1) As maiores redes supermercadistas do Brasil passaram por rápidas mudanças na última década, com a entrada de grandes players internacionais.
2) Quatro das cinco maiores empresas supermercadistas do Brasil hoje têm capital estrangeiro, lideradas por Carrefour, Pão de Açúcar/Casino e Wal-Mart.
3) As fusões e aquisições foram importantes estratégias de crescimento das redes, com empresas como Wal-Mart e Carrefour adquirindo varejistas nacionais.
1. mercado
N
donos lá fora
egócios aqui,
O setor supermercadista
sofreu mudanças radicais
ao longo da última década.
Seguindo a tendência
mundial, o mercado
brasileiro tem hoje na
liderança grandes players
internacionais
Svendla Chaves
das cinco maiores empresas supermercadistas sempre alta e fechamento do mercado dificulta-
em atuação no Brasil, quatro têm capital estrangei- vam a entrada das multinacionais. “Entre 1982 e
ro. As três primeiras, Carrefour, Pão de Açúcar/ 1994, o fluxo de investimento direto estrangeiro
Casino e Wal-Mart, respondem por quase 40% no Brasil era muito baixo, quase zero. Quando a
de todo o faturamento do setor, somando juntas dívida externa foi renegociada, em 1994, houve
R$ 53 bilhões em 2007. O cenário do último ano, mudança de perspectiva, aliada ao maior controle
desenhado pelo Ranking Abras, é bem diferente da inflação. A partir daí houve a retomada dos
do encontrado uma década antes. Em 1996, o investimentos, que ocorreram em vários setores,
Carrefour era a única transnacional presente en- incluindo varejo em geral e supermercados”,
tre as cinco líderes: então, Companhia Brasileira explica o economista Marcelo Portugal.
de Distribuição (Pão de Açúcar), Bompreço,
Sendas e Paes Mendonça figuravam do segun- O país do futuro
do ao quinto lugar – e ainda eram controladas
por capital brasileiro. O faturamento das três Segundo dados do Banco Central, o in-
primeiras ficava em torno de R$ 11 bilhões, em vestimento direto estrangeiro no Brasil, que
valores da época. em 1990 ficou em torno de US$ 1 bilhão,
Até o início da década de 1990, o Brasil não superou os US$ 30 bilhões em 2000. A se-
apresentava grande atratividade aos investidores gunda metade dos anos 90 foi marcada pelo
estrangeiros. A fama de país caloteiro, a inflação ingresso de grandes players internacionais
no supermercadismo brasileiro:
As 5 Maiores no Brasil Wal-Mart, Royal Ahold, Jerôni-
Classificação 1996 1999 2008 mo Martins e Casino entraram
no país entre 1995 e 1999.
1 Carrefour Carrefour Carrefour
“Além da abertura eco-
2 Pão de Açúcar Pão de Açúcar/Casino Pão de Açúcar/Casino nômica, é importante lembrar
3 Casas Sendas Sonae Wal-Mart que o Brasil estava ‘para cima’:
4 Bompreço Bompreço/Ahold GBarbosa/Cencosud houve a estabilização da moe-
5 Paes Mendonça Casas Sendas Cia. Zaffari da, a paridade com o dólar, a
Fonte: Ranking Abras inflação despencou. O país se
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2. mostrava muito promissor para o futuro. A década terminou com um novo pano-
Onde os estrangeiros iriam aplicar seu di- rama no ranking brasileiro: em 1999, das sete
nheiro, se seus próprios mercados estavam primeiras colocadas, seis tinham participação
saturados? Dos cinco maiores supermercados internacional, e as três líderes somavam um
da França, país que tem grande tecnologia faturamento de R$ 18 bilhões. A concentra-
no setor, quatro deles estão espalhados pelo ção, no entanto, ainda não era tão grande:
mundo”, salienta o consultor de varejo An- a primeira colocada faturava aproximada-
tonio Carlos Ascar. mente três vezes mais que a quinta; hoje, o
A estabilização de preços foi um im- faturamento do Carrefour (1o) é mais de dez
portante fator para a mudança de cenário. vezes maior que o do Zaffari (5o).
Se de alguma forma enfraqueceu os opera-
dores nacionais, já habituados a administrar As redes vão às compras
lucros com a situação, de outra parte tornou
a gestão menos árdua para os estrangeiros. Boa parte das mudanças do setor aconteceu
Marcelo Portugal lembra que é muito mais por meio de fusões e aquisições, fluxos presentes
difícil operar uma empresa com taxas de no Brasil e no exterior. Conforme relatório da Co-
inflação de 40% ao mês: “O término da missão Econômica para a América Latina e o Caribe
inflação não só facilitou a gerência finan- (Cepal) sobre investimento estrangeiro no Brasil, a
ceira como também aumentou a renda dos partir de 1995 “várias empresas enfrentaram difi-
consumidores, o que é fundamental para o culdades, gerando condições propícias para fusões
setor supermercadista. Cresceu o crédito, e aquisições e para a expansão regional de grandes
cresceu a renda, as pessoas tiveram mais grupos já estabelecidos. Do ponto de vista das em-
poder de consumo”. presas estrangeiras, o momento representava uma
3. mercado oportunidade”. Ainda de acordo
com o relatório, “é interessante Concentração
observar que as primeiras redes
Embora tenha quase a metade de seu mercado nas
varejistas que entraram no mer-
mãos das dez maiores redes de varejo, o Brasil ainda está
cado brasileiro foram as cadeias
longe de exibir um alto índice de concentração quando
européias, já que entre as classes
comparado a outros países. Abaixo, o percentual de par-
média e alta no Brasil – pelo
ticipação das cinco maiores redes sobre a venda total dos
menos até os anos 80 – predo-
supermercados em cada país (estudo feito pela Ascar &
minavam características mais
Associados sobre dados de 2006).
européias de consumo”.
A primeira estrangeira
Índice de países selecionados em 2006 (%)
a entrar no Brasil foi o francês
Carrefour, em 1975. “O primei- Suiça
86,3
ro hipermercado, na marginal
Pinheiros, em São Paulo, pas-
Reino Unido 77,9
sou meio despercebido. Mas o
Carrefour cresceu e se tornou
Chile
68
o maior competidor do Pão de França 64,7
Açúcar. Na década de 90, virou
o número um”, lembra o consul-
EUA
51
tor Ascar. A empresa adquiriu, México 38,4
entre 1995 e 1999, as redes
Eldorado (SP), Planaltão (DF), Brasil 26,4
Roncetti (ES), Mineirão (MG)
e as cariocas Rainha, Dallas e
China2,8
Continente, além de arrematar
os supermercados das Lojas
Americanas. Em 2006, comprou o Atacadão, o que No final dos anos 80, o grupo português So-
elevou novamente sua posição no Ranking Abras. nae criou em Porto Alegre, com a Josapar, a Cia.
Real de Distribuição. O boom de crescimento veio
no final da década seguinte: com a aquisição das
Carrefour paranaenses Mercadorama, Coletão e Muffatão,
das gaúchas Exxtra Econômico e Nacional, além
No mundo: Criada na França, em 1960, hoje a
rede opera mais de 14 mil estabelecimentos
de participação de 85% na Cândia Mercantil Norte
em 30 países, empregando aproximadamente
Sul (SP), a empresa passou a figurar entre as cinco
450 mil funcionários. É a maior varejista da maiores do país. Em 2005, vendeu suas operações
Europa e a segunda maior no mundo.
Divulgação/Carrefour
No Brasil: Primeira transnacional
supermercadista a se instalar aqui,
o Carrefour escolheu o país para
implantar sua primeira loja no con-
tinente americano, em 1975. Teve
em 2007 faturamento superior a
R$ 19 bilhões, empregando 59 mil
funcionários em 510 lojas. Arrema-
tou, ao longo da última década, uma
dezena de empresas, o que ajudou
a recolocá-lo no topo do ranking no
ano passado.
70 Revista AGAS (agosto 2008)
4.
5. mercado no mercado brasileiro, pois cada
país tem suas características,
Pão de Açúcar/Casino
hábitos de compra e condições
No mundo: A rede Casino está entre as 30 varejistas mais
sociais. Muitas empresas acham
poderosas do globo, embora estruture boa parte de seus
que, por terem sucesso em de-
negócios da França, onde foi fundada, no século 19, e tem mais
terminado país, o mesmo vai se
de 8 mil lojas. Na América do Sul, também está presente na
passar no Brasil”, afirma Ascar.
Argentina, Uruguai, Venezuela e Colômbia. O Brasil é o segundo
No entanto, nem todas se
país em número de lojas, perdendo apenas para a França.
dão bem por aqui. Dois exem-
No Brasil: A Companhia Brasileira de Distribuição (grupo Pão de
plos de insucesso são a holandesa
Açúcar) foi fundada em São Paulo em 1948 por Valentim dos
Ahold e a portuguesa Jerônimo
Santos Diniz, pai do atual presidente, Abílio Diniz. Com 66 mil
Martins – coincidentemente,
empregados em 13 estados brasileiros, opera com as bandeiras
parceiras em Portugal. A pri-
Pão de Açúcar, Sendas, CompreBem e Extra. Apresentou grande
meira ingressou na região Nor-
crescimento na última década, principalmente pela aquisição ou
deste do Brasil, com a compra
união a redes
Divulgação/Pão de Açúcar dos supermercados Bompreço e
como Barateiro,
Peralta, Paes Men-
GBarbosa – essa, hoje a quarta
donça, ABC, Sé e no ranking, foi vendida em 2007
Sendas. Em 2007, para a chilena Cencosud. O gru-
adquiriu a rede po holandês, que já foi um dos
atacadista Assai, dez mais poderosos do varejo
que apresentava global, encerrou seus negócios
faturamento supe- no Brasil após uma crise con-
rior a R$ 1 bilhão. tábil que afetou suas operações
internacionais. Já a Jerônimo
Martins, que em 1997 comprou
os supermercados Sé, Batajão e Santo An-
tônio (SP), desistiu de investir nos negócios
brasileiros e deixou o país em 2002.
no Brasil ao Wal-Mart, que, no ano anterior, já A última grande transnacional a inves-
havia adquirido o Bompreço. tir foi a francesa Casino. Desde 1999, vem
Para Ascar, o Sonae não soube administrar gradualmente assumindo o controle do Pão
bem seus negócios no país, que devem ser recu- de Açúcar – que arrebatou boa fatia das
perados pela rede norte-americana: “O Wal-Mart pequenas e médias. Para Antonio Carlos
tem uma visão mais centralizada, em
um formato só. A intenção, quando
entrou no Brasil, era construir sua pró- GBarbosa/Cencosud
pria rede, com características próprias. No mundo: A chilena Cencosud vem apresentando desempenho
Em quatro ou cinco anos, no entanto, considerável entre as empresas latino-americanas. Está entre as 60
começou a comprar outras. Essa é uma maiores transnacionais com negócios na região e é a terceira maior
forma mais rápida e fácil de crescer”. varejista com capital local. A empresa surgiu na década de 50, em
Temuco, e hoje atua na Argentina (perdendo apenas para o Carrefour),
É mais fácil comprar no Peru, onde comprou a maior rede varejista em 2007, e na Colômbia,
trabalhando em parceria com a Casino.
A dificuldade de adaptação No Brasil: A GBarbosa, que havia sido incorporada ao grupo
ao mercado local é outro fator que Bompreço pela holandesa Ahold, teve de ser vendida separadamente,
favorece fusões e aquisições em em função de questões antitruste. Em 2007, a rede, que opera
detrimento da criação de novos na região Nordeste e foi fundada em 1955, empregava 10 mil
espaços. “Quando chegam, as funcionários, com faturamento de R$ 1,9 bilhões.
redes têm dificuldade para entrar
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6. Wal-Mart
No mundo: Fundada em 1962 pelo norte-
Divulgação/Wal-Mart
americano Sam Walton, o Wal-Mart é a maior
empresa do varejo global. Segundo relatório
da Deloitte, “sozinho, o Wal-Mart representa
a soma do segundo, terceiro, quarto e quinto
varejistas juntos”. São 7 mil lojas, quase dois
bilhões de funcionários e um faturamento de
US$ 374 bilhões em 14 países.
No Brasil: Depois de estruturar uma rede
própria no centro do país, o grupo adquiriu
as operações do Bompreço, no Nordeste
brasileiro, e do Sonae, no Sul. Com 68 mil
colaboradores e 313 lojas, a empresa ficou em
terceiro lugar no último Ranking Abras.
Ascar, que atuou por mais de 30 anos na com a venda das empresas normalmente é
rede paulista, o Pão de Açúcar já é do grupo reaplicado em novos empreendimentos aqui.”
Casino: “São os franceses que mandam na Ou seja: mantém-se os empregos e as finanças
rede hoje, mesmo com a presença do Abílio das primeiras girando no país e ainda se abrem
Diniz. Eu não tenho dúvida: em dois ou três novas oportunidades. “Também há vantagens do
anos, a operação toda vai ser deles”. ponto de vista organizacional, pois as empresas
estrangeiras trazem uma tecnologia gerencial
Positivo e negativo mais avançada, que acaba contagiando todo o
mercado”, lembra Portugal.
Apesar de afetar as empresas e fornecedores Em tempos de estabilidade, para cada nova
nacionais, essa dança das cadeiras traz alguma companhia que entra no mercado, alguma, mais
vantagem para o país? O economista Marcelo antiga, é obrigada a deixar o setor. “As mais
Portugal acredita que sim: “Às vezes se la- defasadas vão desaparecendo. Há muitos casos
menta quando o controle de uma empresa sai na história brasileira, como as redes Disco, Casa
do país, pois as decisões estratégias ficam na da Banha, Pegue e Pague, todas desapareceram.
mão de estrangeiros. Isso é Eram grandes, conhecidas e fortes, mas pararam
uma perda. Mas, por outro no tempo. Quem não se atualiza perde espaço”,
lado, o dinheiro que entra avisa Antonio Carlos Ascar. O consultor acredita,
contudo, que ainda há espaço para
as redes nacionais: “As brasilei-
Divulgação/GBarbosa
ras estão se tornando pequenas
e médias. Mas o mercado está
mudando, as grandes lojas estão
perdendo espaço, pois têm mais
dificuldade de adaptação a merca-
dos específicos. Isso abre espaço
para as redes menores e mais fle-
xíveis, que, se tiverem dinheiro,
sucessão e profissionalismo, vão
se manter por meio da especiali-
zação de seus serviços”.
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