireito  a terra
Direito a terra
 
Revista matria 2017
Revista matria 2017Revista matria 2017
Revista matria 2017
 
Representações sociais dos alunos
Representações sociais dos alunosRepresentações sociais dos alunos
Representações sociais dos alunos
 
Geografia sem terra
Geografia sem terraGeografia sem terra
Geografia sem terra
 
Um lugar que vê o futuro no passado
Um lugar que vê o futuro no passadoUm lugar que vê o futuro no passado
Um lugar que vê o futuro no passado
 
Rincãoo do inferno
Rincãoo do infernoRincãoo do inferno
Rincãoo do inferno
 
Pignatari
PignatariPignatari
Pignatari
 
Minas do camaqua
Minas do camaquaMinas do camaqua
Minas do camaqua
 
Belchior
BelchiorBelchior
Belchior
 
Ex escravos na zona rural de Bagé
Ex escravos na zona rural de BagéEx escravos na zona rural de Bagé
Ex escravos na zona rural de Bagé
 

Kürzlich hochgeladen

matematica aula didatica prática e tecni
matematica aula didatica prática e tecnimatematica aula didatica prática e tecni
matematica aula didatica prática e tecniCleidianeCarvalhoPer
 
Bloco de português com artigo de opinião 8º A, B 3.docx
Bloco de português com artigo de opinião 8º A, B 3.docxBloco de português com artigo de opinião 8º A, B 3.docx
Bloco de português com artigo de opinião 8º A, B 3.docxkellyneamaral
 
5 bloco 7 ano - Ensino Relogioso- Lideres Religiosos _ Passei Direto.pdf
5 bloco 7 ano - Ensino Relogioso- Lideres Religiosos _ Passei Direto.pdf5 bloco 7 ano - Ensino Relogioso- Lideres Religiosos _ Passei Direto.pdf
5 bloco 7 ano - Ensino Relogioso- Lideres Religiosos _ Passei Direto.pdfLeloIurk1
 
Análise poema país de abril (Mauel alegre)
Análise poema país de abril (Mauel alegre)Análise poema país de abril (Mauel alegre)
Análise poema país de abril (Mauel alegre)ElliotFerreira
 
Apresentação ISBET Jovem Aprendiz e Estágio 2023.pdf
Apresentação ISBET Jovem Aprendiz e Estágio 2023.pdfApresentação ISBET Jovem Aprendiz e Estágio 2023.pdf
Apresentação ISBET Jovem Aprendiz e Estágio 2023.pdfcomercial400681
 
Discurso Direto, Indireto e Indireto Livre.pptx
Discurso Direto, Indireto e Indireto Livre.pptxDiscurso Direto, Indireto e Indireto Livre.pptx
Discurso Direto, Indireto e Indireto Livre.pptxferreirapriscilla84
 
421243121-Apostila-Ensino-Religioso-Do-1-ao-5-ano.pdf
421243121-Apostila-Ensino-Religioso-Do-1-ao-5-ano.pdf421243121-Apostila-Ensino-Religioso-Do-1-ao-5-ano.pdf
421243121-Apostila-Ensino-Religioso-Do-1-ao-5-ano.pdfLeloIurk1
 
Atividade - Letra da música Esperando na Janela.
Atividade -  Letra da música Esperando na Janela.Atividade -  Letra da música Esperando na Janela.
Atividade - Letra da música Esperando na Janela.Mary Alvarenga
 
"É melhor praticar para a nota" - Como avaliar comportamentos em contextos de...
"É melhor praticar para a nota" - Como avaliar comportamentos em contextos de..."É melhor praticar para a nota" - Como avaliar comportamentos em contextos de...
"É melhor praticar para a nota" - Como avaliar comportamentos em contextos de...Rosalina Simão Nunes
 
Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"
Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"
Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"Ilda Bicacro
 
Considere a seguinte situação fictícia: Durante uma reunião de equipe em uma...
Considere a seguinte situação fictícia:  Durante uma reunião de equipe em uma...Considere a seguinte situação fictícia:  Durante uma reunião de equipe em uma...
Considere a seguinte situação fictícia: Durante uma reunião de equipe em uma...azulassessoria9
 
Teoria heterotrófica e autotrófica dos primeiros seres vivos..pptx
Teoria heterotrófica e autotrófica dos primeiros seres vivos..pptxTeoria heterotrófica e autotrófica dos primeiros seres vivos..pptx
Teoria heterotrófica e autotrófica dos primeiros seres vivos..pptxTailsonSantos1
 
ATIVIDADE - CHARGE.pptxDFGHJKLÇ~ÇLJHUFTDRSEDFGJHKLÇ
ATIVIDADE - CHARGE.pptxDFGHJKLÇ~ÇLJHUFTDRSEDFGJHKLÇATIVIDADE - CHARGE.pptxDFGHJKLÇ~ÇLJHUFTDRSEDFGJHKLÇ
ATIVIDADE - CHARGE.pptxDFGHJKLÇ~ÇLJHUFTDRSEDFGJHKLÇJaineCarolaineLima
 
Projeto_de_Extensão_Agronomia_adquira_ja_(91)_98764-0830.pdf
Projeto_de_Extensão_Agronomia_adquira_ja_(91)_98764-0830.pdfProjeto_de_Extensão_Agronomia_adquira_ja_(91)_98764-0830.pdf
Projeto_de_Extensão_Agronomia_adquira_ja_(91)_98764-0830.pdfHELENO FAVACHO
 
Slides Lição 5, Betel, Ordenança para uma vida de vigilância e oração, 2Tr24....
Slides Lição 5, Betel, Ordenança para uma vida de vigilância e oração, 2Tr24....Slides Lição 5, Betel, Ordenança para uma vida de vigilância e oração, 2Tr24....
Slides Lição 5, Betel, Ordenança para uma vida de vigilância e oração, 2Tr24....LuizHenriquedeAlmeid6
 
Construção (C)erta - Nós Propomos! Sertã
Construção (C)erta - Nós Propomos! SertãConstrução (C)erta - Nós Propomos! Sertã
Construção (C)erta - Nós Propomos! SertãIlda Bicacro
 
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...azulassessoria9
 
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...azulassessoria9
 
Currículo - Ícaro Kleisson - Tutor acadêmico.pdf
Currículo - Ícaro Kleisson - Tutor acadêmico.pdfCurrículo - Ícaro Kleisson - Tutor acadêmico.pdf
Currículo - Ícaro Kleisson - Tutor acadêmico.pdfTutor de matemática Ícaro
 
PROJETO DE EXTENSÃO I - Radiologia Tecnologia
PROJETO DE EXTENSÃO I - Radiologia TecnologiaPROJETO DE EXTENSÃO I - Radiologia Tecnologia
PROJETO DE EXTENSÃO I - Radiologia TecnologiaHELENO FAVACHO
 

Kürzlich hochgeladen (20)

matematica aula didatica prática e tecni
matematica aula didatica prática e tecnimatematica aula didatica prática e tecni
matematica aula didatica prática e tecni
 
Bloco de português com artigo de opinião 8º A, B 3.docx
Bloco de português com artigo de opinião 8º A, B 3.docxBloco de português com artigo de opinião 8º A, B 3.docx
Bloco de português com artigo de opinião 8º A, B 3.docx
 
5 bloco 7 ano - Ensino Relogioso- Lideres Religiosos _ Passei Direto.pdf
5 bloco 7 ano - Ensino Relogioso- Lideres Religiosos _ Passei Direto.pdf5 bloco 7 ano - Ensino Relogioso- Lideres Religiosos _ Passei Direto.pdf
5 bloco 7 ano - Ensino Relogioso- Lideres Religiosos _ Passei Direto.pdf
 
Análise poema país de abril (Mauel alegre)
Análise poema país de abril (Mauel alegre)Análise poema país de abril (Mauel alegre)
Análise poema país de abril (Mauel alegre)
 
Apresentação ISBET Jovem Aprendiz e Estágio 2023.pdf
Apresentação ISBET Jovem Aprendiz e Estágio 2023.pdfApresentação ISBET Jovem Aprendiz e Estágio 2023.pdf
Apresentação ISBET Jovem Aprendiz e Estágio 2023.pdf
 
Discurso Direto, Indireto e Indireto Livre.pptx
Discurso Direto, Indireto e Indireto Livre.pptxDiscurso Direto, Indireto e Indireto Livre.pptx
Discurso Direto, Indireto e Indireto Livre.pptx
 
421243121-Apostila-Ensino-Religioso-Do-1-ao-5-ano.pdf
421243121-Apostila-Ensino-Religioso-Do-1-ao-5-ano.pdf421243121-Apostila-Ensino-Religioso-Do-1-ao-5-ano.pdf
421243121-Apostila-Ensino-Religioso-Do-1-ao-5-ano.pdf
 
Atividade - Letra da música Esperando na Janela.
Atividade -  Letra da música Esperando na Janela.Atividade -  Letra da música Esperando na Janela.
Atividade - Letra da música Esperando na Janela.
 
"É melhor praticar para a nota" - Como avaliar comportamentos em contextos de...
"É melhor praticar para a nota" - Como avaliar comportamentos em contextos de..."É melhor praticar para a nota" - Como avaliar comportamentos em contextos de...
"É melhor praticar para a nota" - Como avaliar comportamentos em contextos de...
 
Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"
Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"
Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"
 
Considere a seguinte situação fictícia: Durante uma reunião de equipe em uma...
Considere a seguinte situação fictícia:  Durante uma reunião de equipe em uma...Considere a seguinte situação fictícia:  Durante uma reunião de equipe em uma...
Considere a seguinte situação fictícia: Durante uma reunião de equipe em uma...
 
Teoria heterotrófica e autotrófica dos primeiros seres vivos..pptx
Teoria heterotrófica e autotrófica dos primeiros seres vivos..pptxTeoria heterotrófica e autotrófica dos primeiros seres vivos..pptx
Teoria heterotrófica e autotrófica dos primeiros seres vivos..pptx
 
ATIVIDADE - CHARGE.pptxDFGHJKLÇ~ÇLJHUFTDRSEDFGJHKLÇ
ATIVIDADE - CHARGE.pptxDFGHJKLÇ~ÇLJHUFTDRSEDFGJHKLÇATIVIDADE - CHARGE.pptxDFGHJKLÇ~ÇLJHUFTDRSEDFGJHKLÇ
ATIVIDADE - CHARGE.pptxDFGHJKLÇ~ÇLJHUFTDRSEDFGJHKLÇ
 
Projeto_de_Extensão_Agronomia_adquira_ja_(91)_98764-0830.pdf
Projeto_de_Extensão_Agronomia_adquira_ja_(91)_98764-0830.pdfProjeto_de_Extensão_Agronomia_adquira_ja_(91)_98764-0830.pdf
Projeto_de_Extensão_Agronomia_adquira_ja_(91)_98764-0830.pdf
 
Slides Lição 5, Betel, Ordenança para uma vida de vigilância e oração, 2Tr24....
Slides Lição 5, Betel, Ordenança para uma vida de vigilância e oração, 2Tr24....Slides Lição 5, Betel, Ordenança para uma vida de vigilância e oração, 2Tr24....
Slides Lição 5, Betel, Ordenança para uma vida de vigilância e oração, 2Tr24....
 
Construção (C)erta - Nós Propomos! Sertã
Construção (C)erta - Nós Propomos! SertãConstrução (C)erta - Nós Propomos! Sertã
Construção (C)erta - Nós Propomos! Sertã
 
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
 
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
 
Currículo - Ícaro Kleisson - Tutor acadêmico.pdf
Currículo - Ícaro Kleisson - Tutor acadêmico.pdfCurrículo - Ícaro Kleisson - Tutor acadêmico.pdf
Currículo - Ícaro Kleisson - Tutor acadêmico.pdf
 
PROJETO DE EXTENSÃO I - Radiologia Tecnologia
PROJETO DE EXTENSÃO I - Radiologia TecnologiaPROJETO DE EXTENSÃO I - Radiologia Tecnologia
PROJETO DE EXTENSÃO I - Radiologia Tecnologia
 

Folha de s_paulo29_de_dezembro_de_2017_primeiro_cadernopag8

  • 1. abA8 poder ★ ★ ★ SextA-FeirA, 29 De Dezembro De 2017 ANA LUIZA ALBUQUERQUE ENVIADA ESPECIAL A CAPIVARI DO SUL (RS) “Eufaleiparaaminhafilha quevocênãoiriamereconhe- cer… Porque esperaria uma mulhernegra,né?”,dizMaria Joaquina da Conceição, 75. Depeleeolhosclaroseca- belos vermelhos, “Quina”, como é chamada entre os fa- miliares, carregaa negritude na genética e nas memórias. Descendente de escravos, Joaquinalevouareportagem aoquilomboCostadaLagoa, no município de Capivari do Sul, 80 km de Porto Alegre (RS).Oterritóriopossuicerti- ficaçãodaFundaçãoCultural Palmares desde 2006 e abriu processo de regularização fundiária no Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) em 2011. Oquilomboaindanãocon- seguiu a titulação, último passodoprocesso,masoRe- latórioTécnicodeIdentifica- ção e Delimitação da terra já foipublicado.Nele,apesqui- sa de antropólogos do Incra atesta que a identidade étni- ca do local não é apenas re- memorada,mas“vivenciada e preservada nas relações de compadrio, parentesco e re- ciprocidade”. O relógio marcava 14h e o sol forte anunciava a proxi- midade do verão. Idosos, adultos e crianças se abriga- vam na sombra das centená- rias figueiras para contar a história da comunidade. Cerca de 15 famílias man- têm relações com o Costa da Lagoa. Nem todas moram ali —a vida no quilombo não é sustentávele,porisso,amai- oria dos quilombolas busca emprego no cultivo do arroz. Aindaassim,estãosempre reunidos. Descendentes de três famílias que acabaram casando entre si (os Concei- ção,osBernardeseosOlivei- ra)dividemorigemepráticas. Os quilombolas relatam que a decisão de regularizar o território no Incra tomou corpoquandoalgunslotesde terracomeçaramaservendi- dos para pessoas de fora. Dizem que a terra quilom- bola não pode ser vendida e que é preciso preservar o es- paço de seus tataravós. Segundo a pesquisa do In- cra,achegadadosnegrosno quilombo remonta há, pelo menos, 140 anos. Umadashipótesesédeque a ocupação tenha se dado a partir da herança de um se- nhor de terras, que deixou a regiãoparaaescravaDelfina Boeira da Conceição, liberta no batismo. Sobrinha-neta de Delfina, ou “Dedê”, Joaquina conta que a origem da terra nunca foi objeto de discussão entre os habitantes e que as raízes só foram descobertas com a aberturadoprocessonoIncra. “Na nossa cabeça, era nosso epronto.Osmaisvelhosmor- reram, vieram os filhos, os netos… É a nossa terra”, diz. COTIDIANOQUILOMBOLA Era na lagoa que dá nome aoquilomboque,noiníciodo século passado, as mulheres lavavam roupas para garan- tir o sustento. Em 1941, a lagoa inundou, causando uma grande en- chentenoterritório.Emmeio a esse cenário, Quina nascia em uma das casas. Suamãeesuaavóatuavam como parteiras. Ela ainda guardaaespiriteiradaavóSe- rafina, utilizada para esteri- lizaratesouracomaqualcor- tava o cordão umbilical dos recém-nascidos. Entreaspráticaspassadas pelas gerações, estava a ofe- renda dos bebês para a lua. “Dizia-se ‘lua, luar, pega essa criança e ajuda a criar’. Também colocava-se uma roupinhadacriançanumaár- vore cheia de espinhos para a bruxa não pegar”, conta. Joaquinarelata,ainda,que nãohaviamédicosparaaten- der a comunidade e que, as- sim, “era só na base do chá”. “Quando o adolescente era muito magrinho, matavam uma coruja e faziam um cal- do. Diziam que tinha muitos ingredientesquedeixavama criança forte.” Deacordocomela,dinhei- INVISÍVEIS raízes No RS, comunidades descendentes de escravosbuscam regularizar suas terras e mostram que região vai além da herança europeia DE CURITIBA Ficoupara2018ojulga- mentonoSTFdeumaADI (Ação Direta de Inconsti- tucionalidade) que pode alterararegularizaçãodas terras quilombolas. A açãofoiajuizadaem2004 pelo PFL (hoje DEM). A discussão foi inter- rompida em novembro, porpedidodevistadomi- nistro Edson Fachin. A ADI 3.239 alega a in- constitucionalidade do decreto nº 4.887, assina- do em 2003 pelo ex-pre- sidente Lula. A ação ar- gumenta que a regula- mentação das terras de- veserdefinidapeloLegis- lativo e que não cabe ao poder público desapro- priar áreas privadas. O texto também ques- tionaocritériodeautode- claração dos quilombos. Emnovembro,oministro Dias Toffoli votou pela procedência parcial da ADI.Elereconheceuate- se do marco temporal, quegarantesomenteati- tulação das terras que já estavamocupadasporre- manescentes de quilom- bos em 1988, ano da Constituição. Toffoli res- saltou que também de- vem ser considerados quilombolas os territóri- os que não estivessem ocupados em função de atos ilícitos de terceiros. OprocuradordaRepú- blica Leandro Mitidieri afirma que o receio é que o julgamento crie as cha- madas“condicionantes”. Eleressaltaqueoreco- nhecimento da tese do marcotemporalestabele- ceanecessidadedecom- provação da expulsão dos povos. “É mais uma dificuldade num proces- soextremamentedifícil.” Presidente da Frente Parlamentar da Agrope- cuária, Nilson Leitão (PSDB)sedizfavorávelao marco temporal e afirma que a situação atual traz insegurança. “Oqueestásediscutin- do é uma questão jurídi- ca,emrelação,inclusive, aodireitoàpropriedade”, diz.“Muitagenteseauto- denominou indígena, quilombola,edefatonão são.Temmuitoíndionas- cendo no Brasil com 40 anos de idade, olhos ver- des e cabelo loiro.” STFdefiniráem 2018regraspara demarcação ronãoexistia.Osfazendeiros entregavam como pagamen- toumafichaquesópodiaser trocada em um armazém es- pecífico na cidade de Palma- res. “[As mães] traziam a co- mida na cabeça e a gente acompanhava. Eram umas três horas de caminhada.” OCostadaLagoaéapenas umdos127territóriosquilom- bolasreconhecidospelaFun- daçãoPalmaresnoRioGran- de do Sul. Somente 4, entre- tanto, já foram titulados pe- loIncra.Outros92buscamti- tulação, por meio de um lon- go processo de seis fases. Apesar da concepção de que o Sul possui um arranjo cultural distinto do resto do país, em razão da coloniza- ção europeia, o Rio Grande doSuléosextoEstadodopa- ís com mais quilombos reco- nhecidos. Segundooúltimocensodo IBGE (2010), das 10 cidades commaispraticantesdaum- banda, 8 estão no Estado. Porto Alegre é o terceiro mu- nicípio do país com mais adeptos, quase 41 mil. “Talvez a explicação para estadiscrepânciaestejamais na forma pela qual a história do Rio Grande do Sul é inter- pretada, que se choca com o processohistóricoefetivoque aconteceu”,afirmaJoséRiva- ir Macedo, professor de his- tória da Universidade Fede- ral do Rio Grande do Sul. Segundooespecialista,to- das as atividades no Estado contaram com mão de obra escrava, principalmente pa- ra a atuação nas estâncias [espaçoruraldestinadoàcri- açãodegado]enascharque- adas [onde se produz o char- que, carne típica da região]. O professor afirma que o mito do Sul europeizado tem a ver com os debates que aconteceramnaprimeirame- tade do século 20, como par- tedeum“projetodebranque- amento” da sociedade. Segundo ele, faltou vonta- de dos intelectuais de pensar profundamenteaquestão.“É ummitoqueseretroalimenta o tempo inteiro e gera esses aparentes contrassensos.” QUILOMBOS URBANOS Não é apenas no meio ru- ral que se encontram os qui- lombos. Porto Alegre tem quatrocomunidadesquilom- bolas, entre elas a do Areal. Localizado em um dos bair- ros mais valorizados de Por- to Alegre, o território sofreu comespeculaçãoimobiliária. AtelefonistaFabianeXavi- er, 41, secretária da associa- çãocomunitáriadoAreal,diz queosmoradoreseramasse- diados para que vendessem suas casas. A prefeitura, dona do ter- reno, publicou em 2015 uma lei que reconhece o território quilombola do Areal. A titu- lação é o próximo passo. “O título de propriedade é importanteporqueresgatato- da a história dos nossos an- tepassados e vai poder pro- porcionaracessoaváriaspo- líticaspúblicas”,dizFabiane. Comotítulo,osmoradores querem revitalizar a fachada seculardocasarãoqueésím- bolo da comunidade. Junto ao Pelourinho e ao LargoZumbidosPalmares,o Areal era um dos pontos de interessedoprojeto“Territó- rios Negros”. Alunos da rede municipal eram levados de ônibusparapercorrerumro- teiro que contava a história negra da cidade. O programa foi criado em 2008 e suspenso em março deste ano. A prefeitura de NelsonMarchezanJr.(PSDB) afirmaqueasuspensãosede- ve à situação financeira do município e à passagem do projeto para a Secretaria de Educação. Segundo a secretaria, a re- tomadadainiciativaéestipu- ladaparamarçode2018,com “nova roupagem” e “ferra- mentas de inovação”. Maria Joaquina da Conceição, 75, em sua casa no quilombo da cidade de Capivari do Sul, no Rio Grande do Sul Fotos Eduardo Anizelli/Folhapress Moradores no Quilombo do Areal, em Porto Alegre (RS), que ainda buscam reconhecimento legal; local tem sofrido efeitos de especulação imobiliária