O CREMESP lançou o Manual de Melhores Práticas Clínicas na COVID-19, que conta com a participação do Prof. Dr. Alexandre Naime Barbosa em três capítulos: Virologia e Epidemiologia; Fisiopatologia e Manejo Clínico Geral.
5. Edoardo Filippo de Queiroz Vattimo
organizadores:
Maria Camila Lunardi
Manual do Cremesp de melhores
práticas clínicas na covid-19
São Paulo, 2020
6.
7. MANUAL DO CREMESP DE MELHORES PRÁTICAS CLÍNICAS NA COVID-19
Publicação do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo
Rua Frei Caneca, 1282 – São Paulo – SP – CEP: 01301-910
Tel: (11) 4349-9900 – www.cremesp.org.br
Presidente do Cremesp
Irene Abramovich
PALESTRANTES E COLABORADORES
Alexandre Naime Barbosa, Antonio Adolfo Guerra Soares Brandão, Benedito Fonseca, Camila
Bonfanti Baima, Camila Cazerta de Paula Eduardo, Carlos Carvalho, Claudia Marquez Simões,
Diego Lima Ribeiro, Edoardo Filippo de Queiroz Vattimo, Flavio César de Sá, Gustavo Meirelles, Ho
Yeh Li, Lara Miguel Quirino Araújo, Luiz Fernando Ferraz da Silva, Maria Camila Lunardi, Mário
Antônio Martinez Filho, Marisa Dolhnikoff, Mônica Bannwart Mendes, Patrícia Maria Sales Polla,
Paula Yoshimura Coelho, Paulo Ricardo Criado, Ricardo Abrantes do Amaral, Sérgio Cimerman,
Thiago Martins Santos, Wagmar Barbosa de Souza
EDIÇÃO E PESQUISA
Concília Ortona
FICHA CATALOGRÁFICA
Manual do Cremesp de melhores práticas clínicas na covid-19. / Organização de Edoardo Filippo de Queiroz
Vattimo e Maria Camila Lunardi. São Paulo: Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, 2020.
165p.
ISBN 978-65-88267-00-4
1.covid-19 2.SARS-CoV-2 I. Vattimo, Edoardo Filippo de Queiroz (org.) II. Lunardi, Maria Camila (org) III.
Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo IV. Título
NLM QW 168.5.C8
DIAGRAMAÇÃO
Jade Longo
APOIO BIBLIOGRÁFICO
Dinaura Paulino Franco
REVISÃO
Nicole Medeiros Leal
ORGANIZAÇÃO DAS LIVES
Seção de Eventos do Cremesp
Coordenador do Departamento de Comunicação
Edoardo Filippo de Queiroz Vattimo
ORGANIZAÇÃO
Edoardo Filippo de Queiroz Vattimo
Maria Camila Lunardi
8.
9. As informações vindas de outras nações já evidenciavam que, quando a
covid-19 chegasse ao Brasil, grandes desafios seriam enfrentados. Não era
claro entre os médicos e demais profissionais de saúde a magnitude a ser
atingida pela pandemia, se o SARS-CoV-2 teria o mesmo comportamento e
contágio em meio uma população com características e hábitos diferentes,
e como encarar os riscos de contrair a doença em seu ambiente de trabalho.
Como estratégia de resposta aos pares, o Conselho Regional de Medicina
(Cremesp) de São Paulo promoveu em 25 de março – exatamente um mês de-
pois da identificação do que primeiro caso de covid-19 no país –, sua primei-
ra aula virtual sobre a covid-19, contando com a participação da Dra. Ho Yeh
Li, coordenadora da UTI de infectologia do HC-FMUSP, em um momento em
que as chamadas lives ainda nem estavam tão popularizadas pela necessida-
de de confinamento social contra a transmissão da infecção.
Após esta, várias outras foram realizadas, contando sempre com enfática
participação do público virtual, englobando temas como Virologia, Histopa-
tologia, Exames necessários, Achados radiológicos, Manuseio das vias aére-
as, Ventilação mecânica, Impacto na saúde mental do médico e da população
e Aspectos Médico-legais, entre outros, todos divulgados no site da Casa.
O material ficou tão completo que deu origem a esta publicação ora apre-
sentada, disponibilizada para download. A ideia é que os colegas possam im-
primir e ter como material de apoio fácil, no momento em que estiverem em
seus consultórios e plantões nos hospitais, sem a necessidade de consultar o
smartfone, tablet ou computador.
Além das lives, esta publicação foi complementada com textos produzi-
dos originalmente para a edição 90 da revista Ser Médico, voltada ao impac-
to do novo coronavírus; artigo sobre potenciais estratégias terapêuticas; e
temas do hotsite do Conselho, lançado especialmente para a divulgação de
informações sobre essa doença.
Apresentação
10. Esperamos que esta nova publicação – inacabada, pois informações so-
bre a covid-19 surgem e mudam a todo momento com novos estudos – sejam
úteis aos colegas, em especial, àqueles que se encontram na linha de frente
deste episódio em saúde pública que ficará marcado na História da Medicina.
Irene Abramovich,
Presidente do Cremesp
Edoardo Filippo de Queiroz Vattimo,
Coordenador do Departamento de Comunicação do Cremesp
Maria Camila Lunardi,
Conselheira do Cremesp; especialista em
Medicina de Emergência e Medicina Intensiva
11. Índice
Introdução: desafios de uma nova doença 17
SEÇÃO I - ASPECTOS BÁSICOS
Capítulo 1 – Virologia e Epidemiologia 23
Capítulo 2 – Fisiopatologia 33
Capítulo 3 – Histopatologia 39
SEÇÃO II – ASPECTOS CLÍNICOS
Capítulo 4 – Manejo clínico geral 47
Capítulo 5 – Manejo dos fenômenos tromboembólicos 63
Capítulo 6 – Manifestações dermatológicas 75
Capítulo 7 – Exames complementares 81
Capítulo 8 – Achados radiológicos 89
Capítulo 9 – Manuseio das vias aéreas 99
Capítulo 10 – Manejo da ventilação mecânica 113
Capítulo 11 – Impacto na saúde mental do médico e da população 121
SEÇÃO III –ASPECTOS MÉDICO-LEGAIS
Capítulo 12 –Preenchimento da Declaração de Óbito 129
SEÇÃO IV – SITUAÇÕES ESPECIAIS
Capítulo 13 – Atendimento em obstetrícia 137
Capítulo 14 – Assistência em Unidades de Terapia Intensiva e
Recomendações para atendimento ao trauma 141
Capítulo 15 – Cuidados paliativos 143
Orientações adicionais
Capítulo 16 – Problemas dermatológicos decorrentes do uso de EPIs 149
Capítulo 17 – Alocação de recursos escassos durante a pandemia 157
12. Alexandre Naime Barbosa
Professor Doutor de Infectologia da Faculdade de Medicina da Universidade
Estadual Paulista (Unesp)
Texto – Potenciais estratégias terapêuticas de covid-19, revista Ser Médico nᵒ
90 – Cremesp
Antonio Adolfo Guerra Soares Brandão
Médico hematologista pela Faculdade de Medicina da USP (FMUSP); hema-
tologista do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo e do Grupo de
Trombose Câncer do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp)
Palestra on-line – Fenômenos Tromboembólicos na covid-19
Benedito Fonseca
Médico infectologista pela FMUSP; mestre e doutor pela Yale University Medi-
cal School; professor associado em Infectologia da Faculdade de Medicina de
Ribeirão Preto – USP
Palestra on-line – Virologia e Métodos Diagnósticos na covid-19
Camila Bonfanti Baima
Médica neurologista assistente HC-Unesp – Botucatu
Texto – Aspectos Clínicos da covid-19, revista Ser Médico nº 90 – Cremesp
Camila Cazerta de Paula Eduardo
Conselheira do Cremesp e coordenadora da Câmara Técnica de Dermatolo-
gia; residência em Clínica Médica e Dermatologia pela Universidade Federal
de São Paulo (Unifesp)
Palestrantes e colaboradores
(em ordem alfabética)
13. Carlos Carvalho
Professor titular da disciplina de Pneumologia do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da USP (HC-FMUSP); diretor da Divisão de Pneumo-
logia do Instituto do Coração (InCor); Chefe da UTI Respiratória HC-FMUSP
Palestra on-line – Ventilação mecânica e covid-2019
Claudia Marquez Simões
Coordenadora do programa de residência em Anestesiologia e coordenadora
da Comissão de Residência Médica (Coreme) do Hospital Sírio Libanês; super-
visora do serviço de Anestesiologia do Instituto do Câncer do Estado de São
Paulo HC-FMUSP; membro da Câmara técnica em Anestesiologia do Cremesp
Palestra on-line – Manuseio das Vias aéreas do paciente na covid-19
Diego Lima Ribeiro
Médico assistente do Hospital das Clínicas e membro do Centro Interdisci-
plinar de Bioética da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp (FCM –Uni-
camp); especialista em Bioética
Palestra on-line – Alocação de recursos escassos durante a pandemia da
covid-19
Edoardo Filippo de Queiroz Vattimo
Médico Psiquiatra, coordenador de Comunicação do Cremesp
Texto – Potenciais estratégias terapêuticas de covid-19, revista Ser Médico
nº 90 – Cremesp
Flavio César de Sá
Médico com especialização em Infectologia e Saúde Coletiva, pós-doutorado
em Ética e professor doutor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
Palestra on-line – Alocação de recursos escassos durante a pandemia da
covid-19
14. Gustavo Meirelles
Médico radiologista torácico do Grupo Fleury; Doutor em Radiologia pela
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e pós-doutor pelo Memorial Slo-
an-Kettering Cancer Center de Nova Iorque
Palestra on-line – Achados Radiológicos na covid-19
Ho Yeh Li
Doutora em Infectologia pela FMUSP; Coordenadora da UTI de Infectologia do
HC-USP; membro assessor do Ministério da Saúde para Manejo de covid-19
Palestra on-line – Manejo Clínico na covid-19
Lara Miguel Quirino Araújo
Professora adjunta da disciplina de geriatria e gerontologia da Unifesp; dou-
tora em Ciências pela Unifesp e especialista em geriatria pela Sociedade Bra-
sileira de Geriatria e Gerontologia
Texto – Desafios de uma nova doença, revista Ser Médico nº 90 – Cremesp
Luiz Fernando Ferraz da Silva
Professor Doutor do Departamento de Patologia da FMUSP e Diretor do Ser-
viço de Verificação de Óbitos da Capital
Palestra on-line – Achados Necroscópicos e Histopatológico da COVID-19
e fluxo de atestado óbito
Maria Camila Lunardi
Médica intensivista; supervisora da Residência de Medicina de Emer-
gência do Hospital Santa Marcelina; docente de Fisiologia e Medicina de
Emergência na Faculdade Santa Marcelina (FASM); coordenadora das Câ-
maras Técnicas de Medicina Intensiva e de Medicina de Emergência, e da
Comissão de Educação do Cremesp
Mário Antônio Martinez Filho
Mestre em Ginecologia; chefe do setor de Ginecologia e Obstetrícia do
hospital São Luiz Itaim de 1997 a 2017; atual coordenador da Câmara Téc-
nica de Ginecologia e Obstetrícia do Cremesp
15. Marisa Dolhnikoff
Professora Associada do Departamento de Patologia da FMUSP e Coorde-
nadora do Projeto de Autópsia Minimamente Invasiva da FMUSP
Palestra on-line – Achados Necroscópicos e Histopatológico da COVID-19
e fluxo de atestado óbito
Mônica Bannwart Mendes
Infectologista assistente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medici-
na de Botucatu (Unesp)
Texto – Aspectos Clínicos da covid-19, revista Ser Médico nº 90 – Cremesp
Patrícia Maria Sales Polla
Médica intensivista, chefe do setor de Terapia Intensiva do HC-Unesp –
Botucatu
Texto – Aspectos Clínicos da covid-19, revista Ser Médico nº 90 – Cremesp
Paula Yoshimura Coelho
Médica pediatra; conselheira do Cremesp e responsável pela Câmara Téc-
nica de Pediatria da Casa
Paulo Ricardo Criado
Livre docente em Dermatologia pela FMUSP; coordenador do Departa-
mento de Medicina Interna da Sociedade Brasileira de Dermatologia; pes-
quisador pleno da pós-graduação do Centro Universitário Saúde ABC
Palestra on-line – Prevenção das Lesões Cutâneas pelo uso de EPI e Ma-
nisfestações Dermatológicas na covid-19
Ricardo Abrantes do Amaral
Professor colaborador do departamento de Psiquiatria da FMUSP; professor
do curso de Medicina da Universidade Nove de Julho (UNINOVE); coorde-
nador de ensino do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas
(GREA) do Instituto de Psiquiatria do HC-FMUSP; coordenador do Programa
de Prevenção em Álcool, Tabaco e outras drogas dos Servidores da Saúde
(Você-HC) do HC-FMUSP
16. Palestra on-line – Impacto da covid-19 na Saúde mental do Médico e da população
Sérgio Cimerman
Médico Infectologista do Instituto de Infectologia Emilio Ribas e doutor em In-
fectologia pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)
Texto – Potenciais estratégias terapêuticas de covid-19, revista Ser Médico nº 90 –
Cremesp
Thiago Martins Santos
Médico intensivista; docente da disciplina de Emergência da FCM –Unicamp e co-
ordenador de UTI-Covid do Hospital das Clínicas – Unicamp; integrante do Grupo
de Apoio em Ética Clínica de Terminalidade e para o enfrentamento da Covid-19 do
HC-Unicamp
Palestra on-line – Alocação de recursos escassos durante a pandemia da covid-19
Wagmar Barbosa de Souza
Anatomopatologista. Conselheiro do Cremesp
17. 17
O mundo se encontra diante da Coronavirus Disease 2019 – covid-19, pande-
mia iniciada com um surto de pneumonia viral na região de Wuhan, China. Em
7 de janeiro de 2020 o patógeno foi identificado, e seu genoma sequenciado, e
em 11 de fevereiro, a Organização Mundial de Saúde (OMS) batizou o novo co-
ronavírus como “SARS-CoV-2”. Em 11 de março, a Organização declarou oficial-
mente o estado de “pandemia”, pela evidente falha em conter a epidemia.
A atual é a terceira doença de impacto global causada por um coronaví-
rus, trajetória começada em 2003, também na China, quando a epidemia de
SARS atingiu 29 países, suscitando grande impacto na saúde pública e na
economia da Ásia. Em 2012, deflagrou-se na Arábia Saudita a segunda doen-
ça em que um coronavírus cruzou fronteiras, quando MERS afetou mais de
27 países no Oriente Médio, Europa, Norte da África e Ásia. Desta vez, cente-
nas de países e territórios foram afetados, o que levou o mundo a viver uma
situação à qual as atuais gerações nunca estiveram acostumadas.
Um dos fatos clínicos observados é que idosos e portadores de doenças
crônicas têm maior mortalidade, sendo que as diferenças na gravidade cer-
tamente estão ligadas a características do vírus e do hospedeiro. Por exem-
plo, há dois tipos mais comuns desse vírus: a cepa tipo L, mais agressiva e
com taxas de transmissão e replicação mais altas, e a cepa tipo S. Além disso,
é possível que o SARS-CoV-2 tenha a habilidade de retardar a ativação de in-
terferons, uma das primeiras linhas de defesa contra os vírus.
Idosos são os mais vulneráveis às infecções respiratórias virais por desre-
gulação do sistema imunológico, que pode provocar um exagero de resposta
inflamatória e causar danos locais e sistêmicos. Vale lembrar, porém, que
Introdução
Desafios de uma nova doença
1.2
18. 18
tanto este grupo, quanto o de portadores de doenças crônicas, vivem em um
estado inflamatório crônico de baixo grau, conhecido como inflammaging,
mas tendem a ter resposta inflamatória aguda menos intensa que os adultos.
De qualquer forma, os dados disponíveis indicam uma doença muito con-
tagiosa, que, proporcionalmente, causa maior hospitalização e mortalidade
neste contingente, mas que, em números absolutos, leva também uma gran-
de quantidade de adultos mais jovens à hospitalização e internação em uni-
dades de terapia intensiva (UTIs).
Características demográficas e epidemiológicas de cada população de-
safiam as predições da trajetória da covid-19 em cada região. Por exemplo,
a Itália possui com população com muitos idosos longevos e que convivem
com comorbidades. Já a pirâmide etária dos Estados Unidos é mais jovem,
porém, seus habitantes são mais obesos. O Brasil tem uma população tam-
bém jovem, mas que vive em aglomerados urbanos e sofre com problemas
na atenção primária à saúde e saneamento básico.
A diferença da epidemia em diferentes países parece mais relacionada às
medidas de controle da expansão do contágio do vírus nas semanas iniciais do
que às características demográficas. Porém, as informações são dinâmicas e
incompletas, e as comparações entre nações são complexas, porque esbarram
em modos diferentes de suspeitar dos casos e de confirmá-los, na notificação
inapropriada em alguns países, na disponibilidade de produção e divulgação
de relatórios, no rastreamento dos contactantes, entre outros fatores. A estra-
tégia de testar a população em muitos locais serviu para o conhecimento epi-
demiológico, predição das necessidades da assistência à saúde, medidas de
redução de contágio, diferenciação de outras doenças e para se considerarem
os esquemas medicamentosos que têm mostrado alguma perspectiva.
Em resumo, a covid-19 trouxe vários desafios. Entre eles, o da proteção à
equipe de saúde com equipamentos de proteção individual (EPIs) apropria-
dos e em volume suficiente. Logo no início da pandemia, chamava a atenção
a incapacidade do sistema produtivo em suprir o aumento repentino da de-
manda por esses equipamentos, agora em escala global. O outro desafio se
deve à franca aceleração do contágio, com real ameaça ao sistema de saúde
e risco de milhares de vidas: implicou na restrição de contato social – a fim
de minimizar a demanda por hospitais e UTIs – e na eficiência da gestão
de equipamentos e insumos de saúde. Aqui, novamente, a disputa por su-
19. 19
primentos chamou a atenção, com a insuficiente produção global de ven-
tiladores mecânicos, frente à crescente demanda imposta pelo vírus, o que
também escancarou desigualdades regionais em todo o mundo e acirrou
disputas geopolíticas. Assim, tais fatores influenciaram para a percepção de
que a estratégia de admitir a transmissão livre do vírus na sociedade, com o
auspício de se atingir a chamada imunidade de rebanho, poderia cobrar um
preço intolerável de vidas, em vários modelos de predição.
Outros desafios que a covid-19 apontou foram: o fortalecimento das uni-
dades de atendimento primário, para evitar a sobrecarga de unidades de
emergência; a educação em saúde para a população; o apoio econômico aos
mais vulneráveis; a busca por soluções de trabalho remoto; e o combate às
fake news e desinformação. É também momento de preparo para a próxima
fase, com a incorporação à rotina de medidas de prevenção para o risco de
reaceleração do contágio.
Neste momento, o ideal é estimular forças-tarefas para definir e imple-
mentar medidas de redução de contágio, para a gestão do atendimento à
saúde, segurança dos profissionais de saúde, bem como, a vigilância e com-
preensão da trajetória da epidemia, objetivando manter o sistema de saúde
em funcionamento e reduzir o impacto econômico, e, quem sabe, ajudar a
florescer novas áreas de negócios. Como a trajetória da epidemia é dinâmica,
as soluções encontradas também precisam ser.
* Baseado no texto “Desafios de uma nova doença”, publicado originalmente da
revista Ser Médico, do Cremesp. Íntegra da Revista:
http://www.cremesp.org.br/library/modulos/flipbook/revista/90/28-29/index.html
Referências Bibliográficas
1.Guo Y R, Cao QD, Hong ZS, Tan YY, Chen SD, Jin HJ, Yan Y.The origin, transmission
and clinical therapies on coronavirus disease 2019 (COVID-19) outbreak–an update
on the status. Military Medical Research, 2020;7(1):1-10.
2.International Monetary Fund. Policy responses to COVID-19 [internet].[acesso
em 29 mar 2020]. Disponível em: https://www.imf.org/en/Topics/imf-and-covid19/
Policy-Responses-to-COVID-19
23. 23
Virologia e Epidemiologia
Virologia
Os coronavírus são importantes patógenos. O agente responsável pela atual
pandemia se apresenta na forma de vírus de RNA envelopado (é o menor dos
vírus de RNA), com genoma de fita simples, isto é, ácido nucleico não empare-
lhado, análogo à metade de uma escada dividida no meio. Também tem senti-
do positivo, isto é, pode ser traduzido em proteínas diretamente pela ação de
ribossomos, sem a necessidade da síntese de uma fita de RNA complementar.
É ainda zoonótico, o que significa que pode ser transmitido de animais para
seres humanos, por ser um grupo de vírus comum entre as duas espécies.
Classificados em quatro gêneros de uma mesma ordem, os coronavírus
podem ser do tipo alfa, beta, gama e delta. Das sete variedades conhecidas
que saíram de animais e infectaram pessoas, quatro são as mais dissemina-
das entre os humanos: CoV-1193 Alpha Mild Respiratory Tract Infection, 1967;
CoV-NL-63 Alpha Mild Respiratory Tract Infection, 1965; CoV-HKU-1 Beta Mild
Respiratory Tract Infection Pneumoniae 2005; CoV-OC 43 Beta Mild Respiratory
Tract Infection 2004¹.
Infecção
Para infectar as células, SARS-CoV-2 necessita da Spike, nucleoproteína
importante para o diagnóstico e patogênese da doença.
Presente na superfície do SARS-CoV-2, a proteína Spike, durante a infec-
ção, se liga a uma proteína receptora situada no exterior de alguns tipos de
células humanas, em sua membrana celular, a enzima conversora da angio-
tensina 2 (ECA2), permitindo a entrada do vírus nessas células do hospedei-
ro. A seguir, o vírus penetra na célula através de endossomos, processo que é
facilitado por uma reação de priming da proteína S viral por uma outra pro-
teína celular de membrana, a protease transmembrana, serina 2 (TMPRSS2).
Capítulo 1
24. 24
O genoma viral é, então, traduzido a poliproteínas dentro da célula, que
são clivadas, formando proteínas virais não estruturais. Entre elas, está a
RNA polimerase viral, que inicia o processo de replicação do material gené-
tico viral, gerando novas cópias de RNA. Proteínas estruturais do vírus tam-
bém são produzidas, incluindo a proteína S e o nucleocapsídeo. As novas có-
pias do genoma e de proteínas estruturais virais são usadas para a montagem
de novos vírions maduros dentro do retículo endoplasmático e do complexo
de Golgi da célula hospedeira. Por fim, os novos vírions saem da célula por
exocitose e estão prontos para infectar outras células.
O que chama a atenção em relação ao SARS-CoV-2 é sua replicação com-
plexa, com materiais subgenômicos. Isto é, o vírus consegue produzir várias
fitas de RNA mensageiro de tamanhos menores. Aqui há dois caminhos para
o processamento do material genético viral: por contar com RNA de fita po-
sitiva, o genoma original do SARS-CoV-2 é capaz de produzir suas próprias
proteínas, ou então, gerar uma fita de RNA sentido negativo, intermediária,
a partir da qual novas fitas de RNA de sentido positivo serão geradas, com a
meta de ser “empacotadas” dentro de novas partículas virais².
CICLO DE REPLICAÇÃO DO SARS-COV-2 NA CÉLULA HOSPEDEIRA HUMANA E POTENCIAIS ALVOS TERAPÊUTICOS.
CRÉDITOS: EDOARDO F. Q VATTIMO/ PLATAFORMA BIORENDER; ADAPTADO DE SANDERS ET AL., JAMA, 2020.
TTrraadduuççããoo ddaass
pprrootteeíínnaass eessttrruuttuurraaiiss
vviirraaiiss
66
Nucleocapsídeo
LLiiggaaççããoo ddoo vvíírruuss aaoo rreecceeppttoorr EECCAA22,,
aattiivvaaççããoo ddaa pprrootteeíínnaa SS ppeellaa pprrootteeíínnaa
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ccoomm aa mmeemmbbrraannaa ee eennddoocciittoossee
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Citoplasma
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Ribossomo
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Genoma viral
(RNA sentido +)
RNA
Polimerase
viral
RReepplliiccaaççããoo ddoo RRNNAA vviirraall
LLiibbeerraaççããoo ddoo ggeennoommaa
vviirraall
11
22
33
44
55 77
88
99
Genoma viral
(RNA sentido –)
Spike (S)
Membrana (M)
Envelope (E)
FFoorrmmaaççããoo ddee
vvíírriioonn mmaadduurroo
PPrrootteeíínnaass SS,, EE ee MM
ccoommbbiinnaamm ccoomm
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EExxoocciittoossee
RE
Nucleocapsídeo (N)
RReepplliiccaaççããoo ddoo ggeennoommaa vviirraall
S
E
M
N
Virus dentro de
vesícula
secretória
RNAs genômico e
subgenômico (+
sense)
Genoma viral
TTrraannssccrriiççããoo ssuubbggeennôômmiiccaa
N no citoplasma
S, M e E na
membrana do
retículo
endoplasmático
Compartimento intermediário
RE-Complexo de Golgi
Protease
transmembrana,
serina 2
(TMPRSS2)
AAllvvoo:: iinntteerraaççããoo pprrootteeíínnaa SS
ccoomm rreecceeppttoorr EECCAA 22
IInniibbee ffuussããoo ddoo eennvveellooppee vviirraall
ccoomm mmeemmbbrraannaa ddaa ccéélluullaa
AArrbbiiddooll
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RRNNAA ppoolliimmeerraassee vviirraall
LLooppiinnaavviirr
DDaarruunnaavviirr
Macrófago
IInniibbeemm aa eennttrraaddaa ddoo vvíírruuss nnaa
ccéélluullaa ee eennddoocciittoossee ppoorr
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EEffeeiittooss iimmuunnoommoodduullaattóórriiooss
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IL-6
Receptor
solúvel de IL-6
IInniibbeemm aattiivvaaççããoo ddoo
rreecceeppttoorr ssoollúúvveell ddee IILL--66
TToocciilliizzuummaabb
SSaarriilluummaabb
25. 25
Conhecer os meios de replicação de covid-19 é essencial ao desenvolvi-
mento de drogas que impeçam a transmissão do vírus, pois permite iden-
tificar potenciais alvos terapêuticos. Por exemplo, pode-se pensar em es-
tratégias que inibam a entrada do vírus, a produção de proteínas virais e a
acidificação dos endossonomos, já que o SARS-CoV-2 precisa que os endos-
somos sejam acidificados, possibilitando que a enzima furina processe pro-
teínas virais específicas, tornando-as infecciosas. A figura na página ao lado
sintetiza e adapta informações publicadas em artigo de revisão na revista
Journal of American Medical Association (JAMA)³.
Hospedeiros e semelhanças entre os coronavírus
Os coronavírus são zoonóticos, e seu hospedeiro natural é quase sempre o
morcego. Os intermediários podem ser quaisquer animais. Pesquisas na China
indicaram que, em 2002, de alguma maneira, o SARS-CoV-1 foi transmitido ao
homem pelo hospedeiro intermediário civeta (gato da cidade)⁴. Na MERS, su-
põe-se que a transmissão ocorreu pelo dromedário. Por sua vez, a transmissão
de SARS-CoV-2 é associada ao ocorrido em mercados de rua chineses, que mis-
turavam no mesmo ambiente animais mortos e vivos, criando a capacidade de
que um agente infeccioso típico de morcegos chegasse ao homem.
Por meio de uma árvore filogenética, foram estudadas as proteínas e o ma-
terial genético dos coronavírus, identificando-se que, basicamente, o SARS-
-CoV-2 é 80% semelhante ao coronavírus isolado na década passada na China
e ambos se localizam na mesma linha genética. Também constituem a mesma
família e usam o mesmo receptor para a entrada na célula, que é a enzima
conversora de angiotensina 2. O período de incubação também é bem similar
entre os coronavírus, em torno de cinco dias na covid-19, na SARS e na MERS⁵.
Epidemiologia
R0 e outros conceitos importantes
O entendimento dos aspectos epidemiológicos da covid-19 pressupõe o
conhecimento de alguns conceitos em epidemiologia. O principal deles é o
que representa o número de infecções secundárias causadas por um único
indivíduo doente, que é denominado R0.
26. 26
Um dos maiores problemas em saúde pública na pandemia ocorre quando
o R0 se eleva, o que significa uma maior velocidade de aumento dos casos. Na
covid-19, não sendo adotadas medidas para diminuí-lo, o R0 chega à faixa de
3, ou seja, superior à infecção pelo H1N1, que tem R0 de 1,2, por exemplo⁶.
O R0 varia ainda pela densidade populacional, o que explica um dos mo-
tivos de São Paulo concentrar número maior de pacientes, em compara-
ção aos demais estados do Brasil. Isso pode ser demonstrado pelo fato de
Wuhan, na época em que a pandemia eclodiu, contar com dez milhões de
habitantes e densidade de 5.6 mil pessoas por quilômetro quadrado, um
pouco menor do que a observada na Grande São Paulo. Em Wuhan, o R0,
no início da epidemia, chegou a 3,1.
Uma das justificativas para a implementação de medidas de isolamento
social é a diminuição do R0. Após a adoção dessas medidas, Wuhan pôde
diminuir seu R0 a 0.5⁷. Como resultado, apesar de potencialmente prolon-
gar a duração da epidemia, a velocidade menor de crescimento do número
de casos permite que o sistema de saúde tenha mais condições de absorver
os pacientes, potencialmente diminuindo a letalidade.
Transmissão
Ocorre, de um lado, por partículas pesadas que atingem até um metro
de distância durante um espirro, e, por outro, por partículas bem meno-
res (inferiores a cinco mícrons), que ficam suspensas no ar em forma de
aerossóis. Embora inicialmente tenha sido questionada, a transmissão do
novo coronavírus na forma de aerossol foi demonstrada em hospitais⁸ por
estudos que reportaram a viabilidade do SARS-CoV-2 por até 16 horas após
aerossolização. Isso representa uma transmissibilidade por essa via maior
inclusive que o SARS-CoV-1 e o MERS.
Além da transmissão por gotículas respiratórias, outra forma comum en-
volve tocar em fômites – superfícies de objetos inanimados capazes de reter e
transmitir agentes infecciosos pelo contato com eles – e em seguida, o rosto.
Para dar uma ideia de o quanto essa conduta é imperceptível e automática, um
estudo avaliou a quantidade de vezes que um grupo de universitários tateava
a face. Em média, isso aconteceu 23 vezes por hora por estudante, sendo a
maioria na pele (56%), boca, (36%), nariz (31%) e olhos (27%)⁹.
Há variações quanto à sobrevivência dos coronavírus, dependendo da su-
perfície¹⁰. Na maioria dos casos fica vivo por dois dias em média, como ocor-
27. 27
re em materiais como papelão e papel. Em aço inoxidável, principal material
de maçanetas, por exemplo, pode ficar até 72 horas. A média de sobrevida do
SARS-CoV-2 não parece tão longa se comparada à de coronavírus causadores de
resfriados e outras manifestações respiratórias comuns, que chega a nove dias.
Em julho de 2020, um grupo de 239 cientistas publicou carta aberta¹¹, en-
caminhada à OMS, em que alertaram para a possibilidade de transmissão
aérea do SARS-CoV-2, em que partículas pequenas do vírus, exaladas pelas
pessoas infectadas, ficariam em suspensão no ar por longos períodos, po-
dendo ser inaladas por outros indivíduos. Essas partículas, diferentemente
das gotículas respiratórias que rapidamente caem e se depositam em super-
fícies, poderiam ficar suspensas por horas, especialmente em ambientes fe-
chados. No momento da publicação deste livro, contudo, as discussões sobre
essa hipótese ainda permaneciam iniciais.
Medidas para diminuir a transmissibilidade do SARS-CoV-2
Diversas diretrizes propuseram, desde o início da pandemia, o distanciamen-
to físico (de 1 a 2 metros entre cada pessoa) como uma das principais formas de
se reduzir o risco de transmissão do SARS-CoV-2. Contudo, inicialmente, os da-
dos sobre o uso de máscaras nas diversas situações permaneceram conflitantes,
refletindo também incertezas quanto à forma de transmissão do vírus.
COVID-19 ( SARS-CoV-2)
PRECAUÇÕES AÉREAS E À GOTÍCULAS CONTRA O CORONAVÍRUS. ADAPTADO DE IAN M MACKAY, VIROLOGYDOWNUN-
DER.BLOGSPOT.COM.AU. 2014
28. 28
Em maio de 2020, Chu et al¹². publicaram revisão sistemática na revis-
ta The Lancet, que ampliou o conhecimento a respeito das medidas pro-
postas para diminuir a transmissibilidade do novo coronavírus, a partir
dos resultados de 172 estudos observacionais incluídos. Desses, muitos
consistiam em dados de epidemias prévias como a SARS e a MERS, mas
também representavam o conhecimento prévio que se tinha de outros co-
ronavírus que, embora menos virulentos, por muito tempo já circulavam
amplamente entre população, como os betacoronavírus.
Um dos principais achados da revisão sistemática em questão foi a evi-
dência de que diretrizes de distanciamento físico em ambiente hospitalar
e na comunidade são capazes de, de fato, reduzir a transmissibilidade do
SARS-CoV-2. Por exemplo, a redução do risco de transmissão é de cerca
de 82% com uma distância física de um metro entre as pessoas e duplica
a cada metro adicional de distanciamento (os dados se limitam a três me-
tros). Dessa forma, a partir desses dados, é possível estabelecer protoco-
los para a retomada de atividades que requerem reunião de pessoas em
um mesmo ambiente, de forma mais segura.
Outro achado importante envolve um tema que ainda se cercava de con-
trovérsias. A revisão sistemática também demonstrou que o uso de máscaras
cirúrgicas e N95 foi capaz de reduzir o risco de infecção em 85%, embora
a eficácia seja maior nos serviços de saúde do que na comunidade (ainda
que continue sendo eficaz nesse cenário). Contudo, a metanálise também
identificou uma performance maior das máscaras N95, capazes de reduzir a
transmissão do vírus em 96%, enquanto as máscaras cirúrgicas a reduziram
em 67%, o que pode explicar a melhor performance no ambiente hospitalar,
no qual as máscaras N95 são mais utilizadas.
Importante frisar que os dados também demonstram que as máscaras co-
muns devem ser multicamada, fato importante para orientar a fabricação de
máscaras caseiras, tão em voga durante a pandemia, para que confiram prote-
ção adequada. Assim, uma máscara de pano bem projetada deve ser composta
de tecido resistente à água, ter várias camadas e um bom ajuste facial. A revi-
são sistemática apoia o uso universal dessas máscaras faciais na comunidade,
uma vez que elas foram igualmente eficazes tanto nesse cenário quanto no
ambiente hospitalar, quando comparadas a máscaras do mesmo tipo.
Outra descoberta importante para os profissionais da saúde reportada por
29. 29
Chu et al. foi a capacidade de a proteção ocular reduzir o risco de infecção em
78%, o que indica que essa via pode ser alvo de contaminação por meio de
aerossol ou autoinoculação. Assim, recomenda-se o uso de óculos e face shiel-
ds no ambiente hospitalar em que haja contato intenso com pacientes com
covid-19. Nesse cenário, como as enfermarias e UTIs, devem ser usados em
conjunto com máscaras N95 pelos profissionais de saúde, correspondendo a
um padrão mínimo de EPI necessário para uma prática clínica segura. (Veja
mais sobre EPIs no capítulo 16).
Quando colocados no contexto de saúde pública, os achados da revisão siste-
mática apoiam, portanto, o uso universal de máscara e distanciamento social,
que, combinados, podem reduzir a velocidade de crescimento do número de
casos. Isso é explicado também pelo fato de indivíduos pré-sintomáticos (ainda
no período de incubação) e assintomáticos poderem transmitir o SARS-CoV-2,
o que faz com que pessoas já infectadas circulem livremente pela comunidade,
transmitindo o vírus. Ao usarem máscaras faciais, essas pessoas diminuiriam
a quantidade de secreção respiratória que espalham pelo ambiente. Nessa li-
nha, dados da China apontaram que o uso de máscaras dentro de residências
impediu a transmissão secundária do SARS-CoV-2 pelo caso-índice antes do
início de seus sintomas. Como resultado, as medidas de relaxamento da qua-
rentena podem ser mais seguras com a adoção do uso de máscaras.
Como conclusão, não há medidas que isoladamente protejam da trans-
missão do vírus. Assim, é necessário combinar as medidas de distancia-
mento físico com o uso de máscara e com outras intervenções, até que sur-
ja uma vacina eficaz.
Por fim, em relação às substâncias capazes de fornecer uma antissepsia
adequada para prevenir a transmissão do novo coronavírus, algumas se des-
tacam. Para higienização em geral de superfícies e mãos, o álcool líquido e
em gel a 70% é suficiente. Limpeza pesada e hospitalar, por sua vez, pode
ser feita com hipoclorito de sódio e cloreto de benzalcônio. Contudo, é im-
portante salientar que a clorexidina, embora costume ser eficaz¹⁰ em outros
contextos médicos, não apresenta a mesma eficácia na covid-19.
Liberação do isolamento
A liberação dos pacientes do isolamento em instituições de saúde antes
da alta apresenta desafios. Em geral, os protocolos incluem o teste PCR
30. 30
(Polymerase Chain Reaction) como critério e exigem geralmente dois testes
negativos, como o caso do protocolo do Center for Disease Control and Pre-
vention¹³ (CDC), dos Estados Unidos. Os testes devem ser coletados em in-
tervalo mínimo de 24 horas e devem estar associados à resolução da febre
e dos sintomas respiratórios.
Para a liberação do isolamento domiciliar, os protocolos se baseiam em cri-
térios temporais e clínicos. O recomendado, nesses casos, é permanecer em
casa, assim como os demais moradores, por um período mínimo de 14 dias.
Reinfecção e coinfecção
Apesar de alguns relatos, como na Coreia do Sul, de que pacientes teriam
sido infectados duas vezes pelo SARS-CoV-2, as hipóteses mais prováveis pa-
recem convergir para que isso não seja possível¹⁴. Prováveis explicações para
essas observações seriam de que se tratam de casos de recrudescência em uma
pessoa que aglutinava duas cepas do coronavírus ou, então, de falsos positivos.
*baseado na live Virologia e métodos diagnósticos na covid-19
https://www.youtube.com/watch?v=t2Q7EQEI34st=17s
* Também foi usado o texto “Potenciais estratégias terapêuticas”,
publicado originalmente da revista Ser Médico, do Cremesp. Íntegra da Revista:
http://www.cremesp.org.br/library/modulos/flipbook/revista/90/28-29/index.html
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33. 33
O mecanismo fisiopatológico da infecção pelo SARS-CoV-2 ainda não é to-
talmente conhecido. Uma das hipóteses, contudo, postula que o agente da
covid-19 causa uma regulação negativa da expressão da enzima conversora
da ECA21. Essa proteína receptora do vírus é expressa em células do epitélio
das vias aéreas, parênquima pulmonar, endotélio vascular, células renais,
pequenas células do intestino e encéfalo, tanto em células da glia, como em
neurônios, o que faz delas alvos em potencial do SARS-CoV-2.
Em relação ao fenótipo clínico resultante, quando infectados, 80% dos in-
divíduos vão desenvolver uma forma mais leve da doença, que vai desde um
quadro de resfriado simples, até algo semelhante à gripe. Cerca de 20% vão
apresentar formas mais graves da doença, sendo que até 5% poderão sofrer
por um quadro extremamente grave, com necessidade de admissão em UTI,
com alterações pulmonares.
Fisiopatologia da covid-19 no pulmão
No pulmão, vários estudos indicam que a lesão observada na infecção
decorre não somente da ação direta do vírus sobre os pneumócitos, mas
também através de outros mecanismos, como um possível descontrole do
tônus da musculatura lisa dos vasos sanguíneos, em especial, nos capilares
pulmonares, causando vasodilatação e exsudação de líquido para dentro dos
alvéolos. Outro mecanismo proposto para a lesão pulmonar é a ação do pró-
prio sistema imune, pois pode ser observada uma resposta inflamatória des-
controlada nos casos graves da doença. Nessa linha, estudos iniciais sobre
fisiopatologia da covid-19 demostraram que há grande liberação de citocinas
pró-inflamatórias no plasma desses indivíduos, como por exemplo IL-1B, IL-
6, IL-12, IFN-γ, IP-10 e MCP1, e que o aumento dessas substâncias estava
associado à extensa inflamação pulmonar nos pacientes com quadros graves
de covid-19, especialmente aqueles internados em UTIs².
Fisiopatologia
Capítulo 2
34. 34
Fisiopatologia da covid-19 no sistema nervoso central
Apesar de muito se falar da lesão pulmonar, a infecção não acomete ape-
nas o pulmão, alterando, entre outras, as funções hepática e cardíaca – po-
dendo culminar até mesmo em miocardite. Outro potencial alvo do SARS-
-CoV-2 é o sistema nervoso central (SNC), ao qual se supõe que o vírus ganhe
acesso por meio de duas formas, a disseminação hematogênica e a invasão
direta. Essa última provavelmente ocorre pela lâmina crivosa do osso etmoi-
dal, através das células do epitélio olfatório, o que pode se relacionar aos
casos frequentes de distúrbios olfatórios observados na covid-19, que ainda
merecem maiores estudos. Nessa linha, já foi identificada a presença de RNA
viral no líquido cefalorraquidiano dos pacientes com sintomas neurológicos,
assim como no tecido cerebral de autópsias. Além disso, observou-se uma
contagem de linfócitos menor em pacientes com sintomas neurológicos,
comparados àqueles sem sintomas do SNC. Esse fenômeno pode ser indica-
tivo de imunossupressão em pacientes com covid-19 com sintomas do SNC,
especialmente no subgrupo grave.
Fisiopatologia dos fenômenos tromboembólicos na covid-19
Um dos aspectos intrigantes da covid-19 é a observação frequente de fe-
nômenos tromboembólicos associados à doença. A fisiopatologia desses
achados, contudo, é complexa e ainda não totalmente compreendida. Por
isso, para buscar compreendê-la deve-se partir da relação existente entre
inflamação e hemostasia, pois as células da imunidade inata participam na
formação de trombos⁶, e por outro lado, as plaquetas e os fatores de coa-
gulação contribuem para a ativação das células de imunidade inata. Desse
processo também participa a fibrina, proteína gerada a partir de uma ca-
deia de reações que culmina na ação da trombina sobre o fibrinogênio e
que tem papel na estabilização de coágulos. Além de seu papel no resultado
final do processo de trombo hemostasia, a fibrina também tem seus efei-
tos antimicrobianos. Um resumo esquemático das etapas da hemostasia é
mostrado na figura 1, pág. 35.
Durante o curso da hemostasia, as plaquetas aderem ao endotélio lesado
através do fator de von Willebrand e do colágeno subendotelial e, depois
disso, são ativadas, permitindo a agregação com outras plaquetas, forman-
3, 4, 5
35. 35
do um plug hemostático primário. Para a estabilização do trombo, contudo,
é necessária a formação de fibrina, produzida após uma cascata de reações
da qual participam os fatores de coagulação. A trombina produzida serve
como propagadora deste processo, contribuindo para ativação do fator X e,
também, para ativação cruzada das plaquetas.
Nessa interface entre inflamação e hemostasia⁷,⁸, surgem dois espectros.
O polo mais trombótico (conforme a figura 2 abaixo) acontece, por exemplo,
nas doenças hematológicas, como Síndrome Hemolítico-Urêmica (SHU). No
meio desse espectro, está a sepse, situação em que, de base, já se vê bastante
inflamação e predisposição trombótica, independente da covid-19.
Figura 1: representação das etapas da hemostasia. Créditos: Edoardo F. Q Vattimo/ Plataforma Biorender;
adaptado de Engelmann et al., Nature Reviews Immunology, 2013.
ESPECTRO DO FENÔMENO DA TROMBOINFLAMAÇÃO. ADAPTADO DE JACKSON ET AL., BLOOD, 2019.
36. 36
Nesse contexto, durante uma fase precoce da sepse, pode ocorrer coa-
gulação intravascular disseminada (CIVD), que tem como um de seus meca-
nismos a supressão de fibrinólise⁷,⁸, mecanismo pelo qual se dissolvem os
coágulos formados. Essa supressão ocorre principalmente por meio da hi-
perprodução do inibidor do ativador do plasminogênio tipo 1 (PAI-1). Como
resultado, observa-se um estado pró-trombótico que leva a disfunções orgâ-
nicas, em decorrência de hipoperfusão tecidual.
Em outras formas de CIVD e na fase tardia de sepse⁹, vê-se um predomínio
fibrinolítico, ou seja, o paciente apresenta grande consumo de plaquetas e
fatores de coagulação e um posterior risco de sangramento sistêmico. A in-
fecção pode ativar células mononucleares, gerando a produção de citocinas
pró-inflamatórias e, também, ativação endotelial. Em geral, o paciente com
covid-19 permanece na fase inicial da coagulopatia induzida pela sepse, que
corresponde à disseminação de depósitos de fibrina, principalmente pela
supressão de fibrinólise pela ativação do PAI-1.
Ademais, na covid-19, assim como na SDRA, pode ocorrer imunotrombo-
se¹⁰ no território pulmonar, devida ao acúmulo de plaquetas no endotélio
pulmonar lesado. Nesse processo, são liberados grânulos plaquetários, com
ação também imunomoduladora e antimicrobiana. Em alguns casos, essas
micropartículas também têm ação no fenômeno de trombose.
A ativação endotelial, por sua vez, aumenta a expressão de fator tecidual e
de moléculas de adesão, às quais se ligam neutrófilos ativados, produtores de
citocinas inflamatórias. O resultado é a formação dos neutrophils extracellular
traps (NETs), armadilhas extracelulares de neutrófilos que funcionam como
uma espécie de rede para capturar patógenos. Além de tudo isso, pode haver
acúmulo de células inflamatórias nos alvéolos pulmonares.
Associando todos esses processos, tem-se que o SARS-CoV-2 leva a uma
lesão e disfunção endoteliais¹¹, associadas a uma ativação de monócitos, ge-
rando um aumento da expressão de fator tecidual, e posterior ativação da
via extrínseca da coagulação. A inflamação vai levar a um “recrutamento” de
neutrófilos e formação de NETs. Esses, por sua vez, auxiliam na ativação de
plaquetas e na via intrínseca de coagulação. Além disso, o vírus promove a
redução de anticoagulantes naturais, como o Tissue factor pathway inhibitor
(Inibidor da via do fator tecidual - TFPI), a antitrombina (AT) e proteína C.
Essa fisiopatologia particular faz supor que a coagulopatia intravascular
pulmonar associada à covid-19, cujos achados histopatológicos são descritos
37. 37
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em maiores detalhes no Capítulo 3, é diferente da CIVD descompensada por
outras causas¹². Isso porque, em uma CIVD clássica descompensada, obser-
vam-se níveis baixos de fibrinogênio e uma contagem reduzida de plaquetas,
devido ao consumo de fatores de coagulação e de plaquetas. Na covid-19, por
sua vez, o que se observa é o oposto: o fibrinogênio se eleva e a plaquetope-
nia é incomum. Em contrapartida, o d-dímero apresenta importante eleva-
ção, em especial nos casos graves.
Nesse processo de coagulação intravascular pulmonar, verifica-se um au-
mento da geração de trombina e deposição de fibrina no sistema broncoal-
veolar. Alguns autores, no entanto, questionam até mesmo se os fenômenos
tromboembólicos observados em determinados casos de covid-19 correspon-
dem a uma trombose pulmonar in situ ou a uma tromboembolia pulmonar. Tal
diferenciação, por vezes, é difícil de ser realizada. Não obstante, casos mais
graves podem evoluir para a forma clássica da CIVD descompensada.
*baseado nas lives “Virologia e métodos diagnósticos na covid-19”, íntegra
https://www.youtube.com/watch?v=t2Q7EQEI34st=17s; ''Fenômenos Tromboem-
bólicos na covid-19'', íntegra https://www.youtube.com/watch?v=GvWc3dYjqaE
* Também foi usado o texto “Potenciais estratégias terapêuticas”, publicado
originalmente da revista Ser Médico, do Cremesp. Íntegra da Revista:
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39. 39
Histopatologia
Capítulo 3
O exame histopatológico consiste na análise microscópica de um tecido
para a detecção de possíveis alterações ou lesões, com o objetivo básico de
informar ao médico clínico a natureza, a gravidade, a extensão, a evolução
e a intensidade de algum problema do doador da amostra, além de suge-
rir ou confirmar possíveis etiologias para a condição. O material coletado
pode ser oriundo de uma biópsia, de uma peça cirúrgica ou, até mesmo, de
uma necrópsia.
Embora estudos tenham demonstrado as características epidemiológicas
da covid-19, ainda faltam conhecer os detalhes sobre as alterações patológicas
que o vírus promove no corpo humano, em especial no pulmão, mas também
em outros órgãos afetados, que podem explicar as características clínicas dife-
renciadas da doença em relação às demais. Grande parte da dificuldade em se
avançar nesse conhecimento decorre do fato de que, no mundo, poucos cen-
tros realizam autópsias convencionais em pacientes com esta infecção, por ser
altamente contagiosa, transmitida não somente por aerossóis, mas também
por meio de secreções.
Uma das alternativas para superar tal barreira está sendo proposta pelo Gru-
po de Patologia em Autópsias Minimamente Invasivas (AMI), da Faculdade de
Medicina da USP. O método possibilita a realização da autópsia com segurança
aos profissionais envolvidos.
A AMI diz respeito ao diagnóstico post-mortem pouco invasivo (sem aber-
tura do corpo e exposição dos órgãos), que associa exames de imagem como
tomografia computadorizada, ultrassonografia, ressonância magnética e an-
giografia, a biópsias post-mortem, para a obtenção de espécimes para estudo
anatomopatológico. Nesse sentido, a AMI guiada por ultrassom é um método
que vem sendo utilizado desde 2018 em pesquisas na FMUSP e que propor-
ciona um custo menor e maior portabilidade. Assim, possibilita seu uso em
1, 2, 3, 4
40. 40
regiões carentes e remotas, melhorando a qualidade de diagnósticos post-mor-
tem, mesmo em locais que não estejam estruturados para autópsia convencio-
nal. Ainda, mesmo não sendo o exame de escolha para avaliação pulmonar
de forma geral, a ultrassonografia pode guiar biópsias capazes de fornecer
fragmentos suficientes para análise, com alta preservação do tecido, em tama-
nho adequado para vários diagnósticos. O equipamento também pode guiar
as biópsias de vários órgãos, como fígado, rins, coração e baço.
O método da equipe da FMUSP vem ao encontro da pesquisa publicada
na edição de março de 2020 na revista Annals of Internal Medicine⁵, trazendo o
caso de um paciente de 72 anos, que rapidamente evoluiu para insuficiência
respiratória grave e morte. As alterações histopatológicas observadas pelos
pesquisadores em biópsias post-mortem por agulha transtorácica demonstra-
ram-se compatíveis com o histórico clínico do paciente e com as opacidades
radiográficas bilaterais em vidro fosco apresentadas por ele, ilustrando um
quadro de dano alveolar difuso.
Objetivos da AMI na covid-19
Desvendar os mecanismos inflamatórios e moleculares envolvidos na lesão
pulmonar associada à covid-19, buscando informações que possam se traduzir
em conhecimento que aprimore o manejo dos pacientes é o objetivo da AMI, já
que a covid-19 é uma doença nova, com morbimortalidade bastante expressiva.
Para tanto, buscam-se respostas para as seguintes questões: qual o meca-
nismo de ação viral no pulmão? existe padrão da resposta inflamatória? há
variabilidade do quadro histopatológico que se associe ao tempo de inter-
nação/intubação ou às diferentes regiões pulmonares? há correlação com
achados tomográficos? Até o momento, o que se sabe é que trata-se de uma
doença que pode levar a óbito por insuficiência respiratória e/ou falência
de múltiplos órgãos.
Embora os primeiros pacientes observados pela equipe de patologistas te-
nham falecido com poucos dias de evolução da doença, antes, pesquisadores
da comunidade chinesa descreveram quadros diferentes. Segundo esses da-
dos, os pacientes teriam uma doença arrastada com até duas a três semanas
de internação em UTI. Daí a importância de se questionar se existe alguma
alteração da resposta pulmonar ao longo do tempo de intubação desses pa-
cientes, associada aos efeitos dos ventiladores mecânicos.
41. 41
Ademais, a análise de diferentes tecidos (pulmões, coração, rins, fígado,
baço, cérebro e pele), por meio da AMI, permite avaliar o impacto de comor-
bidades no contexto da covid-19, a partir da identificação de lesões prévias
nesses órgãos relacionadas ao diabetes (DM), hipertensão (HAS), doenças
isquêmicas cardíacas, etc.
O estudo por AMI na covid-19 e seus principais achados preliminares
O estudo inicial – realizado em seis pacientes, cinco deles, com mais de 60
anos – teve por objetivo coletar material para obter um painel com perfis dife-
rentes em relação à idade, tempo de internação e evolução da covid-19. Todos
os autopsiados por meio da AMI eram pessoas com internação de 0 a 8 dias,
com comorbidades – sendo as mais prevalentes DM, HAS, cardiopatia isquê-
mica e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) – e alterações agudas, que
se modificaram ao longo do tempo da internação e ventilação mecânica.
Resultados preliminares do estudo indicaram que, apesar de se tratar de
doença pulmonar, havia um comprometimento sistêmico dos pacientes, com
falência de múltiplos órgãos, secundária à insuficiência respiratória. Entre as
alterações histológicas pulmonares observadas, destacaram-se:
• lesão pulmonar aguda, extensa, com padrão predominante de dano
alveolar difuso exsudativo;
• mínima resposta linfocitária relacionada a alterações periféricas
como linfopenia;
• existência de dois mecanismos principais de lesão: uma intensa e
difusa lesão epitelial como resultado direto da ação viral em vias aéreas e
pneumócitos, caracterizada por efeito citopático do SARS-CoV-2; e fenô-
menos de microtromboses em leito arteriolar alveolar;
• frequentes microtromboses observadas no leito arteriolar pulmonar,
que podem ser difusas e levar a um grande comprometimento da perfu-
são pulmonar, o que é um dos determinantes de grave hipóxia nos pa-
cientes com covid-19;
• pneumonia supurativa, presente em alguns casos e que pode ser um
achado importante, não diretamente ligado à fisiopatologia da doença,
mas a uma complicação secundária, de provável etiologia bacteriana,
que implica no agravamento da evolução do quadro desses pacientes (por
exemplo, pneumonia associada à ventilação mecânica).
42. 42
A continuidade do estudo, com realização de um número bem maior de au-
tópsias, que incluíram pacientes de várias idades e com diferentes tempos de
internação, mostrou que existe uma progressão histológica do dano alveolar
difuso ao longo do tempo. A fase exsudativa com predomínio de membranas
hialinas é bastante evidente nos primeiros dias, passando a uma fase mista
com organização do exsudato intra-alveolar e deposição de matriz extracelu-
lar, progredindo para um quadro com predomínio de fibrose aproximadamen-
te após três semanas. Atualmente a literatura mundial discute o papel dessa fi-
brose, que poderia potencialmente determinar importante sequela pulmonar
nos pacientes com a apresentação grave da doença.
Diante desses resultados, a AMI tem se mostrado um procedimento seguro,
de rápida execução e eficaz na representação adequada dos principais órgãos
para o estudo da covid-19. Dando sequência a esses estudos preliminares, a
equipe de patologistas da FMUSP pretende montar um biorrepositório disponí-
vel para vários grupos de pesquisa, visando estudar a fisiopatologia da doença.
* Texto baseado na live “Achados necroscópicos e histopatológicos da covid-19”. Veja
a íntegra https://www.youtube.com/watch?v=D934NgbK-rgt=377s
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internal medicine. 2020; 172(9):629-32.
47. 47
Manejo Clínico Geral
Capítulo 4
A covid-19 apresenta muitas semelhanças com outras doenças capazes de
causar a chamada síndrome gripal, caracterizada por sintomas como febre,
tosse, mialgia, astenia, entre outros. Da mesma forma, achados tomográfi-
cos como o chamado pulmão em vidro fosco podem ser indicativos – mas
não suficientes – para fechar diagnóstico da covid-19.
Contudo, algumas características da covid-19 chamam atenção e a dife-
renciam de outras doenças às quais estávamos acostumados. Certamente,
a peculiaridade da doença que mais causa impacto aos sistemas de saúde
é a necessidade de internações em ambientes de UTI e o uso de ventilação
mecânica por tempos extremamente prolongados, nos casos graves. Como
resultado, mesmo os melhores sistemas de saúde do mundo foram incapazes
de absorver a grande demanda gerada pela infecção. Em relação aos siste-
mas de saúde já comprometidos anteriormente, a covid-19, por conta de tais
características, escancarou ainda mais esses problemas.
De certo, a pandemia muito ensinou aos profissionais que se dedicaram ao
seu combate, em especial aqueles que fizeram parte da linha de frente no aten-
dimento dos afetados pela covid-19. Esses profissionais, mesmo aqueles com
expertise prévia, adquirido no atendimento em pandemias anteriores, como a
de influenza H1N1, em 2009, foram inicialmente surpreendidos e tiveram que
readaptar sua prática, assim como sua vida, diante desse novo cenário.
Quadro clínico
A infecção pelo SARS-CoV-2 desencadeia quadro clínico semelhante à
pneumonia viral, podendo se apresentar com febre, tosse seca ou com ex-
pectoração, mialgia, fadiga, anorexia, dispneia, dor de garganta, espirros,
coriza, cefaleia¹,², hemoptise, diarreia, vômitos, hipogeusia e hiposmia. A
48. 48
febre nem sempre está presente nos acometidos, sendo menos frequente na
infecção inicial e mais comum nos casos graves. Assim, a ausência de febre
não exclui a doença. Ademais, os sintomas de vias aéreas superiores pare-
cem ser menos proeminentes do que em outras causas de síndrome gripal.
Vários trabalhos relatam ainda a presença de sintomas neurológicos³, a
seguir divididos de acordo com o sistema afetado: 1) SNC: cefaleia, vertigem/
tontura, alteração da consciência, ataxia, crises convulsivas, AVC isquêmi-
co ou hemorrágico; 2) Sistema Nervoso Periférico: hiposmia, hipogeusia e
neuralgia. As manifestações neurológicas mais prevalentes foram vertigem,
cefaleia, hipogeusia e hiposmia.
Nos casos mais graves são descritas várias complicações, entre as quais,
cardíacas (sendo as arritmias as mais frequentes), choque, insuficiência re-
nal aguda, disfunção hepática e infecções bacterianas secundárias.
Letalidade e espectro de gravidade
A partir do histórico dos outros coronavírus que se espalharam pelo mundo
desde o ano de 2002 – SARS-CoV-1 e MERS-CoV – observou-se que os verdadei-
ros níveis de letalidade não são claros, pois muitos indivíduos infectados não
são testados, sendo frequente a chamada subnotificação.
Na MERS-CoV, por exemplo, demonstrou-se um índice de letalidade de
34,3%. Porém, estudo realizado entre voluntários que trabalhavam com dro-
medários (transmissor deste coronavírus a humanos)⁴ indicou que a maior
parte tinha o vírus, porém era assintomática ou oligossintomática. O mesmo
se observa na covid-19, em que muitos pacientes são infectados pelo SARS-
-CoV-2, mas apresentam quadros muito leves ou até mesmo nenhum sintoma,
não chegando a ser testados.
Na covid-19, ficou claro o amplo espectro de gravidade da doença. Enquan-
to cerca de 80% dos pacientes podem apresentar sintomas leves, 14% dos in-
fectados podem apresentar doença grave, com dispneia, hipoxemia ou grande
acometimento radiológico do pulmão. Os casos críticos, por sua vez, chegam a
5%, enquanto a taxa de letalidade geral é de 2,3%, em média, mas pode variar
entre países, especialmente de acordo com as características locais do sistema
de saúde, a capacidade de absorver a demanda por leitos de UTI e as caracte-
rísticas de base da população local, como distribuição etária e prevalência de
comunidades. Quando se avalia a mortalidade por faixa etária, contudo, per-
49. 49
cebe-se que é maior⁵ na população masculina e acima de 60 anos.
Período de incubação e início dos sintomas
Vários contextos e publicações médicas e não médicas mencionam que
o período de incubação da covid-19, ou seja, o período em que os primeiros
sintomas levam para aparecer desde a infecção, dura em média cinco dias,
podendo chegar a até 12 a 14 dias.
Na maioria dos trabalhos publicados⁶, a média de dias de início de sin-
tomas até a admissão hospitalar foi de sete dias, com rápida evolução para
insuficiência respiratória geralmente a partir do 8º dia, nos casos graves. Por
isso, os pacientes com sintomas mais exuberantes devem ser orientados a
reconhecer os sinais de alarme e procurar rapidamente assistência médica,
caso notem qualquer sinal de piora.
Influência da idade e de comorbidades na doença
Artigo publicado no New England Journal of Medicine (NEJM)¹ com cer-
ca de mil pacientes com covid-19 na China indicou que menos de 1% ti-
nha até 14 anos de idade. Isto é, a taxa de crianças e adolescentes que
adoeceram é mais baixa. Se for considerada a população de 14 a 49 anos,
a taxa chega a 55%. Somados, pacientes dos 50 anos e a faixa acima de 65
correspondem a quase 43% dos doentes.
A idade mais avançada, contudo, se associa a formas graves da infec-
ção. Uma das hipóteses para esse achado está na maior frequência de co-
morbidades de base em pessoas mais idosas: a covid-19 poderia levar à
descompensação dessas patologias, comprometendo as funções pulmonar,
cardíaca, hepática e, em menor grau, renal. Indivíduos com pouca reserva
funcional desses órgãos, portanto, estariam sujeitos a disfunções orgânicas
mais importantes, o que acabaria contribuindo ao óbito. Assim, conside-
ram-se pertencentes a grupos de risco os pacientes com hipertensão arte-
rial sistêmica⁷, diabetes, doenças cardiovasculares, neoplasias malignas,
imunossuprimidos, portadores de doenças pulmonares, pacientes obesos,
gestantes e puérperas.
Jovens podem adoecer também, mas, em geral, atingem quadros mais
leves. Ainda não se sabe o porquê de as crianças com idade inferior a nove
anos – parcela que foi vulnerável ao H1N1 – progredirem a formas graves
50. 50
e a óbito apenas em casos raros, de acordo com a literatura disponível. A
explicação talvez se relacione a algum mecanismo imunológico, como uma
menor resposta inflamatória das crianças, o que resultaria em uma lesão
tecidual mais branda. No entanto, como quase não apresentam sintomas,
podem se tornar grandes transmissoras do SARS-CoV-2.
Muitas questões surgiram no mundo em relação ao risco de transmissão
vertical. Inicialmente, estudos limitados realizados na China não identifica-
ram infecção em recém-nascidos de gestantes que contraíram a doença no pe-
riparto. Desde então, contudo, alguns poucos casos de infecção congênita fo-
ram relatados, mas os desfechos neonatais em geral foram bons, na ausência
de outros fatores de risco, como parto prematuro⁸. (Veja mais no capítulo 13).
Diferenças entre gripe comum, covid-19, e influenza H1N1
Os principais sintomas relacionados à covid-19 incluem tosse (produtiva, em
um terço dos pacientes), dispneia e fadiga. É comum, entretanto, empregar a
aferiçãodetemperaturacomoscreening.Porém,trabalhosevidenciamquequase
56% dos pacientes pesquisados apresentavam temperatura abaixo de 37.5 graus.
Outro estudo concluiu que 23% não apresentaram febre. Leia-se: febre não é
obrigatória dentro do quadro, e sua ausência não afasta a hipótese diagnóstica.
Assim, os sintomas de gripe e covid-19 não são tão semelhantes. Além da
possível ausência de febre, sintomas de vias aéreas superiores, como a rinor-
reia, são pouco frequentes na covid-19. Por outro lado, diferente do verifica-
do na H1N1, cujo principal grupo de risco envolvia cardiopatas, pneumopa-
tas e portadores de outras doenças crônicas, a hipertensão e diabetes são as
principais comorbidades que aumentam o risco na covid-19.
Além do período de incubação mais prolongado na covid-19 do que na gri-
pe, a evolução da primeira pode ser mais lenta. Ou seja, enquanto pacientes
com influenza que necessitam de internação ficam de três a cinco dias em
enfermaria e em até dez dias, se for preciso, na UTI, na covid-19 isso aumen-
ta para até duas semanas em enfermaria e até 20 dias em UTI. O resultado é
a sobrecarga do sistema de saúde.
Achados radiológicos
O padrão mais descrito até agora é o chamado “vidro fosco”, observado
por tomografia computadorizada de alta resolução do tórax, e que se traduz
51. 51
pelo aumento do coeficiente de atenuação dos pulmões, sem, no entanto,
apagar as marcas broncovasculares. No início da infecção, o vidro fosco
pode estar isolado, e, ao longo dela, espalhar-se para outras áreas, tanto na
periferia quanto em todo o lobo pulmonar.
Porém não é possível fechar diagnóstico apenas com imagens de tomo-
grafia e/ou ultrassom, pois o padrão em vidro fosco está presente em outras
doenças pulmonares, como influenza e infecções pelo vírus sincicial res-
piratório. Ou seja, exames radiológicos ajudam no contexto de epidemia,
porém, não dão certeza sobre qual é a doença, ainda mais quando se fala de
uma de padrão dinâmico como covid-19. (Veja mais no Capítulo 8).
Fluxograma de atendimento
Apesar de os sintomas serem capazes de se mostrar de forma isolada
(por exemplo, anosmia), a maior parte dos pacientes que se apresenta ao
serviço de saúde e que suscita a suspeita de covid-19 manifesta a chamada
síndrome gripal. Trata-se de um quadro respiratório agudo associado à
febre (pode estar ausente na covid-19), tosse ou dor de garganta, além de
sintomas como cefaleia ou mialgia.
Ao se deparar com um caso de síndrome gripal, o primeiro passo que o médi-
co deve realizar é estratificar o risco do paciente e identificar se são preenchidos
os critérios para Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG). São eles: saturação
de oxigênio menor que 95% em ar ambiente, sinais de desconforto respiratório
(aumento da frequência respiratória acima de 24/min, mas que pode variar por
idade; uso de musculatura acessória; entre outros) e sinais de cianose.
Na página 52 é representado fluxograma de atendimento (Figura 1) de pacien-
tes com síndrome gripal, com e sem SRAG.
Estratégias terapêuticas
lllllAlém das medidas de suporte recomendadas, como uma ventilação mecâni-
ca adequada, muito se discute sobre tratamentos específicos para a covid-19. Até
o momento atual, contudo, não há evidências de nenhuma terapia antiviral es-
pecífica para atendimentos de rotina em covid-19. Nos Estados Unidos, o remde-
sivir foi liberado pela Food and Drug Administration para o uso em casos graves⁹,
por demonstrar benefícios nesses pacientes. Contudo, permanece indisponível
para os pacientes brasileiros que preencheriam seus critérios de indicação.
52. 52
Por se tratar de uma nova doença, mais de 300 ensaios clínicos foram e
estão sendo realizados no mundo, indicando um leque de alternativas dis-
poníveis em curto e médio prazos. Contudo, é necessário ter prudência: em
uma revisão de literatura¹⁰ é possível encontrar estudos incluindo desde vita-
minas a, b, c, d, e, selênio e fitoterápicos até o uso de transfusão de plasma de
convalescidos a doentes de covid-19. Assim, antes de presumir que qualquer
intervenção é eficaz, é necessário analisar os estudos de forma crítica.
Para crianças, considerar frequência respiratória de acordo com a faixa etária e outros sinais de
desconforto, como tiragem intercostal, tiragem de fúrcula e batimento de asa nasal.
*Síndrome gripal: quando o indivíduo apresenta qualquer um dos sintomas como coriza, febre,
tosse, dispneia, dor de garganta, sem estar relacionado a patologia conhecida previamente por
exame, como rinites e sinusites crônicas
**O Ministério da Saúde brasileiro orienta, atualmente, isolamento domiciliar por 14 dias, a partir do
primeiro dia de sintoma, podendo ser revogado se houver comprovação de não infecção pelo Covid-19 ou por
comprovação de clareamento viral em swab de vigilância (não disponível pelo Sistema Único de Saúde).
***Grupos de risco: pessoas com idade 5 ou ≥ 60 anos, portadores de doenças crônicas (tais como
hipertensão arterial, cardiopatias, diabetes, neoplasias), imunossuprimidos, portadores de tuberculose
pulmonar, gestantes e puérperas e pacientes obesos.
53. 53
O uso off label¹¹ de alguns medicamentos pode ser feito, com base em evi-
dências menos robustas, a critério do médico, ponderando-se caso a caso e
pesando-se os riscos envolvidos. Contudo, também não se deve usar medica-
ções de forma off label indiscriminadamente, para evitar riscos ao paciente.
A seguir, são discutidos os principais tratamentos propostos para a covid-19.
1) Corticosteroides
A ação do SARS-CoV-2 pode causar uma intensa resposta inflamatória
pulmonar, que, em muitos casos, evolui para SDRA, motivo pelo qual os
corticoides poderiam ter algum papel benéfico.
No final de junho de 2020, um estudo britânico¹² patrocinado pelo go-
verno do Reino Unido e conduzido por pesquisadores da Universidade de
Oxford, apontou potenciais benefícios da dexametasona, um glicocorticoi-
de, no tratamento de pacientes graves. O ensaio clínico randomizou 2104
pacientes para receber 6mg de dexametasona uma vez por dia (por via oral
ou endovenosa) por dez dias. Os desfechos foram comparados com os do
grupo controle composto por 4321 pacientes randomizados para receber
apenas os cuidados habituais. A dexametasona teve maior benefício nos
pacientes em ventilação mecânica, nos quais reduziu a mortalidade em um
terço, comparado ao braço controle. O benefício foi menor, mas ainda pre-
sente nos pacientes recebendo apenas oxigênio, nos quais a mortalidade
foi reduzida em 1/5. Contudo, não houve benefício entre os pacientes que
não necessitaram de suporte respiratório.
Com base nesses resultados, uma morte teria sido evitada pela dexame-
tasona a cada oito pacientes ventilados ou a cada 25 pacientes que neces-
sitavam apenas de oxigênio. Não obstante, os dados detalhados do estudo
ainda foram revelados apenas de forma preliminar e muitos pesquisadores
recomendam cautela em conclusões mais definitivas.
2) Plasma de convalescentes ou soro de anticorpos neutralizantes
Muito se tem comentado sobre a possibilidade do uso do plasma obtido de
pacientes que se recuperaram da infecção por SARS-CoV-2. Supõe-se que o
plasma desses pacientes conteria anticorpos, desenvolvidos por sua resposta
imune, capazes de neutralizar o vírus. Assim, esse efeito neutralizante pode-
ria ser aproveitado no paciente que recebesse o plasma, resultando em uma
54. 54
inibição da replicação viral e melhora da infecção.
No passado, a estratégia foi empregada em séries de casos e estudos maio-
res em pacientes críticos acometidos por influenza¹³. Ainda, uma revisão dos
estudos com pacientes com influenza e com SARS¹⁴ (doença causada pelo
SARS-CoV-1 no início dos anos 2000) demonstrou alguma eficácia dessa es-
tratégia, embora as pesquisas analisadas tivessem risco de viés.
Na covid-19, alguns casos de pacientes tratados com plasma de convales-
centes foram descritos, mas estudos maiores e controlados estão sendo ini-
ciados. Uma das instituições a testar é o Hospital das Clínicas da Faculdade
de Medicina da USP (HC-FMUSP)¹⁵, iniciativa inédita na rede pública, mas já
promovida em hospitais privados da capital, após anuência das autoridades
sanitárias. No HC-FMUSP, 40 pacientes internados na enfermaria receberiam
de 400 a 600 ml de plasma; um grupo-controle de 40 outros não receberia.
3) Cloroquina e hidroxocloroquina
O efeito antiviral in vitro da cloroquina foi demonstrado no passado para
diversos vírus e também foi observado no SARS-CoV-2. O mecanismo de ação
proposto para essas drogas é o bloqueio da entrada do SARS-CoV-2 através de
diversos mecanismos ainda pouco claros, em especial, a diminuição do pH
de endossomos. Ademais, ambas as drogas possuem efeitos imunomodula-
tórios, motivo pelo qual são utilizadas para tratar doenças reumatológicas.
Provavelmente o uso da hidroxicloroquina seja o tratamento que mais con-
trovérsias está causando nos últimos meses em nosso país. É preciso lembrar
que comprovar a eficácia e a eficiência de medicamentos requer, em geral,
estudos bastante complexos, baseados em ensaios clínicos randomizados
com um número expressivo de pacientes, padrão ouro na medicina baseada
em evidências. Porém, desde o aparecimento do SARS-CoV-2, causando a co-
vid-19, ainda não houve tempo suficiente para este tipo de publicação. O que
temos até o momento são diversos estudos pequenos, com problemas metodo-
lógicos, que mantêm a dúvida sobre a eficácia do fármaco.
Entre esses, um estudo francês sem grupo controle ou cegamento¹⁶ e um es-
tudo chinês¹⁷, ainda não publicado em revista submetida a revisão por pares,
apontaram alguma eficácia da hidroxicloroquina. Porém, problemas metodo-
lógicos como tamanho de amostra pequeno e interrupção do tratamento por
vários pacientes representam vieses importantes desses dois estudos. Assim,
55. 55
ambos não são suficientes para consolidar esses fármacos como padrão no
tratamento. Outro estudo¹⁸ que gerou bastante repercussão foi publicado na
revista The Lancet, no qual um grande número de pacientes foi avaliado, de-
monstrando a ineficácia da hidroxicloroquina no tratamento da covid-19. Con-
tudo, críticas surgiram devido à divergência do número de pacientes alocados
em cada braço do estudo, levando os autores a retirar a publicação.
Portanto, ainda faltam estudos robustos do ponto de vista científico para
a grande maioria dos tratamentos, incluindo a hidroxicloroquina, a qual
no momento vem sendo defendida por alguns médicos para o chamado
“tratamento precoce”. Vale ressaltar que ao ser prescrita de forma off-label,
cabe ao médico prescritor considerar os riscos de prolongamento do inter-
valo QT, arritmias cardíacas, retinopatia macular no longo prazo e, entre a
população mais velha, anemia hemolítica.
4) Lopinavir/ritonavir (Kaletra)
Usado em HIV, foi proposto para o tratamento da covid-19, associado a riba-
virina, por efeitos que pareceram promissores in vitro. Contudo, os estudos não
permitiram isolar o papel de cada uma das drogas ou se o efeito observado foi
decorrente da combinação de ambas. Ainda, deve-se ponderar que essas drogas
podem causar lesão hepática. Como os estudos iniciais falharam em demons-
trar benefícios, atualmente o antirretroviral perdeu lugar em termos de inves-
tigação para outros antivirais que têm resultados interinos mais promissores.
5) Remdesivir
Trata-se de um antiviral análogo de nucleosídeo, que inibe a replicação
de vírus de RNA, inicialmente empregado no tratamento de ebola, em que
se demonstrou promissor. In vitro, demonstrou grande capacidade de ini-
bir a replicação do SARS-CoV-2 e apresenta pouca toxicidade.
Em maio de 2020, a FDA liberou, em caráter de urgência, o uso do remde-
sivir para pacientes hospitalizados com formas graves de covid-19. A decisão
se baseou em resultados de estudo multicêntrico com mais de mil pacientes
com covid-19¹⁸ e comprometimento respiratório, em que a droga resultou
em um tempo mais rápido de recuperação (mediana de 11 dias de UTI versus
15 dias com placebo). Contudo, não reduziu de forma estatisticamente signi-
ficativa a mortalidade nesses pacientes (7 versus 12%).
56. 56
Assim como a dexametasona, o benefício mais evidente do remdesivir foi
em pacientes com doença grave (com hipóxia ou que necessitavam de oxigê-
nio suplementar), mas ainda não intubados. Contudo, um estudo chinês com
remdesivir não mostrou benefícios quanto ao tempo de internação ou morta-
lidade. Este estudo, porém, apresenta diferenças metodológicas, incluindo ca-
racterísticas diversas dos participantes, como perfil de comorbidades distinto
e uso concomitante de outros tratamentos.
6) Tocilizumab
É um anticorpo monoclonal direcionado contra o receptor de interleu-
cina-6 (IL-6), citocina pró-inflamatória que se mostrou estar elevada nos
casos graves de Covid-19 e que, portanto, supõe-se mediar a intensa infla-
mação observada nesses casos. O tocilizumab é utilizado atualmente para
o tratamento da artrite reumatoide, devido a sua ação imunomoduladora.
No momento, há relato de estudo¹⁹ com 21 pacientes que apresentaram
melhora importante, mas sem grupo controle. Diversos estudos controla-
dos avaliam a eficácia do tocilizumab neste momento, além de fármacos
com mecanismos de ação similar.
7) Favipiravir
Análogo de nucleosídeo que inibe a RNA polimerase viral, segundo da-
dos pré-clínicos envolvendo ebola, influenza e outros vírus de RNA. De-
monstrou boa tolerabilidade e está disponível no Japão para o tratamento
da influenza, mas os dados de eficácia contra a covid-19 são limitados. En-
saios clínicos estão em andamento.
8) Nitazoxanida
Antiparasitário que foi elencado como possível terapia para a covid-19.
Contudo, ainda se encontra em fase de avaliação quanto ao seu mecanismo
de ação, segurança e efeitos adversos.
9) Ivermectina
Nas últimas semanas, muito se tem falado do uso da ivermectina como
tratamento para a covid-19. Trata-se de uma medicação anti-helmíntica
bastante usada contra a escabiose, apontada por estudos in vitro como ca-
57. 57
paz de reduzir a replicação de RNA viral do SARS-CoV-2 ao se ligar à na sua
proteína de transporte. Contudo, ainda existem poucas evidências em rela-
ção à sua atividade in vivo.
Dados preliminares de um estudo observacional retrospectivo²¹, ainda
não publicado e não revisado por pares, realizado em três diferentes conti-
nentes, avaliou dados de um total de 1408 pacientes, divididos em 704 que
fizeram uso da medicação e 704 que não o fizeram. Foi encontrada uma
diminuição da mortalidade no braço ivermectina em relação aos pacientes
que não utilizaram o medicamento (1,4% vs. 8,5%; IC 95% = 0,11 – 0,37; p
0,0001), o que também foi encontrado no subgrupo de pacientes que neces-
sitou de ventilação mecânica (7,3% vs. 21,3%; p 0,001).
Porém, como todas as outras medicações em uso para a covid-19, ainda
faltam estudos prospectivos controlados e robustos para avaliar a eficácia
e segurança da droga.
Além destas, outras medicações ou estratégias de investigação (limita-
das a ensaios clínicos) se encontram em análise. Entre elas, se incluem:
o antibiótico azitromicina e os antivirais baloxavir marboxil, oseltamivir,
ribavirina, e umifenovir.
Em suma, a conclusão sobre o arsenal terapêutico contra covid-19 é que
ainda são necessários mais estudos, principalmente ensaios clínicos rando-
mizados duplo-cegos e controlados, para concluirmos sobre o tratamento
ideal desta doença. É prematuro presumir a eficácia de estratégias terapêu-
ticas que ainda estão em fase muito inicial de investigação. Ainda, é deveras
perigoso extrapolar para a vida real experimentos de ciência básica ou de
estudos clínicos com sérias limitações metodológicas, apesar da ansiedade
global na busca de uma cura para a covid-19. O que deve ser estimulado nes-
se momento é a avaliação crítica dos ensaios clínicos publicados e a união
dos serviços em uma rede colaborativa de pesquisas em prol de produzir
evidências científicas de melhor qualidade.
Tempos de incerteza
Após pouco mais de oito meses de pandemia da covid-19, poucas certezas existem
em termos de tratamento efetivo contra o SARS-CoV-2. O suporte avançado de vida
em unidade de terapia intensiva e outras medidas clínicas adjuvantes indiretas têm
58. 58
Ventilação mecânica e intubação
Em contexto de pandemias é compreensível o desespero de médicos em
prescrever o que há disponível a pacientes em risco de morte. Pode ser o
momento de lembrar aos profissionais a regra hipocrática de não fazer o
mal. Atente-se: não causar iatrogenia.
Portanto, muita cautela é necessária na indicação de intubação. Se, por
um lado, deve-se evitar o retardo da intubação, uma vez que quadros mais
graves podem descompensar abruptamente, também não se deve realizar o
forte relação com redução da mortalidade e com outros desfechos benéficos. O uso da
ventilação mecânica protetora tem grande benefício e é descrito no Capítulo 10 desta
publicação. Porém, em termos de medicações ou estratégias de tratamento diretamente
relacionadas a um efeito antiviral, ainda não há evidências em ensaios clínicos que
permitam extrapolar o benefício de qualquer estratégia em larga escala.
É gigantesco o apelo humanitário e político que os óbitos em todo o mundo causam
nesse momento, no sentido de uma solução terapêutica, mas, como médicos que
respeitam as evidências científicas, é necessário permanecer céticos em relação a
estudos que possam conter falhas metodológicas. Também é necessário muito cuidado
em prescrever tratamentos off-label (sem indicação em bula) e de forma compassiva,
sempre pesando os riscos e benefícios.
Por outro lado, diante desse cenário totalmente novo, de incertezas e de risco de
desenvolvimento de casos graves, o médico tem a prerrogativa da incerteza científica,
podendo lançar mão da avaliação individual da relação custo-benefício em cada caso, e
indicar drogas ou estratégias em que o potencial efeito benéfico seja maior que os eventuais
efeitos adversos. Nesses casos, o indivíduo (ou seu substituto legal) deve estar de acordo e
o médico será responsável pela conduta indicada, não podendo transferi-la ao paciente.
Em termos de tratamento, esse é o momento de realizar ensaios clínicos que
possam objetivamente evidenciar os potenciais benefícios e/ou eventos adversos de
diversas estratégias que se colocam como promissoras, com a finalidade de evitar os
danos aos pacientes em época tão crucial para a medicina. Assim, a combinação rápida
e simultânea de tratamento de suporte de qualidade e ensaios clínicos randomizados é
a única solução para se encontrar um tratamento efetivo e seguro contra a covid-19, e
outras futuras epidemias.
59. 59
procedimento desnecessariamente. Assim, devem ser seguidos critérios e
protocolos bem estabelecidos, abordados em detalhes no Capítulo 10.
Em linhas gerais, as melhores condutas se baseiam nos cuidados ao pul-
mão de SDRA (síndrome do desconforto respiratório agudo), incluindo a
técnica de ventilação mecânica protetora, também abordada em maiores
detalhes nesta publicação, no Capítulo 10. Estratégias como uma prova de
ventilação não-invasiva e o uso de catéter nasal de alto fluxo podem ser usa-
das caso o paciente e sua situação permitam. Também é necessário seguir
protocolo de segurança, visto o risco de produção de aerossóis nesses pro-
cedimentos, como isolamento adequado e uso de máscaras N95 pela equi-
pe. Não se deve, contudo, insistir e, caso o paciente não apresente resposta,
a intubação não deve ser postergada.
Por fim, notícias foram veiculadas durante a pandemia em que dois ou
mais pacientes compartilhavam o mesmo ventilador, por meio de adapta-
ções do circuito. A prática é contraindicada de rotina, pela improbabilidade
de que pulmões de pacientes diferentes tenham a mesma complacência
e resistência. Assim, por ser possível multiplicar o circuito de ventilador,
mas não promover manejos diferentes em pulmões de mais de um paciente
com o mesmo ventilador, a conduta pode resultar em lesão pulmonar as-
sociada à ventilação (veja mais no Capítulo 10). Trata-se, portanto, de uma
medida heroica, a ser usada apenas em situação de calamidade.
* Texto baseado nas lives “Manejo Clínico de Pacientes de covid-19”, integra em
https://www.youtube.com/watch?v=38IxSb6aA08t=1s e “Fenômenos Tromboem-
bólicos na covid-19”, íntegra https://www.youtube.com/watch?v=GvWc3dYjqaE
*Também foram usados os textos “Aspectos Clínicos da covid-19” e “Potenciais
estratégias terapêuticas”, publicados na edição nº 90 da Revista Ser Médico, em
http://www.cremesp.org.br/library/modulos/flipbook/revista/90/28-29/index.html
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63. 63
Manejo Clínico dos fenômenos
tromboembólicos na covid-19
Capítulo 5
Trombose e covid-19
Embora nem sempre as manifestações trombóticas cheguem a ser verifi-
cadas em pacientes graves com covid-19, passaram a chamar a atenção da
comunidade médica, por sua particularidade em relação a outras infecções
virais, como a influenza. Assim como os achados histopatológicos envolven-
do microtrombos pulmonares por pesquisadores brasileiros¹, abordados em
maiores detalhes no Capítulo 3, outros estudos necroscópicos observaram a
ocorrência de fenômenos trombóticos na covid-19. Por exemplo, um estudo
realizado na Alemanha² encontrou trombose de membros inferiores em sete
das doze autópsias realizadas em pacientes falecidos por covid-19 e que não
possuíam suspeita desse diagnóstico durante a internação. Ainda, quatro
desses pacientes apresentaram tromboembolismo pulmonar (TEP) maciço
como causa do óbito, enquanto seis dos nove pacientes masculinos apresen-
taram trombos no plexo venoso prostático.
A tendência pró-trombótica observada na covid-19, contudo, não foi ob-
servada apenas em estudos necroscópicos. Uma coorte retrospectiva na Ho-
landa³ analisou 198 pacientes, 38% dos quais internados em UTI, que usavam
uma heparina de baixo peso molecular (HBPM), a nadroparina, de forma
profilática de rotina. Ainda assim, foi constatado tromboembolismo venoso
em 47% dos pacientes em UTI, e 3,3% naqueles internados em enfermaria.
No geral, 15% dos pacientes tiveram TEP.
O estudo também apontou para uma incidência acumulada de trombo-
embolismo durante a internação bastante diferente entre pacientes inter-
nados em UTI, comparados aos internados em enfermaria. Ainda, esse
estudo mostrou que, apesar de todos os pacientes receberem profilaxia, o
risco de pacientes em UTI desenvolverem tromboembolismo venoso não
64. 64
foi reduzido com o uso da HBPM, mesmo em um período em que eles usa-
ram uma dose dobrada de profilaxia. Porém, tais conclusões não podem
ser extrapoladas com segurança para a prática clínica, já que o estudo se
trata de uma coorte isolada e unicêntrica. Todavia, hipóteses a serem inves-
tigadas em estudos controlados e randomizados podem ser suscitadas.
Outro estudo⁴ prospectivo versou sobre tromboembolismo venoso em
150 pacientes internados unicamente em UTI, todos em uso de heparina,
em dois centros. Os achados apontaram que em 96,6% dos casos, em algum
momento, houve coágulos em dispositivos extracorpóreos, como circuito de
diálise e de ECMO.
A sobrevida de pacientes que tiveram trombose foi comparada às do que
não apresentaram esse achado, em uma coorte da China⁵. Como resultado, na
presença de trombose, a taxa de óbito de chegou em 34.8%, em comparação
a 11.7% dos pacientes que não a apresentaram, o que indica que a ocorrência
de trombose pode estar associada com o desfecho pior.
Algumas casuísticas⁶ apontam incidência de trombose em pacientes in-
ternados em UTI, mesmo recebendo profilaxia farmacológica, de até 49% no
decorrer de toda a internação, sendo que vários não apresentaram sintomas
clínicos. É uma taxa extremamente alta, já que a estimativa é de que isso
ocorra em 10% dos pacientes internados em UTI por todas as outras doenças.
Diagnóstico da trombose venosa profunda e do tromboembolismo pulmo-
nar nos pacientes com covid-19
Dificuldades técnicas e operacionais
Uma das primeiras barreiras a serem superadas para o diagnóstico cor-
reto dos fenômenos tromboembólicos na covid-19 corresponde ao risco
ocupacional de transmissão, já que o uso de aparelhos como ultrassom e
tomógrafo é compartilhado entre os pacientes, considerando também que
há risco de transmissão do SARS-CoV-2 durante o transporte.
Ainda, sob o ponto de vista de realização de exames, o paciente pode
apresentar instabilidade clínica, impossibilitando a realização, por exem-
plo, de angiotomografia com protocolo para TEP, ou cintilografia de venti-
lação-perfusão. Se estiver em posição prona, não há condições de executar
o ecocardiograma transtorácico, ou mesmo, a ultrassonografia com doppler
de membros inferiores.
7