O autor argumenta que a imprensa brasileira contribuiu para a decepção da seleção brasileira na Copa do Mundo por meio de uma cobertura otimista demais e falta de críticas construtivas. Ele também defende que é necessária uma "reviravolta" no jornalismo esportivo brasileiro, assim como é pedida para o futebol, começando por uma cobertura mais franca.
1. JANIO DE FREITAS
Palavras de mudança
O jornalismo brasileiro está precisando de
uma reviravolta mais ou menos como a
pedida para o futebol
A variedade dos adjetivos foi pequena. Não por escassez vocabular de quem os emitiu nos
jornais e nas emissoras, mas porque o acontecimento não suscitava mais do que palavras
com força dramática. E todas serviram para conduzir à mesma ideia, também expressa
com pequena variedade: é preciso mudar tudo no futebol brasileiro, que seja o fim de uma
era, é o momento de iniciar uma ressurreição. A ideia é o que importa, e é boa. Para torná-
la real, nada seria mais eficiente do que começar pelos que a propõem.
A imprensa e os jornalistas são muito democráticos: têm a convicção de que tudo e todos
são sujeitos à crítica. Desde que não sejam a imprensa e os jornalistas. Apesar disso, é
preciso dizer que os mal denominados meios de comunicação têm uma parcela --de difícil
mensuração, mas não pequena-- nas causas do que está chamado de "humilhação,
catástrofe e vergonha". E parcela maior no choque emotivo das pessoas em geral, reação
que corresponde à expectativa esperançosa de que estiveram imbuídas.
Jogadores justificam ou não as expectativas boas ou ruins. Não pregam, porém, ânimos ou
desânimos coletivos, sejam ou não fundados. Quem pode fazê-lo são outros. E são muitos
os que fazem e por diferentes maneiras.
Não cabe dizer que os torcedores são dependentes das induções, porque nos esportes têm
a possibilidade do testemunho que lhes falta na política. Mas a verdade é que são cabeças e
almas muito sugestionáveis, muito sensíveis ao estímulo a paixões. (Dizem que é uma
característica dos povos latinos, mas basta uma olhada na tendência dos americanos para
os fanatismos, patrioteiros e outros, e constatar que não temos exclusividade na matéria). E
foi isso o que se viu, com origens também perceptíveis.
Antes e depois de iniciada a Copa, o nível médio da franqueza foi muito baixo nos
comentários sobre a seleção, em contraste com a crítica, em âmbito privado, de muitos dos
mesmos autores profissionais. Ou pelo que transparecia nas entrevistas de seu trabalho
público. Os amistosos com timecos, inclusive já às vésperas da Copa, com Sérvia e
Panamá, prenunciaram o que viria depois. A contenção das análises naquele antes também
se mostrou no depois. Já a escolha de Felipão contrariara a amplíssima preferência por
outro treinador, talvez Tite, sem que isso se mostrasse com firmeza na imprensa esportiva.
Os fatos mostraram que a preferência era justificada, e fez falta.
Se o tempo de vida em contato com a imprensa e com a opinião pública vale alguma coisa,
é a partir dele que concluo pela contribuição da baixa média de franqueza crítica para a
ocorrência do desacerto, continuado e progressivo, que levou à "vergonha". E do mesmo
2. modo se faz a minha convicção de que o ambiente ficou livre para que a falta de
observações firmes, a tendência nacional ao oba-oba e os interesses comerciais se
juntassem na criação do otimismo mentiroso. Logo, também na decepção doída como um
luto.
O jornalismo brasileiro está precisando de uma reviravolta mais ou menos como a pedida
para o futebol. A na área dos esportes, que poderia ser iniciada com menos obstáculos. Até
porque a Olimpíada vem aí.
Ainda sobre a adjetivação da goleada engolida, sua destinação pareceu transbordar do alvo
justo --a comissão técnica e os jogadores. Nada de "vergonha" ou "humilhação" nacional.
Para os brasileiros, a derrota foi não mais do que estonteante. E não para todos. No curto
tempo entre o fim do jogo e a edição dos jornais, segundo certo noticiário, o governo foi
capaz até de projetar uma nova "estratégia", que "agora é colar sua imagem apenas à
organização". Isso é que é governo veloz, segundo o emitido "sinal de alerta" (na expressão
idêntica da Folha e do "Globo") decorrente do "temor" e do "mau humor" que a derrota
instalou no Planalto.