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Vani Moreira Kenski




Novas tecnologias
O redimensionamento do espaço e do
tempo e os impactos no trabalho docente

Vani Moreira Kenski
Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo



Trabalho apresentado na XX Reunião Anual da ANPEd, Caxambu, setembro de 1997.




      Este artigo originou-se da minha participa-             Na impossibilidade de abordar todas as ques-
ção em Sessão Especial na XX Reunião Anual da           tões decorrentes dessas múltiplas interrogações, res-
ANPEd. O tema sugerido para a apresentação —            trinjo-me àquelas que considero prioritárias em ter-
novas tecnologias, o redimensionamento do espa-         mos de análise. Começo, assim, minha reflexão pelo
ço e do tempo e os impactos no trabalho docente         professor e suas inter-relações com o início do tema:
— foi extremamente provocativo, desafiador. Sua         novas tecnologias. A primeira sensação que essa
amplitude possibilitou a realização de inúmeras re-     relação me provoca é a de desencontro. Para uma
flexões e encaminhamentos, a partir das idéias de       grande parte dos professores o termo “novas tec-
vários autores que escrevem sobre a sociedade con-      nologias” está associado ao uso da televisão e do
temporânea e os impactos e transformações nela          computador em sala de aula e, principalmente este
ocorridos com a proliferação das novas tecnologias      último (pelo desconhecimento da lógica de seu fun-
eletrônicas de comunicação e de informação.             cionamento), assusta. Sinto então a necessidade de
      A segunda parte da proposta, no entanto, co-      reorientar minhas reflexões para realizar, inicial-
locou-me na relação espaço-temporal da temática:        mente, uma tentativa de esclarecer o sentido do ter-
a prática docente. Deveria circunscrever minha re-      mo tecnologias, novas ou velhas. Posteriormente,
flexão aos limites espaciais e temporais em que         então, procurarei refletir sobre o (re)dimensiona-
ocorre a prática docente na atualidade. Onde? Quan-     mento do espaço e do tempo e as suas implicações
do? Como? Com quem?... perguntas tradicionais,          na prática docente na atualidade.
que informam sobre o processo comunicativo e que,
neste momento, tornam-se difíceis de serem respon-                 Tecnologias, novas ou velhas
didas ao se considerarem as diversas possibilidades
educativas que foram estabelecidas na nova socie-           Na perspectiva de Simondon (1969, p. 19) o
dade digital.                                           homem iniciou seu processo de humanização, dis-


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Novas tecnologias



tinguindo-se dos demais seres vivos, a partir do mo-          A tecnologia moderna reestrutura ainda mais
mento em que se utilizou dos recursos existentes na     profundamente a consciência e a memória, impon-
natureza, dando-lhes outras finalidades que trou-       do uma nova ordem nas formas tradicionais de com-
xessem algum novo benefício à sua vida. Assim,          preender e de agir sobre o mundo. De um lado, es-
quando os nossos ancestrais pré-históricos utiliza-     sas tecnologias fixam lembranças de fatos concre-
ram-se de galhos, pedras e ossos como ferramentas,      tamente vividos; por outro, elas derrubam as bar-
dando-lhes múltiplas finalidades que garantissem a      reiras entre os acontecimentos reais e a ficção.
sobrevivência e uma melhor qualidade de vida, es-             No plano coletivo, conforme afirma Steven
tavam produzindo e criando tecnologias.                 Rose, as novas tecnologias oferecem perspectivas
      A relação entre memória e tecnologias não é       sem precedentes ao desenvolvimento não apenas
algo novo ou inusitado. Pelo contrário, Steven Rose     da memória social, baseada em fatos vividos. Me-
chega a afirmar que a cada época corresponde uma        mórias artificiais, criadas a partir das interações
tecnologia. E, “a cada tecnologia, uma memória”         com imagens e sons apresentados pelos meios de
(1994, p. 81). Nesse sentido, ao depositar suas         comunicação; “lembranças totalmente inventadas
marcas e lembranças nas tecnologias (desde as mais      do tipo daquelas evocadas por Woody Allen, ou
primitivas — como a cerâmica, o barro, o ferro, o       mesmo de uma forma de amnésia social, como os
bronze, a pedra... — até as mais atuais — como a        que tiraram Trotski das fotografias em que se a-
fotografia, a gravação em vídeo ou por meio do          presentam os artífices da revolução bolchevique”
computador), o homem altera as suas próprias for-       (idem, p. 123).
mas de se lembrar do passado. Esta é a principal              Essas mixagens e reinterpretações influenciam
razão por que Sócrates já era contrário ao registro     diretamente não apenas a memória pessoal mas,
escrito, pois considerava que a escrita “enfraque-      principalmente, a memória coletiva, refletida na
cia a memória estabelecida no interior do espírito      cultura, no conhecimento científico e na forma co-
humano” (apud idem, p. 83).                             mo a sociedade identifica seus valores e comporta-
      As tecnologias, em todos os tempos, alteraram     mentos, sua ideologia, o seu momento.
as formas de retentiva e lembrança, funções usuais
com que os homens armazenam e movimentam suas                     Panorama da sociedade atual
memórias humanas, seus conhecimentos. Na atua-
lidade, as novas tecnologias de comunicação não               A partir da banalização das tecnologias eletrô-
apenas alteram as formas de armazenamento e aces-       nicas de comunicação e de informação, a socieda-
so das memórias humanas como, também, mudam             de atual adquiriu novas maneiras de viver, de tra-
o próprio sentido do que é memória. Através de          balhar, de se organizar, de representar a realidade
imagens, sons e movimentos apresentados virtual-        e de fazer educação.
mente em filmes, vídeos e demais equipamentos ele-            Tradicionalmente, a aprendizagem de infor-
trônicos de comunicação, é possível a fixação de        mações e conceitos era tarefa exclusiva da escola.
imagens, o armazenamento de vivências, sentimen-        Os conhecimentos teóricos eram apresentados gra-
tos, aprendizagens e lembranças que não neces-          dativamente às crianças após o ingresso nas insti-
sariamente foram vivenciadas in loco pelos seus es-     tuições formais de ensino. Eles eram finitos e deter-
pectadores.                                             minados. Ao final de um determinado grau de es-
      A evolução tecnológica conduziu o desenvol-       colarização a pessoa podia considerar-se formada,
vimento humano para o registro de situações que         ou seja, já possuía conhecimentos e informações
vão da memória fluida dos relatos orais às interfaces   suficientes para iniciar-se em alguma profissão.
com as memórias tecnológicas gravadas nos equi-               O espaço e tempo de ensinar eram determina-
pamentos eletrônicos de última geração.                 dos. “Ir à escola” representava um movimento, um


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Vani Moreira Kenski



deslocamento até a instituição designada para a ta-            O impacto temporal das tecnologias
refa de ensinar e aprender. O “tempo da escola”,
também determinado, era considerado o tempo diá-               O homem vive entre diversos tipos de tempo-
rio que, tradicionalmente, o homem dedicava à sua        ralidades. Na realidade, há uma percepção geral e
aprendizagem sistematizada. Correspondia, tam-           intuitiva de que os múltiplos sentidos de tempo se
bém, à época, na sua história de vida, que o homem       entrecruzam na vida cotidiana. A percepção mecâ-
dedicava à formação escolar.                             nica e objetiva, definida pelos relógios e calendári-
      As velozes transformações tecnológicas da a-       os, orienta as nossas atividades rotineiras. Estabe-
tualidade impõem novos ritmos e dimensões à ta-          lece ritmos e nos auxilia operacionalmente a defi-
refa de ensinar e aprender. É preciso que se esteja      nir prazos e compromissos. Em um sentido consen-
em permanente estado de aprendizagem e de adap-          sual geral, o tempo determinado espacialmente pe-
tação ao novo. Não existe mais a possibilidade de        los cronômetros, pela periodicidade dos meses e das
considerar-se alguém totalmente formado, inde-           estações do ano ou pela delimitação de períodos ou
pendentemente do grau de escolarização alcança-          eras é uma imensa abstração. O homem ocidental
do. Além disso, múltiplas são as agências que apre-      subordina-se pragmaticamente às suas determina-
sentam informações e conhecimentos a que se po-          ções — horas, minutos, segundos, meses, anos... —
de ter acesso, sem a obrigatoriedade de desloca-         e orienta as ações de acordo com a sua imagem de
mentos físicos até as instituições tradicionais de       “continuidade” e progressão.
ensino para aprender. Escolas virtuais oferecem                A relatividade do tempo estudada pela física
vários tipos de ensinamentos on-line, além das inú-      aparentemente não interfere no sentido em que o
meras possibilidades de se estar informado, a par-       homem compreende o tempo na vida cotidiana.
tir das interações com todos os tipos de tecnologias     Nesta, o tempo do trabalho ou o tempo industrial,
mediáticas.                                              como denomina Anders (1994), é praticamente o
      “Na atualidade, o que se desloca é a informa-      denominador comum através do qual a grande
ção”, diz Virilio (1993, p. 110). E esses novos co-      maioria da população urbana atual se orienta e obe-
nhecimentos deslocam-se em dois sentidos: o pri-         dece. Essa temporalidade industrial, típica da socie-
meiro, o da espacialidade física, em tempo real, sen-    dade capitalista, é vivida em todos os momentos,
do possível serem acessados através das tecnologias      no trabalho ou fora dele, ou, como diz Anders,
mediáticas de última geração. O segundo, pela sua
                                                                quando a sirene da fábrica anuncia o término
alteração constante, transformações permanentes,
                                                           do trabalho, ela anuncia, ao mesmo tempo, também,
sua temporalidade intensiva e fugaz.
                                                           que se inicia a inevitável dominação do mundo sirênico
      Velocidade. Esse é o termo-síntese do status es-
                                                           dos meios de comunicação e da publicidade. Anuncia
pácio-temporal do conhecimento na atualidade. Ve-
                                                           que nós dependemos dele, que aí começam as horas
locidade para aprender e velocidade para esquecer.
                                                           de nosso emprego sem limites e sem contrato, as ho-
Velocidade para acessar as informações, interagir
                                                           ras por cuja lama temos que atravessar batalhando no
com elas e superá-las com outras inovações. Essa
                                                           suor de nosso rosto de ócio (p. 170).
“explosão de informação”, como diz Galvão (1997,
p. 26), se, de um lado, presta-se “a criar meios cada         As tecnologias — velhas, como a escrita, ou
vez mais eficientes para o armazenamento e a circu-      novas, como as agendas eletrônicas — transformam
lação instantânea de informações, de outro, desen-       o modo como dispomos, compreendemos e repre-
volve softwares e programas de busca e de filtro que     sentamos o tempo e o espaço à nossa volta. O uni-
nos ajudam a administrar um espaço que já beira          verso de aparelhagens de que nos servimos diaria-
o infinito”.                                             mente redimensionam as nossas disponibilidades
                                                         temporais e os nossos deslocamentos espaciais. O


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Novas tecnologias



tempo, o espaço, a memória, a história, a noção de              Em rápidas observações, procuro apresentar,
progresso, a realidade, a virtualidade e a ficção são     a seguir, algumas características dessas três formas
algumas das muitas categorias que são reconside-          de apreensão de conhecimentos (oral, escrita e di-
radas em novas concepções a partir dos impactos           gital), tal como são considerados por Pierre Lévy,
que, na atualidade, as tecnologias eletrônicas têm        e as implicações que as novas tecnologias vão oca-
em nossas vidas.                                          sionar a todas elas.

             O conhecimento na nova era                                   A linguagem falada

      Pierre Lévy (1993) categoriza o conhecimen-               A apreensão e uso dos conhecimentos através
to existente nas sociedades em três formas diferen-       da linguagem falada é a forma mais antiga e a mais
tes: a oral, a escrita e a digital. Embora essas formas   utilizada pelos homens em todos os tempos. Atra-
tenham se originado em épocas diferentes, elas coe-       vés dela estabelecem-se diálogos, conversas, trans-
xistem e estão todas presentes na sociedade atual.        mitem-se informações, avisos e notícias. É a lin-
No entanto, elas nos encaminham para percepções           guagem básica dos meios de comunicação mais po-
diferentes, racionalidades múltiplas e comporta-          pulares: rádio e televisão. É também a forma de
mentos de aprendizagem diferenciados.                     apresentação e de ensino mais utilizada: a exposi-
      A forma escrita de apreensão do conheci-            ção oral.
mento é a que prevalece em nossas culturas letra-               Vários são os autores que consideram que a
das, mas a linguagem oral ainda é a que predomi-          nossa primeira tecnologia foi a linguagem falada.
na em todas as formas comunicativas vivenciais.           Uma “tecnologia da inteligência”, diz Pierre Lévy
Em meio a elas, e utilizando-se de ambas, o estilo        (1993, p. 7), sem instrumentos concretos para a ma-
digital de apreensão de conhecimentos é ainda in-         nipulação, mas evidentemente um recurso ou “uma
cipiente, mas sua proliferação é veloz. O estilo di-      extraordinária construção viva”. A linguagem, com
gital engendra, obrigatoriamente, não apenas o            toda a sua complexidade, é uma criação artificial
uso de novos equipamentos para a produção e a-            em que se encontra o projeto tecnológico de estru-
preensão de conhecimentos mas também novos                turação da fala significativa com o próprio projeto
comportamentos de aprendizagem, novas racio-              biológico de evolução humana.
nalidades, novos estímulos perceptivos. Seu rápi-               Pierre Lévy diz que é também a partir da lin-
do alastramento e multiplicação, em novos produ-          guagem que o homem se distingue do restante da
tos e em novas áreas, obriga-nos a não mais igno-         natureza e “dispõe desse extraordinário instrumen-
rar sua presença e importância.                           to de memória e de propagação das representações”
      Favoráveis ou não, é chegado o momento em           (idem, p. 76). Essa oralidade primária, que nomeia,
que nós, profissionais da educação, que temos o           define e delimita o mundo a sua volta, cria também
conhecimento e a informação como nossas maté-             uma concepção particular de espaço e de tempo.
rias-primas, enfrentamos os desafios oriundos das               No início da civilização, nas sociedades orais,
novas tecnologias. Esses enfrentamentos não signi-        a localização fisicamente próxima dos homens que
ficam a adesão incondicional ou a oposição radi-          utilizavam a mesma “fala” definia o espaço da tri-
cal ao ambiente eletrônico, mas, ao contrário, sig-       bo e da cultura. A oralidade primária requeria a pre-
nificam criticamente conhecê-los para saber de suas       sença e a proximidade entre os seus interlocutores.
vantagens e desvantagens, de seus riscos e possibi-       Incorporada aos seus próprios sistemas físico-cor-
lidades, para transformá-los em ferramentas e par-        porais, a linguagem falada limitava o homem ao
ceiros em alguns momentos e dispensá-los em ou-           espaço circunscrito do seu grupo, onde ele circula-
tros instantes.                                           va e se comunicava.


Revista Brasileira de Educação                                                                              61
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      Baseada nas lembranças dos seus membros, a              Na escola, a “nova sociedade oral” coloca o
sociedade oral caracteriza-se pela repetição. Circu-     professor, o vídeo e todos os demais media “nar-
lares, as histórias se repetem pelas gerações e adqui-   rativos” no papel de contadores de histórias e os
rem novos contornos mas são, estruturalmente, as         alunos, em seus “ouvintes”. A sociedade oral, de
mesmas. “Possuindo apenas os recursos de sua me-         todos os tempos, aposta na continuidade.
mória de longo prazo para reter e transmitir as re-
presentações que lhes parecem dignas de perdurar,                        A linguagem escrita
os membros das sociedades orais exploraram ao
máximo o único instrumento de inscrição de que                 A sociedade da escrita surge em um outro mo-
dispunham” (idem, 1993, p. 77).                          mento da civilização, quando os homens ocupam
      Conhecimentos, tradições, culturas e valores       um determinado espaço, onde praticam a agricul-
do grupo são mantidos através de músicas e versos,       tura. A previsibilidade da plantação e da colheita
de histórias contadas e transmitidas através das ge-     interferem na criação de suportes para a escrita.
rações. Rimas, danças e rituais são formas didáti-       Segundo Lévy (1993, p. 87), a própria origem da
cas de transmitir os conhecimentos considerados          palavra página viria de pagus, o campo arado e pre-
valiosos e que precisam ser preservados.                 parado para o plantio.
      Circulares e repetitivas são as cantigas e len-          A disposição das linhas na página estaria tam-
das que dizem das tradições e culturas dos povos.        bém ligada à simetria do campo cultivado. Se nas
Circular era a disposição dos homens em volta da         sociedades orais prevalecia/prevalece a memoriza-
fogueira para ouvir as histórias e os ensinamentos       ção e a repetição como formas de aquisição de co-
dos sábios das tribos. As trocas de informações vi-      nhecimentos, na sociedade da escrita há necessida-
nham carregadas de sentimentos e afetos. Em ge-          de de compreensão do que está sendo comunicado
ral, eram acompanhadas por movimentos, danças,           graficamente. Existe uma distância — correspon-
gestos, músicas e expressões faciais.                    dente ao plantar e colher da agricultura — entre a
      Na atual e “nova” sociedade oral, em que pre-      pessoa que escreve e a outra que lê e interpreta o
valecem as imagens e sons dos diversos media, so-        escrito. Os tempos em que ocorrem esses dois pro-
bretudo da televisão, é também através do apelo à        cessos — escrever e ler — podem estar defasados
afetividade, à repetição, a memorização de músicas,      de muitos séculos, milênios até.
jingles, gestos e enredos, envolvendo personagens              A partir da escrita se dá a autonomia do co-
ficcionais, que se pretende que as idéias, informa-      nhecimento. Não há mais a necessidade presencial
ções, valores, comportamentos, mensagens e ape-          do comunicador, informando, observando e orien-
los (principalmente comerciais) sejam apreendidos.       tando seus discípulos. Os conhecimentos são apre-
É ainda na forma circular que se senta em torno da       endidos não na forma como foram enunciados, mas
televisão (a fogueira), para ouvir as histórias e as     no contexto em que o escrito é lido e analisado. A
notícias do dia. A espacialidade próxima do locu-        análise do escrito, por sua vez, distante do calor do
tor ou do narrador televisivo é agora virtual, mas       momento em que o texto foi produzido, é realiza-
também exige a atenção e a presença do ouvinte.          da através da compreensão racional do que está
A proximidade simbólica dos media coloca no mes-         sendo apresentado. A comunicação escrita é apre-
mo círculo os atores e os (tele)espectadores do ato      endida através de critérios em que predominam a
comunicativo.                                            razão e os aspectos cognitivos da personalidade,
      O círculo se fecha e todos apostam na repeti-      pretensamente isentos de emocionalidade.
ção, na continuidade, no eterno retorno do mesmo               Por outro lado, a previsibilidade da agricultura
(a novela, o filme, o jogo, o telejornal), sempre di-    influi também na forma seqüencial do espaço escrito
ferente em seu conteúdo, mas igual em sua forma.         e na disposição linear do que está sendo apresen-


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Novas tecnologias



tado. À circularidade da sociedade oral antepõe-se       liberados em biografias, diários, agendas, textos e
a linearidade da sociedade da escrita.                   redações. Mais ainda, possibilita ao homem a ex-
      A preocupação de vários estudiosos nas últi-       posição de suas idéias e pensamentos, tornando-o
mas décadas tem sido a de identificar a influência       autoconsciente e livre em sua capacidade de refle-
que essa linearidade do alfabeto greco-romano e o        xão e apreensão da realidade. Como apresenta Ha-
direcionamento da escrita, da esquerda para a di-        velock, citado por Kerckhove, com a escrita “a in-
reita, tem exercido na maneira de pensar e nas for-      teligência humana libertou-se do peso da lembran-
mas de compreensão e percepção ocidental. Foi            ça para se aplicar na inovação” (idem, p. 258).
nesse sentido que Kerckhove realizou uma pesqui-               Dessa forma, o tempo é compreendido em no-
sa comparando os sistemas escritos conhecidos no         vas complexidades: o tempo vivido, o tempo recu-
mundo. Observou então que “todos os sistemas             perado na lembrança ou no relato escrito é o tem-
escritos que representam sons (fonéticos) são escri-     po perspectivo e espacialmente definido, simbolica-
tos horizontalmente, mas todos os que representam        mente direcionado da esquerda para a direita em
imagens, como os ideogramas chineses ou os hie-          direção ao alto, ao firmamento, ao desconhecido.
róglifos egípcios, são escritos verticalmente. As co-
lunas verticais dos sistemas baseados em imagens                         A linguagem digital
são geralmente lidas da direita para a esquerda. To-
dos os sistemas de escrita com vogais, com exceção             Ainda segundo Lévy, a terceira forma de apro-
do etrusco, são escritos da direita para a esquerda”     priação do conhecimento — a linguagem digital —
(1997, p. 59).                                           dar-se-ia no espaço das novas tecnologias eletrôni-
      Em suas análises, Kerckhove considera que o        cas de comunicação e de informação.
processamento seqüencial, ordenado pelo tempo,                 Neste momento não podemos mais identificar
observado na escrita alfabética, afeta a organização     todas essas novas tecnologias como orientadas para
da linguagem e, por sua vez, a organização do pen-       as mesmas finalidades e com os mesmos graus de
samento. Segundo ele, a partir do momento em que         complexidade. Múltiplos são os equipamentos ele-
aprendemos a ler, a escrita alfabética influencia nos-   trônicos e diversas as suas finalidades e funções. A
sa relação com o tempo e o espaço. Para os ociden-       velocidade dos avanços tecnológicos pode ser veri-
tais, por exemplo, o passado está sempre à esquer-       ficada através dos desdobramentos e multiplicidades
da e o “futuro é o lugar para onde corre a escrita,      de tecnologias que foram aparecendo nos últimos
para a direita” (idem, p. 60).                           anos e também nos novos espaços — das nanotec-
      A complexidade dos códigos da escrita, o do-       nologias, desvelando microcosmos até então “invi-
mínio das representações alfabéticas, cria uma ver-      síveis” às nossas percepções, até as tecnologias “in-
dadeira “literacia”, da qual são excluídos todos os      vasoras”, próteses que, introduzidas no corpo, poten-
“iletrados”, os analfabetos. A escrita reorienta a       cializam as capacidades naturais dos seres vivos.
estrutura social legitimando o conhecimento erudito            Vê-se então que a amplitude das novas tecno-
como mecanismo de poder e de ascensão.                   logias nos coloca diante de escolhas de possibilida-
      A perspectiva espaço-temporal definida pela        des variadas de ação e de comunicação. Através de
escrita influi no pensamento científico e na manei-      todas as novas formas tecnológicas somos perma-
ra como o homem ocidental apreende e se orienta          nentemente convidados a “ver mais, a ouvir mais,
no mundo. A escrita, interiorizada como compor-          a sentir mais”, como diz Stockhausen, citado por
tamento humano, interage com o pensamento liber-         Kerckhove (1997, p. 126), enfim, a viver muitas
tando-o da obrigatoriedade de memorização perma-         vidas em uma só vida e a compreender que, ao con-
nente. Torna-se, assim, ferramenta para a memó-          trário do que se afirma, “não é o mundo que é glo-
ria e, através dela, os fatos da vida cotidiana são      bal, somos nós”. Ou, como diz Kerckhove, “como


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Vani Moreira Kenski



nômades telemáticos libertamo-nos dos constran-               Prevalece neste tipo de pensamento a lógica
gimentos de uma coincidência histórica entre o es-      binária que predomina em múltiplas áreas tradicio-
paço e o tempo e ganhamos o poder de estar em           nais do conhecimento e mesmo nas mais modernas
todos os lugares sem sairmos do mesmo lugar”            como a psicanálise, o estruturalismo e até a infor-
(idem, p. 237).                                         mática. Ou seja, um “tronco” que simbolicamente
      A tecnologia digital rompe com a narrativa        se refere a um segmento específico do saber, que se
contínua e seqüencial das imagens e textos escritos     desdobra em ramos específicos que, em geral, não
e se apresenta como um fenômeno descontínuo. Sua        se relacionam entre si e se ligam, exclusivamente,
temporalidade e espacialidade, expressa em imagens      com a idéia central (raiz e tronco) do conhecimento.
e textos nas telas, estão diretamente relacionadas ao         Esta estrutura se mantém, mesmo quando à
momento de sua apresentação. Verticais, descon-         raiz principal de uma área específica do conheci-
tínuas, móveis e imediatas, as imagens e textos di-     mento vem se enxertar “uma multiplicidade imedia-
gitalizados a partir da conversão das informações       ta e qualquer de raízes secundárias [...] manifes-
em bytes, têm o seu próprio tempo, seu próprio          tando-se a exigência de unidade secreta ainda mais
espaço: o tempo e o espaço fenomênico da exposi-        compreensiva, ou de uma totalidade mais extensi-
ção. Elas representam portanto um outro tempo,          va” (p. 14) entre os diversos ramos da ciência.
um outro momento, revolucionário, na maneira hu-              O estudo nas variadas áreas (ou “árvores”) do
mana de pensar e de compreender. Esse novo modo         conhecimento humano não considera essas inter-
de compreender pode ser explicado a partir das me-      ligações subterrâneas e, ao contrário, o pensamen-
táforas apresentadas por Deleuze e Guattari: a ár-      to estruturado trata de identificar e definir as espe-
vore e o rizoma.                                        cificidades dos saberes, em delimitar os campos
                                                        de cada ciência, isolando-a e valorizando sua pseu-
       Diferentes modos de compreender:                 do “autonomia arbórea”.
              a árvore e o rizoma                             Os galhos inclinam-se em outras direções, for-
                                                        mam novas linhas de pensamento, rupturas ao pen-
                     A árvore                           samento-raiz e tronco originais (dicotomias) mas,
                                                        mesmo assim, nas referências, há um permanente
     A compreensão das metáforas relacionadas           retorno (círculo ou ciclo) à estrutura.
ao conhecimento e às formas de sua apreensão nos              Estes sistemas arborescentes de compreensão
mostram que a referência clássica para dizer das        são sistemas hierárquicos “que comportam centros
estruturas dos saberes e das ciências é a imagem da     de significância e de subjetivação, autômatos cen-
árvore. Em Mil platôs, Deleuze e Guattari (1995)        trais como memórias organizadas”. Nestes sistemas,
a apresentam como a imagem do pensamento e do           um elemento só recebe suas informações de uma
conhecimento no mundo ocidental, a forma clás-          unidade superior, à qual é determinado o poder de
sica de reflexão a que “até uma disciplina ‘avan-       memória. Uma memória poderosa e central de onde
çada’ como a Lingüística retém como imagem de           emanam todas as ramificações do conhecimento
base” (p. 13). Para os autores, a imagem da árvo-       com sua lógica evolutiva e orgânica como são as
re relaciona-se com um pensamento que “nunca            estabelecidas para as máquinas eletrônicas e os sis-
compreendeu a multiplicidade: ele necessita de          temas informáticos. Ou ainda para a árvore lingüís-
uma forte unidade principal, unidade que é supos-       tica à maneira de Chomsky, que começa num pon-
ta para chegar a duas [...] (três, quatro, cinco) mas   to S e procede por dicotomia.
sempre com a condição de dispor de uma forte                  A linearidade desses sistemas arborescentes
unidade principal, a do pivô que suporta as raízes      de pensamento exclui qualquer possibilidade de se
secundárias” (p. 13).                                   atingir a multiplicidade. A informação não o-


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Novas tecnologias



riunda dos canais hierarquicamente designados é                modos de codificação muito diversos, cadeias bioló-
falsa ou incompetente, distante da “linhagem” a                gicas, políticas, econômicas, etc.[...] colocando em
que pertencem os galhos e ramos do conhecimen-                 jogo não somente regimes de signos diferentes, mas
to arborescente.                                               também estatutos de estados de coisas (idem, p. 15).
      A lógica da árvore baseia-se no decalque e na
                                                                   No rizoma conectam-se cadeias semióticas, or-
reprodução. Decalcar significa retirar de um con-
                                                             ganizações de poder, ocorrências artísticas, cientí-
texto para ressignificá-lo em outro lugar sem per-
                                                             ficas, lutas sociais. Não existe um ponto central,
der de vista a sua origem. Na lingüística e na psi-
                                                             escalas de importância ou tipologia ideal. Todos os
canálise, por exemplo, a lógica “consiste em decal-
                                                             tipos de associações são possíveis de serem realiza-
car algo que se dá já feito, a partir de uma estrutu-
                                                             das através das interações.
ra que o sobrecodifica ou de um eixo que o supor-
                                                                   Uma outra característica do rizoma é a sua
ta. A árvore articula e hierarquiza os decalques, os
                                                             multiplicidade. Ou seja, a inexistência de qualquer
decalques são como folhas da árvore” (p. 21).
                                                             relação com o uno — com o específico, com o in-
      A metáfora da árvore, portanto, nos remete ao
                                                             dividual, como ocorre no modelo da árvore — co-
conhecimento temporal e espacialmente articulado,
                                                             mo sujeito ou como objeto, como realidade natu-
estruturado em uma continuidade determinada e
                                                             ral ou espiritual, como imagem e mundo. “Uma
que, para ser compreendido, precisa respeitar os
                                                             multiplicidade não tem nem sujeito nem objeto, mas
desdobramentos hierarquicamente estabelecidos
                                                             somente determinações, grandezas, dimensões que
nos campos específicos de cada ciência.
                                                             não podem crescer sem que se mude de natureza”
                                                             (idem, p. 17).
                          O rizoma                                 No rizoma não existem pontos ou posições
                                                             definidas mas somente linhas, interconectadas, pla-
      A metáfora de Deleuze e Guattari para o atual          nas, em que se inter-relacionam as mais variadas
estágio do conhecimento humano — em que a di-                possibilidades: “acontecimentos vividos, determina-
fusão da multiplicidade de conhecimentos inter-              ções históricas, conceitos pensados, indivíduos, gru-
cambiáveis prolifera através das novas tecnologias           pos e formações sociais” (idem, p. 18).
de comunicação, sobretudo nas redes — é a de com-                  Outro princípio apontado por Deleuze e Guat-
preensão da “imagem do mundo”, sob a forma de                tari para o rizoma é o de ruptura a-significante. Uma
rizoma.                                                      idéia, um conceito ou saber, zelosamente retido no
      Os rizomas, espécies de hastes ou caules sub-          tronco de uma ciência específica, pode assim ser
terrâneos, diferenciam-se dos demais tipos de raí-           retomado em outra área, ressignificado e conectado
zes pois têm formas muito diversas. “Desde sua ex-           a outras concepções que satisfaçam as necessidades
tensão superficial ramificada em todos os sentidos           momentâneas de conceitualização. Ela deriva da
até suas concreções em bulbos e tubérculos [...] há          possibilidade de o rizoma ser
o melhor e o pior no rizoma: a batata e a grama, a
                                                                    rompido, quebrado em um lugar qualquer, e
erva daninha” (Deleuze & Guattari, 1995, p. 15).
                                                               também retomar segundo uma ou outra de suas linhas
      O conhecimento rizomático teria como carac-
                                                               e segundo outras linhas. Deste modo, conceitos oriun-
terísticas os princípios de conexão e de heterogenei-
                                                               dos da Física — como os de fenômeno, fractais ou
dade, ou seja,
                                                               atrator estranho — são ressignificados e utilizados em
         qualquer ponto do rizoma pode ser conectado           outros campos do conhecimento para definir compor-
   a qualquer outro e deve sê-lo. [...] cada traço não re-     tamentos sociais e humanos na atualidade, por exem-
   mete necessariamente a um traço lingüístico: cadeias        plo. Segundo este princípio, o rizoma compreende li-
   semióticas de todas as naturezas são aí conectadas a        nhas de segmentaridade, segundo as quais ele é estra-



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     tificado, territorializado, organizado, significado, atri-   considerada a possibilidade da existência de árvores,
     buído, etc; mas compreende também linhas de des-             campos específicos e hierárquicos do conhecimen-
     territorialização, pelas quais ele foge sem parar [...]      to. Eles existem não mais como únicas possibilida-
     essas linhas não param de se remeter umas às outras          des, mas como momentos. Assim, o estudo em uma
     (idem, p. 18).                                               determinada área do conhecimento é possível de ser
                                                                  realizado com a perspectiva prevista na metáfora da
      Compreender, portanto, a aquisição do conhe-                árvore, para atingir objetivos específicos.
cimento através da metáfora do rizoma é entender                        Diferente deste, o princípio da cartografia (ma-
que as ciências, assim como as memórias, conjugam                 pa ou hipertexto) garante ao rizoma um novo modo
fluxos desterritorializados. Ou seja, não se limitam              de compreender. Uma abordagem em que não vigore
e funcionam apenas em “territórios” determinados,                 a reprodução e o decalque mas sim a possibilidade
em estruturas arborescentes e hierárquicas. Ao con-               de indicar os pontos importantes de uma experimen-
trário, mesmo nas tentativas de fixar limites seguin-             tação totalmente ancorada no real. “O mapa não
do círculos de convergência, novos pontos se esta-                reproduz um inconsciente fechado nele mesmo, ele
belecem dentro e fora desses círculos. Conexões são               o constrói” (idem, p. 22). Pode ser aberto, conectável
instituídas em múltiplas outras direções. Como o-                 em todas as suas dimensões, desmontável, reversí-
corre nas interações com as imagens e textos digi-                vel, suscetível de receber modificações constantes,
tais apresentados nas redes, onde tudo é possível.                com múltiplas entradas e possibilidades de uso, e sem
Ou, em um exemplo de movimentações de imagens                     necessariamente a volta ao mesmo lugar (decalque).
virtuais em permanentes interações, em que:                             No mapa hipertextual as possibilidades estão
           A orquídea se desterritorializa, formando uma
                                                                  apresentadas e o ato de aprender é orientado pelas
     imagem, um decalque de vespa; mas a vespa se re-
                                                                  escolhas das ligações e interconexões entre os diver-
     territorializa sobre esta imagem. A vespa se dester-
                                                                  sos campos de conhecimentos ali representados, que
     ritorializa, no entanto, tornando-se ela mesma uma           se comunicam de múltiplas formas interdisciplina-
     peça no aparelho de reprodução da orquídea; mas ela          res, englobando a totalidade dos pensamentos e ca-
     reterritorializa a orquídea, transportando o pólen. A
                                                                  pacidades (cognitivas, afetivas, motoras, intuiti-
     vespa e a orquídea fazem rizoma em sua heterogenei-
                                                                  vas...) construídas pelos sujeitos. Essas inúmeras
     dade (idem, p. 18).
                                                                  possibilidades de percursos e envolvimentos é ca-
                                                                  racterizada por Rosenstiehl como pontos de entre-
      Não mais imitação, nem semelhança, mas cap-                 cruzamento de “quaisquer objetos: lugares, memó-
tura de código, em que duas séries heterogêneas                   rias, centros de seleção ou de correspondência, má-
compõem um rizoma comum, ao qual não pode ser                     quinas para a informação” (apud Machado, 1995,
atribuído nenhum tipo de significante.                            p. 141.). São como nós que, ligados entre si, formam
      Os dois últimos princípios do rizoma que De-                uma teia, a rede onde os conhecimentos são perma-
leuze e Guattari consideram são os de cartografia                 nentemente reconstruídos, a partir das inter-relações
e de decalcomania. No de decalcomania a intenção                  ocasionais que o sujeito é estimulado (ou obrigado)
é a de não-exclusão, mas também a de não-vincula-                 a enfrentar no seu processo de aprendizagem.
ção a um modelo. Para os autores, “um rizoma não                        O pensamento rizomático, no entanto, não é
pode ser justificado por nenhum modelo estrutural                 excludente, ao contrário, “no coração de uma ár-
ou gerativo. Ele é estranho a qualquer idéia de eixo              vore, no oco de uma raiz ou na axila de um galho,
genético ou de estrutura profunda” (idem, p. 21).                 um novo rizoma pode se formar. Ou então é um
A imagem de eixo ou de estrutura liga-se ao modelo                elemento microscópico da árvore raiz, uma radícu-
representativo da árvore. No entanto, isto não signi-             la, que incita a produção de um rizoma” (Deleuze
fica que na estrutura rizomática não seja também                  & Guattari, 1995, p. 22). O conhecimento rizomor-


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Novas tecnologias



fo produz hastes e filamentos que se conectam com      de acordo com o interesse e sensibilidade dos in-
as raízes das árvores, penetram nos troncos e fazem    terlocutores. Como diz Lévy, “as mudanças das eco-
que elas sirvam para usos novos e diferenciados.       logias cognitivas devidas, entre outros, à aparição
      O rizoma, em síntese, “não é feito de unida-     de novas tecnologias intelectuais ativam a expan-
des, mas de dimensões, ou antes, de direções mo-       são de formas de conhecimentos que durante mui-
vediças. Ele não tem começo nem fim, mas sempre        to tempo estiveram relegadas a certos domínios,
um meio pelo qual ele cresce e transborda” (idem,      bem como o enfraquecimento de certo estilo de sa-
p. 32). É um conhecimento com a memória curta          ber, mudanças de equilíbrio, deslocamentos de cen-
ou uma antimemória, ou seja, sem uma estrutura         tro de gravidade” (1994, p. 129).
organizadora central, e que é definido unicamente            Nesta perspectiva, não resta apenas ao sujeito
pela circulação e pela velocidade com que são rea-     adquirir os conhecimentos operacionais para poder
lizadas as conexões.                                   desfrutar das possibilidades interativas com as novas
      O rizoma encontra-se sempre no meio, e o         tecnologias. O impacto das novas tecnologias reflete-
meio não significa a média, mas o espaço de fluxo      se de maneira ampliada sobre a própria natureza do
entre as extremidades — como entre as margens de       que é ciência, do que é conhecimento. Exige uma re-
um rio —, o lugar onde as coisas adquirem veloci-      flexão profunda sobre as concepções do que é o sa-
dade. E essa velocidade transforma pontos em li-       ber, e sobre as novas formas de ensinar e aprender.
nhas que se interligam entre si. Movimentos trans-           Exige também a apropriação e uso dos conhe-
versais de múltiplos conhecimentos singulares nos      cimentos e saberes disponíveis não como uma for-
quais se interconectam e se articulam todas as pos-    ma artificial, específica e distante de comportamen-
sibilidades do pensar e do agir entre o homem e a      to intelectual e social, mas integrada e permanen-
natureza vegetal e animal; entre a natureza huma-      te, inerente à própria maneira de ser do sujeito. Nas
na e a industrial; entre o pensamento humano e o       palavras de Nóvoa: “a inovação só tem sentido se
maquínico. Essas inter-relações e interconexões        passar por dentro de cada um, se for objeto de re-
criam caminhos individuais e personalizados, atra-     flexão e de apropriação pessoal” (1996, p. 17).
vés dos quais o homem da era digital se relaciona            Estas alterações nas estruturas e na lógica dos
com o conhecimento e aprende.                          conhecimentos caracterizam-se como desafios para
      Assim, a nova sociedade digital não se carac-    a educação e, sobretudo, requerem novas orienta-
teriza pela exclusão ou oposição aos modelos an-       ções para o que se vai ensinar, novas metodologias
teriores de aquisição e utilização dos conhecimen-     e novas perspectivas para a ação docente.
tos armazenados na memória, humana ou ciberné-               Assim, como diz Steven Rose, “se eu podia
tica. Sua característica é a ampliação de possibili-   antigamente pedir a minha memória para reter na
dades e o envolvimento; sua prática, a mixagem.        ordem toda uma série de temas, o poder libertador
Mesclam-se nas redes informáticas — na própria         da técnica me impede, hoje, de lhe impor esta dis-
situação de produção — aquisição de conhecimen-        ciplina” (1994, p. 120). Ou seja, já deixamos para
tos — autores e leitores, em tempo real. A veloci-     trás nossas vivências lineares, para nos tornarmos
dade das alterações na esfera de produção de conhe-    seres hipertextuais.
cimentos e informações ocasiona a duração efêmera
das múltiplas mensagens e desobriga os sujeitos do              Os impactos na prática docente
exercício de retê-las, como verdades.
      Por outro lado, cada vez mais é exigida a ma-         A perspectiva rizomática de apreensão do co-
nifestação dos sentidos humanos — a audição, a         nhecimento, ao ser assumida como possibilidade
visão, o tato, a emoção, a voz... — no envolvimen-     didática, exige que, em termos metodológicos, tam-
to e compreensão das mensagens multimediáticas,        bém se oriente a prática docente a partir de uma


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Vani Moreira Kenski



nova lógica. A solução real, diz Kerckhove, “está      de caminhos e de alternativas possíveis, de diálogos
em mudarmos as nossas percepções e não apenas          e trocas sobre os conhecimentos em pauta, de re-
as nossas teorias” (1997, p. 245). Compreender este    ciclagem permanente de tudo e de todos.
novo mundo no qual estamos entrando com uma                  Dianna Laurrillard (1995) apresenta em um
nova lógica, uma nova cultura, uma nova sensibi-       gráfico (quadro 1) os papéis do professor e do aluno
lidade, uma nova percepção.                            em quatro diferentes tipos de ensino que podem ser
      Não mais, apenas, a perspectiva estrutural e     desenvolvidos através de novas tecnologias de co-
linear de apresentação e desenvolvimento metodo-       municação e informação. No primeiro, o professor
lógico do conteúdo a ser ensinado; nem tampouco        é o “contador de histórias” e pode ser substituído
a exclusiva perspectiva dialética. Uma outra lógi-     por um vídeo, um programa de rádio ou uma tele-
ca, baseada na exploração de novos tipos de racio-     conferência, por exemplo. No segundo tipo, o pro-
cínios nada excludentes, em que se enfatizem vari-     fessor assume o papel de negociador e o ensino se
adas possibilidades de encaminhamento das refle-       dá através da “discussão” do que foi aprendido fora
xões, se estimule a possibilidade de outras relações   da sala de aula (a leitura de um texto, observação,
entre áreas do conhecimento aparentemente distin-      visita a determinado lugar, ou assistir a um filme,
tas. A apropriação dos conhecimentos neste novo        por exemplo). Uma terceira possibilidade exclui in-
sentido envolve aspectos em que a racionalidade se     clusive a ação direta do professor. Neste caso, o
mistura com a emocionalidade; em que as intuições      aluno assume o papel de “pesquisador” e interage
e percepções sensoriais são utilizadas para a com-     com o conhecimento através dos mais diferenciados
preensão do objeto do conhecimento em questão.         recursos multimediáticos. O aluno aprende “por
      Nesta abordagem alteram-se principalmente        descoberta” e ao professor cabe um encontro final
os procedimentos didáticos, independentemente de       com o aluno, para “ordenar” os conhecimentos a-
uso ou não das novas tecnologias em suas aulas. É      preendidos nos outros espaços do saber. A quarta
preciso que o professor, antes de tudo, se posicione   e última modalidade de ensino apresenta professo-
não mais como o detentor do monopólio do saber         res e alunos como “colaboradores”, utilizando os
mas como um parceiro, um pedagogo, no sentido          recursos multimediáticos em conjunto, para realiza-
clássico do termo, que encaminhe e oriente o alu-      rem buscas e trocas de informações, criando um
no diante das múltiplas possibilidades e formas de     novo espaço de ensino — aprendizagem em que am-
se alcançar o conhecimento e de se relacionar com      bos aprendem.
ele. Como diz Michel Serres, “no sentido etimo-              Espaço social por excelência, a sala de aula,
lógico, a pedagogia significa a viagem da criança em   nesta última perspectiva, pode assumir para si a pers-
direção às fontes do saber. Até agora existiam lu-     pectiva rizomática de interação com o conhecimento
gares de saber, um campus, uma biblioteca, um la-      e com os atores do ato educativo. Assume também
boratório [...] Com os novos meios é o saber que       a função de ser o principal lugar em que se desen-
viaja” (1994, p. 134). E essa inversão transforma      volva a inteligência coletiva, como é defendida por
completamente a idéia de sala de aula, de escola ou    Lévy (1994), em que ocorra a negociação permanen-
mesmo de campus universitário.                         te da ordem das coisas, da linguagem, do papel de
      Nesse sentido, a dinâmica da sala de aula em     cada um, do recorte e da definição dos objetos, da
que alunos e professores encontram-se fisicamente      reinterpretação da memória social da comunidade.
presentes também se altera. As atividades didáticas          Nessa nova sala de aula (e, obrigatoriamente,
orientam-se para privilegiar o trabalho em equipe,     nova escola) nada é fixo, mas não reina a desordem
em que o professor passa a ser um dos membros          nem o relativismo absoluto. Os atos são coordena-
participantes. Nestas equipes, o tempo e o espaço      dos e avaliados em tempo real de acordo com um
são os da experimentação e da ousadia em busca         grande número de critérios, constantemente reava-


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                                                Quadro 1
                                 Modos de ensino: papéis do professor/aluno


      a) aprendizagem através da aquisição:                      b) aprendizagem através da discussão:
      professor como “contador de histórias”                     professor e aluno como “negociadores”

      CCP           CCA                                          CCP         CCA


      CEP           CEA                                          CEP         CEA

      c) aprendizagem através da descoberta:                     d) aprendizagem através da
      aluno como “pesquisador”                                   descoberta orientada:
                                                                 professor e alunos como “colaboradores”

      CCP           CCA                                          CCP         CCA


      CEP           CEA                                          CEP         CEA

     Laurillard, D. (1995), traduzido e adaptado por Kenski, Vani M.
     CCP: conhecimento conceitual do professor; CCA: conhecimento conceitual do aluno; CEP: conhecimento estruturado
do professor; CEA: conhecimento empírico do aluno.


liados conforme o contexto. A ordem aqui não é              ção e de troca com as demais instituições culturais,
pensada no sentido positivista de adaptação às re-          no sentido de promover a “educação” em um sen-
gras. Ao contrário, a ordem neste caso significa pul-       tido amplo. Garantir a necessária adesão social a
sação e funcionamento, um processo de reequili-             um projeto de convivência integrada com os outros
bração permanente a partir das trocas intensas rea-         espaços sociais e as mais recentes tecnologias, essa
lizadas com o exterior, ou seja, com o ruído, que           é a necessidade educacional da nova era.
lhe traz a cada momento mais informação, mais
complexidade. A concepção de ordem neste caos                         Impactos na formação docente
informacional estaria, assim, mais próxima da a-
daptação realizada pelo coração no corpo humano                   Não é possível pensar na prática docente sem
de acordo com as diferentes oscilações e adversida-         pensar, antecipadamente, na pessoa do docente que
des vindas do mundo exterior.                               está em pauta e em sua formação que, como vimos,
      Interagindo com diversas outras “comunida-            não se dá apenas durante o seu percurso nos cur-
des” reais ou virtuais, os seres que animam este no-        sos de formação de professores mas, permanente-
vo espaço do saber, longe de serem “membros in-             mente, durante todo o seu caminho profissional,
tercambiáveis de castas imutáveis” (Baudrillard,            dentro e fora da sala de aula.
1995), são, cada vez mais, singulares, múltiplos,                 Antes de tudo a esse professor devem ser da-
nômades e em meio à metamorfose (ou à aprendi-              das oportunidades de conhecimento e de reflexão
zagem) permanente.                                          sobre sua identidade pessoal como profissional do-
      A escola, portanto, como uma das instituições         cente, seus estilos e seus anseios. Em uma outra ver-
de memória social, coloca-se como ponto de recep-           tente, é preciso que este profissional tenha tempo e


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Vani Moreira Kenski



oportunidades de familiarização com as novas tec-     essas novas competências. Que ao lado do saber
nologias educativas, suas possibilidades e limites    científico, do saber pedagógico, seja oferecido ao
para que, na prática, faça escolhas conscientes so-   professor a capacidade de ser agente, produtor, ope-
bre o uso das formas mais adequadas ao ensino de      rador e crítico das novas tecnologias educativas.
um determinado tipo de conhecimento, em um de-              Sobre esse assunto vários educadores brasilei-
terminado nível de complexidade, para um grupo        ros já se pronunciaram. Bernadete Gatti posiciona-
específico de alunos e no tempo disponível. Ou en-    se, por exemplo, dizendo que quem deve capitane-
caminhe sua prática para uma abordagem que dis-       ar a preocupação com a melhor qualidade do en-
pense totalmente a máquina, e os alunos aprendam      sino “é o educador, e não o programador, nem o
até com mais satisfação. As atividades de narrati-    dono da empresa que está elaborando o software”.
va oral e de escrita não estão descartadas. A dife-   E indaga: “será que vamos delegar essa função, que
rença didática não está no uso ou não-uso das no-     nos é — específica dos professores — a outros
vas tecnologias, mas na compreensão das suas pos-     técnicos que não vivenciam o cotidiano escolar?”
sibilidades. Mais ainda, na compreensão da lógica     (1993, p. 25-26).
que permeia a movimentação entre os saberes no              O domínio das novas tecnologias educativas
atual estágio da sociedade tecnológica.               pelos professores pode lhes garantir a segurança
                                                      para, com conhecimento de causa, sobrepor-se às
           Desintermediação entre o                   imposições sociopolíticas das invasões tecnológicas
        professor e as novas tecnologias              indiscriminadas às salas de aula. Criticamente, os
                                                      professores vão poder aceitá-las ou rejeitá-las em
     Todos aqueles que já “cruzaram a fronteira”,     suas práticas docentes, tirando o melhor proveito
ou seja, procuraram relacionar-se com as novas tec-   dessas ferramentas para auxiliar o ensino no mo-
nologias educativas, têm queixas e observações se-    mento adequado.
melhantes: a baixa qualidade didática de muitos
dos programas que são comercializados e introdu-                   Espaço e tempo docente
zidos como pacotes pedagógicos nas escolas de di-
versos níveis de ensino. A queixa procede. Na ver-          As tecnologias redimensionaram o espaço da
dade, um pouco da culpa não está nos programas        sala de aula em, pelo menos, dois aspectos. O pri-
em si, mas nos produtores desses programas e soft-    meiro diz respeito aos procedimentos realizados
wares e aí, nós, educadores, também temos parte       pelo grupo de alunos e professores no próprio es-
da responsabilidade.                                  paço físico da sala de aula. Neste ambiente, a pos-
     Realizados por técnicos que, em geral, não en-   sibilidade de acesso a outros locais de aprendizagem
tendem de educação, estes programas são impostos      — bibliotecas, museus, centros de pesquisas, outras
pelas escolas e empresas como potencialmente re-      escolas etc... com os quais alunos e professores po-
volucionadores do ensino. Intimidados, os profes-     dem interagir e aprender — modifica toda a dinâ-
sores que desconhecem os fundamentos da técnica       mica das relações de ensino—aprendizagem. Em um
não são ouvidos em suas queixas e se submetem aos     segundo aspecto, é o próprio espaço físico da sala
técnicos e aos programas de baixa qualidade edu-      de aula que também se altera.
cativa por eles produzidos.                                 Deslocamentos são necessários, momentos dos
     Uma das soluções para esse impasse está na       alunos diante das máquinas alternam-se com mo-
possibilidade de o professor também assumir um        mentos em que discutem em equipe os resultados de
papel na equipe produtora dessas novas tecnologias    suas interações com o ambiente tecnológico e com
educativas. Outra é a de que os cursos de forma-      outros momentos em que refletem ou se concentram
ção de professores se preocupem em lhes garantir      em atividades isoladas, sem os recursos tecnológicos.


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Novas tecnologias



As novas formas de movimentação e a reorganiza-                 EDELMAN, Gerald, (1987) Neural darwinism: the theory
ção da sala de aula criam “uma nova distribuição                  of neuronal group selection. Nova York: Basic Books.

de espaço e uma nova relação de tempo entre o tra-              GALVÃO, Edilamar, (1997). A explosão da informação. In:
balho do docente com o discente e o trabalho de cada              Seminário: a explosão da informação. A vida entre o real
                                                                  e o virtual. São Paulo: SESC/SP.
um deles entre si” (Gatti, 1993, p. 24).
      A rotina da escola também se modifica. Aos                GATTI, Bernadete, (1993). Os agentes escolares e o compu-
                                                                  tador no ensino. Acesso, ano 4. São Paulo: FDE/SEE, dez.
professores é necessária uma reorientação da sua
carga horária de trabalho para incluir o tempo em               HARVEY, David, (1992). A condição pós-moderna. São
                                                                  Paulo: Loyola.
que pesquisam as melhores formas interativas de
desenvolver as atividades fazendo uso dos recursos              JAMESON, Fredric, (1996). Pós-modernismo. São Paulo:
                                                                  Ática.
multimediáticos disponíveis. Incluir um outro tem-
po para a discussão de novos caminhos e possibili-              KENSKI, Vani, (1997). Memórias e formação de professo-
                                                                  res: interfaces com as novas tecnologias de comunicação.
dades de exploração desses recursos com os demais
                                                                  In: CATANI, D. et al. Docência, memória e gênero: es-
professores e os técnicos e para refletir sobre todos
                                                                  tudos sobre formação. São Paulo: Escrituras.
os encaminhamentos realizados, partilhar experiên-
                                                                KERCKHOVE, Derrick, (1997). A pele da cultura: uma
cias e assumir a fragmentação das informações, co-
                                                                  investigação sobre a nova realidade eletronica. Lisboa:
mo um momento didático significativo para a re-                   Relógio d’Água.
criação e emancipação dos saberes.                              LAURILLARD, Dianna, (1995). Multimedia and the chan-
                                                                  ging experience of the learner. British Journal of Edu-
                                                                  cational Technology, v. 26, nº 3. Londres.
       VANI MOREIRA KENSKI é professora da Faculda-
de de Educação da Universidade de São Paulo (USP). Ex-          LÉVY, Pierre, (1994). L’Intelligence collective: pour une
professora da Universidade de Brasília (UnB) e da Univer-         anthropologie du cyberspace. Paris: La Découverte.
sidade Estadual de Campinas (Unicamp). Últimas publica-         __________, (1993). As tecnologias da inteligência: o futu-
ções: “O ensino e os recursos didáticos em uma sociedade           ro do pensamento na era da informática. Rio de Janei-
cheia de tecnologias”, in: Veiga, Ilma (org.) Didática: o en-      ro: Editora 34.
sino e suas relações (Campinas, Papirus. 1996); Pensar/Pul-
                                                                LYOTARD, Jean-François, (1988). O pós-moderno. Rio de
sar: comunicação-velocidade-sociedade tecnológica. Co-
                                                                  Janeiro: José Olympio.
letivo NTC-ECA/USP (São Paulo, Ed. NTC/ 2M.1997);
“Memória e conhecimento na era tecnológica”, in: Mar-           MACHADO, Nilson, (1995). Epistemologia e didática. São
condes Filho, C. et al., Vivências eletrônicas. Sonhadores e     Paulo: Cortez.
excluídos (Ed. NTC., 1998); “A formação do professor pes-       NÓVOA, António, (1996). Relação escola-sociedade: no-
quisador: experiências no Grupo de Pesquisa ‘Memória,             vas respostas para um velho problema. In: SERBINO,
Ensino, Novas Tecnologias - MENT)’, in: Fazenda, Ivani,           Raquel et al. Formação de professores. São Paulo: UNESP.
Didática e interdisciplinaridade (Campinas: Papirus, 1998).
                                                                ROSE, Steven, (1994). La mémoire: des molécules à l’esprit.
                                                                  Paris: Seuil.
                                                                ROSENFIELD, Israel, (1994). L’ínvention de la mémoire.
               Referências bibliográficas
                                                                  Paris: Flamarion.

ANDERS, Günther, (1994). Die Antiquiertheit des Mens-           SERRES, Michel, (1994). Atlas. Paris: Julliard.
  chen (II). Über die Zerstörung des Lebens im Zeitalter        SIMONDON, G., (1969). Du mode d’existence des objets
  der dritten industriellen Revolution. Munique: Beck.            techniques. Paris: Aubier-Montaigne.
BAUDRILLARD, Jean, (1995). Le crime parfait. Paris:             SILVERSTONE, Roger, (1981). The message of television:
  Galilée.                                                         myth and narrative in contemporary culture. Londres:
DELEUZE, Gilles, GUATTARI, Félix, (1995). Mil platôs:              Heinemann Educational Books.
  capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janeiro: Editora 34.      VIRILIO, Paul, (1993). O espaço crítico. Rio de Janeiro:
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Revista Brasileira de Educação                                                                                          71

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  • 1. Vani Moreira Kenski Novas tecnologias O redimensionamento do espaço e do tempo e os impactos no trabalho docente Vani Moreira Kenski Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo Trabalho apresentado na XX Reunião Anual da ANPEd, Caxambu, setembro de 1997. Este artigo originou-se da minha participa- Na impossibilidade de abordar todas as ques- ção em Sessão Especial na XX Reunião Anual da tões decorrentes dessas múltiplas interrogações, res- ANPEd. O tema sugerido para a apresentação — trinjo-me àquelas que considero prioritárias em ter- novas tecnologias, o redimensionamento do espa- mos de análise. Começo, assim, minha reflexão pelo ço e do tempo e os impactos no trabalho docente professor e suas inter-relações com o início do tema: — foi extremamente provocativo, desafiador. Sua novas tecnologias. A primeira sensação que essa amplitude possibilitou a realização de inúmeras re- relação me provoca é a de desencontro. Para uma flexões e encaminhamentos, a partir das idéias de grande parte dos professores o termo “novas tec- vários autores que escrevem sobre a sociedade con- nologias” está associado ao uso da televisão e do temporânea e os impactos e transformações nela computador em sala de aula e, principalmente este ocorridos com a proliferação das novas tecnologias último (pelo desconhecimento da lógica de seu fun- eletrônicas de comunicação e de informação. cionamento), assusta. Sinto então a necessidade de A segunda parte da proposta, no entanto, co- reorientar minhas reflexões para realizar, inicial- locou-me na relação espaço-temporal da temática: mente, uma tentativa de esclarecer o sentido do ter- a prática docente. Deveria circunscrever minha re- mo tecnologias, novas ou velhas. Posteriormente, flexão aos limites espaciais e temporais em que então, procurarei refletir sobre o (re)dimensiona- ocorre a prática docente na atualidade. Onde? Quan- mento do espaço e do tempo e as suas implicações do? Como? Com quem?... perguntas tradicionais, na prática docente na atualidade. que informam sobre o processo comunicativo e que, neste momento, tornam-se difíceis de serem respon- Tecnologias, novas ou velhas didas ao se considerarem as diversas possibilidades educativas que foram estabelecidas na nova socie- Na perspectiva de Simondon (1969, p. 19) o dade digital. homem iniciou seu processo de humanização, dis- 58 Mai/Jun/Jul/Ago 1998 N º 8
  • 2. Novas tecnologias tinguindo-se dos demais seres vivos, a partir do mo- A tecnologia moderna reestrutura ainda mais mento em que se utilizou dos recursos existentes na profundamente a consciência e a memória, impon- natureza, dando-lhes outras finalidades que trou- do uma nova ordem nas formas tradicionais de com- xessem algum novo benefício à sua vida. Assim, preender e de agir sobre o mundo. De um lado, es- quando os nossos ancestrais pré-históricos utiliza- sas tecnologias fixam lembranças de fatos concre- ram-se de galhos, pedras e ossos como ferramentas, tamente vividos; por outro, elas derrubam as bar- dando-lhes múltiplas finalidades que garantissem a reiras entre os acontecimentos reais e a ficção. sobrevivência e uma melhor qualidade de vida, es- No plano coletivo, conforme afirma Steven tavam produzindo e criando tecnologias. Rose, as novas tecnologias oferecem perspectivas A relação entre memória e tecnologias não é sem precedentes ao desenvolvimento não apenas algo novo ou inusitado. Pelo contrário, Steven Rose da memória social, baseada em fatos vividos. Me- chega a afirmar que a cada época corresponde uma mórias artificiais, criadas a partir das interações tecnologia. E, “a cada tecnologia, uma memória” com imagens e sons apresentados pelos meios de (1994, p. 81). Nesse sentido, ao depositar suas comunicação; “lembranças totalmente inventadas marcas e lembranças nas tecnologias (desde as mais do tipo daquelas evocadas por Woody Allen, ou primitivas — como a cerâmica, o barro, o ferro, o mesmo de uma forma de amnésia social, como os bronze, a pedra... — até as mais atuais — como a que tiraram Trotski das fotografias em que se a- fotografia, a gravação em vídeo ou por meio do presentam os artífices da revolução bolchevique” computador), o homem altera as suas próprias for- (idem, p. 123). mas de se lembrar do passado. Esta é a principal Essas mixagens e reinterpretações influenciam razão por que Sócrates já era contrário ao registro diretamente não apenas a memória pessoal mas, escrito, pois considerava que a escrita “enfraque- principalmente, a memória coletiva, refletida na cia a memória estabelecida no interior do espírito cultura, no conhecimento científico e na forma co- humano” (apud idem, p. 83). mo a sociedade identifica seus valores e comporta- As tecnologias, em todos os tempos, alteraram mentos, sua ideologia, o seu momento. as formas de retentiva e lembrança, funções usuais com que os homens armazenam e movimentam suas Panorama da sociedade atual memórias humanas, seus conhecimentos. Na atua- lidade, as novas tecnologias de comunicação não A partir da banalização das tecnologias eletrô- apenas alteram as formas de armazenamento e aces- nicas de comunicação e de informação, a socieda- so das memórias humanas como, também, mudam de atual adquiriu novas maneiras de viver, de tra- o próprio sentido do que é memória. Através de balhar, de se organizar, de representar a realidade imagens, sons e movimentos apresentados virtual- e de fazer educação. mente em filmes, vídeos e demais equipamentos ele- Tradicionalmente, a aprendizagem de infor- trônicos de comunicação, é possível a fixação de mações e conceitos era tarefa exclusiva da escola. imagens, o armazenamento de vivências, sentimen- Os conhecimentos teóricos eram apresentados gra- tos, aprendizagens e lembranças que não neces- dativamente às crianças após o ingresso nas insti- sariamente foram vivenciadas in loco pelos seus es- tuições formais de ensino. Eles eram finitos e deter- pectadores. minados. Ao final de um determinado grau de es- A evolução tecnológica conduziu o desenvol- colarização a pessoa podia considerar-se formada, vimento humano para o registro de situações que ou seja, já possuía conhecimentos e informações vão da memória fluida dos relatos orais às interfaces suficientes para iniciar-se em alguma profissão. com as memórias tecnológicas gravadas nos equi- O espaço e tempo de ensinar eram determina- pamentos eletrônicos de última geração. dos. “Ir à escola” representava um movimento, um Revista Brasileira de Educação 59
  • 3. Vani Moreira Kenski deslocamento até a instituição designada para a ta- O impacto temporal das tecnologias refa de ensinar e aprender. O “tempo da escola”, também determinado, era considerado o tempo diá- O homem vive entre diversos tipos de tempo- rio que, tradicionalmente, o homem dedicava à sua ralidades. Na realidade, há uma percepção geral e aprendizagem sistematizada. Correspondia, tam- intuitiva de que os múltiplos sentidos de tempo se bém, à época, na sua história de vida, que o homem entrecruzam na vida cotidiana. A percepção mecâ- dedicava à formação escolar. nica e objetiva, definida pelos relógios e calendári- As velozes transformações tecnológicas da a- os, orienta as nossas atividades rotineiras. Estabe- tualidade impõem novos ritmos e dimensões à ta- lece ritmos e nos auxilia operacionalmente a defi- refa de ensinar e aprender. É preciso que se esteja nir prazos e compromissos. Em um sentido consen- em permanente estado de aprendizagem e de adap- sual geral, o tempo determinado espacialmente pe- tação ao novo. Não existe mais a possibilidade de los cronômetros, pela periodicidade dos meses e das considerar-se alguém totalmente formado, inde- estações do ano ou pela delimitação de períodos ou pendentemente do grau de escolarização alcança- eras é uma imensa abstração. O homem ocidental do. Além disso, múltiplas são as agências que apre- subordina-se pragmaticamente às suas determina- sentam informações e conhecimentos a que se po- ções — horas, minutos, segundos, meses, anos... — de ter acesso, sem a obrigatoriedade de desloca- e orienta as ações de acordo com a sua imagem de mentos físicos até as instituições tradicionais de “continuidade” e progressão. ensino para aprender. Escolas virtuais oferecem A relatividade do tempo estudada pela física vários tipos de ensinamentos on-line, além das inú- aparentemente não interfere no sentido em que o meras possibilidades de se estar informado, a par- homem compreende o tempo na vida cotidiana. tir das interações com todos os tipos de tecnologias Nesta, o tempo do trabalho ou o tempo industrial, mediáticas. como denomina Anders (1994), é praticamente o “Na atualidade, o que se desloca é a informa- denominador comum através do qual a grande ção”, diz Virilio (1993, p. 110). E esses novos co- maioria da população urbana atual se orienta e obe- nhecimentos deslocam-se em dois sentidos: o pri- dece. Essa temporalidade industrial, típica da socie- meiro, o da espacialidade física, em tempo real, sen- dade capitalista, é vivida em todos os momentos, do possível serem acessados através das tecnologias no trabalho ou fora dele, ou, como diz Anders, mediáticas de última geração. O segundo, pela sua quando a sirene da fábrica anuncia o término alteração constante, transformações permanentes, do trabalho, ela anuncia, ao mesmo tempo, também, sua temporalidade intensiva e fugaz. que se inicia a inevitável dominação do mundo sirênico Velocidade. Esse é o termo-síntese do status es- dos meios de comunicação e da publicidade. Anuncia pácio-temporal do conhecimento na atualidade. Ve- que nós dependemos dele, que aí começam as horas locidade para aprender e velocidade para esquecer. de nosso emprego sem limites e sem contrato, as ho- Velocidade para acessar as informações, interagir ras por cuja lama temos que atravessar batalhando no com elas e superá-las com outras inovações. Essa suor de nosso rosto de ócio (p. 170). “explosão de informação”, como diz Galvão (1997, p. 26), se, de um lado, presta-se “a criar meios cada As tecnologias — velhas, como a escrita, ou vez mais eficientes para o armazenamento e a circu- novas, como as agendas eletrônicas — transformam lação instantânea de informações, de outro, desen- o modo como dispomos, compreendemos e repre- volve softwares e programas de busca e de filtro que sentamos o tempo e o espaço à nossa volta. O uni- nos ajudam a administrar um espaço que já beira verso de aparelhagens de que nos servimos diaria- o infinito”. mente redimensionam as nossas disponibilidades temporais e os nossos deslocamentos espaciais. O 60 Mai/Jun/Jul/Ago 1998 N º 8
  • 4. Novas tecnologias tempo, o espaço, a memória, a história, a noção de Em rápidas observações, procuro apresentar, progresso, a realidade, a virtualidade e a ficção são a seguir, algumas características dessas três formas algumas das muitas categorias que são reconside- de apreensão de conhecimentos (oral, escrita e di- radas em novas concepções a partir dos impactos gital), tal como são considerados por Pierre Lévy, que, na atualidade, as tecnologias eletrônicas têm e as implicações que as novas tecnologias vão oca- em nossas vidas. sionar a todas elas. O conhecimento na nova era A linguagem falada Pierre Lévy (1993) categoriza o conhecimen- A apreensão e uso dos conhecimentos através to existente nas sociedades em três formas diferen- da linguagem falada é a forma mais antiga e a mais tes: a oral, a escrita e a digital. Embora essas formas utilizada pelos homens em todos os tempos. Atra- tenham se originado em épocas diferentes, elas coe- vés dela estabelecem-se diálogos, conversas, trans- xistem e estão todas presentes na sociedade atual. mitem-se informações, avisos e notícias. É a lin- No entanto, elas nos encaminham para percepções guagem básica dos meios de comunicação mais po- diferentes, racionalidades múltiplas e comporta- pulares: rádio e televisão. É também a forma de mentos de aprendizagem diferenciados. apresentação e de ensino mais utilizada: a exposi- A forma escrita de apreensão do conheci- ção oral. mento é a que prevalece em nossas culturas letra- Vários são os autores que consideram que a das, mas a linguagem oral ainda é a que predomi- nossa primeira tecnologia foi a linguagem falada. na em todas as formas comunicativas vivenciais. Uma “tecnologia da inteligência”, diz Pierre Lévy Em meio a elas, e utilizando-se de ambas, o estilo (1993, p. 7), sem instrumentos concretos para a ma- digital de apreensão de conhecimentos é ainda in- nipulação, mas evidentemente um recurso ou “uma cipiente, mas sua proliferação é veloz. O estilo di- extraordinária construção viva”. A linguagem, com gital engendra, obrigatoriamente, não apenas o toda a sua complexidade, é uma criação artificial uso de novos equipamentos para a produção e a- em que se encontra o projeto tecnológico de estru- preensão de conhecimentos mas também novos turação da fala significativa com o próprio projeto comportamentos de aprendizagem, novas racio- biológico de evolução humana. nalidades, novos estímulos perceptivos. Seu rápi- Pierre Lévy diz que é também a partir da lin- do alastramento e multiplicação, em novos produ- guagem que o homem se distingue do restante da tos e em novas áreas, obriga-nos a não mais igno- natureza e “dispõe desse extraordinário instrumen- rar sua presença e importância. to de memória e de propagação das representações” Favoráveis ou não, é chegado o momento em (idem, p. 76). Essa oralidade primária, que nomeia, que nós, profissionais da educação, que temos o define e delimita o mundo a sua volta, cria também conhecimento e a informação como nossas maté- uma concepção particular de espaço e de tempo. rias-primas, enfrentamos os desafios oriundos das No início da civilização, nas sociedades orais, novas tecnologias. Esses enfrentamentos não signi- a localização fisicamente próxima dos homens que ficam a adesão incondicional ou a oposição radi- utilizavam a mesma “fala” definia o espaço da tri- cal ao ambiente eletrônico, mas, ao contrário, sig- bo e da cultura. A oralidade primária requeria a pre- nificam criticamente conhecê-los para saber de suas sença e a proximidade entre os seus interlocutores. vantagens e desvantagens, de seus riscos e possibi- Incorporada aos seus próprios sistemas físico-cor- lidades, para transformá-los em ferramentas e par- porais, a linguagem falada limitava o homem ao ceiros em alguns momentos e dispensá-los em ou- espaço circunscrito do seu grupo, onde ele circula- tros instantes. va e se comunicava. Revista Brasileira de Educação 61
  • 5. Vani Moreira Kenski Baseada nas lembranças dos seus membros, a Na escola, a “nova sociedade oral” coloca o sociedade oral caracteriza-se pela repetição. Circu- professor, o vídeo e todos os demais media “nar- lares, as histórias se repetem pelas gerações e adqui- rativos” no papel de contadores de histórias e os rem novos contornos mas são, estruturalmente, as alunos, em seus “ouvintes”. A sociedade oral, de mesmas. “Possuindo apenas os recursos de sua me- todos os tempos, aposta na continuidade. mória de longo prazo para reter e transmitir as re- presentações que lhes parecem dignas de perdurar, A linguagem escrita os membros das sociedades orais exploraram ao máximo o único instrumento de inscrição de que A sociedade da escrita surge em um outro mo- dispunham” (idem, 1993, p. 77). mento da civilização, quando os homens ocupam Conhecimentos, tradições, culturas e valores um determinado espaço, onde praticam a agricul- do grupo são mantidos através de músicas e versos, tura. A previsibilidade da plantação e da colheita de histórias contadas e transmitidas através das ge- interferem na criação de suportes para a escrita. rações. Rimas, danças e rituais são formas didáti- Segundo Lévy (1993, p. 87), a própria origem da cas de transmitir os conhecimentos considerados palavra página viria de pagus, o campo arado e pre- valiosos e que precisam ser preservados. parado para o plantio. Circulares e repetitivas são as cantigas e len- A disposição das linhas na página estaria tam- das que dizem das tradições e culturas dos povos. bém ligada à simetria do campo cultivado. Se nas Circular era a disposição dos homens em volta da sociedades orais prevalecia/prevalece a memoriza- fogueira para ouvir as histórias e os ensinamentos ção e a repetição como formas de aquisição de co- dos sábios das tribos. As trocas de informações vi- nhecimentos, na sociedade da escrita há necessida- nham carregadas de sentimentos e afetos. Em ge- de de compreensão do que está sendo comunicado ral, eram acompanhadas por movimentos, danças, graficamente. Existe uma distância — correspon- gestos, músicas e expressões faciais. dente ao plantar e colher da agricultura — entre a Na atual e “nova” sociedade oral, em que pre- pessoa que escreve e a outra que lê e interpreta o valecem as imagens e sons dos diversos media, so- escrito. Os tempos em que ocorrem esses dois pro- bretudo da televisão, é também através do apelo à cessos — escrever e ler — podem estar defasados afetividade, à repetição, a memorização de músicas, de muitos séculos, milênios até. jingles, gestos e enredos, envolvendo personagens A partir da escrita se dá a autonomia do co- ficcionais, que se pretende que as idéias, informa- nhecimento. Não há mais a necessidade presencial ções, valores, comportamentos, mensagens e ape- do comunicador, informando, observando e orien- los (principalmente comerciais) sejam apreendidos. tando seus discípulos. Os conhecimentos são apre- É ainda na forma circular que se senta em torno da endidos não na forma como foram enunciados, mas televisão (a fogueira), para ouvir as histórias e as no contexto em que o escrito é lido e analisado. A notícias do dia. A espacialidade próxima do locu- análise do escrito, por sua vez, distante do calor do tor ou do narrador televisivo é agora virtual, mas momento em que o texto foi produzido, é realiza- também exige a atenção e a presença do ouvinte. da através da compreensão racional do que está A proximidade simbólica dos media coloca no mes- sendo apresentado. A comunicação escrita é apre- mo círculo os atores e os (tele)espectadores do ato endida através de critérios em que predominam a comunicativo. razão e os aspectos cognitivos da personalidade, O círculo se fecha e todos apostam na repeti- pretensamente isentos de emocionalidade. ção, na continuidade, no eterno retorno do mesmo Por outro lado, a previsibilidade da agricultura (a novela, o filme, o jogo, o telejornal), sempre di- influi também na forma seqüencial do espaço escrito ferente em seu conteúdo, mas igual em sua forma. e na disposição linear do que está sendo apresen- 62 Mai/Jun/Jul/Ago 1998 N º 8
  • 6. Novas tecnologias tado. À circularidade da sociedade oral antepõe-se liberados em biografias, diários, agendas, textos e a linearidade da sociedade da escrita. redações. Mais ainda, possibilita ao homem a ex- A preocupação de vários estudiosos nas últi- posição de suas idéias e pensamentos, tornando-o mas décadas tem sido a de identificar a influência autoconsciente e livre em sua capacidade de refle- que essa linearidade do alfabeto greco-romano e o xão e apreensão da realidade. Como apresenta Ha- direcionamento da escrita, da esquerda para a di- velock, citado por Kerckhove, com a escrita “a in- reita, tem exercido na maneira de pensar e nas for- teligência humana libertou-se do peso da lembran- mas de compreensão e percepção ocidental. Foi ça para se aplicar na inovação” (idem, p. 258). nesse sentido que Kerckhove realizou uma pesqui- Dessa forma, o tempo é compreendido em no- sa comparando os sistemas escritos conhecidos no vas complexidades: o tempo vivido, o tempo recu- mundo. Observou então que “todos os sistemas perado na lembrança ou no relato escrito é o tem- escritos que representam sons (fonéticos) são escri- po perspectivo e espacialmente definido, simbolica- tos horizontalmente, mas todos os que representam mente direcionado da esquerda para a direita em imagens, como os ideogramas chineses ou os hie- direção ao alto, ao firmamento, ao desconhecido. róglifos egípcios, são escritos verticalmente. As co- lunas verticais dos sistemas baseados em imagens A linguagem digital são geralmente lidas da direita para a esquerda. To- dos os sistemas de escrita com vogais, com exceção Ainda segundo Lévy, a terceira forma de apro- do etrusco, são escritos da direita para a esquerda” priação do conhecimento — a linguagem digital — (1997, p. 59). dar-se-ia no espaço das novas tecnologias eletrôni- Em suas análises, Kerckhove considera que o cas de comunicação e de informação. processamento seqüencial, ordenado pelo tempo, Neste momento não podemos mais identificar observado na escrita alfabética, afeta a organização todas essas novas tecnologias como orientadas para da linguagem e, por sua vez, a organização do pen- as mesmas finalidades e com os mesmos graus de samento. Segundo ele, a partir do momento em que complexidade. Múltiplos são os equipamentos ele- aprendemos a ler, a escrita alfabética influencia nos- trônicos e diversas as suas finalidades e funções. A sa relação com o tempo e o espaço. Para os ociden- velocidade dos avanços tecnológicos pode ser veri- tais, por exemplo, o passado está sempre à esquer- ficada através dos desdobramentos e multiplicidades da e o “futuro é o lugar para onde corre a escrita, de tecnologias que foram aparecendo nos últimos para a direita” (idem, p. 60). anos e também nos novos espaços — das nanotec- A complexidade dos códigos da escrita, o do- nologias, desvelando microcosmos até então “invi- mínio das representações alfabéticas, cria uma ver- síveis” às nossas percepções, até as tecnologias “in- dadeira “literacia”, da qual são excluídos todos os vasoras”, próteses que, introduzidas no corpo, poten- “iletrados”, os analfabetos. A escrita reorienta a cializam as capacidades naturais dos seres vivos. estrutura social legitimando o conhecimento erudito Vê-se então que a amplitude das novas tecno- como mecanismo de poder e de ascensão. logias nos coloca diante de escolhas de possibilida- A perspectiva espaço-temporal definida pela des variadas de ação e de comunicação. Através de escrita influi no pensamento científico e na manei- todas as novas formas tecnológicas somos perma- ra como o homem ocidental apreende e se orienta nentemente convidados a “ver mais, a ouvir mais, no mundo. A escrita, interiorizada como compor- a sentir mais”, como diz Stockhausen, citado por tamento humano, interage com o pensamento liber- Kerckhove (1997, p. 126), enfim, a viver muitas tando-o da obrigatoriedade de memorização perma- vidas em uma só vida e a compreender que, ao con- nente. Torna-se, assim, ferramenta para a memó- trário do que se afirma, “não é o mundo que é glo- ria e, através dela, os fatos da vida cotidiana são bal, somos nós”. Ou, como diz Kerckhove, “como Revista Brasileira de Educação 63
  • 7. Vani Moreira Kenski nômades telemáticos libertamo-nos dos constran- Prevalece neste tipo de pensamento a lógica gimentos de uma coincidência histórica entre o es- binária que predomina em múltiplas áreas tradicio- paço e o tempo e ganhamos o poder de estar em nais do conhecimento e mesmo nas mais modernas todos os lugares sem sairmos do mesmo lugar” como a psicanálise, o estruturalismo e até a infor- (idem, p. 237). mática. Ou seja, um “tronco” que simbolicamente A tecnologia digital rompe com a narrativa se refere a um segmento específico do saber, que se contínua e seqüencial das imagens e textos escritos desdobra em ramos específicos que, em geral, não e se apresenta como um fenômeno descontínuo. Sua se relacionam entre si e se ligam, exclusivamente, temporalidade e espacialidade, expressa em imagens com a idéia central (raiz e tronco) do conhecimento. e textos nas telas, estão diretamente relacionadas ao Esta estrutura se mantém, mesmo quando à momento de sua apresentação. Verticais, descon- raiz principal de uma área específica do conheci- tínuas, móveis e imediatas, as imagens e textos di- mento vem se enxertar “uma multiplicidade imedia- gitalizados a partir da conversão das informações ta e qualquer de raízes secundárias [...] manifes- em bytes, têm o seu próprio tempo, seu próprio tando-se a exigência de unidade secreta ainda mais espaço: o tempo e o espaço fenomênico da exposi- compreensiva, ou de uma totalidade mais extensi- ção. Elas representam portanto um outro tempo, va” (p. 14) entre os diversos ramos da ciência. um outro momento, revolucionário, na maneira hu- O estudo nas variadas áreas (ou “árvores”) do mana de pensar e de compreender. Esse novo modo conhecimento humano não considera essas inter- de compreender pode ser explicado a partir das me- ligações subterrâneas e, ao contrário, o pensamen- táforas apresentadas por Deleuze e Guattari: a ár- to estruturado trata de identificar e definir as espe- vore e o rizoma. cificidades dos saberes, em delimitar os campos de cada ciência, isolando-a e valorizando sua pseu- Diferentes modos de compreender: do “autonomia arbórea”. a árvore e o rizoma Os galhos inclinam-se em outras direções, for- mam novas linhas de pensamento, rupturas ao pen- A árvore samento-raiz e tronco originais (dicotomias) mas, mesmo assim, nas referências, há um permanente A compreensão das metáforas relacionadas retorno (círculo ou ciclo) à estrutura. ao conhecimento e às formas de sua apreensão nos Estes sistemas arborescentes de compreensão mostram que a referência clássica para dizer das são sistemas hierárquicos “que comportam centros estruturas dos saberes e das ciências é a imagem da de significância e de subjetivação, autômatos cen- árvore. Em Mil platôs, Deleuze e Guattari (1995) trais como memórias organizadas”. Nestes sistemas, a apresentam como a imagem do pensamento e do um elemento só recebe suas informações de uma conhecimento no mundo ocidental, a forma clás- unidade superior, à qual é determinado o poder de sica de reflexão a que “até uma disciplina ‘avan- memória. Uma memória poderosa e central de onde çada’ como a Lingüística retém como imagem de emanam todas as ramificações do conhecimento base” (p. 13). Para os autores, a imagem da árvo- com sua lógica evolutiva e orgânica como são as re relaciona-se com um pensamento que “nunca estabelecidas para as máquinas eletrônicas e os sis- compreendeu a multiplicidade: ele necessita de temas informáticos. Ou ainda para a árvore lingüís- uma forte unidade principal, unidade que é supos- tica à maneira de Chomsky, que começa num pon- ta para chegar a duas [...] (três, quatro, cinco) mas to S e procede por dicotomia. sempre com a condição de dispor de uma forte A linearidade desses sistemas arborescentes unidade principal, a do pivô que suporta as raízes de pensamento exclui qualquer possibilidade de se secundárias” (p. 13). atingir a multiplicidade. A informação não o- 64 Mai/Jun/Jul/Ago 1998 N º 8
  • 8. Novas tecnologias riunda dos canais hierarquicamente designados é modos de codificação muito diversos, cadeias bioló- falsa ou incompetente, distante da “linhagem” a gicas, políticas, econômicas, etc.[...] colocando em que pertencem os galhos e ramos do conhecimen- jogo não somente regimes de signos diferentes, mas to arborescente. também estatutos de estados de coisas (idem, p. 15). A lógica da árvore baseia-se no decalque e na No rizoma conectam-se cadeias semióticas, or- reprodução. Decalcar significa retirar de um con- ganizações de poder, ocorrências artísticas, cientí- texto para ressignificá-lo em outro lugar sem per- ficas, lutas sociais. Não existe um ponto central, der de vista a sua origem. Na lingüística e na psi- escalas de importância ou tipologia ideal. Todos os canálise, por exemplo, a lógica “consiste em decal- tipos de associações são possíveis de serem realiza- car algo que se dá já feito, a partir de uma estrutu- das através das interações. ra que o sobrecodifica ou de um eixo que o supor- Uma outra característica do rizoma é a sua ta. A árvore articula e hierarquiza os decalques, os multiplicidade. Ou seja, a inexistência de qualquer decalques são como folhas da árvore” (p. 21). relação com o uno — com o específico, com o in- A metáfora da árvore, portanto, nos remete ao dividual, como ocorre no modelo da árvore — co- conhecimento temporal e espacialmente articulado, mo sujeito ou como objeto, como realidade natu- estruturado em uma continuidade determinada e ral ou espiritual, como imagem e mundo. “Uma que, para ser compreendido, precisa respeitar os multiplicidade não tem nem sujeito nem objeto, mas desdobramentos hierarquicamente estabelecidos somente determinações, grandezas, dimensões que nos campos específicos de cada ciência. não podem crescer sem que se mude de natureza” (idem, p. 17). O rizoma No rizoma não existem pontos ou posições definidas mas somente linhas, interconectadas, pla- A metáfora de Deleuze e Guattari para o atual nas, em que se inter-relacionam as mais variadas estágio do conhecimento humano — em que a di- possibilidades: “acontecimentos vividos, determina- fusão da multiplicidade de conhecimentos inter- ções históricas, conceitos pensados, indivíduos, gru- cambiáveis prolifera através das novas tecnologias pos e formações sociais” (idem, p. 18). de comunicação, sobretudo nas redes — é a de com- Outro princípio apontado por Deleuze e Guat- preensão da “imagem do mundo”, sob a forma de tari para o rizoma é o de ruptura a-significante. Uma rizoma. idéia, um conceito ou saber, zelosamente retido no Os rizomas, espécies de hastes ou caules sub- tronco de uma ciência específica, pode assim ser terrâneos, diferenciam-se dos demais tipos de raí- retomado em outra área, ressignificado e conectado zes pois têm formas muito diversas. “Desde sua ex- a outras concepções que satisfaçam as necessidades tensão superficial ramificada em todos os sentidos momentâneas de conceitualização. Ela deriva da até suas concreções em bulbos e tubérculos [...] há possibilidade de o rizoma ser o melhor e o pior no rizoma: a batata e a grama, a rompido, quebrado em um lugar qualquer, e erva daninha” (Deleuze & Guattari, 1995, p. 15). também retomar segundo uma ou outra de suas linhas O conhecimento rizomático teria como carac- e segundo outras linhas. Deste modo, conceitos oriun- terísticas os princípios de conexão e de heterogenei- dos da Física — como os de fenômeno, fractais ou dade, ou seja, atrator estranho — são ressignificados e utilizados em qualquer ponto do rizoma pode ser conectado outros campos do conhecimento para definir compor- a qualquer outro e deve sê-lo. [...] cada traço não re- tamentos sociais e humanos na atualidade, por exem- mete necessariamente a um traço lingüístico: cadeias plo. Segundo este princípio, o rizoma compreende li- semióticas de todas as naturezas são aí conectadas a nhas de segmentaridade, segundo as quais ele é estra- Revista Brasileira de Educação 65
  • 9. Vani Moreira Kenski tificado, territorializado, organizado, significado, atri- considerada a possibilidade da existência de árvores, buído, etc; mas compreende também linhas de des- campos específicos e hierárquicos do conhecimen- territorialização, pelas quais ele foge sem parar [...] to. Eles existem não mais como únicas possibilida- essas linhas não param de se remeter umas às outras des, mas como momentos. Assim, o estudo em uma (idem, p. 18). determinada área do conhecimento é possível de ser realizado com a perspectiva prevista na metáfora da Compreender, portanto, a aquisição do conhe- árvore, para atingir objetivos específicos. cimento através da metáfora do rizoma é entender Diferente deste, o princípio da cartografia (ma- que as ciências, assim como as memórias, conjugam pa ou hipertexto) garante ao rizoma um novo modo fluxos desterritorializados. Ou seja, não se limitam de compreender. Uma abordagem em que não vigore e funcionam apenas em “territórios” determinados, a reprodução e o decalque mas sim a possibilidade em estruturas arborescentes e hierárquicas. Ao con- de indicar os pontos importantes de uma experimen- trário, mesmo nas tentativas de fixar limites seguin- tação totalmente ancorada no real. “O mapa não do círculos de convergência, novos pontos se esta- reproduz um inconsciente fechado nele mesmo, ele belecem dentro e fora desses círculos. Conexões são o constrói” (idem, p. 22). Pode ser aberto, conectável instituídas em múltiplas outras direções. Como o- em todas as suas dimensões, desmontável, reversí- corre nas interações com as imagens e textos digi- vel, suscetível de receber modificações constantes, tais apresentados nas redes, onde tudo é possível. com múltiplas entradas e possibilidades de uso, e sem Ou, em um exemplo de movimentações de imagens necessariamente a volta ao mesmo lugar (decalque). virtuais em permanentes interações, em que: No mapa hipertextual as possibilidades estão A orquídea se desterritorializa, formando uma apresentadas e o ato de aprender é orientado pelas imagem, um decalque de vespa; mas a vespa se re- escolhas das ligações e interconexões entre os diver- territorializa sobre esta imagem. A vespa se dester- sos campos de conhecimentos ali representados, que ritorializa, no entanto, tornando-se ela mesma uma se comunicam de múltiplas formas interdisciplina- peça no aparelho de reprodução da orquídea; mas ela res, englobando a totalidade dos pensamentos e ca- reterritorializa a orquídea, transportando o pólen. A pacidades (cognitivas, afetivas, motoras, intuiti- vespa e a orquídea fazem rizoma em sua heterogenei- vas...) construídas pelos sujeitos. Essas inúmeras dade (idem, p. 18). possibilidades de percursos e envolvimentos é ca- racterizada por Rosenstiehl como pontos de entre- Não mais imitação, nem semelhança, mas cap- cruzamento de “quaisquer objetos: lugares, memó- tura de código, em que duas séries heterogêneas rias, centros de seleção ou de correspondência, má- compõem um rizoma comum, ao qual não pode ser quinas para a informação” (apud Machado, 1995, atribuído nenhum tipo de significante. p. 141.). São como nós que, ligados entre si, formam Os dois últimos princípios do rizoma que De- uma teia, a rede onde os conhecimentos são perma- leuze e Guattari consideram são os de cartografia nentemente reconstruídos, a partir das inter-relações e de decalcomania. No de decalcomania a intenção ocasionais que o sujeito é estimulado (ou obrigado) é a de não-exclusão, mas também a de não-vincula- a enfrentar no seu processo de aprendizagem. ção a um modelo. Para os autores, “um rizoma não O pensamento rizomático, no entanto, não é pode ser justificado por nenhum modelo estrutural excludente, ao contrário, “no coração de uma ár- ou gerativo. Ele é estranho a qualquer idéia de eixo vore, no oco de uma raiz ou na axila de um galho, genético ou de estrutura profunda” (idem, p. 21). um novo rizoma pode se formar. Ou então é um A imagem de eixo ou de estrutura liga-se ao modelo elemento microscópico da árvore raiz, uma radícu- representativo da árvore. No entanto, isto não signi- la, que incita a produção de um rizoma” (Deleuze fica que na estrutura rizomática não seja também & Guattari, 1995, p. 22). O conhecimento rizomor- 66 Mai/Jun/Jul/Ago 1998 N º 8
  • 10. Novas tecnologias fo produz hastes e filamentos que se conectam com de acordo com o interesse e sensibilidade dos in- as raízes das árvores, penetram nos troncos e fazem terlocutores. Como diz Lévy, “as mudanças das eco- que elas sirvam para usos novos e diferenciados. logias cognitivas devidas, entre outros, à aparição O rizoma, em síntese, “não é feito de unida- de novas tecnologias intelectuais ativam a expan- des, mas de dimensões, ou antes, de direções mo- são de formas de conhecimentos que durante mui- vediças. Ele não tem começo nem fim, mas sempre to tempo estiveram relegadas a certos domínios, um meio pelo qual ele cresce e transborda” (idem, bem como o enfraquecimento de certo estilo de sa- p. 32). É um conhecimento com a memória curta ber, mudanças de equilíbrio, deslocamentos de cen- ou uma antimemória, ou seja, sem uma estrutura tro de gravidade” (1994, p. 129). organizadora central, e que é definido unicamente Nesta perspectiva, não resta apenas ao sujeito pela circulação e pela velocidade com que são rea- adquirir os conhecimentos operacionais para poder lizadas as conexões. desfrutar das possibilidades interativas com as novas O rizoma encontra-se sempre no meio, e o tecnologias. O impacto das novas tecnologias reflete- meio não significa a média, mas o espaço de fluxo se de maneira ampliada sobre a própria natureza do entre as extremidades — como entre as margens de que é ciência, do que é conhecimento. Exige uma re- um rio —, o lugar onde as coisas adquirem veloci- flexão profunda sobre as concepções do que é o sa- dade. E essa velocidade transforma pontos em li- ber, e sobre as novas formas de ensinar e aprender. nhas que se interligam entre si. Movimentos trans- Exige também a apropriação e uso dos conhe- versais de múltiplos conhecimentos singulares nos cimentos e saberes disponíveis não como uma for- quais se interconectam e se articulam todas as pos- ma artificial, específica e distante de comportamen- sibilidades do pensar e do agir entre o homem e a to intelectual e social, mas integrada e permanen- natureza vegetal e animal; entre a natureza huma- te, inerente à própria maneira de ser do sujeito. Nas na e a industrial; entre o pensamento humano e o palavras de Nóvoa: “a inovação só tem sentido se maquínico. Essas inter-relações e interconexões passar por dentro de cada um, se for objeto de re- criam caminhos individuais e personalizados, atra- flexão e de apropriação pessoal” (1996, p. 17). vés dos quais o homem da era digital se relaciona Estas alterações nas estruturas e na lógica dos com o conhecimento e aprende. conhecimentos caracterizam-se como desafios para Assim, a nova sociedade digital não se carac- a educação e, sobretudo, requerem novas orienta- teriza pela exclusão ou oposição aos modelos an- ções para o que se vai ensinar, novas metodologias teriores de aquisição e utilização dos conhecimen- e novas perspectivas para a ação docente. tos armazenados na memória, humana ou ciberné- Assim, como diz Steven Rose, “se eu podia tica. Sua característica é a ampliação de possibili- antigamente pedir a minha memória para reter na dades e o envolvimento; sua prática, a mixagem. ordem toda uma série de temas, o poder libertador Mesclam-se nas redes informáticas — na própria da técnica me impede, hoje, de lhe impor esta dis- situação de produção — aquisição de conhecimen- ciplina” (1994, p. 120). Ou seja, já deixamos para tos — autores e leitores, em tempo real. A veloci- trás nossas vivências lineares, para nos tornarmos dade das alterações na esfera de produção de conhe- seres hipertextuais. cimentos e informações ocasiona a duração efêmera das múltiplas mensagens e desobriga os sujeitos do Os impactos na prática docente exercício de retê-las, como verdades. Por outro lado, cada vez mais é exigida a ma- A perspectiva rizomática de apreensão do co- nifestação dos sentidos humanos — a audição, a nhecimento, ao ser assumida como possibilidade visão, o tato, a emoção, a voz... — no envolvimen- didática, exige que, em termos metodológicos, tam- to e compreensão das mensagens multimediáticas, bém se oriente a prática docente a partir de uma Revista Brasileira de Educação 67
  • 11. Vani Moreira Kenski nova lógica. A solução real, diz Kerckhove, “está de caminhos e de alternativas possíveis, de diálogos em mudarmos as nossas percepções e não apenas e trocas sobre os conhecimentos em pauta, de re- as nossas teorias” (1997, p. 245). Compreender este ciclagem permanente de tudo e de todos. novo mundo no qual estamos entrando com uma Dianna Laurrillard (1995) apresenta em um nova lógica, uma nova cultura, uma nova sensibi- gráfico (quadro 1) os papéis do professor e do aluno lidade, uma nova percepção. em quatro diferentes tipos de ensino que podem ser Não mais, apenas, a perspectiva estrutural e desenvolvidos através de novas tecnologias de co- linear de apresentação e desenvolvimento metodo- municação e informação. No primeiro, o professor lógico do conteúdo a ser ensinado; nem tampouco é o “contador de histórias” e pode ser substituído a exclusiva perspectiva dialética. Uma outra lógi- por um vídeo, um programa de rádio ou uma tele- ca, baseada na exploração de novos tipos de racio- conferência, por exemplo. No segundo tipo, o pro- cínios nada excludentes, em que se enfatizem vari- fessor assume o papel de negociador e o ensino se adas possibilidades de encaminhamento das refle- dá através da “discussão” do que foi aprendido fora xões, se estimule a possibilidade de outras relações da sala de aula (a leitura de um texto, observação, entre áreas do conhecimento aparentemente distin- visita a determinado lugar, ou assistir a um filme, tas. A apropriação dos conhecimentos neste novo por exemplo). Uma terceira possibilidade exclui in- sentido envolve aspectos em que a racionalidade se clusive a ação direta do professor. Neste caso, o mistura com a emocionalidade; em que as intuições aluno assume o papel de “pesquisador” e interage e percepções sensoriais são utilizadas para a com- com o conhecimento através dos mais diferenciados preensão do objeto do conhecimento em questão. recursos multimediáticos. O aluno aprende “por Nesta abordagem alteram-se principalmente descoberta” e ao professor cabe um encontro final os procedimentos didáticos, independentemente de com o aluno, para “ordenar” os conhecimentos a- uso ou não das novas tecnologias em suas aulas. É preendidos nos outros espaços do saber. A quarta preciso que o professor, antes de tudo, se posicione e última modalidade de ensino apresenta professo- não mais como o detentor do monopólio do saber res e alunos como “colaboradores”, utilizando os mas como um parceiro, um pedagogo, no sentido recursos multimediáticos em conjunto, para realiza- clássico do termo, que encaminhe e oriente o alu- rem buscas e trocas de informações, criando um no diante das múltiplas possibilidades e formas de novo espaço de ensino — aprendizagem em que am- se alcançar o conhecimento e de se relacionar com bos aprendem. ele. Como diz Michel Serres, “no sentido etimo- Espaço social por excelência, a sala de aula, lógico, a pedagogia significa a viagem da criança em nesta última perspectiva, pode assumir para si a pers- direção às fontes do saber. Até agora existiam lu- pectiva rizomática de interação com o conhecimento gares de saber, um campus, uma biblioteca, um la- e com os atores do ato educativo. Assume também boratório [...] Com os novos meios é o saber que a função de ser o principal lugar em que se desen- viaja” (1994, p. 134). E essa inversão transforma volva a inteligência coletiva, como é defendida por completamente a idéia de sala de aula, de escola ou Lévy (1994), em que ocorra a negociação permanen- mesmo de campus universitário. te da ordem das coisas, da linguagem, do papel de Nesse sentido, a dinâmica da sala de aula em cada um, do recorte e da definição dos objetos, da que alunos e professores encontram-se fisicamente reinterpretação da memória social da comunidade. presentes também se altera. As atividades didáticas Nessa nova sala de aula (e, obrigatoriamente, orientam-se para privilegiar o trabalho em equipe, nova escola) nada é fixo, mas não reina a desordem em que o professor passa a ser um dos membros nem o relativismo absoluto. Os atos são coordena- participantes. Nestas equipes, o tempo e o espaço dos e avaliados em tempo real de acordo com um são os da experimentação e da ousadia em busca grande número de critérios, constantemente reava- 68 Mai/Jun/Jul/Ago 1998 N º 8
  • 12. Novas tecnologias Quadro 1 Modos de ensino: papéis do professor/aluno a) aprendizagem através da aquisição: b) aprendizagem através da discussão: professor como “contador de histórias” professor e aluno como “negociadores” CCP CCA CCP CCA CEP CEA CEP CEA c) aprendizagem através da descoberta: d) aprendizagem através da aluno como “pesquisador” descoberta orientada: professor e alunos como “colaboradores” CCP CCA CCP CCA CEP CEA CEP CEA Laurillard, D. (1995), traduzido e adaptado por Kenski, Vani M. CCP: conhecimento conceitual do professor; CCA: conhecimento conceitual do aluno; CEP: conhecimento estruturado do professor; CEA: conhecimento empírico do aluno. liados conforme o contexto. A ordem aqui não é ção e de troca com as demais instituições culturais, pensada no sentido positivista de adaptação às re- no sentido de promover a “educação” em um sen- gras. Ao contrário, a ordem neste caso significa pul- tido amplo. Garantir a necessária adesão social a sação e funcionamento, um processo de reequili- um projeto de convivência integrada com os outros bração permanente a partir das trocas intensas rea- espaços sociais e as mais recentes tecnologias, essa lizadas com o exterior, ou seja, com o ruído, que é a necessidade educacional da nova era. lhe traz a cada momento mais informação, mais complexidade. A concepção de ordem neste caos Impactos na formação docente informacional estaria, assim, mais próxima da a- daptação realizada pelo coração no corpo humano Não é possível pensar na prática docente sem de acordo com as diferentes oscilações e adversida- pensar, antecipadamente, na pessoa do docente que des vindas do mundo exterior. está em pauta e em sua formação que, como vimos, Interagindo com diversas outras “comunida- não se dá apenas durante o seu percurso nos cur- des” reais ou virtuais, os seres que animam este no- sos de formação de professores mas, permanente- vo espaço do saber, longe de serem “membros in- mente, durante todo o seu caminho profissional, tercambiáveis de castas imutáveis” (Baudrillard, dentro e fora da sala de aula. 1995), são, cada vez mais, singulares, múltiplos, Antes de tudo a esse professor devem ser da- nômades e em meio à metamorfose (ou à aprendi- das oportunidades de conhecimento e de reflexão zagem) permanente. sobre sua identidade pessoal como profissional do- A escola, portanto, como uma das instituições cente, seus estilos e seus anseios. Em uma outra ver- de memória social, coloca-se como ponto de recep- tente, é preciso que este profissional tenha tempo e Revista Brasileira de Educação 69
  • 13. Vani Moreira Kenski oportunidades de familiarização com as novas tec- essas novas competências. Que ao lado do saber nologias educativas, suas possibilidades e limites científico, do saber pedagógico, seja oferecido ao para que, na prática, faça escolhas conscientes so- professor a capacidade de ser agente, produtor, ope- bre o uso das formas mais adequadas ao ensino de rador e crítico das novas tecnologias educativas. um determinado tipo de conhecimento, em um de- Sobre esse assunto vários educadores brasilei- terminado nível de complexidade, para um grupo ros já se pronunciaram. Bernadete Gatti posiciona- específico de alunos e no tempo disponível. Ou en- se, por exemplo, dizendo que quem deve capitane- caminhe sua prática para uma abordagem que dis- ar a preocupação com a melhor qualidade do en- pense totalmente a máquina, e os alunos aprendam sino “é o educador, e não o programador, nem o até com mais satisfação. As atividades de narrati- dono da empresa que está elaborando o software”. va oral e de escrita não estão descartadas. A dife- E indaga: “será que vamos delegar essa função, que rença didática não está no uso ou não-uso das no- nos é — específica dos professores — a outros vas tecnologias, mas na compreensão das suas pos- técnicos que não vivenciam o cotidiano escolar?” sibilidades. Mais ainda, na compreensão da lógica (1993, p. 25-26). que permeia a movimentação entre os saberes no O domínio das novas tecnologias educativas atual estágio da sociedade tecnológica. pelos professores pode lhes garantir a segurança para, com conhecimento de causa, sobrepor-se às Desintermediação entre o imposições sociopolíticas das invasões tecnológicas professor e as novas tecnologias indiscriminadas às salas de aula. Criticamente, os professores vão poder aceitá-las ou rejeitá-las em Todos aqueles que já “cruzaram a fronteira”, suas práticas docentes, tirando o melhor proveito ou seja, procuraram relacionar-se com as novas tec- dessas ferramentas para auxiliar o ensino no mo- nologias educativas, têm queixas e observações se- mento adequado. melhantes: a baixa qualidade didática de muitos dos programas que são comercializados e introdu- Espaço e tempo docente zidos como pacotes pedagógicos nas escolas de di- versos níveis de ensino. A queixa procede. Na ver- As tecnologias redimensionaram o espaço da dade, um pouco da culpa não está nos programas sala de aula em, pelo menos, dois aspectos. O pri- em si, mas nos produtores desses programas e soft- meiro diz respeito aos procedimentos realizados wares e aí, nós, educadores, também temos parte pelo grupo de alunos e professores no próprio es- da responsabilidade. paço físico da sala de aula. Neste ambiente, a pos- Realizados por técnicos que, em geral, não en- sibilidade de acesso a outros locais de aprendizagem tendem de educação, estes programas são impostos — bibliotecas, museus, centros de pesquisas, outras pelas escolas e empresas como potencialmente re- escolas etc... com os quais alunos e professores po- volucionadores do ensino. Intimidados, os profes- dem interagir e aprender — modifica toda a dinâ- sores que desconhecem os fundamentos da técnica mica das relações de ensino—aprendizagem. Em um não são ouvidos em suas queixas e se submetem aos segundo aspecto, é o próprio espaço físico da sala técnicos e aos programas de baixa qualidade edu- de aula que também se altera. cativa por eles produzidos. Deslocamentos são necessários, momentos dos Uma das soluções para esse impasse está na alunos diante das máquinas alternam-se com mo- possibilidade de o professor também assumir um mentos em que discutem em equipe os resultados de papel na equipe produtora dessas novas tecnologias suas interações com o ambiente tecnológico e com educativas. Outra é a de que os cursos de forma- outros momentos em que refletem ou se concentram ção de professores se preocupem em lhes garantir em atividades isoladas, sem os recursos tecnológicos. 70 Mai/Jun/Jul/Ago 1998 N º 8
  • 14. Novas tecnologias As novas formas de movimentação e a reorganiza- EDELMAN, Gerald, (1987) Neural darwinism: the theory ção da sala de aula criam “uma nova distribuição of neuronal group selection. Nova York: Basic Books. de espaço e uma nova relação de tempo entre o tra- GALVÃO, Edilamar, (1997). A explosão da informação. In: balho do docente com o discente e o trabalho de cada Seminário: a explosão da informação. A vida entre o real e o virtual. São Paulo: SESC/SP. um deles entre si” (Gatti, 1993, p. 24). A rotina da escola também se modifica. Aos GATTI, Bernadete, (1993). Os agentes escolares e o compu- tador no ensino. Acesso, ano 4. São Paulo: FDE/SEE, dez. professores é necessária uma reorientação da sua carga horária de trabalho para incluir o tempo em HARVEY, David, (1992). A condição pós-moderna. São Paulo: Loyola. que pesquisam as melhores formas interativas de desenvolver as atividades fazendo uso dos recursos JAMESON, Fredric, (1996). Pós-modernismo. São Paulo: Ática. multimediáticos disponíveis. Incluir um outro tem- po para a discussão de novos caminhos e possibili- KENSKI, Vani, (1997). Memórias e formação de professo- res: interfaces com as novas tecnologias de comunicação. dades de exploração desses recursos com os demais In: CATANI, D. et al. Docência, memória e gênero: es- professores e os técnicos e para refletir sobre todos tudos sobre formação. São Paulo: Escrituras. os encaminhamentos realizados, partilhar experiên- KERCKHOVE, Derrick, (1997). A pele da cultura: uma cias e assumir a fragmentação das informações, co- investigação sobre a nova realidade eletronica. Lisboa: mo um momento didático significativo para a re- Relógio d’Água. criação e emancipação dos saberes. LAURILLARD, Dianna, (1995). Multimedia and the chan- ging experience of the learner. British Journal of Edu- cational Technology, v. 26, nº 3. Londres. VANI MOREIRA KENSKI é professora da Faculda- de de Educação da Universidade de São Paulo (USP). Ex- LÉVY, Pierre, (1994). L’Intelligence collective: pour une professora da Universidade de Brasília (UnB) e da Univer- anthropologie du cyberspace. Paris: La Découverte. sidade Estadual de Campinas (Unicamp). Últimas publica- __________, (1993). As tecnologias da inteligência: o futu- ções: “O ensino e os recursos didáticos em uma sociedade ro do pensamento na era da informática. Rio de Janei- cheia de tecnologias”, in: Veiga, Ilma (org.) Didática: o en- ro: Editora 34. sino e suas relações (Campinas, Papirus. 1996); Pensar/Pul- LYOTARD, Jean-François, (1988). O pós-moderno. Rio de sar: comunicação-velocidade-sociedade tecnológica. Co- Janeiro: José Olympio. letivo NTC-ECA/USP (São Paulo, Ed. NTC/ 2M.1997); “Memória e conhecimento na era tecnológica”, in: Mar- MACHADO, Nilson, (1995). Epistemologia e didática. São condes Filho, C. et al., Vivências eletrônicas. Sonhadores e Paulo: Cortez. excluídos (Ed. NTC., 1998); “A formação do professor pes- NÓVOA, António, (1996). Relação escola-sociedade: no- quisador: experiências no Grupo de Pesquisa ‘Memória, vas respostas para um velho problema. In: SERBINO, Ensino, Novas Tecnologias - MENT)’, in: Fazenda, Ivani, Raquel et al. Formação de professores. São Paulo: UNESP. Didática e interdisciplinaridade (Campinas: Papirus, 1998). ROSE, Steven, (1994). La mémoire: des molécules à l’esprit. Paris: Seuil. ROSENFIELD, Israel, (1994). L’ínvention de la mémoire. Referências bibliográficas Paris: Flamarion. ANDERS, Günther, (1994). Die Antiquiertheit des Mens- SERRES, Michel, (1994). Atlas. Paris: Julliard. chen (II). Über die Zerstörung des Lebens im Zeitalter SIMONDON, G., (1969). Du mode d’existence des objets der dritten industriellen Revolution. Munique: Beck. techniques. Paris: Aubier-Montaigne. BAUDRILLARD, Jean, (1995). Le crime parfait. Paris: SILVERSTONE, Roger, (1981). The message of television: Galilée. myth and narrative in contemporary culture. Londres: DELEUZE, Gilles, GUATTARI, Félix, (1995). Mil platôs: Heinemann Educational Books. capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janeiro: Editora 34. VIRILIO, Paul, (1993). O espaço crítico. Rio de Janeiro: Tradução de Aurélio Guerra Neto e Celia Pinto Costa. Editora 34. Revista Brasileira de Educação 71