O documento discute os desafios do trânsito e transporte na cidade de São Paulo. Aponta que o uso intensivo de automóveis causa congestionamento, degrada a qualidade de vida urbana e desperdiça energia. Defende que é necessário redistribuir a demanda entre modos de transporte, reduzindo a dependência do automóvel individual. Também argumenta que deveriam ser criados créditos de carbono, energia e água para incentivar tecnologias e modos de transporte mais sustentáveis.
2. A São Paulo Transporte – SPTrans
Os números do transporte coletivo municipal em São
Paulo são surpreendentes. O transporte por ônibus
responde por cerca de 71% das viagens coletivas. São,
em média, 6 milhões de passageiros/dia, que têm à
disposição 15 mil ônibus, 1.300 linhas, 10 corredores,
28 terminais, mais de 6.900 veículos da frota acessíveis,
mais de 360 veículos do Atende, 15 mil equipamentos
de GPS e 500 câmeras no SIM – Sistema Integrado de
Monitoramento. Além disso, a cidade tem uma das frotas
mais novas do Brasil.
Para gerenciar esse sistema, a Prefeitura de São Paulo
e a Secretaria Municipal de Transportes contam com a
SPTrans, empresa de economia mista, responsável pela
gestão do transporte na cidade.
3. Coletivo
Revista Técnica da SPTrans
Publicação da São Paulo Transporte S.A. – SPTrans, destinada a difundir
informações e estudos sobre transporte público de passageiros, trânsito
e mobilidade urbana.
Responsável: Gerência de Marketing - SPTrans
Editores: Alexandre Pelegi,
Diana Sampaio e
Fausto Barbaresco
Secretária de Edição: Maria Palmira Mançano
Edição Gráfica: José Eulálio Soares dos Santos e
William Ramler
Informações e contribuições: marketing@sptrans.com.br
Gerência de Marketing - SPTrans
Rua Boa Vista, 236 – 7º andar (fundos)
Centro – São Paulo – SP – CEP: 01014-000
São Paulo, outubro de 2011
Número Zero
4. Sumário
Sumário
4 Apresentação
Marcelo Cardinale Branco
Secretário Municipal de Transporte de São Paulo e Presidente da SPTrans
7 Trânsito e transporte na cidade de São Paulo
Adriano Murgel Branco
colaboração de Ivan Whately e Alexandre Pelegi
39 Circuito de Compras
Projeto de Terminais Rodoviários e de Serviço de Transporte Dedicados
Laurindo Junqueira Filho, Carlos Meira Ribeiro
47 Geoprocessamento e Aplicações
Carlos Meira Ribeiro
57 Microssimulação de faixa reversível para ônibus
Sílvio Rogério Tôrres
62 Caracterização Urbanística
Área de Influência Direta Do Metrô Leve Jardim Ângela – Santo Amaro
Édelis Alves Ribeiro, Eduardo Tavares de Carvalho, Janaina Uchôa Ab’Sáber,
Tácito Pio da Silveira
72 Proposta de metodologia
Caracterização urbanística aplicada a sistemas de média capacidade
Eduardo Tavares de Carvalho, Édelis Alves Ribeiro, Janaina Uchôa Ab’Sáber,
Tácito Pio da Silveira
83 Modelos de Demanda e Oferta de Transporte Urbano
Sílvio R. Tôrres, Yang I Ti
141 Simulação de Marcha e Grade Horária
Sistema Monotrilho – Jardim Ângela a Santo Amaro
SPTrans / São Paulo Transporte S.A - DI/SMA/GEM
157 A proposta de revisão do Plano Diretor Estratégico do Município de
São Paulo
Comentários do ponto de vista da circulação urbana
Eduardo Tavares de Carvalho, Tácito Pio da Silveira
166 Perfil de Viagem
População da Região do M’Boi Mirim
Édelis Alves Ribeiro, Janaína Uchôa Ab’Sáber
176 Sistema Cicloviário
Município de São Paulo
Édelis Alves Ribeiro
5. Sumário
185 Terminais urbanos de ônibus
Novos conceitos de projeto
Evanaldo Magno do Ouro, Hughson Paiva de Castro, Maria Cristina Fernando
Biondilo
193 A Questão Metropolitana
Inventário de Planos de Transporte Coletivo em São Paulo
Tácito Pio da Silveira
207 Desempenho Cinemático
Corredores de Ônibus em São Paulo
Yang I Ti, Carlos Meira Ribeir, Sílvio Rogério Tôrres
213 Aspectos Físicos da Região de M’ Boi Mirim
Paisagens e Funções
Janaina Uchôa Ab’ Sáber
225 Implantação de linhas de monotrilho na região do M’Boi Mirim, São
Paulo
Monotrilho: Transporte de alta tecnologia na cidade de São Paulo
Carlos Ivan Nogueira Laiso, Laurindo Junqueira Filho
240 Organograma
248 Referências Bibliográficas
6. Apresentação
O eterno dilema de quem vive em sociedade está em compatibilizar o
interesse individual com o bem-estar coletivo. Mas no caso da cidade
de São Paulo esta situação começou torta... Desde o final dos anos
60 os responsáveis pela organização da mobilidade urbana de certa
forma aceitaram o advento do automóvel e o seu uso em larga escala
como algo inexorável, consequência natural da modernidade. E, para
complicar, relegaram ao destino a acomodação entre os modos público
e privado, como se as cidades fossem capazes de assimilar toda e
qualquer quantidade de automóveis, como se buscou nos Estados
Unidos.
O resto da história é o que vivemos hoje: as ruas congestionadas
pelos automóveis geram um fenômeno que é o responsável direto pelo
desaparecimento das funções sociais das ruas da cidade - um espaço
que é de todos -, enquanto na outra ponta busca socializar o elevado
custo econômico da obstrução à circulação. É fácil compreender a
evolução do congestionamento: enquanto a população da cidade
cresceu cerca de 7 vezes no período de 1947/2007 e as viagens em
transporte coletivo cresceram 6 vezes, o número de viagens individuais
aumentou acima de 40 vezes. E o número de automóveis multiplicou-se
por 54.
Com os grandes números que hoje caracterizam o nosso trânsito, não
é difícil demonstrar que são necessários 127 automóveis para fazer o
mesmo transporte que realiza um ônibus articulado; que o consumo
de combustíveis por passageiro transportado no automóvel é 14 vezes
maior do que o mesmo transporte em um ônibus articulado operando
em corredor; que o deslocamento de 1 pessoa por automóvel na cidade
de São Paulo consome, em média, 26 vezes mais energia do que o
deslocamento médio por metrô.
Até quando teremos espaço nas ruas suficiente para todos? Qual o
critério que devemos utilizar para definir o uso desse espaço? Enquanto
o homem não chega a um consenso, ele vai criando regras para permitir
a convivência pacífica entre seus semelhantes. O problema é que isso,
quase nunca, funciona de maneira cordata e natural. No caso brasileiro,
6
7. não é preciso muito para se descobrir que o uso do carro revela antes um
sinal de status econômico, e este, por si, determina uma hierarquia de
valores. Quem pode mais, tem carros maiores, melhores e mais caros,
e naturalmente passa a ter prioridade sobre o uso do viário urbano.
Qualquer semelhança com uma situação de apartheid social não será
coincidência...
Este é o tema que inspira o trabalho que abre esta revista. Coordenado
pelo consultor Adriano Murgel Branco, busca respostas que nem
sempre podem ser alcançadas por uma administração. O mesmo vale
para os trabalhos que abrem esta primeira edição: estudos realizados
por técnicos da SPTrans que demonstram, além da preocupação com o
objeto principal de nosso trabalho – o transporte público –, o interesse
em contribuir com o setor em outras cidades e instâncias de poder.
O objetivo principal desta revista, que ora se inicia, é divulgar e estimular
o estudo técnico dos problemas que mais preocupam o setor. E, a partir
daí, fomentar o debate e a troca de experiências entre os diversos
atores e estudiosos do tema.
Parabéns aos técnicos da SPTrans, que através desta revista
demonstram a todos aquilo que ainda poucos conhecem: a empresa é,
além de referência na gestão do transporte público, um grande celeiro
de técnicos e especialistas na área.
Marcelo Cardinale Branco
Secretário Municipal de Transporte de São Paulo e Presidente da SPTrans
7
9. Trânsito e transporte na cidade de São Paulo
INTRODUÇÃO
Já na década de 1990, organismos internacionais, como o “CERTU – Centre
d’Estudes sur les Réseaux, les Transports, l’urbanisme et les Constructions
Publiques”, dedicaram-se a discutir mais aprofundadamente as consequências
do uso cada vez mais intensivo dos automóveis nas aglomerações urbanas,
assim, como a produzir propostas no sentido de redistribuir as demandas de
transportes entre os diferentes modos. Dentre outros trabalhos, destacamos 2
livros editados pelo “CERTU – Centre d’études sur les réseaux, les transports,
l’ urbanisme et les constructions publiques”: “Évaluation des Transports em
Commun em Site Propre” (1997) e “Les Citadins Face à l’automobilité” (1998)
Da introdução deste segundo estudo, recolhemos os conceitos que se seguem,
resultantes da consideração inicial de que a tendência de uso crescente do
automóvel nos centros urbanos traz um certo número de inconvenientes
que é preciso equacionar. Diz o trabalho que “um primeiro aspecto reside
no congestionamento das ruas pelos automóveis. Ele compreende dois
fenômenos bem distintos: o desaparecimento das funções sociais da rua,
pela predominância da circulação e do estacionamento, sobre todas as outras
formas de apropriação do espaço público, assim como o custo econômico da
obstrução à circulação.
“Um segundo inconveniente – o mais frequentemente mencionado - reside nos
danos causados ao ambiente urbano pelo automóvel e suas consequências
sobre a qualidade de vida. Esses danos são essencialmente de três
naturezas: trata-se das rupturas da continuidade no espaço urbano, devidas
às infraestruturas urbanas, das agressões sonoras resultantes do tráfego e da
poluição atmosférica”.
“Enfim, um último aspecto raramente lembrado e que diz respeito tanto aos
pedestres quanto aos automóveis é aquele dos acidentes gerados pela
densidade do tráfego e sua rapidez. A essas três consequências diretas,
se soma um cortejo de prejuízos econômicos e sociais indiretos que não
precisamos abordar”.
O texto acima citado chama a atenção para o fato de que, ainda que resolvendo
parcialmente o problema dos deslocamentos diários, o uso intensivo do
automóvel desagrega a estrutura urbana e agride continuamente a qualidade
9
10. Coletivo - Revista Técnica da SPTrans - Edição nº 0 / outubro de 2011
de vida da sociedade.
A esses aspectos, cuja relevância vem sendo cada vez mais significativa
em razão dos chamados danos ambientais, representados prioritariamente
pela produção de poluentes gasosos, sintetizados em “débitos de carbono”,
somam-se outros, que habitualmente são entendidos como danos ambientais.
Entretanto, há um aspecto cada vez mais relevante, que é o consumo excessivo
de energia, que acompanha o uso intensivo do automóvel. Esse desperdício de
energia pode se dever tanto ao emprego de tecnologias de baixo rendimento
energético, como é o caso dos veículos com motores de combustão interna
(automóveis, caminhões, ônibus), quanto ao uso de modos de transporte de
maior demanda de energia. Basta ver que uma viagem média por automóvel,
na cidade de São Paulo, consome 26 vezes mais energia do que a viagem
média por metrô, para se ter a idéia do significado do que se está discutindo.
Mais ainda, os potenciais de energia se esgotam em velocidade crescente,
obrigando a humanidade a recorrer a tecnologias que incorporam cada
vez mais riscos à saúde e até à sobrevivência, como se tem visto com as
instalações átomo-elétricas e com a perfuração de regiões submarinas de
grande profundidade. Os episódios recentes do Golfo do México e do Japão
autorizam tais considerações.
Em razão disso, além dos benefícios que hoje se creditam às instalações
industriais e aos veículos menos poluentes, conhecidos como “créditos
de carbono”, é absolutamente defensável que se criem, para os mesmos
consumidores de energia, “créditos de energia”, proporcionais à redução
de consumo quando se substitua um modo de trabalho por outro de menor
demanda energética, assim como as tecnologias de menor rendimento
energético por aquelas mais eficientes.
Exemplificando, o BRT de Bogotá, na Colômbia, tem recolhido créditos de
carbono em favor da gestão do próprio sistema (US$ 2 milhões por ano), em
razão de estar substituindo automóveis em tráfego congestionado, por ônibus
em corredores exclusivos. Essa substituição, porém, não diminui apenas a
poluição, gerando créditos de carbono, mas reduz substancialmente a demanda
de energia, o que lhe deveria valer “créditos de energia”. E se os ônibus forem
substituídos por tróleibus, esses dois indicadores serão ainda melhores.
As mesmas considerações aqui feitas valerão também, em futuro próximo,
para a concepção de um “crédito de água”, forçando a redução dos enormes
desperdícios que se fazem do precioso líquido, cujas fontes e reservas estão
sendo esgotadas ou contaminadas.
10
11. Trânsito e Transporte na Cidade de São Paulo
“O problema da circulação nada mais é do que o problema do deslocamento
de uma pequena minoria”
Pierre Massanet – década de 1950 –
presidente do Conselho de Administração da
Règie Autonome des Transports Parisiens.
HISTÓRICO DO TRANSPORTE URBANO NA RMSP DE 1900 A 1970
Ao analisar o histórico dos transportes coletivos na Cidade e na Região
metropolitana de São Paulo, fica visível a correlação entre os problemas do
trânsito e do transporte. Mas nem sempre se pensou assim: os responsáveis
pela organização da mobilidade urbana de certa forma aceitaram o advento
do automóvel e o seu uso em larga escala como algo inexorável, consequente
da modernidade. Mas não propuseram a conciliação entre os modos públicos
e privados de transporte, como se o tempo se encarregasse da acomodação;
ou as cidades fossem capazes de assimilar toda e qualquer quantidade de
automóveis, como se tentou nos Estados Unidos.
Entre nós, as claras manifestações de que os “automóveis vieram para ficar”
apareceram no Plano Urbanístico Básico, de 1968, e no Plano Fontec de
organização do trânsito, de 1966. No primeiro caso, procurou-se orientar a
estrutura urbana para acolher o crescente volume de veículos, especialmente
desenhando vias expressas. Dentre essas, foi planejada uma que, para servir
num horizonte de 30 anos, deveria ter 16 faixas de tráfego; e o plano de Vias
Expressas ruiu...
No segundo caso, confiou-se na organização dos fluxos de tráfego para que os
congestionamentos desaparecessem. Por isso, priorizou-se o espaço público
para os automóveis, tornando secundária a circulação dos coletivos. A Cidade,
submetida a uma “disciplina militar de circulação”, como se dizia à época,
reagiu e o tal plano foi descontinuado.
Mas tornou-se clara, naquele momento, que a prioridade conferida ao
transporte individual estava errada. E muitos artigos se escreveram sobre o
grande equívoco de tentar resolver os problemas do trânsito sem levar em
conta aqueles do transporte coletivo.
É ainda dessa década (1968) a decisão de extinguir o transporte por bondes,
na cidade, consequência do tanto que se ouviu dizer que o “bonde atrapalha
o trânsito”, ao que alguns retrucavam dizendo que “o trânsito atrapalha o
bonde”. Foi um lamentável equivoco daqueles que, ao criar a Companhia
do Metropolitano, que só viria a operar sete anos depois, entenderam que
tal dernização justificaria a supressão de um sistema coletivo, elétrico, que
operava em faixa exclusiva em vários itinerários, e que tinha 260 quilômetros
de linhas, servindo a 700 km de itinerários.
11
12. Coletivo - Revista Técnica da SPTrans - Edição nº 0 / outubro de 2011
va em faixa exclusiva em vários itinerários, e que tinha 260 quilômetros de
linhas, servindo a 700 km de itinerários.
A grande verdade é que a administração pública deixou-se levar pelo lobby
das indústrias de veículos e de petróleo, tal como ocorreu nos EUA, onde a
General Motors financiou as prefeituras para retirarem os bondes e tróleibus
das cidades. Mas essa culpa deve ser partilhada com toda a sociedade que,
deslumbrada com o automóvel e com o consumismo, deixou-se levar pelos
apelos de modernidade.
O transporte urbano organizado se implantou em São Paulo em 1900, com o
advento dos bondes. Um passo gigantesco, a partir dos tílbures e de alguns
bondes de tração animal, substituídos por veículos de tração elétrica, guiados
por trilhos, com elevada capacidade de transporte.
O sistema operou eficazmente até 1925, quando começaram a chegar os
ônibus, atuando na clandestinidade, mas já capazes de competir com os
bondes. Em 1936 fez-se a primeira regulamentação dos serviços de ônibus,
quando se obrigou cada empresa a ter um mínimo de quatro veículos (até
então, um ônibus podia ter vários sócios...).
Em 1939, a Prefeitura decidiu realizar um grande plano de transportes, criando
a Comissão de Estudos de Transportes Coletivos, concluído em 1941, e que
teve como principal consequência a criação da CMTC, empresa de economia
mista, monopolista de todos os modos de transporte público. A sua instituição
só se deu, porém, em 1947, devido inclusive aos efeitos da 2ª guerra mundial
sobre a organização política e econômica dos países.
Criada a CMTC, houve grandes avanços: implantou-se linha de tróleibus,
compraram-se ônibus modernos, adquiriram-se novos bondes, etc. Pode-se
dizer que tudo prosperou até 1959, quando a baixa capitalização da empresa
começou a torná-la incapaz de atender à demanda.
Em 1960, a exclusividade da CMTC foi rompida, ante a pressão de empresários
privados de ônibus, que rapidamente obtiveram “permissões”, para operar num
sistema que logo se desorganizou. Mas a década de 60 foi também a época
da introdução da indústria automobilística no Brasil, que estimulou o uso dos
ônibus e, principalmente, dos automóveis, levando à extinção dos bondes, já
referida.
Embora se tenha criado o metrô em 1968 e a CPTM em 1992, esta destinada a
unificar e reorganizar o sistema de trens metropolitanos, que compunham uma
malha de 280 km de linhas, das quais 160 dentro da cidade de São Paulo, o
crescimento dessas empresas sequer gerou uma oferta compatível de trans-
12
13. Trânsito e Transporte na Cidade de São Paulo
portes, até 1997 (ano da última pesquisa de Origem e Destino), equivalente
àquela dos bondes, anteriormente. As carências que advieram foram ocupadas
por ônibus e micro-ônibus clandestinos e pelos automóveis, categorias do
transporte não organizadas e que só tenderam a congestionar o trânsito.
“A utilização de automóveis particulares nas zonas centrais é um luxo que
nenhuma cidade pode permitir-se por muito tempo”
União Internacional de Transportes Públicos (1961)
HISTÓRICO APÓS 1970
Na década de 1970 parecia que a Cidade havia acordado para os seus
problemas de deslocamento. As crescentes dificuldades de circulação e
os resultados desanimadores das ações adotadas até então, deram origem
a novos planos de transporte. A primeira iniciativa importante foi considerar
o problema dos transportes e do trânsito em sua dimensão metropolitana,
criando-se uma empresa holding a EMTU, detentora do controle da Cia. do
Metrô e, mais tarde, da CPTM e, quiçá, da CMTC. Esse modelo, entretanto, foi
desfeito logo depois, devido a injunções políticas, econômicas e comerciais.
Desta visão metropolitana, porém, restou o chamado Plano Sistran (1976),
destinado a um planejamento integrado dos transportes públicos. E, dentre os
objetivos dele decorrentes, estava a implantação de um conjunto de corredores
exclusivos de tróleibus, com 280 km de linhas e 1.600 veículos. Surgia aí uma
resposta concreta às dificuldades dos transportes públicos, operados com
elevada capacidade pelo Metrô e CPTM (50 a 70.000 passageiros por hora
e por sentido) e em baixa capacidade pelos ônibus (6.000 a 9.000 pass./h/
sentido): a instituição de um sistema de média capacidade, em faixas exclusivas,
utilizando tróleibus de última geração, de fabricação nacional, conferindo a ele
características de eficiência, segurança e conforto, com baixo nível de ruído e
zero de poluição atmosférica. Respondia-se, assim, às demandas ambientais e
à necessidade de um transporte confortável e atrativo para aqueles que só se
deslocavam em automóveis.
Em 1980 inaugurou-se a primeira linha desse sistema, na av. Paes de Barros,
assim como uma grande infraestrutura de redes elétricas e garagem, para
prosseguimento do plano, previsto para 6 anos. Mas, embora esse plano haja
alcançado apoio federal, que resultou até em elaboração de um programa
nacional de corredores de tróleibus, as administrações posteriores pouco
fizeram e desfiguraram os conceitos básicos dos corredores.
Restou também do projeto de corredores o chamado Corredor ABD, de
características intermunicipais, ligando São Paulo, Diadema, São Bernardo e
13
14. Coletivo - Revista Técnica da SPTrans - Edição nº 0 / outubro de 2011
Santo André. Mas embora seus primeiros estudos datem de 1986, só foi
efetivamente completado em 2011. Mas a primeira parte dele, implantada em
prazo menor, entre Diadema e São Paulo (zona leste) demonstrou cabalmente
os resultados esperados.
Em 1997 a Cidade estava convencida a retomar, com todo o rigor técnico, o
transporte de capacidade média, tendo projetado o VLP – Veiculo Leve sobre
Pneus, com cerca de 150 km de linhas em faixas exclusivas, cujo primeiro
trecho, de 13 km – hoje conhecido como Expresso Tiradentes – foi inaugurado
em 2001.
Ao mesmo tempo, foi instituído por lei o “Sub-Sistema de Transporte Coletivo
de Média Capacidade”, que não chegou a ser implementado (a lei que o criou
foi revogada), tal como aconteceu com o VLP que, desfigurado em vários de
seus requisitos técnicos fundamentais, foi paralisado.
Novamente o automóvel ficou com o encargo de realizar a tarefa pública, não
cumprida, de transportar pessoas. Mas a crise ambiental começou a mostrar
outro lado da moeda, tendo alguns técnicos se dedicado a demonstrar quanto
custa a poluição, em ambiente congestionado urbano.
Custo do Congestionamento
Um dos estudos, elaborado em 1998 (ver figura) mostra que, àquela época
a sociedade metropolitana estava arcando com prejuízos, decorrentes do
congestionamento urbano e das deficiências do transporte público, da ordem
de 22 bilhões de reais, todos os anos. Mais recentemente, o prof. Marcos Cintra
fez cálculos semelhantes, chegando a uma avaliação de cerca de 40 bilhões
anuais, condizente com o número anterior.
A primeira avaliação desse gênero foi feita pela Prefeitura, em 1958, apontando
perdas anuais equivalentes a pouco mais de 1 orçamento municipal,
semelhante ao que hoje ocorre. Admitindo que o mesmo tenha ocorrido desde
1958 até agora – e não há razão para não admiti-lo – pode-se estimar as
perdas ocorridas nos 50 anos analisados (1958 a 2007) em mais de 1 trilhão
de dólares. É fácil compreender a evolução do congestionamento, analisando
14
15. Trânsito e Transporte na Cidade de São Paulo
Taxas de Expansão dos Transportes Urbanos na RMSP
o gráfico na próxima página, que mostra que, enquanto a população cresceu
cerca de 7 vezes no período de 1947/2007 e as viagens em transporte coletivo
cresceram 6 vezes, o número de viagens individuais aumentou acima de 40
vezes. E o número de automóveis multiplicou-se por 54.
Disso resultaram os números referentes à evolução das viagens diárias na
RMSP, classificadas segundo o modo de transporte ou de deslocamento,
estampadas na tabela seguinte:
Pesquisa OD
Deste quadro se extraem algumas visões importantes. A primeira delas é a
apresentação dos dados em gráfico, oferecendo uma visualização mais
imediata desses dados. A segunda, é a representação da distribuição dos
deslocamentos segundo o modo de utilização, onde se destacam duas
relevantes observações: 1) a possível mudança de tendência, nos últimos
anos, de avanço contínuo do transporte por automóveis; 2) a existência de
um fenômeno de grande dimensão, que é o deslocamento a pé, que parece
também estar mudando de tendência (fig. a seguir).
15
16. Coletivo - Revista Técnica da SPTrans - Edição nº 0 / outubro de 2011
Viagens Diárias na Região Metropolitana de São Paulo - Distribuição Modal em %
MOBILIDADE E CONGESTIONAMENTO
Uma constatação que se pode fazer a partir das estatísticas coligidas se
refere à evolução (ou involução) da mobilidade. O gráfico a seguir reflete esse
indicador ao longo de 60 anos registrando claramente a queda da mobilidade
proporcionada pelo transporte coletivo e a elevação daquela referente ao
transporte individual.
O conceito de mobilidade utilizado nessas comparações equivale àquele do
“hábito de viajar”, que aparecia sempre nos documentos oficiais da primeira
metade do século passado. Ou seja, corresponde ao número de viagens feitas
diariamente (ou anualmente) por um habitante da cidade, num dado modo de
transporte. Normalmente esse indicador procura medir as viagens efetuada
16
17. Trânsito e Transporte na Cidade de São Paulo
por coletivo, como apresentado no gráfico anterior. Mas também nos
permitimos, por exemplo, comparar as mobilidades proporcionadas pelo
sistema de bondes (elétricos, sobre trilhos, com algumas faixas de circulação
exclusiva) com aquelas proporcionadas pelo atual transporte de massa (metrô
e trem metropolitano), cuja capacidade de transporte, velocidade e atratividade
deverão corresponder a uma maior mobilidade.
Cálculos como esses podem também, ser direcionados aos “deslocamentos a
pé”, como àqueles proporcionados por automóveis.
O quadro anterior mostra que, ao passo em que a população crescia (vide
gráfico nº 4), a mobilidade proporcionada pelo transporte público caía (de 1,22
para 0,72). Mas a mobilidade gerada pelos automóveis cresceu de 0,4 em 1967
para 0,6 em 2007. A mobilidade decorrente dos sistemas motorizados cresceu,
no período 1947 a 2007, de 1,2 para 1,3, tendo passado por um pico de 1,6,
no ano de 1977 e parcialmente compensada pela elevação dos deslocamentos
a pé, que cresceram de 10,7 milhões por dia, em 1987, para 12,3 milhões em
2007.
A expectativa, entretanto, seria de que a mobilidade geral crescesse em escala
maior, seja devido à multiplicação de trajetos compostos por mais de um, seja
devido ao aumento de mobilidade e de trajetos (viagem) que o automóvel
proporciona. Pode-se dizer, assim, que o transporte público na Região
Metropolitana e, em maior proporção, na cidade de São Paulo, foi contido
durante esses 60 anos, dando margem a um crescente uso do automóvel, que
já não promove uma elevação da mobilidade em razão dos congestionamentos
monumentais a que deu origem.
Uma observação relevante que se pode fazer em torno do problema da
mobilidade, refere-se à comparação da oferta pelos bondes, em 1947, que
foi de 0,58 viagens por habitante/dia, enquanto aquela ofertada em 2007
pelos sistemas sobre trilhos não ultrapassou 0,22. Pode-se constatar, talvez,
um significativo aumento desse número após 2007, em razão do crescimento
excepcional de demanda aos serviços metroviários e ferroviários, nos últimos
anos, mas que não supera as marcas alcançadas pelo velho bonde em 1948,
já em forte competição com os ônibus.
Cálculos e análises estatísticas demonstram seguramente que o “hábito
de viajar” no transporte público – meta da criação da CMTC – na verdade
frustrou-se completamente, a partir da criação de uma empresa com reduzido
capital para as tarefas que lhe competiam. Isto fez com que a exclusividade
dos serviços de ônibus “explodisse”, por volta de 1960, com o surgimento de
dezenas de empresas privadas, ao mesmo tempo em que não se deu aos
bondes – e até mesmo aos tróleibus recém implantados – a atenção devida,
17
18. Coletivo - Revista Técnica da SPTrans - Edição nº 0 / outubro de 2011
convertendo-os no principal alvo de críticas da comunidade, convenientemente
orquestradas pelas indústrias de veículos, de combustíveis e de obras viárias.
As figuras seguintes dão visibilidade a tudo o que se disse:
A Disputa pelo Espaço Urbano
Na foto seguinte, vê-se que a disputa pelos espaços acabou por atingir os
corredores de ônibus que, mal planejados, não conseguiram exercer o papel
de transporte de média capacidade.
Congestionamento dos Corredores
Outro fato corriqueiro na Cidade é a ocupação das vias públicas por caminhões,
de dimensões cada vez maiores, devido ao desequilíbrio modal do transporte
de cargas, hoje entregue, na proporção de 80%, ao sistema rodoviário, de
baixo nível operacional, causador frequente de acidentes.
Influência do Transporte de carga
18
19. Trânsito e Transporte na Cidade de São Paulo
NOVOS RUMOS
Ao longo destes tantos anos em que se evidenciava o mau resultado das
ações amplamente favorecedoras do automóvel, assim como do tratamento
do trânsito como um fim em si mesmo, a sociedade começou a perceber os
graves inconvenientes dessas diretrizes inadequadas, a partir dos problemas
ambientais. Ações como o desenvolvimento do PROCONVE – Programa de
Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores, pela CETESP, e da
implantação do rodízio em 1996, começaram a sensibilizar as pessoas em
relação à dimensão e consequências do congestionamento. Esse rodízio, por
exemplo, tornou possível duplicar por 2 as velocidades de circulação em São
Paulo.
Mas o fenômeno não era desconhecido e não faltaram advertências dos técnicos,
pelo menos a partir do já mencionado Plano Fontec, de 1966, que tumultuou
a Cidade. Àquela época, muitos técnicos se manifestaram, particularmente o
eng. Adriano M. Branco, cujos artigos e entrevistas na imprensa tem títulos
muito sugestivos:
• Transporte Coletivo e Trânsito (A Gazeta, 02/06/1961)
• Mais de 220 mil Veículos na Capital Agravam o Problema de
Congestionamento das Ruas (OESP, 17/12/1961)
• O Problema do Trânsito como Decorrência do Problema do Transporte
(Revista Idort, Jan/Fev de 1967)
• Transporte Coletivo é a Chave do Trânsito (Dirigente Construtor, Maio/1967)
• Trânsito, Transporte e Produtividade (Folha de SP, 07/05/1967)
• Trânsito: Um Problema do Tamanho de São Paulo (Folha de SP, 13 a
23/09/1967)
• Adeus ao Bonde (A Gazeta, 01/06/1968)
• São Paulo vai Parar (A Gazeta, 05/06/1968)
• Ainda o Bonde (A Gazeta, Jun/1968)
Mas também as avaliações dos custos do congestionamento já mencionados,
feitas em 1998 e 2008, tem contribuído para a sensibilização da população
pelo menos quanto aos custos indiretos resultantes do congestionamento –
as chamadas “externalidades negativas” – como são os custos ambientais, a
perda de tempo nos deslocamentos, a fadiga causada pelo congestionamento,
etc. Entretanto, os custos com a implantação e manutenção do sistema viário
tem sido negligenciados quando se calcula o custo final dos transportes. A
população se habituou, até, a cobrar das municipalidades o incessante aumento
das faixas viárias, para acomodar mais carros e estacionamentos, como se
fosse possível atender, com a folga desejada, 7 milhões de automóveis, que
respondem por 45% do transporte motorizado. A cidade tem demonstrado essa
impossibilidade com exemplos recentes, como são a abertura da avenida Ro-
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20. Coletivo - Revista Técnica da SPTrans - Edição nº 0 / outubro de 2011
berto Marinho, a construção do Rodoanel, obras que, dentre outras, já se
congestionaram com poucos anos de uso.
Com os grandes números que hoje caracterizam o nosso trânsito, não é
difícil demonstrar que são necessários 127 automóveis para fazer o mesmo
transporte que realiza um ônibus articulado; que os 7 milhões de automóveis da
cidade, colocados um diante do outro, formariam uma fila de 70 mil quilômetros
(quase duas vezes o contorno da Terra); que o consumo de combustíveis por
passageiro transportado no automóvel é 14 vezes maior do que o mesmo
transporte em um ônibus articulado operando em corredor; que o deslocamento
de 1 pessoa por automóvel na cidade de São Paulo consome, em média, 26
vezes mais energia do que o deslocamento médio por metrô.
A despeito de tudo isso, as demandas da população se voltam à abertura de
novas vias, com o aplauso aos administradores que fizeram viadutos ou túneis
na Cidade; à concessão de mais espaço para estacionamento; ao aumento do
policiamento para disciplinar melhor o trânsito e coibir assaltos; à construção
de ciclovias e faixas para pedestres; à redução do número de acidentes. No
seu conjunto, tais medidas, plenamente justificáveis, embutem contradições
insanáveis, já que quase tudo implica em mais espaço viário.
Mas boa parcela da população reivindica mais metrô, mais trem metropolitano,
mais transporte de qualidade, chegando a admitir a sua adesão ao transporte
público se ele for de qualidade. Alguns até tem dito que seria possível, nessas
condições, arcar com a tarifa de R$ 3,00 nos ônibus. Nos últimos anos, registre-
se, novamente, vem se manifestando uma utilização maior do sistema coletivo
de São Paulo, que resulta em uma ligeira alteração da matriz de transportes,
reduzindo-se proporcionalmente os trajetos a pé e por automóvel.
Mas é de se reconhecer que a oferta de transporte público à população não é
boa. Nas horas de pico, há uma enorme dificuldade de acesso a todos esses
modos, sem exceção; e a viagem é feita em veículos superlotados, registrando-
se, por exemplo, no metrô, uma taxa de ocupação de composições equivalente
a quase o dobro daquela projetada.
No sistema de ônibus, associa-se à superlotação dos veículos à baixa velocida
de de percurso, em razão do congestionamento das vias, exatamente nos
picos.
O caminho então, para resolver gradativamente os problemas do trânsito e do
transporte público em São Paulo, passa necessariamente por uma alteração na
matriz, elevando-se a oferta de transporte coletivo de qualidade e reduzindo-se
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21. Trânsito e Transporte na Cidade de São Paulo
a do transporte individual, com isso diminuindo os congestionamentos das vias
públicas.
Ao abordar essa modificação, porém, é preciso rever o transporte por ônibus e
implantar os corredores de média capacidade. O menor congestionamento já,
por si, permite o aumento da velocidade dos ônibus, tornando-os mais eficientes
e reduzindo os seus custos. Mas a reserva de faixas de circulação para ônibus, de
preferência elétricos, criando corredores exclusivos, eleva consideravelmente
a oferta de transporte de alta qualidade, atraindo passageiros e reduzindo os
custos operacionais.
Essa rede de corredores, que havia sido prevista no plano SISTRAN de 1974,
cuja implantação foi iniciada na gestão Setubal, implicava na implantação
de 280 km de linhas, para 1.600 veículos, dos quais 450 articulados, todos
elétricos e dotados de modernos requisitos de controle e de guiagem. Assim, o
espaço público resultante da redistribuição modal seria destinado ao transporte
de um volume de pessoas muito maior do que a sua ocupação anterior por
automóveis e até por ônibus comuns.
Vê-se que não se está falando de nenhuma novidade. Em torno de 1970, já o
prefeito de Curitiba, Jaime Lerner, planejava corredores de transporte público.
Pouco após, São Paulo fazia o mesmo, acrescentando a opção pela tração
elétrica, visando principalmente a redução da poluição atmosférica a zero.
Embora tenha passado tanto tempo, só agora o verdadeiro sofrimento da
população abre os olhos da administração pública para a necessidade de
novos rumos. É uma consequência desse fenômeno, em nível mundial, a ampla
aceitação do BRT – Bus Rapid Transit como uma solução adequada para os
problemas de transporte. No mundo todo há uma centena de instalações
desse tipo em curso, sobressaindo a de Bogotá, construída com o concurso de
engenheiros brasileiros.
“A cidade que quiser resolver o problema da locomoção de seus habitantes
com automóveis, ampliará cada vez mais as áreas centrais de circulação e
estacionamento, até o extremo em que não existirão mais os edifícios; aí,
deixará de existir também a cidade”
Camp Oakley, década de 1960, na Associação
Comercial de São Paulo:
CARACTERÍSTICAS DOS CORREDORES
Por que o metrô tem tão elevada capacidade de transporte? Em primeiro lugar,
porque os trens circulam em faixa exclusiva, sem cruzamentos ou qualquer
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22. Coletivo - Revista Técnica da SPTrans - Edição nº 0 / outubro de 2011
outro tipo de obstáculo.
Mas também porque admitem composições com vários carros, chegando a
oferecer 1.000 lugares por composição (ou até mais), desde que as plataformas
de embarque tenham comprimento suficiente para acolher uma composição
inteira.
A seguir, vem a vantagem da cobrança das tarifas externamente aos carros,
permitindo entradas e saídas de passageiros por qualquer porta, facilitadas
pelo fato de a entrada do veículo e a plataforma de embarque estarem num
mesmo nível.
Mas não fica nisso. Valendo-se da tração elétrica, o metrô opera com maior
conforto (sem ruídos ou poluição e com aceleração suave, embora chegue ao
dobro da aceleração dos ônibus). Mas também é econômico, já que o rendimento
energético dos motores elétricos pode ser quatro ou cinco vezes maior do que
aquele dos ônibus atuais. Por outro lado, o fato de terem eletricidade disponível
a partir da rede de contato, as composições metroviárias podem ter adequados
serviços de iluminação e ar refrigerado.
A sua operação em faixa exclusiva e as características de controle permitem
ao metrô ter a circulação dos trens totalmente sob controle. Essa virtude e o
fato de ser “guiado” pelos trilhos, otimiza velocidade e frequência com elevada
segurança. Até para trafegar sem condutor.
E assim chegamos à capacidade de 60 ou 70.000 passageiros por hora e por
sentido.
Inconvenientes? Sim, o valor do investimento.
Tudo isso fez com que não possamos considerar o metrô uma “alternativa”. Ele
é o sistema certo para uma demanda certa.
Mas nem todos os deslocamentos na cidade exigem capacidade tão elevada.
Por isso a existência de 15.000 ônibus, transportando um volume de pessoas
maior do que aquele a cargo do metrô e do trem metropolitano, este com
características semelhantes às do sistema metroviário. Entretanto, o crescente
obstáculo à circulação dos ônibus, em razão da nenhuma prioridade que se dá
a ela, faz com que a capacidade média desse modo fique em torno de 8.000
passageiros por hora e por sentindo.
E no intervalo entre os 8.000 passageiros/hora/sentido dos ônibus e os 70.000
do metrô, o que existe?
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23. Trânsito e Transporte na Cidade de São Paulo
Fica evidente que o enorme espaço público não dedicado aos ônibus e ocupado
hoje pelo automóvel, que já alcança 45% do transporte motorizado da cidade,
a despeito de serem necessários 127 deles para realizar o transporte que faz
um único ônibus biarticulado, seria muito melhor utilizado por um sistema de
média capacidade, como os VLP – Veículos Leves sobre Pneumáticos, VLT –
Veículos Leves sobre Trilhos, BRT – Bus Rapid Transit e assemelhados. Mas,
para isso, é indispensável dar a tais sistemas as características operacionais
as mais próximas possíveis daquelas do metrô. Corredores de faixas pintadas
como os de São Paulo, já se viu, congestionam junto com o tráfego geral.
Isso foi claramente percebido quando Jaime Lerner desenvolveu a proposta
e implantou um sistema inovador, em Curitiba, no início da década de 70.
Também foi visto com clareza pelo Plano Sistran, que projetou ampla rede de
corredores, com um avanço sobre o de Curitiba: a tração elétrica, para o que
desenvolveu um projeto inovador para os veículos. (Ver figuras)
Curitiba
Av. Paes de Barros
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24. Coletivo - Revista Técnica da SPTrans - Edição nº 0 / outubro de 2011
Mais tarde, entre 1996 e 1998, a Prefeitura de São Paulo idealizou uma rede
de VLP, com cerca de 150 km, em grande parte elevada, buscando alcançar
as melhores características de um sistema de média capacidade, com linhas
radiais e circulares. (Ver figuras)
Sistema VLP - Concepção de 1997
Tecnologias Disponíveis para Transporte Coletivo
VLP Paulistano
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25. Trânsito e Transporte na Cidade de São Paulo
VLP Paulistano, percursor dos BRT
Para o novo sistema, desenvolveram-se tecnologias de redundância (3 motores,
por exemplo) e de guiagem, conforme o projeto Obhan, de Adelaide (Austrália).
Mas a Cidade degradou os projetos Sistran e VLP, desconfigurando o objetivo
de criar um Sistema de Média Capacidade, que chegou a ser concebido por lei
municipal (1997), logo revogada.
Enquanto isso, vários países aderiram à idéia do transporte de média
capacidade, inicialmente projetando novos veículos, como os das fotos que se
seguem:
Trólebus Francês
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26. Coletivo - Revista Técnica da SPTrans - Edição nº 0 / outubro de 2011
VLP de Clermont Ferrand
Civis
As características básicas desses veículos são a tração elétrica, a guiagem
central ou lateral, por vezes de uso facultativo em trechos do percurso, e as
rodas pneumáticas.
Também muitas linhas de VLT foram implantadas em várias cidades, mas
frequentemente convivendo com o trafego geral. Daí a baixa capacidade de
transporte atribuída a esses sistemas (10 a 20.000 passageiros por hora e
por sentido) em contraste como Transmilênio de Bogotá, que tem atingido
demandas superiores a 40.000 pass./h./sentido.
BRT – Transmilênio de Bogotá
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27. Trânsito e Transporte na Cidade de São Paulo
Também se desenvolveram modelos em estrutura elevada, aperfeiçoando
modelos anteriores, como o do aeroporto de Tókio e o de Hiroshima. As
fotos seguintes mostram algumas soluções, sendo a mais moderna a Tókio
Waterfront New Transit System Rinkai Line, na capital japonesa.
Monorail de Osaka
Side Guidance de Tókio
Ao lado desses desenvolvimentos, ganhou espaço o chamado BRT, derivado
das experiências de Jaime Lerner em Curitiba, e que, segundo se diz, conta
hoje com projetos em mais de 80 cidades em todo o mundo, do Rio de janeiro
a Guangzhou (China), passando por Bogotá, o seu maior êxito.
Nestes projetos de BRT, em geral foram abandonados dois requisitos especiais,
que estavam no projeto VLP Paulistano, assim como no Tókio Waterfront Rinkai
Line, de Tókio: a guiagem automática e a tração elétrica. Assim, o BRT apresenta
a grande vantagem de oferecer um transporte em escala de média capacidade,
reduzindo consideravelmente a poluição, quando substitui os automóveis, e
oferecendo um serviço de qualidade; mas não desfruta das vantagens de
guiagem e da tração elétrica, capazes de melhorar o desempenho. A propósito,
“União Européia propõe banir carros movidos a gasolina e diesel” é o titulo da
matéria divulgada sobre o assunto pelo Estadão de 03/04/2011.
Já é tempo de verificar que o problema da poluição não é o único decorrente
do uso dos combustíveis que, no setor dos transportes, é preponderante. A
contínua demanda de energias, de um modo geral, que caracteriza o desenvol-
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28. Coletivo - Revista Técnica da SPTrans - Edição nº 0 / outubro de 2011
vimento dos países, já dá mostras de crescente dificuldade de obtenção,
seja pelo progressivo esgotamento das fontes (reservas de petróleo, gás e
carvão, cursos d’água disponíveis) seja pelo consequente encarecimento dos
energéticos, seja pelo aumento dos riscos que acompanham as modernas
tecnologias de extração de petróleo em grandes profundidades ou de utilização
de energia nuclear (recordem-se os recentes casos do Golfo do México e do
Japão).
Assim como o sistema BRT de Bogotá obteve recursos financeiros a partir do
“crédito de carbono”, resultante da grande redução dos poluentes, é o momento
de pensar no “crédito de energia”, consequente do uso de transporte de menor
demanda energética. Operando com tração elétrica, um sistema como o de
Bogotá poderá economizar combustíveis, por substituir os automóveis, mas
poderá reduzir ainda mais a demanda de combustíveis, aumentando os
créditos de carbono. Por outro lado, demandará menos energia, habilitando-se
a um “crédito de energia”. Por isso, vários dos modernos veículos utilizados no
transporte de média capacidade tem tração elétrica, mais eficiente ainda em
corredores, à semelhança do que mostra a foto seguinte:
Fonte: e-BRT Siemens
O reconhecimento das economias de energia pode ser feito a partir do quadro
abaixo, em que se compararam medidas de consumo de energia em vários
modos de transporte, segundo as demandas da Região Metropolitana de São
Paulo, alguns anos atrás:
28
29. Trânsito e Transporte na Cidade de São Paulo
Para completar essa análise, é necessário referir-se aos estudos relativos à
utilização de “ônibus a hidrogênio”, como os que vem sendo desenvolvidos
em São Paulo, sob condução da EMTU e apoio do PNUD, do Ministério dos
Transportes e da FINEP (ver figura abaixo).
Ônibus a Hidrogênio - EMTU
Também há desenvolvimentos recentes, de ônibus elétricos que dispensam
a rede de alimentação elétrica, substituindo-a por sistemas de transferência
de energia através de contato só nos pontos de parada (por cima do veículo
– foto Arup) ou através de transferência eletromagnética a partir do solo
(modelo Arup). Também há experiência com ônibus bi-modal (modelo Hyundai,
conforme foto).
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30. Coletivo - Revista Técnica da SPTrans - Edição nº 0 / outubro de 2011
Alimentação elétrica por cima
Alimentação Eletromagnética pelo solo
Dispositivo de Alimentação Eletromagnética
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31. Trânsito e Transporte na Cidade de São Paulo
Ônibus Elétrico Bimodal - Hyundai
Estes ônibus, de alta tecnologia e custo elevado, só se justificarão
economicamente operando em corredores, oferecendo um transporte eficiente
e confortável, sem poluição e com elevado rendimento energético (cerca de 50
a 55%), próximo dos ônibus elétricos (80%).
É de se considerar, por fim, que uma elevada qualidade do transporte por
ônibus, principalmente os elétricos em corredores exclusivos, torna-o atrativo,
verificando-se não raro, como ocorre nos corredores ABD, em São Paulo,
e no de Bogotá, que o índice de passageiros a cada quilômetro percorrido
praticamente duplica, melhorando consideravelmente a economia do sistema,
o que mais ainda justifica os investimentos. Novamente os créditos de carbono
e de energia sobressaem.
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32. Coletivo - Revista Técnica da SPTrans - Edição nº 0 / outubro de 2011
Uma Proposta de Mudança
INTRODUÇÃO
Está absolutamente evidente que os problemas do transporte urbano e do
trânsito, que parecem insolúveis, decorrem de um só fator:
Desequilibrio da Distribuição Modal
Com efeito, confiar ao modo de transporte de maior consumo de energia, de
maior demanda de espaços viários, de maior capacidade poluidora, de maior
investimento por usuário, a responsabilidade por 45% de participação na matriz
de transportes motorizados, é um completo desatino. Dele resultam todos
os inconvenientes analisados, inclusive a espantosa demanda de percursos
feitos a pé, que alcançam 12 milhões todos os dias, na Região Metropolitana
(Pesquisa OD 2007).
Mas é assim aqui e em muitos outros países; é assim também no transporte de
cargas. Neste caso, mais uma vez o Brasil se alinha com as nações de maior
irracionalidade nos transportes.
Aqui, 76% das cargas das cargas são transportadas por caminhões, a despeito
da dimensão territorial e da disponibilidade de cursos d’água do País. No Estado
de São Paulo, 80% das cargas viajam por caminhões, que também contribuem
para o congestionamento urbano. Entretanto, nos EUA, país que nos vendeu
a ideologia do transporte individual, apenas 26% das cargas transitam por
caminhões; 38% andam de trem, segundo dados do Guia do Transportador.
Esse comportamento, evidentemente, tem como primeira motivação a atração
pelo conforto, pelo individualismo, pela autonomia. Mas é devido também
ao lobby da indústria automobilística (que chegou nos EUA a financiar a
retirada dos bondes e tróleibus das cidades), e das indústrias do petróleo e da
construção rodoviária. Tudo isso envolto em uma política de preços baratos
do petróleo imposta pelos países desenvolvidos aos produtores de petróleo. É
importante lembrar que já no governo Roosevelt os EUA firmaram acordo com
a Arábia Saudita, oferecendo-lhe segurança em troca de preços baixos para o
petróleo, política que pode explicar os conflitos que hoje ocorrem no Oriente
Médio e Norte da África.
Mas a história apenas explica o ocorrido; não justifica a sua continuação. Para
reverter o quadro dramático do congestionamento e suas consequências na
RMSP é preciso adotar medidas drásticas. Pequenas incursões pela correção
de pontos críticos, pela melhor qualidade dos calçamentos, pela maior atenção
aos pedestres, pela implantação das ciclovias e novas avenidas, pela substitui-
32
33. Trânsito e Transporte na Cidade de São Paulo
ção de veículos poluentes por outros de menor poluição, ajudam a minorar
os sofrimentos da população, mas não resolvem. Principalmente numa cidade
com 7 milhões de automóveis e que recebe mais de mil por dia.
A proposta que aqui se faz é de reduzir a participação do automóvel na matriz
do transporte urbano de 45% para 30%, em 15 anos, o que significa reduzir
as 11,2 milhões de viagens diárias por automóvel para 7,5 milhões, o que
só se alcançará melhorando significativamente o transporte público: mais
linhas de metrô, melhoria do sistema ferroviário e, sobretudo, implantação
de um sistema de média capacidade, em níveis municipal e metropolitano,
operando em corredores exclusivos. Ademais, a redistribuição do espaço viário
proporcionará melhor desempenho dos ônibus, incentivando a sua utilização.
Realizadas essas ações, cogitar-se-á também de medidas restritivas à
circulação e estacionamento de automóveis. O plano global levará em conta o
maior ou menor desempenho dos outros modos de transporte, que contribuirão
para reduzir-se o prazo de obtenção dos resultados esperados.
Após essa meta, será importante traçar uma segunda, para reduzir a 20%, por
exemplo, a participação do automóvel na matriz modal.
Em paralelo, discutir-se-á o orçamento. Em primeiro lugar, uma Região
Metropolitana cuja população desperdiça 40 bilhões de reais por ano, devido
às consequências do congestionamento e da poluição, não parece totalmente
desprovida de recursos. Em segundo, a implantação de corredores é obra
que se faz em prazo relativamente curto, com recursos muito menores, por
exemplo, do que os exigidos pela construção de metrô, permitindo que os
benefícios se dêem mais celeremente. Em terceiro lugar, operações do tipo
“parceria público-privada” podem abreviar o processo e canalizar recursos, se
utilizadas as concessões urbanísticas. E contar com o concurso privado na
operação de sistemas de transporte economicamente equilibrados, será mais
fácil. Em quarto lugar, a parceria entre os municípios envolvidos, o Estado
e a União, para resolver um problema que afeta a economia nacional, é um
caminho que pode e deve ser trilhado.
Por outro lado, é indispensável que um programa de tal natureza se faça
apoiado em um seguro e competente plano de comunicação social, que torne
transparente, a cada instante, a ação pública e que motive a população a
adotar mudanças de hábitos, desde a adoção do sistema público como meio
de transporte até o respeito às normas civilizadas de convivência urbana. A
esse propósito é sempre bom lembrar que, para cada real gasto no esforço de
obter mudanças de hábitos em relação ao uso do automóvel, outros 100 ou
mais serão aplicados em sentido oposto por poderosos interesses econômicos
envolvidos nas atividades de transportes.
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34. Coletivo - Revista Técnica da SPTrans - Edição nº 0 / outubro de 2011
O que é importante, finalmente, é reconhecer que, por grandiosos que sejam os
esforços necessários à transformação desejada, muito maiores e mais perenes
serão os benefícios dela auferidos.
BENEFÍCIOS RESULTANTES DA NOVA MATRIZ DE TRANSPORTES
Propor-se anteriormente que a matriz atual de transportes, que utiliza o
automóvel em 45% das viagens motorizadas e o transporte público em 55%,
transforme-se numa relação:
30% - 70%
Isso significa, em grandes números, substituir 3,7 milhões de viagens diárias
por automóvel, o que gerará:
• Descongestionamento do espaço viário
• Recuperação de horas e de produtividade perdidas
• Economia de energia
• Economia de combustíveis e redução de poluentes
Ganhos de espaço viário
Admitindo que cada transporte por automóvel se faça na proporção de 1,4
pessoas por viagem e que cada carro faça 2 viagens (ida e volta) podemos
avaliar o número de automóveis dispensados, para reduzir em 3,7 milhões de
viagens por dia, que é a hipótese aventada:
3,7 milhões ÷ 1,4 ÷ 2 = 1.320.000 veículos
Para calcular a relação entre os espaços viários ocupados pelos passageiros
de automóveis e aqueles necessários à substituição por transporte público
em corredores, valemo-nos da experiência colhida pelo eng. Ivan Whately em
Bogotá, aprimorada pelos seus conhecimentos de engenharia de tráfego.
Área necessária para a criação de uma rede de BRT (transferência de usuários
do transporte individual para o coletivo):
Na rede de 84 km do chamado sistema Transmilenium, daquela cidade,
realizam-se cerca de 1,7 milhões de viagem/dia, equivalentes à média
aproximada de 20.200 viagens por km de rede. A partir desses números,
estimou-se que, para realizar as 3,7 milhões de viagens pretendidas em São
Paulo, serão necessários aproximadamente 180 km de corredores, com duas
faixas por sentido, semelhantes aos de Bogotá, que ocupariam 2,6 milhões
34
35. Trânsito e Transporte na Cidade de São Paulo
de m2 que, acrescentados de áreas para terminais e complementos (10%),
chegariam a 2.800.000 m2.
Área das vias liberadas pelo transporte individual:
As 3,7 milhões de viagens por transporte individual que se quer substituir (ida/
volta), correspondem no sistema viário a uma ocupação equivalente à metade,
ou seja, aproximadamente 1,8 milhões de viagens. Nas horas de pico, pode-se
estimar que haverá 180.000 passageiros por hora, em toda a malha.
Admitindo-se que circulam em média 1.200 automóveis por hora, com
velocidade de 20 km/h, pode-se estimar que isso equivale a uma circulação de 60
automóveis por km no sistema. Adotando-se a ocupação dos automóveis como
equivalente a 1,4 passageiros por veículo, resulta um índice de 84 passageiros
por km no sistema. Dividindo-se o total de passageiros pela quantidade de
pass./km, resulta uma extensão de 2.200 km de faixas necessárias.
Esta extensão de faixas (ida/volta) corresponde a 2 faixas de 3,5m de largura,
totalizando 15,4 milhões de m2 de vias. Essa é, portanto, a área liberada pelos
1.320.000 automóveis, a ser ocupada pelos 2,8 milhões de m2 necessários
ao BRT, resultando, assim, um excedente de 12.600.000 m2, que servirão
para obras de urbanização e, principalmente, para o desafogo do tráfego
remanescente de automóveis e de ônibus.
Recuperação de horas e de produtividade perdidas
Em estudo feito em 1998 pelo engº. Adriano M. Branco, identificaram-se cinco
benefícios de grande dimensão que ocorreriam se a velocidade de circulação
veicular aumentasse 50%, como ocorreu com a implantação do rodízio em
1996. Esse fato constatado nas avaliações do rodízio talvez possa ser admitido
como verdadeiro hoje, pois a participação dos automóveis no transporte diário
manteve-se quase estável, apenas decrescendo de 49,2% para 45%.
No estudo mencionado, atribuiu-se a cinco fatores de custos ocasionados pelos
congestionamentos o valor de R$ 21,8 bilhões, dentre os quais a perda de
tempo nos deslocamentos e a queda de produtividade das pessoas somaram
R$ 17,5 bilhões. Admitindo que essa proporcionalidade se mantenha nos
estudos mais recentes, como o do prof. Marcos Cintra, que calcula as perdas
atuais do trânsito em cerca de R$ 40 bilhões por ano, estaríamos falando hoje
em perdas anuais, advindas só daqueles dois custos do congestionamento, de
algo como R$ 32 bilhões.
Estes cálculos não seguem rigorosamente uma metodologia muito científica
35
36. Coletivo - Revista Técnica da SPTrans - Edição nº 0 / outubro de 2011
e trazem para hoje dados de 1996 e 1998, o que pode provocar distorções. Por
isso, devem ser refeitos, com atualidade. Mas a importância deles é confirmar
que estamos falando de custos incorridos, ou custos dispensáveis, da ordem
de dezenas de bilhões de reais por ano.
Economia de Energia
Valendo-se da tabela da pág. 29, em que se compararam consumos reais
médios de energia por passageiro transportado na Cidade de São Paulo,
segundo os vários modos de transporte, pode-se fazer um cálculo ligeiro da
economia de energia substituindo 3,7 milhões de viagens diárias feitas em
automóvel, pelo mesmo nº de viagens feitas em tróleibus articulado, embora
os dados mencionados para o consumo em tróleibus se refiram a veículos
normais (de 12m) circulando no tráfego comum e não os de 27 metros hoje
cogitados (bi-articulados)
Pelos indicadores mencionados, uma viagem média por automóvel demanda
13,13 kWh; efetuada por tróleibus, 1,20 kWh. Assim, a partir da diferença
desses números (13,13 – 1,20 = 11,93 kWh), que representa a economia
proporcionada por viagem, podemos calcular a economia diária, para 3,7
milhões de viagens, que é:
44 milhões de kWh
Algo semelhante ao consumo anual de 10.500 residências médias, de 3
dormitórios (350 kWh/mês). Ou seja, a economia de 1 ano equivaleria ao
consumo anual de 3.000.000 de residências.
Economia de combustíveis e redução de poluentes
Embora se haja calculado as economias de energia que a nova distribuição
modal propiciará, admitindo que todos os passageiros de automóveis que se
deslocarão para o transporte público sejam atendidos por uma nova rede de
corredores de tróleibus, é útil também verificar a economia de combustíveis
resultante da proposta de nova distribuição modal na proporção 70% - 30%.
As premissas básicas deste ensaio são: 1) retiram-se da circulação quotidiana
2,6 milhões de automóveis, que hoje respondem por 3,7 milhões de viagens; 2)
admitem-se que as novas viagens se efetuarão através de modo eletrificado,
não gerando consumo de combustíveis; 3) admite-se que os combustíveis
consumidos por esses 2,6 milhões de automóveis sejam a gasolina e o álcool,
na proporção de 50% cada um.
Considerando que cada viagem a menos feita por automóvel leva a uma
economia de energia de 13,13 kWh, a substituição dos 3,7 milhões de viagens
36
37. Trânsito e Transporte na Cidade de São Paulo
diárias corresponderá a uma economia de 48,6 milhões de kWh, equivalente
a 6,9 milhões de litros de combustível (50% álcool + 50% gasolina), feita a
conversão de unidade de medida, ou seja:
5,2 milhões de quilogramas
Desses 5,2 milhões de kg de combustíveis, metade, como aventado,
corresponde a consumo de gasolina, emissora de CO2, responsável pelo efeito
estufa. Essa metade – 2,6 milhões de kg diários – produzem diariamente:
8 milhões de quilogramas de CO2
Será útil avaliar também os efeitos na poluição local, causados por CO, HC,
etc., assim como os possíveis créditos de Carbono.
Considerando o preço médio de R$ 2,30 por litro do combustível, essa economia
diária representará algo aproximado de R$ 14 milhões por dia, ou
R$ 4,8 bilhões anuais
Observações:
• Enquanto se desenvolve um programa de corredores, seja em 10
ou 15 anos, ampliações de extensão e de capacidade do metro e da
ferrovia urbana também se realizam. Ao mesmo tempo, paulatinamente
se incorporam à circulação dos ônibus e dos próprios automóveis
remanescentes a redução prevista das viagens individuais, espaços,
assim como melhoramentos pontuais nas vias, que ensejarão a melhor
fluidez do transporte. Assim, seria possível, por exemplo, admitir que as
mencionadas 3.700.000 viagens por automóveis que se quer reduzir o
sejam nas proporções de 50% pelos corredores, 30% pelo transporte de
massa e 20% pelo rearranjo do trânsito.
• É possível efetuar cálculos com essa diretriz, como também admitindo, em
contrapartida, um certo crescimento populacional.
• Um programa dessa natureza pode ser confrontado com as metas
municipais de redução de poluição ambiental, em estudo pela Prefeitura.
• O programa de corredores da cidade de São Paulo deve ser conciliado
com semelhante rede metropolitana de corredores.
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38. Coletivo - Revista Técnica da SPTrans - Edição nº 0 / outubro de 2011
CONCLUSÃO
Está consolidada a avaliação da necessidade de reduzir drasticamente a
participação do transporte individual na matriz dos transportes urbanos.
Também é consenso que é necessário criar uma modalidade de transportes –
a dos Transportes de Média Capacidade – para ocupar os espaços deixados
pelo automóvel de maneira racional e eficiente, sendo certo também que a
melhor e mais econômica forma de fazê-lo é através da criação de “Corredores
de Tróleibus”, como proposto pelo Plano Sistran, em 1976, convertido em
programas na administração Setubal, que lhes deu início. A idéia, portanto,
não é nova, tendo sido previstos nos instrumentos constitutivos da EMTU, da
CPTM e do METRÔ ações nessa direção. Mais ainda, em 24/04/1997 a Cidade
de São Paulo, ao correr da implantação do seu sistema VLP – Veículo Leve
sobre Pneumáticos, criou mediante lei específica, de nº 12.328, o “Subsistema
de Transporte Coletivo de Passageiros de Média Capacidade”. Constituíram
programas claros na direção do transporte de média capacidade, aqueles
derivados do Plano Sistran, o VLP, apoiado pela lei do Sub-Sistema de Média
Capacidade, e o Corredor ABD, de 34 km, implantado na Região Metropolitana
pelo Metrô (primeira ação do Metrô de natureza metropolitana). Contudo, todos
esses programas foram descontinuados e a própria lei municipal revogada.
É uma idéia antiga, mas que “não pegou”, essa do transporte de média
capacidade, mercê das muitas influências e lobbies que se opuseram a
ela. No resto do mundo não foi muito diferente, nestas últimas décadas de
deslumbramento automobilístico.
Agora, entretanto, enquanto muitos países do mundo desenvolvido e do
subdesenvolvido apóiam projetos de corredores de ônibus ou de tróleibus,
salientando-se o conceito do BRT- Bus Rapid Transit, a cidade de São Paulo
se convence da impossibilidade de conviver com a atual matriz de transportes,
em que o modo individual responde por 45% dos deslocamentos motorizados,
ocupando um espaço viário, por passageiro transportado, 32 vezes maior do
que seria necessário em um corredor. Isso sem contar que os deslocamentos
a pé atingiram a impressionante marca dos 12 milhões por dia, superior aos 11
milhões do realizado por automóveis.
A constatação disso, infelizmente, não chegou pelas vias da racionalidade, mas
sim através do caos urbano com que se convive diariamente. Se, de um lado,
esse fato ajuda a população a compreender o problema, por outro lado exige
soluções urgentes. Por sorte, a implantação dos mencionados corredores é o
caminho mais rápido e menos oneroso de chegar a um transporte de média
capacidade eficiente.
A título meramente exemplificativo, imaginou-se desenvolver um plano de redu-
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39. Trânsito e Transporte na Cidade de São Paulo
ção de 33% na participação do automóvel na matriz de transportes. E
calcularam-se os benefícios sócio-econômico-ambientais se toda a demanda
retirada dos automóveis migrasse para corredores de tróleibus. São números
impressionantes, como era de se esperar em uma Região Metropolitana em
que se perdem 40 bilhões de reais por ano, nas deseconomias do transporte
e do trânsito.
Mas essa redução do uso do automóvel não ficará apenas a cargo dos corredores
municipais, porquanto a Secretaria de Transportes Metropolitanos desenvolve
os seus corredores, a partir do ABD (que chegou, ainda que incompleto, ao seu
traçado original, após 24 anos (!)), e os modos ferro-metroviários se expandem
continuamente, embora lentamente em relação às necessidades. Assim, o
exemplo utilizado como modelo deveria ser revisto à luz desses fatos, sendo
certo que isso o favorecerá.
Refeitas as premissas, caberá à Prefeitura assumir com vigor o seu papel no
“Sub-Sistema de Transporte Coletivo de Média Capacidade”. O que se propõe é
a criação imediata de uma Gerência ou uma Diretoria de Transportes de Média
Capacidade (ou de Corredores de Transporte), diretamente subordinada ao
Secretário Municipal de Transportes, com três funções básicas: a) Desenvolver
o Plano correspondente de Corredores, em articulação com a STM e seus
órgãos correlatos; b) Desenvolver e implantar os Projetos dos vários programas
decorrentes e de suas etapas; c) Implantar um Plano de Comunicação Social,
com o duplo objetivo de prestar contas das ações da municipalidade e de
alcançar mudanças de comportamento da sociedade, especialmente em favor
do transporte coletivo.
Ao se aproximar o momento da operação dos corredores, caberá à prefeitura
optar por uma gestão pública ou privada. No primeiro caso, a Gerência de
Corredores poderá se converter em empresa pública ou de economia mista; no
segundo caso, converter-se em Agência Reguladora.
O importante é que tudo se realize rapidamente, para o que a Gerência deve
ter alto grau de autonomia, e contratados com urgência os estudos e projetos,
com consultorias especializadas. Num primeiro período de dois meses prevê-
se o delineamento do Plano, com a identificação de alguns corredores (sem
prejuízo da escolha de outros ao longo dos trabalhos). A partir desse estudo
geral, deverão ser contratados os projetos básico e executivo dos corredores
selecionados, permitindo, no máximo em 6 meses, contratar as obras dos
corredores, selecionando, se for o caso, concessionárias para a operação.
Eventualmente as próprias obras de implantação poderão ficar a cargo de
concessionárias, que investirão na implantação dos corredores, em regime
de “parceria público-privada”, valendo-se inclusive do modelo de “concessão
urbanística” em alguns casos.
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40. Coletivo - Revista Técnica da SPTrans - Edição nº 0 / outubro de 2011
Ao longo do primeiro bimestre, em que se fará o Plano Geral, caberá definir
toda a tecnologia de veículos, de sistemas de comunicação e de operação,
definições essas que se aprimorarão no decorrer dos 6 meses de projeto.
Adriano Murgel Branco
(colaboração de Ivan Whately e Alexandre Pelegi).
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41. Circuito de Compras - Projeto de Terminais Rodoviários e de
Serviço de Transporte Dedicados
Laurindo Junqueira Filho
Carlos Meira Ribeiro
SPTrans / São Paulo Transporte S.A - Diretoria de
Planejamento de Gestão Corporativa / DT - Superintendência
de Planejamento de Transporte / SPT, rua Boa Vista, 236,
Fone: 3396.7820,
laurindojunqueira@sptrans.com.br
c.meira@sptrans.com.br
O Conhecer, por meio de pesquisa, o perfil e o comportamento dos viajantes
de compras na Cidade e propor, por estudos de engenharia de trânsito e
de transporte, soluções para os significativos fluxos que eles causam, eis o
objetivo do presente trabalho.
São Paulo desenvolveu-se como uma cidade tendo a centralidade como seu
atributo principal, tornando-se uma das grandes metrópoles do planeta, alvo de
fluxos de entrada e de saída extremamente concentrados. Sendo esses fluxos
movimentos de pessoas, de cargas, de informações e de serviços, também
causam externalidades negativas, exigindo do processo urbano a obtenção
de uma solução de compromisso para atenuar e resolver essa contradição
caracterizam todo o território urbano.
Dentre as centralidades que São Paulo desenvolveu de forma mais pródiga,
certamente aquela do intenso comércio localizado dentro do núcleo urbano
mais antigo se destaca. A atração desses fluxos de compradores deveria ser
estimulada pelo oferecimento de condições mais adequadas de acesso, de
mobilidade, de estadia, de segurança, de conforto e de economia para os
visitantes e para os meios de transporte de que se utilizam.
A responsabilidade por prover a infraestrutura necessária para tornar viável o
Circuito de Compras, portanto, não diz respeito só aos interesses da própria
cidade de São Paulo. Diz respeito às suas funções metropolitanas, às funções
referentes ao complexo metropolitano expandido em seu entorno.
Palavras-chave: planejamento; circuito de compras; centralidades; território
urbano
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42. Coletivo - Revista Técnica da SPTrans - Edição nº 0 / outubro de 2011
Toda cidade caracteriza-se por ter um território vivo, habitado por seres humanos
e por outras formas de vida, composto por um lugar, com seus espaços e seus
tempos, com sua gente e suas peculiaridades culturais e seus costumes; e
pelos fluxos que o animam, que lhe dão vida. As cidades são, então, “cidades-
fluxos” e “cidades-lugar”, ao mesmo tempo, embora um ou outro estereótipo
prevaleça a cada momento, conflitando-se um com ou outro de forma dialética,
contraditória e cooperativa, ao mesmo tempo.
São Paulo desenvolveu-se, ao longo dos últimos cem anos, como uma cidade
em que a centralidade é o seu atributo principal e determinante de sua economia,
de sua conformação territorial, espacial e temporal. É essa centralidade que
tornou São Paulo uma das maiores metrópoles do planeta.
Todas as principais fontes de riqueza, de renda e de emprego, bem como todos
os serviços de saúde, de educação, de lazer e recreação, e também todos os
atributos de cunho global que ela vem desenvolvendo desde a última década
do II milênio, dizem respeito a esse atributo especial da centralidade. Hoje, toda
uma enorme bacia econômica se estende entorno do Trópico de Capricórnio,
estendendo-se para o Oeste e atingindo outros estados e outros países. Em
alguns casos, sua influência econômica alcança até outros continentes, como
é o caso de países da África.
Esses fluxos compreendem os movimentos de pessoas, de cargas, de
informações e de serviços. Eles são vitais para a sobrevivência e para o
desenvolvimento de São Paulo, já que causam muitas externalidades positivas
para a vida econômica e social urbana e metropolitana. Deles dependem
não só a garantia do exercício pleno da liberdade de ir e vir, como também
dependem todas as demais atividades essenciais para a cidade. Nenhum
processo urbano, hoje, se efetiva sem que algo flua, se movimente, pare e
estacione sobre o espaço e o tempo urbano.
Mas esses mesmos fluxos também causam externalidades negativas,
impactando o ambiente, os cidadãos, muitas vezes poluindo e acidentando,
destruindo e degradando a cidade. A obtenção de uma solução de compromisso
para atenuar e resolver essa contradição entre os fluxos e o lugar que
caracterizam todo o território urbano, é um objetivo permanente das políticas
urbanas.
A logística urbana visa exatamente compatibilizar a administração dos fluxos
com a administração do território habitado e vivo.
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43. Circuito De Compras - Projeto De Terminais Rodoviários E De Serviço De Transporte Dedicados
CENTRALIDADE DE COMPRAS & SERVIÇOS: EIS O DESTINO DE SP
Dentre as centralidades que São Paulo desenvolveu de forma mais pródiga,
certamente aquela do intenso comércio localizado dentro do núcleo urbano
mais antigo se destaca. De fato, observam-se uma crescente atração de
viagens destinadas a compras, oriundas de uma imensa bacia de atração, que
chega a atingir compradores de países africanos e sul-americanos, além de
outras milhares de cidades de todo o país.
Os bairros centrais do Brás, da 25 de Março, do Bom Retiro e da Sta. Efigênia,
secundados pela João Cachoeira e pela Teodoro Sampaio, são responsáveis
pelo afluxo de talvez uma centena de milhares de pessoas, de carros e de
ônibus que vêm às compras de roupas, componentes eletrônicos, móveis,
armarinhos, presentes e quinquilharias do tipo “R$1,99” em geral. Em dias
especiais, como os próximos aos finais de ano, talvez um milhão de pessoas
circulem a pé, caminhando em filas intransponíveis, de loja em loja, ocupando
literalmente todos os espaços das calçadas, das ruas e praças e de mais de
cinco mil estabelecimentos de venda.
A riqueza total movimentada por esses centros de compra é desconhecida,
mas estima-se que o Brás gere mais de R$15 bilhões anuais de renda; a José
Paulino gere outros R$8 bilhões anuais; a 25 de Março gere outros R$8 bilhões
anuais. Não seria exagero algum supor que os seis centros de compra citados
sejam responsáveis por mais de R$30 bilhões de renda anuais para São Paulo.
Esses centros lineares e situados em ruas e bairros inteiros da Capital destinam-
se a compras específicas e voltadas para pequenos revendedores. As vendas
principais são de atacado, destinadas ao varejo distribuído por outras milhares
de cidades do Brasil e de outros países.
Certamente, contudo, as compras não se restringem somente a esses locais.
Os 67 shoppings centers paulistanos também acabam por beneficiar-se
de extensões de compras feitas por esses varejistas, que buscam artigos
especiais, para si próprios ou para atender a encomendas.
Além disso, outras cadeias econômicas associadas ao atendimento das
pessoas que visitam a cidade para fazer compras no atacado, como hotéis,
restaurantes, teatros, bares e casas noturnas, beneficiam-se todas desses
fluxos.
Ou seja, toda uma cadeia de atividades econômicas muito vibrantes, que
emprega muitas dezenas de milhares de pessoas voltadas para a venda,
para o transporte, para a embalagem, para a fabricação, armazenagem e
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44. Coletivo - Revista Técnica da SPTrans - Edição nº 0 / outubro de 2011
fornecimento de insumos os mais variados, é mobilizada não só na Capital,
como em muitas outras cidades.
O papel de São Paulo, nesse caso, é o de dar escala para os processos
econômicos que, não fora isso, ou simplesmente deixariam de ocorrer, ou
migrariam para outras metrópoles. A responsabilidade por prover a infraestrutura
necessária para tornar viáveis esses serviços, portanto, não diz respeito só
aos interesses da própria cidade de São Paulo. Diz respeito às suas funções
metropolitanas, às funções referentes ao complexo metropolitano expandido
em seu entorno, àquelas atinentes a toda a nacionalidade e até mesmo além
disso, estendendo-se ao Mercosul e a outras relações internacionais.
O planejamento paulistano não poderia isentar-se dessa condição de
centralidade que tem a cidade, portanto. E jamais deveria fazê-lo quando
se tratasse dessas compras do setor atacadista. A atração desses fluxos de
compradores deveria ser estimulada pelo oferecimento de condições mais
adequadas de acesso, de mobilidade, de estadia, de segurança, de conforto
e de economia para os visitantes e para os meios de transporte de que se
utilizam.
A par disso, porém, a geração de riquezas, de empregos e de atividades,
causada por esses fluxos de compras também causa impactos negativos
sobre a vida urbana paulistana. A parca acomodação para cerca de 800
ônibus e milhares de automóveis que se concentram em territórios exíguos,
em poucas ruas, muito solicitadas, e em horários muito restritos, faz com que
os habitantes desses bairros mais procurados, bem como os bairros vizinhos,
tradicionalmente de moradia, ou voltados para outras atividades essenciais da
Capital, faz com que a qualidade de vida urbana seja muito prejudicada.
Essa contradição entre as benesses e os prejuízos causados pelos fluxos
que animam os circuitos de compras da Paulicéia, fazem dela uma imagem
desvairada, confusa, um tanto repelente e que, ao mesmo tempo que move
as pessoas em direção a ela, afasta-as no ato seguinte, quando satisfeitas
em suas compras. Embora o turismo de compras seja altamente rentoso para
a cidade, porque atrai e gera riquezas e porque atrai turistas em si mesmo,
curiosos por conhecer o verdadeiro formigueiro humano que se desenrola
desde as madrugadas até o anoitecer, interessaria muito mais para São Paulo
que tais compradores pudessem estender um pouco mais a sua estadia, que
ocupassem mais hotéis e casas de shows, que visitassem museus e shoppings
centers, que se beneficiassem de passeios turísticos e de serviços aqui
instalados. Interessaria à Capital reforçar a sua centralidade, pois nisso está o
seu atributo principal.
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45. Circuito De Compras - Projeto De Terminais Rodoviários E De Serviço De Transporte Dedicados
Para reforçar a centralidade paulistana, ambos os aspectos têm que ser
tratados: melhorar a facilidade dos fluxos, por um lado; e, por outro lado,
melhorar a qualidade dos lugares pelos quais os fluxos se movem, param e
estacionam.
PLANEJAMENTO MATRICIAL
O planejamento das ações que visam melhorar o atendimento aos turistas de
compras e seus acompanhantes tem que ser, necessariamente, matricial, ou
seja, tem que envolver diversos setores da municipalidade, abrangendo desde
a SPTuris, a SMT, a SMP, várias Sub-Prefeituras, a Guarda Civil Metropolitana
etc.
Além disso, não só o governo municipal deve estar envolvido, como também a
iniciativa privada deve ser intensamente mobilizada. Esta deveria contemplar
não somente os setores econômicos diretamente implicados (lojistas, hoteleiros,
setores de alimentação e diversão etc.), como também os prestadores de
serviços de estacionamento, de terminais rodoviários e de transporte urbano.
Os fluxos, para serem úteis, têm que ser providos de mobilidade e têm que
prover acessibilidade. Quando eles não se movem de forma fluida, segura e
confiável, eles se tornam um empecilho, e suas impedâncias tendem a degradar
o ambiente, as atividades e a própria vida urbana; quando eles não permitem o
acesso seguro, rápido, confortável e confiável aos destinos desejados, eles se
tornam inúteis e tendem a desaparecer por si próprios, degradando os lugares
e as atividades econômicas e sociais que os animam.
FORMULAÇÃO DO PROBLEMA
Como reforçar os atributos paulistanos de centralidade de compras, dando
mais fluidez, acessibilidade, segurança, conforto e confiabilidade aos turistas
que visitam a cidade?
Como evitar, mitigar e compensar os prejuízos causados ao trânsito, ao espaço,
ao tempo e ao ambiente urbano, causados pelo intenso movimento de veículos
e de pessoas que frequentam os bairros e ruas dos Circuitos de Compras de
São Paulo?
Como estimular os turistas de compras e seus acompanhantes a valer-se de
meios coletivos e públicos de locomoção e a pararem e estacionarem seus
veículos rodoviários junto a terminais rodoviários e a meios e facilidades
urbanas de transporte público?
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46. Coletivo - Revista Técnica da SPTrans - Edição nº 0 / outubro de 2011
Como estimular os turistas de compras e seus acompanhantes a estenderem
a sua estadia na Capital e a usufruírem mais amplas facilidades que a cidade
propicia?
Como organizar os fluxos de ônibus, táxis e automóveis, constrangendo-os a
respeitar as normas e as características da circulação do trânsito paulistano,
confinando os estacionamentos a locais determinados, seguros, confortáveis
e bem localizados?
Como associar o transporte de turistas (pessoas e bagagens) com as cargas
resultantes das compras que eles promovem?
ASPECTOS LEGAIS E INSTITUCIONAIS
Trânsito e transporte são faces de uma mesma moeda. Um não se dá sem que
o outro se dê. Ambos esses aspectos dos fluxos, além disso, se dão no espaço
e no tempo do território urbano, devendo ser também conjuntamente tratados,
sob essas duas dimensões.
O trânsito é regrado pela legislação federal consubstanciada no Código
de Trânsito Brasileiro. Em São Paulo, a autoridade de trânsito atribuída ao
Município pelo CTB compete à SMT/ DSV-CET. O transporte urbano compete
à SMT/SPTrans, incluindo os terminais urbanos da cidade
Quanto aos terminais rodoviários, deve-se esclarecer que, em que pese o fato
de a competência em administrá-los seja municipal e da SMT, essa atribuição
foi delegada para o Metrô de SP. Assim, a localização, o projeto, a operação e
manutenção das instalações dos três terminais rodoviários hoje existentes na
Capital (Tietê, Barra Funda e Jabaquara) são de competência do Governo do
Estado/Metrô.
Deve-se esclarecer, também, que a rede de terminais rodoviários planejada
para ser instalada em São Paulo pelo GESP/STM/METRÔ, com base nessa
delegação municipal e na condição de a STM - Secretaria de Transportes
Metropolitanos ser a delegatária das atribuições do transporte metropolitano,
está contemplada no PITERP - Plano Integrado de Terminais Rodoviários de
Passageiros, cuja última versão é de 2002.
Essa última versão do PITERP não previu a construção de terminais voltados
ao turismo de compras. Apesar de essa atividade já ser importante à época de
sua revisão, de fato foi nos últimos anos que ocorreu um verdadeiro crescimento
explosivo dessa atividade econômica na Capital. E, mais recentemente, o
programa de revitalização do Centro da Capital, que vem sendo promovido
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47. Circuito De Compras - Projeto De Terminais Rodoviários E De Serviço De Transporte Dedicados
pela PMSP/Sub-Prefeitura da Sé, vem conseguindo contribuir decisivamente
para trazer novos atributos de centralidade aos bairros envolvidos pelo Circuito
de Compras. Efetivamente, as condições de habitabilidade do Centro Antigo
estão mudando e passando a exigir da Municipalidade outras posturas de ação
com relação à administração dos fluxos urbanos.
Isto posto, uma certeza existe: não somente interessa como compete à SMT
dispor e administrar o trânsito e o transporte da cidade, no que se refere à
circulação, parada e estacionamento dos ônibus fretados que trazem turistas
de compras à cidade de São Paulo. No caso dos terminais rodoviários, essa
atribuição foi delegada pela PMSP ao GESP/Metrô. Portanto, a construção e
administração de terminais rodoviários para ônibus fretados de transporte de
turistas de compras e de suas cargas específicas, compete à PMSP/SMT, com
a possibilidade de vir a ser feita juntamente com o Metrô de SP. Bom seria
dizer que não há conflitos jurisdicionais ou institucionais visíveis quanto a isto.
Mais do que isso, parece haver razoável consenso de que o assunto deveria
ser tratado em conjunto, com afluência de recursos e de esforços de várias
instâncias, partes e setores, seja do governo, seja da iniciativa privada.
ENCAMINHAMENTO DA SOLUÇÃO
• Efetuar pesquisas para caracterizar o perfil dos turistas, das compras
que efetuam, das formas de transporte e estacionamento que usam, dos
roteiros que seguem, bem como da estadia que executam. Quais são os
seus desejos, reclamações e sugestões? Que facilidades gostariam de ter
a mais? Quanto gastam, de onde vêm e para onde vão?
• Elaborar um estudo sobre o território abrangido pelos vários circuitos de
compras, identificando os roteiros seguidos, as lojas mais procuradas,
os produtos mais demandados. Identificar os centros de gravidade das
viagens, ponderando-os quanto ao volume de compras e de valor a elas
agregados.
• Elaborar um estudo funcional da circulação efetuada por essa atividade
turística e sobre o seu impacto no sistema viário (trânsito e parada), bem
como sobre o espaço e o ambiente urbano, no que tange a estacionamento,
satisfação de desejos e necessidades, acesso ao TP etc.
• Elaborar um plano indicativo de facilidades, visando estabelecer um
serviço receptivo de terminais rodoviários e de transporte urbano seletivo
de passageiros e cargas, específico dos circuitos de Compras. Supõe-
se que essas facilidades devem prover atendimentos VIP, exposição
de mostruários, guias especializados, salas de estar para motoristas e
turistas, guarda-bagagens e guarda-compras, áreas de bares, restaurantes
e lanchonetes.
• Elaborar roteiros indicativos de transporte urbano seletivo, suas formas de
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48. Coletivo - Revista Técnica da SPTrans - Edição nº 0 / outubro de 2011
integração com os demais sistemas de TP urbanos e metropolitanos, bem
como características tarifárias, institucionais, físicas e operacionais.
• Estudar a legislação pertinente e propor modificações que se julguem
convenientes e indispensáveis.
• Identificar fontes de fomento e de financiamento para construir e operar as
facilidades previstas.
• Identificar parceiros privados para levar adiante o plano.
• Compartilhar com os lojistas, suas associações e interessados estratégicos,
os planos e as medidas propostas.
Para o transporte coletivo os problemas decorrentes são relativos a atrasos e
impedâncias na circulação dos veículos pelas vias dos centros de compras. Ao
contrário do tráfego geral que conforme a solicitação do viário pode procurar
caminhos alternativos ou alterar hábitos de viagem, o transporte coletivo é
inflexível quanto a este aspecto e não pode alterar seu itinerário conforme
a hora do dia ou a solicitação do sistema viário, ainda mais que a oferta de
transporte é necessária exatamente nesses locais e horários mais solicitados.
Os centros de compras são locais de grande atração de viagens e o transporte
coletivo deve estar disponível exatamente nesses locais para atender
a demanda. Deve-se atentar para o fato de que os mesmos problemas de
circulação que enfrentam as linhas atuais deverão acontecer com as linhas do
circuito de compras a serem estudadas.
• É necessária verificação cuidadosa dos aspectos legais quanto à
criação de um novo serviço de transporte, se for esse o caso, devido à
compatibilidade com a legislação atual e as obrigações e garantias do
sistema de concessão.
• Outro aspecto a ser lembrado na formulação de um novo serviço é quanto
à operação de um ou mais terminais de concentração dos fretados e
transferência para os veículos do circuito. Quem faria a operação, já que
a SPTrans opera apenas terminais de transferência entre ônibus urbanos.
Não é uma atribuição normal da empresa.
• Outra questão é quanto ao compartilhamento dos pontos de parada ao longo
do circuito. Necessária verificação da possibilidade de compartilhamento
dos pontos já existentes, ou, se devido a características diferenciadas
de operação do circuito como quanto ao tempo de parada por exemplo,
seriam necessárias a locação de novas paradas independentes.
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49. Geoprocessamento e Aplicações
Carlos Meira Ribeiro
SPTrans / São Paulo Transporte S.A - Diretoria de
Planejamento de Gestão Corporativa / DT - Superintendência
de Planejamento de Transporte / SPT, rua Boa Vista, 236,
Fone: 3396.7827
c.meira@sptrans.com.br
O objetivo deste trabalho é apresentar a importância do Sistema de
Geoprocessamento como ferramenta de apoio a decisão, numa visão inovadora
para os projetos de transporte público coletivo, principalmente com foco a um
sistema de média capacidade.
O planejamento de um novo modelo de transporte para a Cidade de São Paulo
inclui a produção de muitas informações, requerendo a sistematização da extensa
quantidade de dados apurados. Essa massa de variáveis dispersas compõe a
região de estudo, descrevendo sua evolução no tempo, a situação atual e os
anseios urbanos. Visando o melhor manejo dessas informações, os sistemas
informatizados de apoio a decisão fornecem poderosa ferramenta para melhor
compreender essa realidade. Nesse contexto, o termo Geoprocessamento
denota a disciplina do conhecimento e tratamento da informação geográfica.
As ferramentas do Sistema de Informação Geográfica (GIS) integram esses
dados e geram sua representação gráfica, lançando-os espacialmente sobre
uma base geográfica, visando interpretar e projetar o comportamento presente
e futuro da cidade.
Palavras-chave: geoprocessamento; transporte; média capacidade;
integração; sistema de informação geográfica; gis.
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50. Coletivo - Revista Técnica da SPTrans - Edição nº 0 / outubro de 2011
SISTEMAS DE INFORMAÇÕES GEOGRÁFICAS
O planejamento de um modelo de transporte para São Paulo inclui a produção
de muitas informações, requerendo a sistematização da extensa quantidade
de dados apurados. Essa massa de variáveis compõe a região de estudo,
descrevendo sua evolução, situação atual e anseios urbanos. No manejo
dessas informações, os sistemas informatizados de apoio a decisão fornece,
poderosa ferramenta para melhor compreender essa realidade. Devido à
multiplicidade de usos e visões da tecnologia que abrange o Geoprocesamento,
resulta a uma vasta perspectiva interdisciplinar de sua utilização.
Um Sistema de Informação Geográfica (GIS) é um sistema de informação
baseado em computador que permite capturar, modelar, recuperar, consultar,
analisar e apresentar dados geograficamente referenciados (Câmara Neto,
1995). Como tecnologia, traz enormes benefícios devido à sua capacidade
de manipular a informação espacial, de forma precisa, rápida e sofisticada
(Goodchild, 1993). Devido a essa diversidade de usos e aplicações fez surgir
várias definições, tais como:
• “conjunto poderoso de ferramentas para coletar, armazenar, recuperar,
transformar e visualizar dados sobre o mundo real” (Burrough, 1987) ;
• um banco de dados indexados espacialmente, sobre o qual opera um
conjunto de procedimentos para responder a consultas sobre entidades
espaciais;
• “um sistema de suporte à decisão que integra dados referenciados
espacialmente num ambiente de respostas a problemas” (Cowen, 1988); e
• um conjunto manual ou computacional de procedimentos utilizados para
armazenar e manipular dados georeferenciados.
• “usada para visualizar o problema, possibilitando observar, manipular
e estudar os relacionamentos geográficos envolvidos, e também pode
apresentar alternativas à solução do problema considerado” (Egenhofer,
1990).
No sentido de poder tratar da questão de planejamento de um novo modelo de
transporte nos leva a também repensar como fazê-lo e quais as ferramentas
disponíveis. A necessidade de mapeamento, manejo e monitoramento de todos
os recursos sociais vêem acompanhadas da evolução tecnológica dos Sistemas
de Informações Geográficas. Tais sistemas empregados inicialmente apenas
para a elaboração de mapas, vêm sendo cada vez mais utilizados no auxílio de
extração de informações e tomada de decisões, pois um dado espacial ou dado
geográfico possui uma localização expressa como coordenadas e atributos
representados num banco de dados convencional. Por outro lado, os dados
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