O documento descreve a jornada da autora em cursar Direito após formar-se em Medicina. Ela discute como o estudo do Direito transformou sua visão de mundo e a fez perceber a importância e complexidade desta área do conhecimento. A autora também reflete sobre como conceitos aprendidos em Filosofia do Direito, Direito Penal, Direito do Trabalho e outras disciplinas se relacionam com situações do cotidiano.
A Medicina e o Direito - Graduações paralelas e complementares
1. BRIGIDO, H. A MEDICINA E O DIREITO – GRADUAÇÕES PARALELAS E COMPLEMENTARES. 2017.
A MEDICINA E O DIREITO
GRADUAÇÕES PARALELAS E COMPLEMENTARES
HELENA BRÍGIDO. Médica e Bacharel em Direito
Depois de mais de três décadas de formatura em Medicina resolvi fazer o curso de
Bacharel em Direito. Não falei aos quatro ventos. Não precisava. Alguns não entenderiam.
Sério. Aliás, muitos não entenderam, me olhavam de rabo de olho. Aproximaram-se com o
intuito de entender o motivo para ingresso em outra graduação de outra área que não a da
saúde.
No início do primeiro semestre ainda pensei: “O que estou fazendo aqui?” Ao longo
dos semestres eu tendo a certeza de que eu queria entrar sim, no mundo do conhecimento do
Direito. E que mundo fantástico!
Eu acreditava que as leis estavam naquele livro grande, o Vademecum, nas
jurisprudências, na doutrina e só. Grande engano. O costume é importante fonte do direito, a
precedência histórica do costume em decorrência da necessidade de regulamentação da
convivência humana em sociedade.
Atualmente, sei que o que aprendi não é mensurável. Em sala de aula, foi a ponta do
iceberg. Direito é tão grande quanto medicina. É complexo, dinâmico, inovador e mutável a
cada transformação da sociedade.
Estudei Filosofia do Direito. Aprendi sobre Platão e o livro "República" há quase
2500 anos, sobre o Mundo das Ideias em que imaginou uma caverna com três homens que
nasceram e cresceram no interior do local; viviam acorrentados e havia apenas uma fresta de
luz. As pessoas eram forçadas a olhar somente para a parede do fundo da caverna, onde
eram projetadas sombras do que se passava no mundo exterior pela única abertura local.
Certo dia, um dos homens conseguiu se libertar das correntes e saiu da caverna. Perde os
sentidos com a luz. Após, percebe que o que viam refletidos na sombra não era verdade. O
homem fica vislumbrado com as cores e imagens diferentes do que havia visto. Descobre
um universo gigantesco que é a verdade e retorna para o interior da caverna sendo ignorado
sobre o lado do mundo exterior. Seus companheiros o matam considerando-o como louco.
2. BRIGIDO, H. A MEDICINA E O DIREITO – GRADUAÇÕES PARALELAS E COMPLEMENTARES. 2017.
O que isso tem a ver comigo? Tudo! É a busca da essência das coisas para além do
mundo sensível. As pessoas estão presas a crendices. É uma metáfora da condição humana
perante o mundo, sobre a importância do conhecimento filosófico e a educação como
superação da ignorância. Alguns não querem libertar-se das algemas, fogem do confronto. A
vida sensível está relacionada ao imaginário, aos programas de televisão, jogos eletrônicos,
redes sociais etc retirando as pessoas do meio real na imposição do conceito de perfeição.
Que espetáculo essa discussão. Eu vibrava em sala de aula. Às vezes ficava contida,
não sabia o porquê. Talvez querendo engrenar com as pessoas bem mais jovens que eu no
primeiro semestre.
Fui “apresentada¨ a Miguel Reale, Hans Kelsen, Rousseau etc. As discussões sobre
Ética eram fascinantes. Foram realizados debates sobre a moral que é unilateral quando
exclusiva ao pensamento e que o Direito cuida da exteriorização da ação humana. E é
preciso apreciar o mundo das intenções.
Apesar de Heráclito de Efésio (540-476 a.C) dizer que não se pode entrar duas vezes
na mesma corrente de um rio, entendo que não se pode voltar exatamente ao mesmo lugar
no mesmo tempo na sala de aula, mas é bom relembrar o que se viveu com progresso. Como
relata Parmenes, a essência não modifica, entretanto, é preciso aplicar o que se aprende, o
que se vive, ainda que os seres humanos são dotados de razão (Immanuel Kant), as ideias
precisam olhar para a realidade, segundo Aristófanes, o que não é nada fácil.
E veio a Constituição Federal. Uau! O artigo 50
. deveria fazer parte das Ementas de
disciplinas do Ensino Fundamental e Médio. Eu colocaria! Que fascinante discutir sobre os
valores que são positivados. É a formação e proteção da sociedade e nenhuma manifestação
de vontade poderá ser válida se for inconstitucional.
Apareceu o Direito Civil. Os meus olhos brilharam quando o professor falou que o
nascituro não tem personalidade, mas possui proteção legal dos direitos. O Silvio Venosa
que falou. Sabe tudo! Ainda que não nasça com vida, o natimorto.
Sobre o ditado: “Quem cala, consente”. Não é verdade. No Direito, tem que haver a
manifestação da vontade. Aliás, Dante Alighieri definiu que o Direito é uma proporção
(heterônoma), pautada no real, entre humanos, essencial para manter a ordem na sociedade,
portanto é obrigatório. E nem sempre o Direito é coercitivo.
3. BRIGIDO, H. A MEDICINA E O DIREITO – GRADUAÇÕES PARALELAS E COMPLEMENTARES. 2017.
Navegando nas aulas, aparece o Direito Penal. Ah... a paixão. Se fosse seguir carreira,
seria nessa área. Ainda mais com professores hipermasters. Ouvi da poderosa mestra que
existe crime impossível. É verdade! Por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta
impropriedade do objeto. E que, mesmo havendo lesão grave ou morte, o ato pode não ser
punível. As tais descriminantes putativas.
As obrigações propter rem me fizeram pensar que fazemos parte de uma comunidade
e que eu devo ter sido omissa em algo ao meu redor.
Aí lá vem Penal de novo. Que coisa contagiante! Fiquei ébria com o Foucault com os
Corpos Dóceis (quem é do Direito entende!). O poder estava no gestor que empoderava a
pessoa. O corpo a ser transformado e ser manipulado; o investimento para empoderamento
para ser submissa, adestrada. Fiz até um vídeo:
https://www.youtube.com/watch?v=vdB7nFDlg9U. Aliás, vários vídeos de trabalhos e de
final de semestre, incluindo Júri Simulado. Adorooo!!
Criei gosto em fazer resumos de muitas disciplinas, alguns publiquei em sites, outros,
não. Estão no meu computador. Não sei se farei os ajustes pós-mais conhecimentos. Nossa,
é tentador!
A turma, nos mais diversos entusiasmos, visitou apenados, escolas, tribunais etc.
Experiências incríveis.
Na iniciação de Processo no Direito veio uma mistura de conceitos que, confesso,
ainda me confunde: Prescrição, Decadência, Preclusão e Perempção. Aff!
Apareceram os benditos elementos essenciais dos mais variados tipos de contrato. A
sorte é que a mestra era uma das melhores na área.
E o Direito do Trabalho? Como influencia no cotidiano! Seja por ser funcionária,
empregadora, participante de Cooperativas, sindicatos. E lá se foram dois semestres de
Direito do Trabalho e mais dois de Processo de Trabalho. Uma área enorme e essencial a
todos!
A solidariedade, responsabilidade igual de empresas, e subsidiariedade em que a
empresa de serviços ao não cumprir as obrigações, a outra pagará o débito. Antes,
desconhecia que eram conceitos distintos.
4. BRIGIDO, H. A MEDICINA E O DIREITO – GRADUAÇÕES PARALELAS E COMPLEMENTARES. 2017.
Conversamos sobre o emendatio libelli, artigo, art. 383 e mutatio libelli, artigo 384,
ambos do Código Penal, salvo engano na minha cabeça, como nos dizia o grande professor
de Direito Processual Penal. Uma pérola de Mestre!
Chegamos ao meio do Curso e já com tantas informações importantes: o Poder
Familiar, a guarda compartilhada da prole, casamento, testamento etc.
Ainda que o Código de Processo Civil tenha modificado (2002 para 2015) foi possível
entrar no mundo dos Recursos em Processo na área, além de Penal. Quantas possibilidades
com a devida indicação.
Todos os assuntos possuíam correlação com algo na vida, ainda que não estivesse à
frente de algum caso concreto, por exemplo, as políticas públicas relacionadas ao meio
ambiente, o usucapião, a posse, o esbulho, a turbação etc.
Todas as profissões prezam pelo Código de Ética, claro!. Foi nos apresentado o
Código da Ordem dos Advogados do Brasil, com os direitos e deveres do advogado. Ética é
algo acima de qualquer atividade humana e entender o comportamento a ser feito pelo
inscrito na OAB é encantador e necessário, com ou sem a aprovação do Exame da Ordem.
Um dos semestres mais esperados foi o sétimo, diante do estudo do Direito Administrativo.
Sendo funcionária pública federal e municipal e entendendo a importância do
aprofundamento desse assunto, verifica-se o quão é mais do que eu imaginava, a todas as
áreas do Direito. O Poder Vinculado e Discricionário de cada agente público, os bens
públicos, as modalidades de aquisição de serviços administrativos. Fascinante!
Alguém já teve alguma empresa? Pretende ter? O Direito Societário com
responsabilidade de seus sócios, remissos ou não, o capital social, a dissolução... primordiais
para o desenvolvimento acadêmico e profissional.
Tão importante quanto, o Plano Plurianual (PPA), a Lei das Diretrizes Orçamentárias
(LDO), a Lei Orçamentária Anual... difícil o entendimento quando não se convive com essas
questões, mas o cidadão necessita conhecer, pois faz parte do dia a dia.
Seria demais envolver aqui, nesse espaço, todas as disciplinas. Todas foram
importantes e interligadas: Direito do Consumidor, Internacional, Direito da Criança e
Adolescente, Tributário e o tais amplos e hors concours, Direitos Humanos.
O Trabalho de Conclusão de Curso? Claro que juntei: O Direito Constitucional de
Nascer Saudável – relacionado à Sífilis Congênita. Uma delícia escrever sobre o tema.
5. BRIGIDO, H. A MEDICINA E O DIREITO – GRADUAÇÕES PARALELAS E COMPLEMENTARES. 2017.
O estudo do Direito foi denso, complexo, mas engrandecedor. Trago a certeza da
importância e a transformação do modo de pensar nas diversas áreas, servindo como
estratégia além do meio profissional, pois não se pode separar o Direito de nenhuma área do
cotidiano... está em absolutamente tudo. Daí o porquê de ser tão fascinante. E o orgulho de
agora fazer parte da defesa do ordenamento jurídico como essencial para a subsistência
humana. Sou defensora de outra área que nem imaginava ser. Agora, o Direito faz parte de
mim.
Helena Brígido