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Mito e Filosofia
O homem sempre tentou dar sentido às coisas e colocar ordem no seu mundo para que pudesse saber
como agir no cotidiano. “O espírito do homem não suporta a desordem porque não pode pensá-la”
(ARAGON, 1996, p. 215 ).
Mas, como organizar a realidade? A humanidade seguiu por dois caminhos diferentes:
1. Fabulação: mitos
2. Razão: filosofia
Na busca de explicar e ordenar o mundo estão presentes tanto o mito, que usa pensamento por figuras
quanto a racionalidade que se empenha em pensar por conceitos.
A NARRATIVA MÍTICA
A narrativa mítica se constitui na mais rica experiência de explicação e ordenação do mundo e dos
homens. Um mito é uma narrativa sobre a origem de alguma coisa (origem dos astros, da Terra, dos
homens, das plantas, dos animais, do fogo, da água, dos ventos, do bem e do mal, da saúde e da
doença, da morte, dos instrumentos de trabalho, das raças, das guerras, do poder, etc.).
A palavra mito vem do grego, mythos, e deriva de dois verbos: do verbo mytheyo (contar, narrar,
falar alguma coisa para outros) e do verbo mytheo (conversar, contar, anunciar, nomear, designar).
Para os gregos, mito é um discurso pronunciado ou proferido para ouvintes que recebem como
verdadeira a narrativa, porque confiam naquele que narra; é uma narrativa feita em público,
baseada, portanto, na autoridade e confiabilidade da pessoa do narrador. E essa autoridade vem do
fato de que ele ou testemunhou diretamente o que está narrando ou recebeu a narrativa de quem
testemunhou os acontecimentos narrados.
Quem narra o mito? O poeta-rapsodo. Quem é ele? Por que tem autoridade? Acredita-se que o poeta
é um escolhido dos deuses, que lhe mostram os acontecimentos passados e permitem que ele veja a
origem de todos os seres e de todas as coisas para que possa transmiti-la aos ouvintes. Sua palavra - o
mito - é sagrada porque vem de uma revelação divina. O mito é, pois, incontestável e inquestionável.
Mircea Eliade, tenta definir mito da seguinte forma:
“O mito é uma realidade cultural extremamente complexa, que
pode ser abordada e interpretada em perspectivas múltiplas e
complementares [...] o mito conta uma história sagrada, relata
um acontecimento que teve lugar no tempo primordial, o
tempo fabuloso dos começos...
O mito conta graças aos feitos dos seres sobrenaturais, uma
realidade que passou a existir, quer seja uma realidade tetal, o
Cosmos, quer apenas um fragmento, uma ilha, uma espécie
vegetal, um comportamento humano, é sempre, portanto uma
narração de uma criação descreve-se como uma coisa foi
produzida, como começou a existir...” Mircea Eliade, Aspectos
do Mito, pág12/13.
Toda narrativa mítica se constitui num esforço de explicar como tudo começou. Desde questões da
condição humana aos eventos da natureza, o nascimento dos deuses...
Não é possível entender o mito julgando a história ao pé da letra porque ele nunca limita àquilo que nele se
exprime. Trás sempre uma lição que trata do comportamento humano e que pode ser entendida na análise da
historia. Para entender melhor veja o mito de Dédalo e Ícaro:
Porém, Dédalo foi a primeira vítima de sua invenção. Após provocar a ira de Minos, Dédalo foi encerrado no
labirinto juntamente com seu filho Ícaro e o Minotauro. Dédalo resolveu, então, fabricar asas artificiais para si
e para seu filho com o objetivo de sair do labirinto pelos ares. Depois de muito trabalho, prendeu as asas com
cera. Antes porém de saírem voando, Dédalo recomendou ao filho que não voasse muito alto, pois a
proximidade com o sol poderia derreter a cera. Abriram asas e partiram.
Ícaro, esquecendo-se da recomendação do pai elevou-se demais, chegando muito perto do Sol. A cera de suas
asas derreteu e ele precipitou-se no mar Egeu, que desde então passou a chamar-se mar Icário.
Quando Ícaro, foi tão alto, além de desobedecer ao pai, exigiu de suas asas muito mais do que elas
poderiam dar.
Trazendo para nossos dias: Quantos exigem da vida muito mais do que as suas condições permitem? O
cartão de crédito, por exemplo, nos dá a sensação de que podemos fazer coisas incríveis. Podemos
passar do limite é com isso termos uma derrocada financeira.
CARACTERÍSTICAS
Pensamento Mágico: O mito está ligado à magia, ao sobrenatural. Entende que é possível
realizar ações específicas para ter desejos satisfeitos. Dessa forma, muitos rituais são
realizados como forma de garantir os eventos desejados.
Dogmático: Não há necessidade de comprovação pois sua aceitação vem da crença.
Dédalo, era um artista muito talentoso que foi
descendente de reis de Atenas e estudou com o deus
Mercúrio. Inventou, entre outras coisas, os remos,
que deveriam substituir as velas. Teve um conflito
com seu sobrinho e terminou por mata-lo, sendo por
isso, condenado a morte. Fugiu para Creta e se
refugiou na corte do rei Minos.
Foi o construtor do famoso labirinto, lugar reservado
para aprisionar um terrível monstro, o Minotauro.
Para garantir que o monstro não fugiria elaborou um
um cercado de madeiras arrumadas de tal forma
que, uma vez la dentro, ninguém conseguia sair.
Coletivo: Não existe mito de uma pessoa, ele se manifesta no coletivo. É nesse âmbito que o
indivíduo tem consciência de si, como membro de um grupo, o Outro me reporta quem sou.
As narrativas tratam de problemas universais e não de uma pessoa isoladamente.
ALGUMAS CLASSES DE MITOS
Muitos poetas como Hesíodo e Ovídio tiveram o trabalho de tentar uma classificação dos
tipos de mitos embora não seja possível ser muito rigoroso nesse sentido. Existem mitos que
buscaram explicações sobre a criação do universo e do homem. Eles ficaram conhecidos como
mitos de origem. Neste grupo é possível distinguir as cosmogonias, mitos sobre a origem do
cosmos e as teogonias, mitos sobre as origens dos deuses e, por fim os mitos religiosos, que
se baseiam no poder de um único Deus.
Deuses foram criados à semelhança dos homens, com defeitos e qualidades, e uma carga de
sentimentos idêntica aos humanos como amor e ódio, vingança, vaidade, egoísmo, traição,
que é o caso do deus supremo do Olimpo: Zeus.
Com a invasão da Grécia pelos bárbaros do Norte europeu, houve um choque cultural. Como uma
mulher, uma deusa, era considerada mais importante na sociedade? Então Hera foi casada com
Zeus, seu irmão para ter um lugar menos destacado, apenas de esposa, representando isso a
derrota do culto matrifocal na Grécia, sendo substituída pelos cultos patrifocais.
Casou-se com sua irmã Hera mas teve casos
com muitas deusas e humanas. Das
infidelidades vieram muitos filhos e filhas a
quem Hera perseguia tenazmente, ficando
conhecida como deusa ciumenta. Do encontro
de Zeus e Alcmena, nasce Hercules, o mais
odiado filho bastardo de Zeus.
Hera, conhecida como Rainha dos Céus, é uma
divindade cultuada muito antes de Zeus no mundo
Mediterrâneo e seus cultos se espalharam por
muitos lugares. Haviam procissões, com oferenda,
seguidas de banquetes, competições esportivas e o
ápice das celebrações era quando as sacerdotisas
faziam procissões anuais, momento em que
levavam as estátuas de Hera para serem lavadas
no mar.
Outra questão social envolvendo a deusa trata-se do casamento monogâmico defendido pela
deusa, que se tornava uma realidade nova na Grécia, mas se chocava com os costumes primitivos de
poligamia Hera representa uma ideia, uma visão de sociedade. Passa a ser considerada a deusa do
casamento.
Gerou Hefesto que nasceu muito feio e deformado. E a forma mítica, de explicar à civilização
antiga as falhas genéticas relativas a casamentos entre parentes próximos, resultado das
preocupações gregas.
FUNÇÕES DO MITO
De acordo com Chauí, o mito tem três frentes de funções: explicar, organizar e compensar (Chauí,
p. 162).
1. A função explicativa da realidade é uma forma de tranquilizar o homem em um mundo
assustador e não decifrado. O mito de Perséfone, por exemplo, explica o surgimento das
estações do ano e possíveis períodos de escassez de grãos.
2. Mito com função de organização – Determina o que pode ou não pode ser feito nas relações
entre as pessoas. Como exemplo o mito de Édipo na proibição do incesto.
filosofojr.wordpress.com/2008/09/30/o-mito-de-edipo-rei/ - 134k
3. Mito com função compensatória onde “o mito narra uma situação passada, que é a negação
do presente e que serve tanto para compensar os humanos de alguma perda como para garantir-
lhes que um erro passado foi corrigido no presente, de modo a oferecer uma visão estabilizada e
regularizada da Natureza e da vida comunitária.” (Chauí, p. 162). A história de Orfeu nos mostra
essa categoria de mito. Orfeu perde a esposa a quem tanto amava mas, se reúne novamente a ela
depois da morte.
COMO O MITO EXPLICA A EXISTÊNCIA DO MUNDO E O QUE NELE EXISTE?
1. O principio de todas as coisas - toda existência é oriunda das relações sexuais entre os
deuses e destes com humanos, surgindo os titãs (seres semi-humanos e semidivinos), os heróis
(filhos de um deus com uma humana ou de uma deusa com um humano), os humanos, e a
natureza.
Ex.: Sobre a origem do amor, deus do amor, Eros (Cupido) há o seguinte relato, exemplo extraído
do Banquete 203a, de Platão, após a observação das atitudes de uma pessoa apaixonada, sempre
insegura, ansiosa e disposta a tudo para conseguir seu intento.
“Houve uma grande festa entre os deuses. Todos foram convidados, menos a deusa Penúria,
sempre miserável e faminta. Quando a festa acabou, Penúria veio, comeu os restos e dormiu com
o deus Poros (o astuto engenhoso). Dessa relação sexual, nasceu Eros (ou Cupido), que, como sua
mãe, está sempre faminto, sedento e miserável, mas, como seu pai, tem mil astúcias para se
satisfazer e se fazer amado. Por isso, quando Eros fere alguém com sua flecha, esse alguém se
apaixona e logo se sente faminto e sedento de amor, inventa astúcias para ser amado e satisfeito,
ficando ora maltrapilho e semimorto, ora rico e cheio de vida.”
2. A discórdia ou acordo entre os deuses que faz surgir alguma coisa no mundo. Exemplifica este
tipo de mito a história narrada por Homero, na Ilíada, que narra a guerra de Tróia. Justifica o
motivo pelo qual em certas batalhas, os troianos eram vitoriosos e, em outras, a vitória cabia aos
gregos. Havia divisão entre os deuses e na medida que Zeus se unia a um grupo de deuses ou
outro, determinava na terra quem vencia a batalha.
Já de início, a guerra começou em função de rivalidade entre as deusas. Por disputa do titulo de
mais bela aparecem em sonho para o príncipe troiano Paris, oferecendo a ele seus dons e ele
escolheu a Afrodite. Isso gerou ciúmes nas outras deusas, o fizeram raptar a grega Helena, mulher
do general grego Menelau, promovendo a guerra.
3. Exigência de submissão: recompensas ou castigos que os deuses dão a quem os desobedece
ou a quem os obedece, conforme o exemplo a seguir.
A EXPLICAÇÃO PARA A ORIGEM MAL NO MUNDO: A CAIXA DE PANDORA
Prometeu, com pena dos homens que passavam necessidades, resolveu furtar uma
centelha de fogo dos deuses e doa-la aos homens juntamente com a orientação de
como acendê-lo. Zeus ficou furioso com essa atitude de Prometeu pois, o fogo
deveria ser um segredo mantido entre os deuses. Por essa razão acorrenta
prometeu numa montanha e todos os dias uma águia vinha devorar-lhe o fígado
que, durante a noite se reconstitui para ser novamente devorado pela manhã. Aos
homens determinou outra punição.
Ordenou a Hefesto, que criasse uma mulher perfeita, e que a levasse à reunião
dos deuses. Ela foi apresentada aos deuses, e todos ficaram admirados pela
beleza da moça e, cada um lhe deu um dom particular. Atena, a deusa da
sabedoria e da guerra, vestiu essa mulher ricamente e enfeitou sua cabeça com
uma coroa de ouro ornamentada por flores, lhe ensinou as artes das mulheres
como a arte de tecer; Afrodite lhe deu o encanto, que despertaria o desejo dos
homens; As Cárites, deusas da beleza, e a deusa da persuasão ornaram seu
pescoço com colares de ouro; Hermes, o mensageiro dos deuses além de lhe dar o
dom da fala de falar, ensinou-lhe a arte de seduzir os corações por meio de
palavras insinuantes.
Ela recebeu o nome de Pandora, que em grego quer dizer "todos os dons". Zeus
lhe entregou uma caixa fechada, e mandou que ela a levasse como presente a
Prometeu. Ele porém, não quis receber nem Pandora, nem a caixa, e recomendou
a seu irmão, Epimeteu, que também não aceitasse nada vindo de Zeus. Mas
Epimeteu, ficou encantado com a beleza de Pandora e casou-se com ela.
O RITO – LINGUAGEM EM AÇÃO DO MITO
Para ligar os humanos aos deuses, organizando o espaço e o tempo, são criados os ritos. Lévi-
Strauss diz que o ritual coloca em prática o mito, não se tratando apenas de formalidades. O
seu estudo permite melhor compreensão da sociedade.
O que é um ritual e qual a sua importância social?
Para o senso comum: Ação formal e arcaica, desprovida de conteúdo, usada para celebrar
momentos especiais. Ação ligada à esfera religiosa.
Para o discurso científico: “ cada ritual é um manifesto contra a indeterminação” – através da
repetição e da formalidade, os rituais demonstram a ordem e a promessa de continuidade dos
grupos. Rituais do dia a dia – universais, repetitivos e ordenadores do mundo.
RITUAIS - atribuem a cada um de nós novas identidades e novos papéis a serem
desempenhados junto ao grupo com o qual convivemos. O mundo é carregado de rituais
cotidianos que ORDENAM a vida social. (Claude Rivière).
“ o ritual é um fenômeno especial da sociedade, que nos
aponta e revela expressões e valores de uma sociedade, mas o
ritual expande, ilumina e ressalta o que já é comum a um
determinado grupo” (Rituais ontem e hoje, p.10).
Os rituais podem ser religiosos ou profanos, festivos, formais, informais, simples ou
elaborados pois o importante em um ritual são: SUAS CARACTERÍSTICAS DE FORMA,
CONVENCIONALIDADE, REPETIÇÃO, fatores que mudam de grupo para grupo.
Simbolizam o fim da infância e a passagem para a vida adulta. Geralmente ocorrem na
adolescência ou em algum momento marcante da fase adulta. São ritos de passagem: a
Pandora não resistindo à curiosidade abre a caixa de
lá escaparam todos os males que afligem a
humanidade: Loucura, Doença, Inveja, Paixão,
Vício, Praga, Fome e todos os outros males, que se
espalharam pelo mundo e tomaram miserável a
existência dos homens a partir de então. Epimeteu
tentou fechá-la, mas só restou dentro a Esperança, e
é graças a ela que os homens conseguem diante dos
sofrimentos não desistem de viver.
A expressão Caixa de Pandora é utilizada para
designar qualquer sentimento que nos move a
curiosidade mas que é sensato não tocar.
crisma (cristianismo), o Bar Mitzvá (judaísmo) e as cerimônias de casamento (várias religiões).
Todos aprendemos e nos modificamos até o fim da vida. Essa passagem para o mundo adulto,
no entanto é de especial importância para o indivíduo e para a sociedade, povos antigos e as
sociedades “primitivas” possuíam o que chamamos de “rituais de passagem”, cerimônias nas
quais os jovens eram iniciados no mundo adulto.
Temos em nossa sociedade correlatos desses rituais: o vestibular, a formatura, o casamento, o
sucesso profissional etc. Mas mesmo com a existência desses “correlatos”, em nossa cultura,
nem sempre, para nós, é clara a passagem para o mundo adulto.
O ritual é um sistema cultural de comunicação simbólica . O rito é uma cerimônia repetitiva
em que imita-se o ser sagrado que em algum tempo realizou a ação que os humanos buscam
repetir e perpetuar. Para isso tudo é pré determinado: gestos, palavras, objetos, pessoas e
emoções adquirem o poder misterioso de promover a ligação entre os humanos e a
divindade. A simbologia de um ritual, deverá ser seguida pois a sua eficácia dependerá da
repetição minuciosa e perfeita do rito, tal como foi praticado na primeira vez, porque nela os
próprios deuses orientaram gestos e palavras dos humanos.
A religião sacraliza o espaço e o tempo, seres e objetos do mundo, que se tornam símbolos
de algum fato religioso.
Cheios de carga simbólica, os objetos são retirados de seu lugar habitual, passando a ter novo
sentido para toda a comunidade – protetor, perseguidor, benfeitor, ameaçador. Sobre esse
ser ou objeto recai a noção de tabu (palavra polinésia que significa intocável): é um interdito,
ou seja, não pode ser tocado nem manipulado por ninguém que não esteja religiosamente
autorizado para isso. É assim, por exemplo, que certos animais se tornam sagrados ou tabus,
como a vaca na Índia, o tucano para a nação tucana, do Brasil.
MITO E FILOSOFIA
O homem pode ser identificado e caracterizado como um ser que pensa e cria explicações.
Criando explicações, cria pensamentos. Na criação do pensamento, estão presentes tanto o mito
como a racionalidade, ou seja, a base mitológica, enquanto pensamento por figuras, e a base
racional, enquanto pensamento por conceitos. Esses elementos são constituintes do processo de
formação do conhecimento filosófico. Este fato não pode deixar de ser considerado, pois é a partir
dele que o homem desenvolve suas idéias, cria sistemas, elabora leis, códigos, práticas.
Compreender que o surgimento do pensamento racional, conceitual, entre os gregos, foi decisivo
no desenvolvimento da cultura da civilização ocidental e é condição para que se entenda a
conquista da autonomia da razão (lógos) diante do mito. Isso marca o advento de uma etapa
fundamental na história do pensamento e do desenvolvimento de todas as concepções científicas
produzidas ao longo da história humana.
O conhecimento de como isso se deu e quais foram as condições que permitiram a passagem do
mito à filosofia elucidam uma das questões fundamentais para a compreensão das grandes linhas
de pensamento que dominam todas as nossas tradições culturais.
Deste modo, é de fundamental importância conhecer o contexto histórico e político do
surgimento da filosofia e o que ela significou para a cultura. Esta passagem do pensamento mítico
ao pensamento racional no contexto grego ainda é importante pois os mesmos conflitos entre
mito e razão, vividos pelos gregos, são problemas presentes, ainda hoje, em nossa sociedade, na
qual a própria ciência depara-se com o elemento da crença mitológica ao apresentar-se como
neutra, escondendo interesses políticos ou econômicos em sua roupagem sistemática, por
exemplo.Ao escrever os autores selecionados preocupam-se em desenvolver textos que permitam
a experiência filosófica a partir de três recortes, que são: Mito e Filosofia; O Deserto do Real;
Ironia e Filosofia.
Mito e Filosofia: trata do problema da ordem e da desordem no mundo. O homem, ao procurar a
ordem do mundo, cria tanto o mito como a filosofia. Muitos povos da antigüidade
experimentaram o mito, que é um pensamento por imagens. Os gregos também fizeram a
experiência de ordenar o mundo por meio do Mito. Estes perceberam que o Mito era um jeito de
ordenar o mundo. A experiência política grega, ao longo dos anos, trouxe a possibilidade do
pensamento como logos (razão), pois a vida na pólis impôs exigências que o mito já não satisfazia.
Mas será que com a filosofia o mito desaparece? Será que em nossa sociedade ainda nos
orientamos pelo pensamento mítico?
Quais são as diferenças entre Filosofia e mito? Podemos apontar três como as mais importantes:
1. O mito pretendia narrar como as coisas eram ou tinham sido no passado imemorial, longínquo e
fabuloso, voltando-se para o que era antes que tudo existisse tal como existe no presente. A
Filosofia, ao contrário, se preocupa em explicar como e por que, no passado, no presente e no
futuro (isto é, na totalidade do tempo), as coisas são como são;
2. O mito narrava a origem através de genealogias e rivalidades ou alianças entre forças divinas
sobrenaturais e personalizadas, enquanto a Filosofia, ao contrário, explica a produção natural das
coisas por elementos e causas naturais e impessoais. O mito falava em Urano, Ponto e Gaia; a
Filosofia fala em céu, mar e terra. O mito narra a origem dos seres celestes (os astros), terrestres
(plantas, animais, homens) e marinhos pelos casamentos de Gaia com Urano e Ponto. A Filosofia
explica o surgimento desses seres por composição, combinação e separação dos quatro elementos
- úmido, seco, quente e frio, ou água, terra, fogo e ar.
3. O mito não se importava com contradições, com o fabuloso e o incompreensível, não só porque
esses eram traços próprios da narrativa mítica, como também porque a confiança e a crença no
mito vinham da autoridade religiosa do narrador. A Filosofia, ao contrário, não admite
contradições, fabulação e coisas incompreensíveis, mas exige que a explicação seja coerente,
lógica e racional; além disso, a autoridade da explicação não vem da pessoa do filósofo, mas da
razão, que é a mesma em todos os seres humanos.
1.2 CONDIÇÕES HISTÓRICAS DO SURGIMENTO DA FILOSOFIA
Resolvido esse problema, temos ainda um último a solucionar: O que tornou possível o
surgimento da Filosofia na Grécia no final do século VII e no início do século VI antes de Cristo?
Quais as condições materiais, isto é, econômicas, sociais, políticas e históricas que permitiram o
surgimento da Filosofia? Podemos apontar como principais condições históricas para o surgimento
da Filosofia na Grécia:
• As viagens marítimas, que permitiram aos gregos descobrir que os locais que os mitos diziam
habitados por deuses, titãs e heróis eram, na verdade, habitados por outros seres humanos; e que
as regiões dos mares que os mitos diziam habitados por monstros e seres fabulosos não possuíam
nem monstros nem seres fabulosos. As viagens produziram o desencantamento ou a
desmistificação do mundo, que passou, assim, a exigir uma explicação sobre sua origem,
explicação que o mito já não podia oferecer;
• A invenção do calendário, que é uma forma de calcular o tempo segundo as estações do
ano,as horas do dia, os fatos importantes que se repetem, revelando, com isso, uma capacidade
de abstração nova, ou uma percepção do tempo como algo natural e não como um poder divino
incompreensível;
• A invenção da moeda, que permitiu uma forma de troca que não se realiza através das coisas
concretas ou dos objetos concretos trocados por semelhança, mas uma troca abstrata, uma troca
feita pelo cálculo do valor semelhante das coisas diferentes, revelando, portanto, uma nova
capacidade de abstração e de generalização;
• O surgimento da vida urbana, com predomínio do comércio e do artesanato, dando
desenvolvimento a técnicas de fabricação e de troca, e diminuindo o prestígio das famílias da
aristocracia proprietária de terras, por quem e para quem os mitos foram criados; além disso, o
surgimento de uma classe de comerciantes ricos, que precisava encontrar pontos de poder e de
prestígio para suplantar o velho poderio da aristocracia de terras e de sangue (as linhagens
constituídas pelas famílias), fez com que se procurasse o prestígio pelo patrocínio e estímulo às
artes, às técnicas e aos conhecimentos, favorecendo um ambiente onde a Filosofia poderia surgir;
• A invenção da escrita alfabética, que, como a do calendário e a da moeda, revela o
crescimento da capacidade de abstração e de generalização, uma vez que a escrita alfabética ou
fonética, diferentemente de outras escritas - como, por exemplo, os hieróglifos dos egípcios ou os
ideogramas dos chineses -, supõe que não se represente uma imagem da coisa que está sendo
dita, mas a idéia dela, o que dela se pensa e se transcreve;
• A invenção da política, que introduz três aspectos novos e decisivos para o nascimento da
Filosofia:
1. A idéia da lei como expressão da vontade de uma coletividade humana que decide por si mesma
o que é melhor para si e como ela definirá suas relações internas. O aspecto legislado e regulado
da cidade - da polis - servirá de modelo para a Filosofia propor o aspecto legislado, regulado e
ordenado do mundo como um mundo racional.
2. O surgimento de um espaço público, que faz aparecer um novo tipo de palavra ou de discurso,
diferente daquele que era proferido pelo mito. Neste, um poeta-vidente, que recebia das deusas
ligadas à memória (a deusa Mnemosyne, mãe das Musas, que guiavam o poeta) uma iluminação
misteriosa ou uma revelação sobrenatural, dizia aos homens quais eram as decisões dos deuses
que eles deveriam obedecer.
3.Agora, com a polis, isto é, a cidade política, surge a palavra como direito de cada cidadão de
emitir em público sua opinião, discuti-la com os outros, persuadi-los a tomar uma decisão
proposta por ele, de tal modo que surge o discurso político como a palavra humana
compartilhada, como diálogo, discussão e deliberação humana, isto é, como decisão racional e
exposição dos motivos ou das razões para fazer ou não fazer alguma coisa.
A política, valorizando o humano, o pensamento, a discussão, a persuasão e a decisão racional,
valorizou o pensamento racional e criou condições para que surgisse o discurso ou a palavra
filosófica.
BIBLIOGRAFIA
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando. São Paulo: Moderna. 1993.
ELIADE, Mircea. Aspectos do mito. Lisboa : Edições 70, 1989.
CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 1994.
• A invenção do calendário, que é uma forma de calcular o tempo segundo as estações do
ano,as horas do dia, os fatos importantes que se repetem, revelando, com isso, uma capacidade
de abstração nova, ou uma percepção do tempo como algo natural e não como um poder divino
incompreensível;
• A invenção da moeda, que permitiu uma forma de troca que não se realiza através das coisas
concretas ou dos objetos concretos trocados por semelhança, mas uma troca abstrata, uma troca
feita pelo cálculo do valor semelhante das coisas diferentes, revelando, portanto, uma nova
capacidade de abstração e de generalização;
• O surgimento da vida urbana, com predomínio do comércio e do artesanato, dando
desenvolvimento a técnicas de fabricação e de troca, e diminuindo o prestígio das famílias da
aristocracia proprietária de terras, por quem e para quem os mitos foram criados; além disso, o
surgimento de uma classe de comerciantes ricos, que precisava encontrar pontos de poder e de
prestígio para suplantar o velho poderio da aristocracia de terras e de sangue (as linhagens
constituídas pelas famílias), fez com que se procurasse o prestígio pelo patrocínio e estímulo às
artes, às técnicas e aos conhecimentos, favorecendo um ambiente onde a Filosofia poderia surgir;
• A invenção da escrita alfabética, que, como a do calendário e a da moeda, revela o
crescimento da capacidade de abstração e de generalização, uma vez que a escrita alfabética ou
fonética, diferentemente de outras escritas - como, por exemplo, os hieróglifos dos egípcios ou os
ideogramas dos chineses -, supõe que não se represente uma imagem da coisa que está sendo
dita, mas a idéia dela, o que dela se pensa e se transcreve;
• A invenção da política, que introduz três aspectos novos e decisivos para o nascimento da
Filosofia:
1. A idéia da lei como expressão da vontade de uma coletividade humana que decide por si mesma
o que é melhor para si e como ela definirá suas relações internas. O aspecto legislado e regulado
da cidade - da polis - servirá de modelo para a Filosofia propor o aspecto legislado, regulado e
ordenado do mundo como um mundo racional.
2. O surgimento de um espaço público, que faz aparecer um novo tipo de palavra ou de discurso,
diferente daquele que era proferido pelo mito. Neste, um poeta-vidente, que recebia das deusas
ligadas à memória (a deusa Mnemosyne, mãe das Musas, que guiavam o poeta) uma iluminação
misteriosa ou uma revelação sobrenatural, dizia aos homens quais eram as decisões dos deuses
que eles deveriam obedecer.
3.Agora, com a polis, isto é, a cidade política, surge a palavra como direito de cada cidadão de
emitir em público sua opinião, discuti-la com os outros, persuadi-los a tomar uma decisão
proposta por ele, de tal modo que surge o discurso político como a palavra humana
compartilhada, como diálogo, discussão e deliberação humana, isto é, como decisão racional e
exposição dos motivos ou das razões para fazer ou não fazer alguma coisa.
A política, valorizando o humano, o pensamento, a discussão, a persuasão e a decisão racional,
valorizou o pensamento racional e criou condições para que surgisse o discurso ou a palavra
filosófica.
BIBLIOGRAFIA
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando. São Paulo: Moderna. 1993.
ELIADE, Mircea. Aspectos do mito. Lisboa : Edições 70, 1989.
CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 1994.

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Aula 04 mito e filosofia 20130329114826 (1)

  • 1. Mito e Filosofia O homem sempre tentou dar sentido às coisas e colocar ordem no seu mundo para que pudesse saber como agir no cotidiano. “O espírito do homem não suporta a desordem porque não pode pensá-la” (ARAGON, 1996, p. 215 ). Mas, como organizar a realidade? A humanidade seguiu por dois caminhos diferentes: 1. Fabulação: mitos 2. Razão: filosofia Na busca de explicar e ordenar o mundo estão presentes tanto o mito, que usa pensamento por figuras quanto a racionalidade que se empenha em pensar por conceitos. A NARRATIVA MÍTICA A narrativa mítica se constitui na mais rica experiência de explicação e ordenação do mundo e dos homens. Um mito é uma narrativa sobre a origem de alguma coisa (origem dos astros, da Terra, dos homens, das plantas, dos animais, do fogo, da água, dos ventos, do bem e do mal, da saúde e da doença, da morte, dos instrumentos de trabalho, das raças, das guerras, do poder, etc.). A palavra mito vem do grego, mythos, e deriva de dois verbos: do verbo mytheyo (contar, narrar, falar alguma coisa para outros) e do verbo mytheo (conversar, contar, anunciar, nomear, designar). Para os gregos, mito é um discurso pronunciado ou proferido para ouvintes que recebem como verdadeira a narrativa, porque confiam naquele que narra; é uma narrativa feita em público, baseada, portanto, na autoridade e confiabilidade da pessoa do narrador. E essa autoridade vem do fato de que ele ou testemunhou diretamente o que está narrando ou recebeu a narrativa de quem testemunhou os acontecimentos narrados. Quem narra o mito? O poeta-rapsodo. Quem é ele? Por que tem autoridade? Acredita-se que o poeta é um escolhido dos deuses, que lhe mostram os acontecimentos passados e permitem que ele veja a origem de todos os seres e de todas as coisas para que possa transmiti-la aos ouvintes. Sua palavra - o mito - é sagrada porque vem de uma revelação divina. O mito é, pois, incontestável e inquestionável. Mircea Eliade, tenta definir mito da seguinte forma: “O mito é uma realidade cultural extremamente complexa, que pode ser abordada e interpretada em perspectivas múltiplas e complementares [...] o mito conta uma história sagrada, relata um acontecimento que teve lugar no tempo primordial, o tempo fabuloso dos começos... O mito conta graças aos feitos dos seres sobrenaturais, uma realidade que passou a existir, quer seja uma realidade tetal, o Cosmos, quer apenas um fragmento, uma ilha, uma espécie vegetal, um comportamento humano, é sempre, portanto uma narração de uma criação descreve-se como uma coisa foi
  • 2. produzida, como começou a existir...” Mircea Eliade, Aspectos do Mito, pág12/13. Toda narrativa mítica se constitui num esforço de explicar como tudo começou. Desde questões da condição humana aos eventos da natureza, o nascimento dos deuses... Não é possível entender o mito julgando a história ao pé da letra porque ele nunca limita àquilo que nele se exprime. Trás sempre uma lição que trata do comportamento humano e que pode ser entendida na análise da historia. Para entender melhor veja o mito de Dédalo e Ícaro: Porém, Dédalo foi a primeira vítima de sua invenção. Após provocar a ira de Minos, Dédalo foi encerrado no labirinto juntamente com seu filho Ícaro e o Minotauro. Dédalo resolveu, então, fabricar asas artificiais para si e para seu filho com o objetivo de sair do labirinto pelos ares. Depois de muito trabalho, prendeu as asas com cera. Antes porém de saírem voando, Dédalo recomendou ao filho que não voasse muito alto, pois a proximidade com o sol poderia derreter a cera. Abriram asas e partiram. Ícaro, esquecendo-se da recomendação do pai elevou-se demais, chegando muito perto do Sol. A cera de suas asas derreteu e ele precipitou-se no mar Egeu, que desde então passou a chamar-se mar Icário. Quando Ícaro, foi tão alto, além de desobedecer ao pai, exigiu de suas asas muito mais do que elas poderiam dar. Trazendo para nossos dias: Quantos exigem da vida muito mais do que as suas condições permitem? O cartão de crédito, por exemplo, nos dá a sensação de que podemos fazer coisas incríveis. Podemos passar do limite é com isso termos uma derrocada financeira. CARACTERÍSTICAS Pensamento Mágico: O mito está ligado à magia, ao sobrenatural. Entende que é possível realizar ações específicas para ter desejos satisfeitos. Dessa forma, muitos rituais são realizados como forma de garantir os eventos desejados. Dogmático: Não há necessidade de comprovação pois sua aceitação vem da crença. Dédalo, era um artista muito talentoso que foi descendente de reis de Atenas e estudou com o deus Mercúrio. Inventou, entre outras coisas, os remos, que deveriam substituir as velas. Teve um conflito com seu sobrinho e terminou por mata-lo, sendo por isso, condenado a morte. Fugiu para Creta e se refugiou na corte do rei Minos. Foi o construtor do famoso labirinto, lugar reservado para aprisionar um terrível monstro, o Minotauro. Para garantir que o monstro não fugiria elaborou um um cercado de madeiras arrumadas de tal forma que, uma vez la dentro, ninguém conseguia sair.
  • 3. Coletivo: Não existe mito de uma pessoa, ele se manifesta no coletivo. É nesse âmbito que o indivíduo tem consciência de si, como membro de um grupo, o Outro me reporta quem sou. As narrativas tratam de problemas universais e não de uma pessoa isoladamente. ALGUMAS CLASSES DE MITOS Muitos poetas como Hesíodo e Ovídio tiveram o trabalho de tentar uma classificação dos tipos de mitos embora não seja possível ser muito rigoroso nesse sentido. Existem mitos que buscaram explicações sobre a criação do universo e do homem. Eles ficaram conhecidos como mitos de origem. Neste grupo é possível distinguir as cosmogonias, mitos sobre a origem do cosmos e as teogonias, mitos sobre as origens dos deuses e, por fim os mitos religiosos, que se baseiam no poder de um único Deus. Deuses foram criados à semelhança dos homens, com defeitos e qualidades, e uma carga de sentimentos idêntica aos humanos como amor e ódio, vingança, vaidade, egoísmo, traição, que é o caso do deus supremo do Olimpo: Zeus. Com a invasão da Grécia pelos bárbaros do Norte europeu, houve um choque cultural. Como uma mulher, uma deusa, era considerada mais importante na sociedade? Então Hera foi casada com Zeus, seu irmão para ter um lugar menos destacado, apenas de esposa, representando isso a derrota do culto matrifocal na Grécia, sendo substituída pelos cultos patrifocais. Casou-se com sua irmã Hera mas teve casos com muitas deusas e humanas. Das infidelidades vieram muitos filhos e filhas a quem Hera perseguia tenazmente, ficando conhecida como deusa ciumenta. Do encontro de Zeus e Alcmena, nasce Hercules, o mais odiado filho bastardo de Zeus. Hera, conhecida como Rainha dos Céus, é uma divindade cultuada muito antes de Zeus no mundo Mediterrâneo e seus cultos se espalharam por muitos lugares. Haviam procissões, com oferenda, seguidas de banquetes, competições esportivas e o ápice das celebrações era quando as sacerdotisas faziam procissões anuais, momento em que levavam as estátuas de Hera para serem lavadas no mar.
  • 4. Outra questão social envolvendo a deusa trata-se do casamento monogâmico defendido pela deusa, que se tornava uma realidade nova na Grécia, mas se chocava com os costumes primitivos de poligamia Hera representa uma ideia, uma visão de sociedade. Passa a ser considerada a deusa do casamento. Gerou Hefesto que nasceu muito feio e deformado. E a forma mítica, de explicar à civilização antiga as falhas genéticas relativas a casamentos entre parentes próximos, resultado das preocupações gregas. FUNÇÕES DO MITO De acordo com Chauí, o mito tem três frentes de funções: explicar, organizar e compensar (Chauí, p. 162). 1. A função explicativa da realidade é uma forma de tranquilizar o homem em um mundo assustador e não decifrado. O mito de Perséfone, por exemplo, explica o surgimento das estações do ano e possíveis períodos de escassez de grãos. 2. Mito com função de organização – Determina o que pode ou não pode ser feito nas relações entre as pessoas. Como exemplo o mito de Édipo na proibição do incesto. filosofojr.wordpress.com/2008/09/30/o-mito-de-edipo-rei/ - 134k 3. Mito com função compensatória onde “o mito narra uma situação passada, que é a negação do presente e que serve tanto para compensar os humanos de alguma perda como para garantir- lhes que um erro passado foi corrigido no presente, de modo a oferecer uma visão estabilizada e regularizada da Natureza e da vida comunitária.” (Chauí, p. 162). A história de Orfeu nos mostra essa categoria de mito. Orfeu perde a esposa a quem tanto amava mas, se reúne novamente a ela depois da morte. COMO O MITO EXPLICA A EXISTÊNCIA DO MUNDO E O QUE NELE EXISTE? 1. O principio de todas as coisas - toda existência é oriunda das relações sexuais entre os deuses e destes com humanos, surgindo os titãs (seres semi-humanos e semidivinos), os heróis (filhos de um deus com uma humana ou de uma deusa com um humano), os humanos, e a natureza. Ex.: Sobre a origem do amor, deus do amor, Eros (Cupido) há o seguinte relato, exemplo extraído do Banquete 203a, de Platão, após a observação das atitudes de uma pessoa apaixonada, sempre insegura, ansiosa e disposta a tudo para conseguir seu intento. “Houve uma grande festa entre os deuses. Todos foram convidados, menos a deusa Penúria, sempre miserável e faminta. Quando a festa acabou, Penúria veio, comeu os restos e dormiu com o deus Poros (o astuto engenhoso). Dessa relação sexual, nasceu Eros (ou Cupido), que, como sua mãe, está sempre faminto, sedento e miserável, mas, como seu pai, tem mil astúcias para se satisfazer e se fazer amado. Por isso, quando Eros fere alguém com sua flecha, esse alguém se apaixona e logo se sente faminto e sedento de amor, inventa astúcias para ser amado e satisfeito, ficando ora maltrapilho e semimorto, ora rico e cheio de vida.” 2. A discórdia ou acordo entre os deuses que faz surgir alguma coisa no mundo. Exemplifica este tipo de mito a história narrada por Homero, na Ilíada, que narra a guerra de Tróia. Justifica o
  • 5. motivo pelo qual em certas batalhas, os troianos eram vitoriosos e, em outras, a vitória cabia aos gregos. Havia divisão entre os deuses e na medida que Zeus se unia a um grupo de deuses ou outro, determinava na terra quem vencia a batalha. Já de início, a guerra começou em função de rivalidade entre as deusas. Por disputa do titulo de mais bela aparecem em sonho para o príncipe troiano Paris, oferecendo a ele seus dons e ele escolheu a Afrodite. Isso gerou ciúmes nas outras deusas, o fizeram raptar a grega Helena, mulher do general grego Menelau, promovendo a guerra. 3. Exigência de submissão: recompensas ou castigos que os deuses dão a quem os desobedece ou a quem os obedece, conforme o exemplo a seguir. A EXPLICAÇÃO PARA A ORIGEM MAL NO MUNDO: A CAIXA DE PANDORA Prometeu, com pena dos homens que passavam necessidades, resolveu furtar uma centelha de fogo dos deuses e doa-la aos homens juntamente com a orientação de como acendê-lo. Zeus ficou furioso com essa atitude de Prometeu pois, o fogo deveria ser um segredo mantido entre os deuses. Por essa razão acorrenta prometeu numa montanha e todos os dias uma águia vinha devorar-lhe o fígado que, durante a noite se reconstitui para ser novamente devorado pela manhã. Aos homens determinou outra punição. Ordenou a Hefesto, que criasse uma mulher perfeita, e que a levasse à reunião dos deuses. Ela foi apresentada aos deuses, e todos ficaram admirados pela beleza da moça e, cada um lhe deu um dom particular. Atena, a deusa da sabedoria e da guerra, vestiu essa mulher ricamente e enfeitou sua cabeça com uma coroa de ouro ornamentada por flores, lhe ensinou as artes das mulheres como a arte de tecer; Afrodite lhe deu o encanto, que despertaria o desejo dos homens; As Cárites, deusas da beleza, e a deusa da persuasão ornaram seu pescoço com colares de ouro; Hermes, o mensageiro dos deuses além de lhe dar o dom da fala de falar, ensinou-lhe a arte de seduzir os corações por meio de palavras insinuantes. Ela recebeu o nome de Pandora, que em grego quer dizer "todos os dons". Zeus lhe entregou uma caixa fechada, e mandou que ela a levasse como presente a Prometeu. Ele porém, não quis receber nem Pandora, nem a caixa, e recomendou a seu irmão, Epimeteu, que também não aceitasse nada vindo de Zeus. Mas Epimeteu, ficou encantado com a beleza de Pandora e casou-se com ela.
  • 6. O RITO – LINGUAGEM EM AÇÃO DO MITO Para ligar os humanos aos deuses, organizando o espaço e o tempo, são criados os ritos. Lévi- Strauss diz que o ritual coloca em prática o mito, não se tratando apenas de formalidades. O seu estudo permite melhor compreensão da sociedade. O que é um ritual e qual a sua importância social? Para o senso comum: Ação formal e arcaica, desprovida de conteúdo, usada para celebrar momentos especiais. Ação ligada à esfera religiosa. Para o discurso científico: “ cada ritual é um manifesto contra a indeterminação” – através da repetição e da formalidade, os rituais demonstram a ordem e a promessa de continuidade dos grupos. Rituais do dia a dia – universais, repetitivos e ordenadores do mundo. RITUAIS - atribuem a cada um de nós novas identidades e novos papéis a serem desempenhados junto ao grupo com o qual convivemos. O mundo é carregado de rituais cotidianos que ORDENAM a vida social. (Claude Rivière). “ o ritual é um fenômeno especial da sociedade, que nos aponta e revela expressões e valores de uma sociedade, mas o ritual expande, ilumina e ressalta o que já é comum a um determinado grupo” (Rituais ontem e hoje, p.10). Os rituais podem ser religiosos ou profanos, festivos, formais, informais, simples ou elaborados pois o importante em um ritual são: SUAS CARACTERÍSTICAS DE FORMA, CONVENCIONALIDADE, REPETIÇÃO, fatores que mudam de grupo para grupo. Simbolizam o fim da infância e a passagem para a vida adulta. Geralmente ocorrem na adolescência ou em algum momento marcante da fase adulta. São ritos de passagem: a Pandora não resistindo à curiosidade abre a caixa de lá escaparam todos os males que afligem a humanidade: Loucura, Doença, Inveja, Paixão, Vício, Praga, Fome e todos os outros males, que se espalharam pelo mundo e tomaram miserável a existência dos homens a partir de então. Epimeteu tentou fechá-la, mas só restou dentro a Esperança, e é graças a ela que os homens conseguem diante dos sofrimentos não desistem de viver. A expressão Caixa de Pandora é utilizada para designar qualquer sentimento que nos move a curiosidade mas que é sensato não tocar.
  • 7. crisma (cristianismo), o Bar Mitzvá (judaísmo) e as cerimônias de casamento (várias religiões). Todos aprendemos e nos modificamos até o fim da vida. Essa passagem para o mundo adulto, no entanto é de especial importância para o indivíduo e para a sociedade, povos antigos e as sociedades “primitivas” possuíam o que chamamos de “rituais de passagem”, cerimônias nas quais os jovens eram iniciados no mundo adulto. Temos em nossa sociedade correlatos desses rituais: o vestibular, a formatura, o casamento, o sucesso profissional etc. Mas mesmo com a existência desses “correlatos”, em nossa cultura, nem sempre, para nós, é clara a passagem para o mundo adulto. O ritual é um sistema cultural de comunicação simbólica . O rito é uma cerimônia repetitiva em que imita-se o ser sagrado que em algum tempo realizou a ação que os humanos buscam repetir e perpetuar. Para isso tudo é pré determinado: gestos, palavras, objetos, pessoas e emoções adquirem o poder misterioso de promover a ligação entre os humanos e a divindade. A simbologia de um ritual, deverá ser seguida pois a sua eficácia dependerá da repetição minuciosa e perfeita do rito, tal como foi praticado na primeira vez, porque nela os próprios deuses orientaram gestos e palavras dos humanos. A religião sacraliza o espaço e o tempo, seres e objetos do mundo, que se tornam símbolos de algum fato religioso. Cheios de carga simbólica, os objetos são retirados de seu lugar habitual, passando a ter novo sentido para toda a comunidade – protetor, perseguidor, benfeitor, ameaçador. Sobre esse ser ou objeto recai a noção de tabu (palavra polinésia que significa intocável): é um interdito, ou seja, não pode ser tocado nem manipulado por ninguém que não esteja religiosamente autorizado para isso. É assim, por exemplo, que certos animais se tornam sagrados ou tabus, como a vaca na Índia, o tucano para a nação tucana, do Brasil. MITO E FILOSOFIA O homem pode ser identificado e caracterizado como um ser que pensa e cria explicações. Criando explicações, cria pensamentos. Na criação do pensamento, estão presentes tanto o mito como a racionalidade, ou seja, a base mitológica, enquanto pensamento por figuras, e a base racional, enquanto pensamento por conceitos. Esses elementos são constituintes do processo de formação do conhecimento filosófico. Este fato não pode deixar de ser considerado, pois é a partir dele que o homem desenvolve suas idéias, cria sistemas, elabora leis, códigos, práticas. Compreender que o surgimento do pensamento racional, conceitual, entre os gregos, foi decisivo no desenvolvimento da cultura da civilização ocidental e é condição para que se entenda a conquista da autonomia da razão (lógos) diante do mito. Isso marca o advento de uma etapa fundamental na história do pensamento e do desenvolvimento de todas as concepções científicas produzidas ao longo da história humana. O conhecimento de como isso se deu e quais foram as condições que permitiram a passagem do mito à filosofia elucidam uma das questões fundamentais para a compreensão das grandes linhas de pensamento que dominam todas as nossas tradições culturais. Deste modo, é de fundamental importância conhecer o contexto histórico e político do surgimento da filosofia e o que ela significou para a cultura. Esta passagem do pensamento mítico ao pensamento racional no contexto grego ainda é importante pois os mesmos conflitos entre mito e razão, vividos pelos gregos, são problemas presentes, ainda hoje, em nossa sociedade, na qual a própria ciência depara-se com o elemento da crença mitológica ao apresentar-se como
  • 8. neutra, escondendo interesses políticos ou econômicos em sua roupagem sistemática, por exemplo.Ao escrever os autores selecionados preocupam-se em desenvolver textos que permitam a experiência filosófica a partir de três recortes, que são: Mito e Filosofia; O Deserto do Real; Ironia e Filosofia. Mito e Filosofia: trata do problema da ordem e da desordem no mundo. O homem, ao procurar a ordem do mundo, cria tanto o mito como a filosofia. Muitos povos da antigüidade experimentaram o mito, que é um pensamento por imagens. Os gregos também fizeram a experiência de ordenar o mundo por meio do Mito. Estes perceberam que o Mito era um jeito de ordenar o mundo. A experiência política grega, ao longo dos anos, trouxe a possibilidade do pensamento como logos (razão), pois a vida na pólis impôs exigências que o mito já não satisfazia. Mas será que com a filosofia o mito desaparece? Será que em nossa sociedade ainda nos orientamos pelo pensamento mítico? Quais são as diferenças entre Filosofia e mito? Podemos apontar três como as mais importantes: 1. O mito pretendia narrar como as coisas eram ou tinham sido no passado imemorial, longínquo e fabuloso, voltando-se para o que era antes que tudo existisse tal como existe no presente. A Filosofia, ao contrário, se preocupa em explicar como e por que, no passado, no presente e no futuro (isto é, na totalidade do tempo), as coisas são como são; 2. O mito narrava a origem através de genealogias e rivalidades ou alianças entre forças divinas sobrenaturais e personalizadas, enquanto a Filosofia, ao contrário, explica a produção natural das coisas por elementos e causas naturais e impessoais. O mito falava em Urano, Ponto e Gaia; a Filosofia fala em céu, mar e terra. O mito narra a origem dos seres celestes (os astros), terrestres (plantas, animais, homens) e marinhos pelos casamentos de Gaia com Urano e Ponto. A Filosofia explica o surgimento desses seres por composição, combinação e separação dos quatro elementos - úmido, seco, quente e frio, ou água, terra, fogo e ar. 3. O mito não se importava com contradições, com o fabuloso e o incompreensível, não só porque esses eram traços próprios da narrativa mítica, como também porque a confiança e a crença no mito vinham da autoridade religiosa do narrador. A Filosofia, ao contrário, não admite contradições, fabulação e coisas incompreensíveis, mas exige que a explicação seja coerente, lógica e racional; além disso, a autoridade da explicação não vem da pessoa do filósofo, mas da razão, que é a mesma em todos os seres humanos. 1.2 CONDIÇÕES HISTÓRICAS DO SURGIMENTO DA FILOSOFIA Resolvido esse problema, temos ainda um último a solucionar: O que tornou possível o surgimento da Filosofia na Grécia no final do século VII e no início do século VI antes de Cristo? Quais as condições materiais, isto é, econômicas, sociais, políticas e históricas que permitiram o surgimento da Filosofia? Podemos apontar como principais condições históricas para o surgimento da Filosofia na Grécia: • As viagens marítimas, que permitiram aos gregos descobrir que os locais que os mitos diziam habitados por deuses, titãs e heróis eram, na verdade, habitados por outros seres humanos; e que as regiões dos mares que os mitos diziam habitados por monstros e seres fabulosos não possuíam nem monstros nem seres fabulosos. As viagens produziram o desencantamento ou a desmistificação do mundo, que passou, assim, a exigir uma explicação sobre sua origem, explicação que o mito já não podia oferecer;
  • 9. • A invenção do calendário, que é uma forma de calcular o tempo segundo as estações do ano,as horas do dia, os fatos importantes que se repetem, revelando, com isso, uma capacidade de abstração nova, ou uma percepção do tempo como algo natural e não como um poder divino incompreensível; • A invenção da moeda, que permitiu uma forma de troca que não se realiza através das coisas concretas ou dos objetos concretos trocados por semelhança, mas uma troca abstrata, uma troca feita pelo cálculo do valor semelhante das coisas diferentes, revelando, portanto, uma nova capacidade de abstração e de generalização; • O surgimento da vida urbana, com predomínio do comércio e do artesanato, dando desenvolvimento a técnicas de fabricação e de troca, e diminuindo o prestígio das famílias da aristocracia proprietária de terras, por quem e para quem os mitos foram criados; além disso, o surgimento de uma classe de comerciantes ricos, que precisava encontrar pontos de poder e de prestígio para suplantar o velho poderio da aristocracia de terras e de sangue (as linhagens constituídas pelas famílias), fez com que se procurasse o prestígio pelo patrocínio e estímulo às artes, às técnicas e aos conhecimentos, favorecendo um ambiente onde a Filosofia poderia surgir; • A invenção da escrita alfabética, que, como a do calendário e a da moeda, revela o crescimento da capacidade de abstração e de generalização, uma vez que a escrita alfabética ou fonética, diferentemente de outras escritas - como, por exemplo, os hieróglifos dos egípcios ou os ideogramas dos chineses -, supõe que não se represente uma imagem da coisa que está sendo dita, mas a idéia dela, o que dela se pensa e se transcreve; • A invenção da política, que introduz três aspectos novos e decisivos para o nascimento da Filosofia: 1. A idéia da lei como expressão da vontade de uma coletividade humana que decide por si mesma o que é melhor para si e como ela definirá suas relações internas. O aspecto legislado e regulado da cidade - da polis - servirá de modelo para a Filosofia propor o aspecto legislado, regulado e ordenado do mundo como um mundo racional. 2. O surgimento de um espaço público, que faz aparecer um novo tipo de palavra ou de discurso, diferente daquele que era proferido pelo mito. Neste, um poeta-vidente, que recebia das deusas ligadas à memória (a deusa Mnemosyne, mãe das Musas, que guiavam o poeta) uma iluminação misteriosa ou uma revelação sobrenatural, dizia aos homens quais eram as decisões dos deuses que eles deveriam obedecer. 3.Agora, com a polis, isto é, a cidade política, surge a palavra como direito de cada cidadão de emitir em público sua opinião, discuti-la com os outros, persuadi-los a tomar uma decisão proposta por ele, de tal modo que surge o discurso político como a palavra humana compartilhada, como diálogo, discussão e deliberação humana, isto é, como decisão racional e exposição dos motivos ou das razões para fazer ou não fazer alguma coisa. A política, valorizando o humano, o pensamento, a discussão, a persuasão e a decisão racional, valorizou o pensamento racional e criou condições para que surgisse o discurso ou a palavra filosófica. BIBLIOGRAFIA ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando. São Paulo: Moderna. 1993. ELIADE, Mircea. Aspectos do mito. Lisboa : Edições 70, 1989. CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 1994.
  • 10. • A invenção do calendário, que é uma forma de calcular o tempo segundo as estações do ano,as horas do dia, os fatos importantes que se repetem, revelando, com isso, uma capacidade de abstração nova, ou uma percepção do tempo como algo natural e não como um poder divino incompreensível; • A invenção da moeda, que permitiu uma forma de troca que não se realiza através das coisas concretas ou dos objetos concretos trocados por semelhança, mas uma troca abstrata, uma troca feita pelo cálculo do valor semelhante das coisas diferentes, revelando, portanto, uma nova capacidade de abstração e de generalização; • O surgimento da vida urbana, com predomínio do comércio e do artesanato, dando desenvolvimento a técnicas de fabricação e de troca, e diminuindo o prestígio das famílias da aristocracia proprietária de terras, por quem e para quem os mitos foram criados; além disso, o surgimento de uma classe de comerciantes ricos, que precisava encontrar pontos de poder e de prestígio para suplantar o velho poderio da aristocracia de terras e de sangue (as linhagens constituídas pelas famílias), fez com que se procurasse o prestígio pelo patrocínio e estímulo às artes, às técnicas e aos conhecimentos, favorecendo um ambiente onde a Filosofia poderia surgir; • A invenção da escrita alfabética, que, como a do calendário e a da moeda, revela o crescimento da capacidade de abstração e de generalização, uma vez que a escrita alfabética ou fonética, diferentemente de outras escritas - como, por exemplo, os hieróglifos dos egípcios ou os ideogramas dos chineses -, supõe que não se represente uma imagem da coisa que está sendo dita, mas a idéia dela, o que dela se pensa e se transcreve; • A invenção da política, que introduz três aspectos novos e decisivos para o nascimento da Filosofia: 1. A idéia da lei como expressão da vontade de uma coletividade humana que decide por si mesma o que é melhor para si e como ela definirá suas relações internas. O aspecto legislado e regulado da cidade - da polis - servirá de modelo para a Filosofia propor o aspecto legislado, regulado e ordenado do mundo como um mundo racional. 2. O surgimento de um espaço público, que faz aparecer um novo tipo de palavra ou de discurso, diferente daquele que era proferido pelo mito. Neste, um poeta-vidente, que recebia das deusas ligadas à memória (a deusa Mnemosyne, mãe das Musas, que guiavam o poeta) uma iluminação misteriosa ou uma revelação sobrenatural, dizia aos homens quais eram as decisões dos deuses que eles deveriam obedecer. 3.Agora, com a polis, isto é, a cidade política, surge a palavra como direito de cada cidadão de emitir em público sua opinião, discuti-la com os outros, persuadi-los a tomar uma decisão proposta por ele, de tal modo que surge o discurso político como a palavra humana compartilhada, como diálogo, discussão e deliberação humana, isto é, como decisão racional e exposição dos motivos ou das razões para fazer ou não fazer alguma coisa. A política, valorizando o humano, o pensamento, a discussão, a persuasão e a decisão racional, valorizou o pensamento racional e criou condições para que surgisse o discurso ou a palavra filosófica. BIBLIOGRAFIA ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando. São Paulo: Moderna. 1993. ELIADE, Mircea. Aspectos do mito. Lisboa : Edições 70, 1989. CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 1994.