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OYA BAYDAR




PALAVRA PERDIDA




       Tradução
Marco Syrayama de Pinto
           e
     Marina Mariz
“Eu procurava uma palavra; ouvi uma voz...
     “Estava buscando a palavra. A palavra que usei aspera-
mente, que gastei extravagantemente, que assoprei em bolhas
de sabão, que dilapidei. Aquela primeira frase com que começa-
rei a história, para levá-la adiante e terminá-la. Aquela frase
que seria impossível escrever, que desapareceu na leveza do
pensamento fluido, exatamente quando eu senti que a tinha de-
preendido... A palavra perdida...
     Mas ouvi uma voz. Esqueci a palavra e segui o grito.”
     O homem que brinca com as palavras, o acrobata da lín-
gua, o mago das palavras.
     Rótulos de elogios cheios de clichês que estão colados em
seu nome envolvem sua identidade... À pergunta feita somente
pelos leitores admirados, bem-intencionados e um tanto ino-
centes, pelos zelosos e ambiciosos jornalistas literários e pelos
críticos que determinam o destino do que nós escrevemos: “O
que há de novidade no balcão, mestre?”, há sempre uma respos-
ta indiferente e fria como gelo, misturada com um riso hipócri-
ta: “Há algumas coisas que já estão caminhando, estão bem
adiantadas e você verá em breve”.
8                                                   OYA BAYDAR



      Porém há um grande vazio interior: “O improdutivo e hor-
rível vazio dos espelhos sem reflexo que se encaram”.
      Ficar cansado de lutar consigo mesmo dias e noites sem fim
para poder criar a tão grande e esperada obra através dessa
frase polida e vazia que ele ouviu em algum lugar. Debater-se na
rede de relações chamada “amor” e que deixa para trás somente
arrependimentos amargos. Os retornos que são fracassos em
pequena escala: voltar para casa tendo dentro de si um vazio
negro e melancólico; voltar para sua mulher, que sempre está
ali, sempre querida, sempre comedida, sempre distante; voltar
para seus antigos companheiros e para o ambiente da literatu-
ra com o medo de não saber onde, em qual mundo encontrar
novas pessoas, evitando os sorrisos irônicos escondidos por
detrás das demonstrações elogiosas dizendo: “Nós sabemos
quem você é”. Caminhos, países, cidades, hotéis, mares, portos,
pessoas, tudo pelo viver. Com a sensação persistente de vazio e
estupidez.
      Ele estava atrás de uma palavra, a palavra que tinha perdi-
do. Ouviu uma voz.
      Uma voz que penetrou na opressiva escuridão da noite so-
brepondo-se ao barulho da cidade; uma voz que bateu como
ondas furiosas nas costas de sonhos e insônias atravessando
tempo e espaço como um vento veloz.
      “Será que eu a ouvi?”
      Você consegue ouvir o zumbido, o sussurro, a fala, a músi-
ca, o som e o silêncio da natureza, mas não é capaz de ouvir o
grito. O grito o encobre e o cerca; tornando-se o sexto sentido
que se soma aos cinco outros, ele penetra nas suas células. É
diferente do grito que sua mulher soltou quando deu à luz o seu
filho, do último grito inumano do homem que foi esfaqueado a
seu lado uma noite, do grito que uma mulher de burca preta
soltou ao mundo abrindo seu peito e rasgando a roupa – não se
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lembra em qual guerra, em qual luta nem onde –, abraçando seu
filho morto. O grito sobrepuja a voz, a silencia. Não se consegue
ouvir o grito, ele o cerca, o arrasta, o puxa para si. O grito...
     Os passageiros com cara, roupa e cheiro do povo dos ôni-
bus da Anatólia que partem depois da meia-noite. A ordem fal-
sa e sem gosto dos terminais de ônibus das cidades grandes, que
pretendem imitar a elegância e o luxo dos aeroportos, sua con-
fusa efervescência. Anúncios com uma voz relaxada com finais
das palavras que se prolongam como um chiclete e com entona-
ções erradas: “Atenção, prezados senhores, seu ônibus está pron-
to para partir na plataforma dezessete!”. Os vendedores de ke-
bab, frutas secas, lanches, raspadinha, camelôs de livros
religiosos, fitas cassete e CDs, as lojas de doces e de helva, os
toaletes cujos pisos sempre estão molhados, descargas quebra-
das, pias entupidas, privadas que cheiram a urina. O frescor
das noites de junho, a melancolia amarela que se espalha atra-
vés das luzes pálidas, as salas de espera que ficam cada vez
mais vazias, as plataformas cada vez mais silenciosas.
     Faltava mais de meia hora para seu ônibus partir. Para
passar o tempo, ele estava olhando os passageiros que corriam
para lá e para cá, as pessoas que vinham se despedir de seus
entes queridos, as crianças pedintes vendendo lenços de papel
ou chicletes, vendedores de fitas cassete e de frutas secas e a
multidão a seu redor. De repente, enquanto bebia seu drinque
no bar de um hotel que frequentava há tempos, bem antes de ter
virado moda – para dizer a verdade ele tinha bebido mais do
que devia –, sentiu que não podia aguentar essa cidade nem um
dia mais e decidiu cancelar dois compromissos que tinha no dia
seguinte e voltar de ônibus para Istambul naquela noite mesmo.
     Estava comprando uma garrafa de água e um maço de ci-
garros no Quiosque da Capital, que ficava na esquina de um dos
portões que abriam para as plataformas, quando percebeu que
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estava repetindo como um refrão a frase: “O Quiosque da Capi-
tal, o Quiosque da Capital”. Às vezes uma palavra, uma frase
ou um verso ficava rodando na sua cabeça como um disco ris-
cado; especialmente quando sua mente estava enevoada pelo
álcool. Foi quando compreendeu o sentido da palavra que esta-
va repetindo – capital, a cidade-cabeça. “E onde estão as cida-
des-pés? As cidades também têm cabeça e pés. Mas será que a
cabeça e os pés nunca mudarão? Devem mudar? Como mudam?
Por que eu... por que uma vida inteira nós...? O que uma vida
inteira? Ou melhor, ‘uma juventude inteira’...” O esforço todo
era para transformar os pés em cabeça ou as cabeças em pés?
“Será que posso fazer um texto com esta pergunta absurda de
quarenta anos atrás?”
      “As perguntas e incertezas que tivemos e repetimos como o
refrão das nossas vidas sem sentido por tantas gerações, mas
nunca conseguimos respondê-las, resolvê-las! E especialmente
a palavra ‘incerteza’ que usamos com ou sem necessidade toda
hora... Você deve usar palavras assim para que o considerem
um intelectual. Mas não, não sairá nenhuma obra útil daqui.
Não sai nada mais de mim. O que de bom saiu até agora? Seja
sincero, pelo menos consigo. Não deveria ser tão cruel. Talvez
não seja aquilo que pensam de mim, mas não sou ‘ninguém’
tampouco. Droga! Minha mente está confusa, não está clara. O
interior da minha cabeça está como ‘o improdutivo e horrível
vazio dos espelhos sem reflexo que se encaram’. Não devo beber
tanto. Meu cérebro está ficando mole como uma esponja. Só quero
que o ônibus chegue, que eu encontre o meu assento e durma.
Em memória dos bons e velhos tempos quando éramos jovens e
inocentes, quando viajar de avião era algo impensável, já que
não cabia no nosso magro orçamento de estudante nem no esti-
lo de vida de um revolucionário – uma passagem de avião valia
o mesmo que um salário mínimo! Que vergonha! Como quero
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dormir profundamente encostando a minha cabeça no cheiran-
do a suor.”
     Se não tivesse notado a mulher do chapéu estranho que esta-
va sentada num banco da plataforma 8 enquanto ele esperava o
troco em frente ao Quiosque da Capital, não teria se dirigido para
lá. O chapéu de cor clara e com abas largas atraiu a sua atenção
mais uma vez enquanto colocava a garrafa de água num dos
bolsos externos da sua maleta. Deixou-se levar pela estranha for-
ça de atração dos objetos e caminhou na direção da plataforma 8.
     A mulher é baixa, gordinha e velha. Deve ter mais de 70
anos de idade. Ela está usando calças velhas de cor clara que
descem até abaixo dos joelhos. Chamam-se bermudas? Na sua
cabeça, um chapéu velho de palha com abas largas e uma fita
verde, em suas mãos, luvas brancas. Deve ser uma professora
aposentada que decidiu morar em Bodrum ou a mulher de um
burocrata que passa metade do ano em estâncias balneárias.
Ela lembra um pouco sua mãe. Elas pintam tecidos, fazem bati-
que e tentam desenhar nas horas em que não estão jogando car-
tas. Elas também mostram interesse pela arte e pela literatura.
A maioria delas são mulheres insuportáveis com atitude elitis-
ta, sabichonas e com jeitinho de professora. São mulheres que
acreditam no absoluto das suas verdades, começam a falar com
a frase “Nós somos filhas da geração republicana”; quando veem
uma mulher coberta, viram um touro enraivecido, se entriste-
cem e dizem: “Nem o Atatürk1 conseguiu educar esse povo!”,
pronunciando a palavra “povo” de forma pedante. “Talvez es-
teja sendo injusto com a pobre mulher por tê-la comparado
com minha mãe em razão da discordância entre nós, e meu pai
e aquele grupo elitista que adora ser o dono da verdade.”



1 Atatürk foi o primeiro presidente da Turquia republicana. (N. T.)
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     A mulher velha fala sem parar. Ele olha ao seu redor para
ver com quem ela está falando, mas não vê ninguém.
     – Não é verdade, meu senhor?
     Ela pergunta isso com um sotaque de estrangeira e entona-
ção estranha, mas com bastante gentileza.
     “Será que ela me reconheceu? Só pode ser isso. Até deve ter
participado da minha noite de autógrafos. Só Deus sabe.” O sen-
timento de satisfação e orgulho de si lambe docemente a sua
alma. A satisfação que vem da fama, o prazer que surge da con-
sideração. Portanto, ele faz o papel do cara que não dá impor-
tância à fama, que superou essas coisas vãs e está satisfeito com
os elogios e um pouco cansado de tudo. Ele não responde à per-
gunta, faz que não a ouviu, nem quer falar com ninguém. Só
quer que o ônibus chegue para poder dormir. Ele se lembra dos
dias em que fazia a via-sacra entre Istambul e Ancara nos ôni-
bus noturnos baratos, não só pelo amor, mas também pela re-
volução. Eram os dias de juventude, dias de inexperiência e ino-
cência, eram dias maravilhosos.
     A mulher não vai desistir até conseguir uma resposta. Ele
fica com raiva de si mesmo. “Fui muito imbecil de vir até aqui só
por causa de um chapéu ridículo. Eu me sinto obrigado a pare-
cer interessado em objetos desde que aquele crítico jovem que
gosta de dizer palavras importantes falou: ‘Ele é um escritor que
consegue sentir a magia dos objetos e colocá-la em palavras’. É
um chapéu afinal, é o chapéu de uma mulher brega!...” Ele luta
consigo: “Por que vim para cá, por que procurei encrenca?”.
     – O senhor também estava lá. Estávamos em Varsóvia. Não,
acho que estávamos em Budapeste. A criança estava do meu
lado quando embarcamos no navio. Eu não quis deixar a cidade,
eles me forçaram. Eu lhe digo que a criança estava do meu lado.
O senhor a viu. Diga-lhes que a viu. Eles vão acreditar no senhor.
     “Será que devo responder?” A sua mente está confusa, seus
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pensamentos são inconsistentes. Quando ele bebe sozinho, per-
de o controle. Na verdade tem tantos amigos antigos e novos
nesta cidade que se quisesse poderia ligar para um deles para
beberem juntos. Qualquer um dos seus amigos novos ficaria
fascinado por aparecer em algum lugar com o escritor Ömer
Eren. Os antigos... não se pode saber sua reação, talvez já o te-
nham eliminado da lista, “ou talvez fiquem muito felizes quan-
do eu ligar”. Porém não tem como saber... “Tenho muitos conhe-
cidos, mas sobraram poucos amigos verdadeiros. Eu literalmente
enterrei muitos deles. Não no sentido figurado, mas de verdade,
enterrei muitos deles, os melhores.”
     A voz da mulher estranha interrompe seus pensamentos:
     – Talvez não acreditem nem no senhor, mas deve falar as-
sim mesmo.
     É óbvio que a mulher é maluca. Ele puxa pela memória:
quem foram os deportados da Hungria pelo Danúbio em 1956?
Eu ouvi essa história no passado. Que droga! Não me lembro de
nada. Minha memória está mais fraca a cada dia que passa. Não
devo beber tanto, devo escutar as palavras da minha mulher,
não devo exagerar na medida. Elif nunca exagera na medida.
Medida? De quê? Medida de quem? As medidas da Elif? Por quê?
     – Somente diga-lhes o que viu – repete a mulher, imploran-
do. – Diga, meu senhor.
     “Dizer o que eu vi? Eu vi alguma coisa? Será que tinha visto?
Teria dito o que tinha visto? Será que diria se tivesse visto?”
     Ele fica calado. Tem de fugir dali, se livrar dessa mulher.
     – “A criança virá depois” – eles disseram. – Esperei por anos,
ela não veio. Como pode uma criança do tamanho de um dedo
atravessar aquele caminho! Quando o muro foi demolido, a noi-
va húngara guardou todos os documentos e os candelabros de
prata. Não, talvez os candelabros tenham ficado em Peste. Não
se deve falar pelas costas. Não é verdade, meu senhor?
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     Ela levanta do seu lugar e anda na direção de Ömer. Ele quer
fugir, a mulher o puxa pelo braço. Ele se solta.
     – Eu não estava lá. Não sei, eu não sei de nada – diz ele,
enquanto tenta fugir, andando de lado como um siri.
     – Todo mundo diz “eu não estava lá”, “não sei”. Então quem
eram aqueles que estavam lá? Quem os conhece, quem se lembra
deles? Quem era aquele que retirou a criança do navio? Pode ser
a noiva. Ela começou a trabalhar para eles quando meu filho foi
eliminado por ser traidor. É possível que tenha sido ela quem
guardou os candelabros de prata. Eu não quis sair do leste. Eu ia
esperar lá, eu não ia deixar a criança. Ela poderia me encontrar
lá, poderia. Ela não conhece este lugar, não consegue encontrar
ninguém aqui.
     A mulher volta para seu lugar resmungando. Ele nem con-
segue ouvir nem entender mais o que ela está dizendo. Sente-se
aliviado por ter se livrado daquela louca. Ele anda devagarzi-
nho na direção da outra plataforma para que ela não perceba e
venha atrás dele. “O filho eliminado, a criança perdida, o rio, a
noiva húngara, os candelabros, os outros, o leste, o muro... As
palavras que voam no ar e o furacão do século as leva para junto
das pessoas. O que tudo isso tem a ver com essa mulher gordi-
nha e comum? E por que não teria? Ninguém carrega as suas
experiências no corpo, nas roupas nem no rosto. As pessoas as
carregam no coração, na consciência e na loucura.”
     As palavras da mulher estranha se perdem em meio aos
gritos, aos slogans, aos refrões de hinos conhecidos e ao barulho
que ele não sabe de onde vem.
     Ele olha na direção do barulho. Um ônibus, cujos vidros
estão decorados com bandeiras vermelhas com lua e estrela de
papel e com uma grande bandeira na frente e uma longa faixa do
lado com a frase “O melhor soldado é o nosso soldado”, se apro-
xima da plataforma 3. Trinta ou quarenta garotos estão mar-
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chando para o ônibus carregando nos ombros outros garotos
jovens como eles; com penugens de bigodes, bochechas rosadas
de tanto entusiasmo, fazendo o símbolo do grupo Lobo Cinzento
com a mão, seus rostos sérios parecendo mais contraídos sob a
pálida luz amarela e com olhos extasiados com a mágica da pró-
pria voz. É uma das cerimônias tradicionais e usuais de despedi-
da dos jovens que vão para o exército. Tudo tem a maldita nor-
malidade da rotina do dia a dia. Tudo está num círculo assustador
de impotência e absurdo que magoa cada vez um pouco mais.
     “Um terminal de ônibus à noite – antigamente se chamava
garagem de ônibus –; através do rio Danúbio, de barco, quem
sabe por que e onde, uma mulher que fugiu e sempre está fugin-
do –, será que era a Segunda Guerra Mundial ou a resistência
húngara? – E a criança? Será que ela realmente existiu? Aqui há
outras crianças gritando ‘Ame-o ou deixe-o’, ‘Morte ao separa-
tista’, ‘A bandeira não descerá, a pátria não será dividida’, ‘O
melhor soldado é o nosso soldado’, crianças que rasgam suas
gargantas à noite. Elas são crianças de outro lugar, de outro
tempo, de outra causa. São as crianças que sempre têm o mesmo
papel – de figurantes – em todas as tragédias representadas em
todos os palcos do mundo...
     “Por que estou aqui? Estou cansado, exausto, e também bê-
bado; além disso, perdi a palavra, perdi a habilidade de escre-
ver. Não gosto de mim, estou zangado comigo. A ideia de viajar
para Istambul de ônibus não é mais atraente.” É demais tanto
para seu corpo que acusa seus 50 anos quanto para sua alma
cansada. É uma decisão tomada no estado de embriaguez, numa
noite horrível bebendo sozinho. “Será que volto para o hotel e
durmo?... Amanhã posso ir para Istambul confortavelmente no
primeiro voo que encontrar. Nem precisa ser o primeiro, não
tenho nada urgente mesmo. O que me espera em Istambul além
de Elif? Aliás, ela deve estar ocupada com suas experiências,
16                                                    OYA BAYDAR



seus alunos, os artigos que escreve para revistas estrangeiras.
Esperar é o que as pessoas desocupadas fazem. Elif sempre tem
mais trabalho do que consegue fazer.”
     Não, ele não ouviu o estampido. E, se ouviu, não percebeu.
Mas o grito teve a violência de uma deflagração e bateu no seu
peito com toda força. Um grito nu e sem nome, sem assunto, sem
identidade desceu pelos morros de Çankaya, pelos vinhedos de
Seyran, pela Cidadela, pelas ladeiras da cidade. Ele cobriu os bair-
ros altos vestidos com a arrogância do governo e da capital, ruas
mornas de funcionários públicos de terno e gravata, os barracos
que adornam os morros junto com álamos, oleastros e pereiras,
as favelas que se aproximam da cidade com passos firmes e silen-
ciosos, as ruas com subidas que vão para a Cidadela, as avenidas,
as ruas, os pontos de ônibus, as estações de trem e o terminal de
ônibus. Ele se espalhou pela cidade, acertou o coração de quem
está na sua frente e ecoou. Chegou até a mulher estranha e a Ömer.
     Ele foi atraído pelo turbilhão da voz. Por quanto tempo
girou naquele redemoinho? Como conseguiu sair? Mas conse-
guiu sair mesmo? A mulher chegou bem pertinho dele. Ou foi ele
que se aproximou da mulher? Ele ouviu a mulher murmurar
“Eles mataram a criança”. E, dentro da sua cabeça, o grito se
tornou voz, a voz se transformou em palavra, a palavra se tor-
nou sentido: A criança! Eles mataram a criança!
     Entre as plataformas 2 e 3, no meio do silêncio de morte que
de repente se instalou no terminal, uma mulher está no chão. O
sangue que escorre lentamente entre suas pernas está deixando
manchas circulares cada vez maiores na sua saia longa de cali-
cô. Ela é muito jovem, quase uma criança. Seu rosto iluminado
por luzes sombrias está branco-azulado. Ela está bonita demais
para ser verdade no meio desse pesadelo que acontece agora. Ela
tenta sorrir enquanto vira sua cabeça para o garoto moreno a
seu lado, que está de joelhos. Depois o seu rosto inteiro se contrai
PALAVRA PERDIDA                                               17

de dor, seus lábios se mexem, parece querer falar algo, e talvez
até fale. O garoto coloca suavemente a mão debaixo da cabeça
dela. Ele pega seu lenço bordado, o passa pelo pescoço dela e
enrola os cabelos trigueiros no próprio dedo. Ele acaricia a bar-
riga da menina sem parar e, inclinando-se bem perto do seu
rosto, sussurra algo, palavras de amor...
     O silêncio absoluto que para o tempo, o momento de sur-
presa e indecisão vivido noutra dimensão deve ter durado mui-
to pouco. Dois dos garotos que até a pouco faziam barulho gri-
tando slogans e acenando bandeiras turcas junto com bandeiras
com vários crescentes estão fugindo e ninguém vai atrás deles.
Os passageiros noturnos do terminal, aqueles que vão para o
exército e aqueles que se despedem dele, como na última cena de
um balé trágico, aproximam-se devagarzinho e formam círcu-
los conforme o ritmo do silêncio. Depois uma explosão de vozes,
gritos, frases incompletas, perguntas, xingamentos, impreca-
ções, lamentações... O jovem que está de joelhos ao lado da víti-
ma, sussurra como se tivesse consumido todas as suas forças
com o grito que soltou:
     – Vocês atiraram nela, vocês mataram a criança! Vocês
mataram a criança!
     Essas palavras ecoam longamente: “Vocês mataram a crian-
                          ç
ça, mataram! We zarok kust! We zarok kust!2”.
                                       ç
     Depois, pessoas correndo para lá e para cá... Vozes gritando
“Alguém foi baleado, ajudem!” Vozes pedindo socorro. O zum-
bido que pulsa na cabeça: “Não tem ambulância? Não tem mé-
dico?”. Homens correndo com uma maca, bandeiras de papel
espalhadas pelo chão, seguranças perplexos... Uma voz levanta
no meio da multidão agitada: “Mártires não morrem, a pátria



2 “Vocês mataram a criança”, em curdo. (N. T.)
18                                                  OYA BAYDAR



não se divide”. “Irmãos” tentando pegar os que fogem. Procu-
rando, após a algazarra, seguir com a rotina como se nada tives-
se acontecido. Um assassinato infame em nome de uma causa
desconhecida. A inocência infantil do assassino anônimo. O de-
sespero nos olhos e a dor congelada no rosto do garoto grudado
na maca onde a menina que fora atingida com uma bala perdida
está sendo carregada. E as palavras gélidas da mulher velha que
não se desgrudam dele, insensível ao que está acontecendo:
     – Eles me forçaram, mas eu não colaborei. Eu sabia quem
tinha matado a criança, mas não falei. Fingi acreditar que ela
não tinha morrido. E não foi a noiva húngara quem escondeu os
candelabros. Confesso... Eu vi quem matou a criança e quem
roubou os candelabros: foi um de nós.
     Ele pega a mulher pelos ombros e a sacode de raiva, deses-
pero e espanto.
     – Que criança, qual criança, sua mulher louca?! Quem você
viu?
     – Tire suas mãos de mim! Aqueles que atiram são sempre
os mesmos, assim como aqueles que são baleados. Eu não falei
então, eu não dedurei ninguém. A criança é sempre a mesma, a
mesma criança. Você atirou nela, eu vi!
     Ele empurra a mulher-fantasma rudemente e corre atrás
daqueles que se distanciam com a maca.
     Ouve a mulher gritando atrás dele:
     – Aonde estão indo esses barcos? Diga-me se souber. Onde
eu deveria ter descido, em qual porto? Eu não direi a ninguém
que foi o senhor que atirou na criança. Para onde corre este rio?
     Um pano sujo está jogado em cima da ferida, os olhos dela
estão fechados, seu rosto e corpo estão se contraindo e tremendo
ao mesmo tempo. A moça ferida geme sem parar como um gati-
nho doente. Os gemidos se transformam em soluços profundos
de vez em quando. Ömer põe sua mão nas costas do garoto que
PALAVRA PERDIDA                                                       19

está tentando segurar uma ponta da maca e diz: “Eu sou médico”.
Não há sentido em ser honesto e dizer ‘‘sou escritor’’. Quem liga
para um escritor? Nesse momento, o que importa é um médico.
      Eles colocam a maca no chão. Ele põe a mão na testa da
garota: está fria como gelo. Para parecer um médico, tenta sen-
tir o pulso dela. Ela geme, fazendo com que ele se assuste e pare
de contar o pulso. De longe se ouve a sirene da ambulância. O
vigia vem junto com o chefe da segurança.
      – Você viu o que aconteceu?
      – Sim, vi, não sei quem atirou, mas deve ser alguém desse
grupo que se despedia dos soldados. Dois homens fugiram. Eu
sou testemunha.
      Verificação da sua identidade, seu endereço... “Sim, ama-
nhã passarei na delegacia.”
      O rosto do garoto está pálido. Parece que não restou nenhu-
ma gota de sangue no seu corpo. Ele tem dificuldade para achar
sua identidade. Por um momento, Ömer fica com medo de o ga-
roto estar sem identidade e ser levado, criando confusão para ele.
“Se precisar eu entro no meio. Conto quem eu sou e salvo o garo-
to.” Ele observa que algumas lágrimas escorrem pelas bochechas
e desaparecem entre os fios da barba de vários dias do garoto.
      – Ela vai se salvar – ele diz. – Ela vai se salvar, não se preocupe.
      Eles tentam fazer um Boletim de Ocorrência na mesma hora.
A menina ferida sangra mais e mais.
      – A criança era a nossa vida – repete sem parar o garoto. O
resto não lhe importa.
      Naquele momento, Ömer percebe que a garota ferida está
grávida.
      – Fique calmo, vamos ver, talvez a criança também se salve.
      Ele se lembra do sangue escorrendo entre as pernas da moça
e se espalhando pela saia e pelo chão de concreto da plataforma.
Nem ele acredita no que fala.

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Palavra Perdida - Oya Baydar

  • 1. OYA BAYDAR PALAVRA PERDIDA Tradução Marco Syrayama de Pinto e Marina Mariz
  • 2. “Eu procurava uma palavra; ouvi uma voz... “Estava buscando a palavra. A palavra que usei aspera- mente, que gastei extravagantemente, que assoprei em bolhas de sabão, que dilapidei. Aquela primeira frase com que começa- rei a história, para levá-la adiante e terminá-la. Aquela frase que seria impossível escrever, que desapareceu na leveza do pensamento fluido, exatamente quando eu senti que a tinha de- preendido... A palavra perdida... Mas ouvi uma voz. Esqueci a palavra e segui o grito.” O homem que brinca com as palavras, o acrobata da lín- gua, o mago das palavras. Rótulos de elogios cheios de clichês que estão colados em seu nome envolvem sua identidade... À pergunta feita somente pelos leitores admirados, bem-intencionados e um tanto ino- centes, pelos zelosos e ambiciosos jornalistas literários e pelos críticos que determinam o destino do que nós escrevemos: “O que há de novidade no balcão, mestre?”, há sempre uma respos- ta indiferente e fria como gelo, misturada com um riso hipócri- ta: “Há algumas coisas que já estão caminhando, estão bem adiantadas e você verá em breve”.
  • 3. 8 OYA BAYDAR Porém há um grande vazio interior: “O improdutivo e hor- rível vazio dos espelhos sem reflexo que se encaram”. Ficar cansado de lutar consigo mesmo dias e noites sem fim para poder criar a tão grande e esperada obra através dessa frase polida e vazia que ele ouviu em algum lugar. Debater-se na rede de relações chamada “amor” e que deixa para trás somente arrependimentos amargos. Os retornos que são fracassos em pequena escala: voltar para casa tendo dentro de si um vazio negro e melancólico; voltar para sua mulher, que sempre está ali, sempre querida, sempre comedida, sempre distante; voltar para seus antigos companheiros e para o ambiente da literatu- ra com o medo de não saber onde, em qual mundo encontrar novas pessoas, evitando os sorrisos irônicos escondidos por detrás das demonstrações elogiosas dizendo: “Nós sabemos quem você é”. Caminhos, países, cidades, hotéis, mares, portos, pessoas, tudo pelo viver. Com a sensação persistente de vazio e estupidez. Ele estava atrás de uma palavra, a palavra que tinha perdi- do. Ouviu uma voz. Uma voz que penetrou na opressiva escuridão da noite so- brepondo-se ao barulho da cidade; uma voz que bateu como ondas furiosas nas costas de sonhos e insônias atravessando tempo e espaço como um vento veloz. “Será que eu a ouvi?” Você consegue ouvir o zumbido, o sussurro, a fala, a músi- ca, o som e o silêncio da natureza, mas não é capaz de ouvir o grito. O grito o encobre e o cerca; tornando-se o sexto sentido que se soma aos cinco outros, ele penetra nas suas células. É diferente do grito que sua mulher soltou quando deu à luz o seu filho, do último grito inumano do homem que foi esfaqueado a seu lado uma noite, do grito que uma mulher de burca preta soltou ao mundo abrindo seu peito e rasgando a roupa – não se
  • 4. PALAVRA PERDIDA 9 lembra em qual guerra, em qual luta nem onde –, abraçando seu filho morto. O grito sobrepuja a voz, a silencia. Não se consegue ouvir o grito, ele o cerca, o arrasta, o puxa para si. O grito... Os passageiros com cara, roupa e cheiro do povo dos ôni- bus da Anatólia que partem depois da meia-noite. A ordem fal- sa e sem gosto dos terminais de ônibus das cidades grandes, que pretendem imitar a elegância e o luxo dos aeroportos, sua con- fusa efervescência. Anúncios com uma voz relaxada com finais das palavras que se prolongam como um chiclete e com entona- ções erradas: “Atenção, prezados senhores, seu ônibus está pron- to para partir na plataforma dezessete!”. Os vendedores de ke- bab, frutas secas, lanches, raspadinha, camelôs de livros religiosos, fitas cassete e CDs, as lojas de doces e de helva, os toaletes cujos pisos sempre estão molhados, descargas quebra- das, pias entupidas, privadas que cheiram a urina. O frescor das noites de junho, a melancolia amarela que se espalha atra- vés das luzes pálidas, as salas de espera que ficam cada vez mais vazias, as plataformas cada vez mais silenciosas. Faltava mais de meia hora para seu ônibus partir. Para passar o tempo, ele estava olhando os passageiros que corriam para lá e para cá, as pessoas que vinham se despedir de seus entes queridos, as crianças pedintes vendendo lenços de papel ou chicletes, vendedores de fitas cassete e de frutas secas e a multidão a seu redor. De repente, enquanto bebia seu drinque no bar de um hotel que frequentava há tempos, bem antes de ter virado moda – para dizer a verdade ele tinha bebido mais do que devia –, sentiu que não podia aguentar essa cidade nem um dia mais e decidiu cancelar dois compromissos que tinha no dia seguinte e voltar de ônibus para Istambul naquela noite mesmo. Estava comprando uma garrafa de água e um maço de ci- garros no Quiosque da Capital, que ficava na esquina de um dos portões que abriam para as plataformas, quando percebeu que
  • 5. 10 OYA BAYDAR estava repetindo como um refrão a frase: “O Quiosque da Capi- tal, o Quiosque da Capital”. Às vezes uma palavra, uma frase ou um verso ficava rodando na sua cabeça como um disco ris- cado; especialmente quando sua mente estava enevoada pelo álcool. Foi quando compreendeu o sentido da palavra que esta- va repetindo – capital, a cidade-cabeça. “E onde estão as cida- des-pés? As cidades também têm cabeça e pés. Mas será que a cabeça e os pés nunca mudarão? Devem mudar? Como mudam? Por que eu... por que uma vida inteira nós...? O que uma vida inteira? Ou melhor, ‘uma juventude inteira’...” O esforço todo era para transformar os pés em cabeça ou as cabeças em pés? “Será que posso fazer um texto com esta pergunta absurda de quarenta anos atrás?” “As perguntas e incertezas que tivemos e repetimos como o refrão das nossas vidas sem sentido por tantas gerações, mas nunca conseguimos respondê-las, resolvê-las! E especialmente a palavra ‘incerteza’ que usamos com ou sem necessidade toda hora... Você deve usar palavras assim para que o considerem um intelectual. Mas não, não sairá nenhuma obra útil daqui. Não sai nada mais de mim. O que de bom saiu até agora? Seja sincero, pelo menos consigo. Não deveria ser tão cruel. Talvez não seja aquilo que pensam de mim, mas não sou ‘ninguém’ tampouco. Droga! Minha mente está confusa, não está clara. O interior da minha cabeça está como ‘o improdutivo e horrível vazio dos espelhos sem reflexo que se encaram’. Não devo beber tanto. Meu cérebro está ficando mole como uma esponja. Só quero que o ônibus chegue, que eu encontre o meu assento e durma. Em memória dos bons e velhos tempos quando éramos jovens e inocentes, quando viajar de avião era algo impensável, já que não cabia no nosso magro orçamento de estudante nem no esti- lo de vida de um revolucionário – uma passagem de avião valia o mesmo que um salário mínimo! Que vergonha! Como quero
  • 6. PALAVRA PERDIDA 11 dormir profundamente encostando a minha cabeça no cheiran- do a suor.” Se não tivesse notado a mulher do chapéu estranho que esta- va sentada num banco da plataforma 8 enquanto ele esperava o troco em frente ao Quiosque da Capital, não teria se dirigido para lá. O chapéu de cor clara e com abas largas atraiu a sua atenção mais uma vez enquanto colocava a garrafa de água num dos bolsos externos da sua maleta. Deixou-se levar pela estranha for- ça de atração dos objetos e caminhou na direção da plataforma 8. A mulher é baixa, gordinha e velha. Deve ter mais de 70 anos de idade. Ela está usando calças velhas de cor clara que descem até abaixo dos joelhos. Chamam-se bermudas? Na sua cabeça, um chapéu velho de palha com abas largas e uma fita verde, em suas mãos, luvas brancas. Deve ser uma professora aposentada que decidiu morar em Bodrum ou a mulher de um burocrata que passa metade do ano em estâncias balneárias. Ela lembra um pouco sua mãe. Elas pintam tecidos, fazem bati- que e tentam desenhar nas horas em que não estão jogando car- tas. Elas também mostram interesse pela arte e pela literatura. A maioria delas são mulheres insuportáveis com atitude elitis- ta, sabichonas e com jeitinho de professora. São mulheres que acreditam no absoluto das suas verdades, começam a falar com a frase “Nós somos filhas da geração republicana”; quando veem uma mulher coberta, viram um touro enraivecido, se entriste- cem e dizem: “Nem o Atatürk1 conseguiu educar esse povo!”, pronunciando a palavra “povo” de forma pedante. “Talvez es- teja sendo injusto com a pobre mulher por tê-la comparado com minha mãe em razão da discordância entre nós, e meu pai e aquele grupo elitista que adora ser o dono da verdade.” 1 Atatürk foi o primeiro presidente da Turquia republicana. (N. T.)
  • 7. 12 OYA BAYDAR A mulher velha fala sem parar. Ele olha ao seu redor para ver com quem ela está falando, mas não vê ninguém. – Não é verdade, meu senhor? Ela pergunta isso com um sotaque de estrangeira e entona- ção estranha, mas com bastante gentileza. “Será que ela me reconheceu? Só pode ser isso. Até deve ter participado da minha noite de autógrafos. Só Deus sabe.” O sen- timento de satisfação e orgulho de si lambe docemente a sua alma. A satisfação que vem da fama, o prazer que surge da con- sideração. Portanto, ele faz o papel do cara que não dá impor- tância à fama, que superou essas coisas vãs e está satisfeito com os elogios e um pouco cansado de tudo. Ele não responde à per- gunta, faz que não a ouviu, nem quer falar com ninguém. Só quer que o ônibus chegue para poder dormir. Ele se lembra dos dias em que fazia a via-sacra entre Istambul e Ancara nos ôni- bus noturnos baratos, não só pelo amor, mas também pela re- volução. Eram os dias de juventude, dias de inexperiência e ino- cência, eram dias maravilhosos. A mulher não vai desistir até conseguir uma resposta. Ele fica com raiva de si mesmo. “Fui muito imbecil de vir até aqui só por causa de um chapéu ridículo. Eu me sinto obrigado a pare- cer interessado em objetos desde que aquele crítico jovem que gosta de dizer palavras importantes falou: ‘Ele é um escritor que consegue sentir a magia dos objetos e colocá-la em palavras’. É um chapéu afinal, é o chapéu de uma mulher brega!...” Ele luta consigo: “Por que vim para cá, por que procurei encrenca?”. – O senhor também estava lá. Estávamos em Varsóvia. Não, acho que estávamos em Budapeste. A criança estava do meu lado quando embarcamos no navio. Eu não quis deixar a cidade, eles me forçaram. Eu lhe digo que a criança estava do meu lado. O senhor a viu. Diga-lhes que a viu. Eles vão acreditar no senhor. “Será que devo responder?” A sua mente está confusa, seus
  • 8. PALAVRA PERDIDA 13 pensamentos são inconsistentes. Quando ele bebe sozinho, per- de o controle. Na verdade tem tantos amigos antigos e novos nesta cidade que se quisesse poderia ligar para um deles para beberem juntos. Qualquer um dos seus amigos novos ficaria fascinado por aparecer em algum lugar com o escritor Ömer Eren. Os antigos... não se pode saber sua reação, talvez já o te- nham eliminado da lista, “ou talvez fiquem muito felizes quan- do eu ligar”. Porém não tem como saber... “Tenho muitos conhe- cidos, mas sobraram poucos amigos verdadeiros. Eu literalmente enterrei muitos deles. Não no sentido figurado, mas de verdade, enterrei muitos deles, os melhores.” A voz da mulher estranha interrompe seus pensamentos: – Talvez não acreditem nem no senhor, mas deve falar as- sim mesmo. É óbvio que a mulher é maluca. Ele puxa pela memória: quem foram os deportados da Hungria pelo Danúbio em 1956? Eu ouvi essa história no passado. Que droga! Não me lembro de nada. Minha memória está mais fraca a cada dia que passa. Não devo beber tanto, devo escutar as palavras da minha mulher, não devo exagerar na medida. Elif nunca exagera na medida. Medida? De quê? Medida de quem? As medidas da Elif? Por quê? – Somente diga-lhes o que viu – repete a mulher, imploran- do. – Diga, meu senhor. “Dizer o que eu vi? Eu vi alguma coisa? Será que tinha visto? Teria dito o que tinha visto? Será que diria se tivesse visto?” Ele fica calado. Tem de fugir dali, se livrar dessa mulher. – “A criança virá depois” – eles disseram. – Esperei por anos, ela não veio. Como pode uma criança do tamanho de um dedo atravessar aquele caminho! Quando o muro foi demolido, a noi- va húngara guardou todos os documentos e os candelabros de prata. Não, talvez os candelabros tenham ficado em Peste. Não se deve falar pelas costas. Não é verdade, meu senhor?
  • 9. 14 OYA BAYDAR Ela levanta do seu lugar e anda na direção de Ömer. Ele quer fugir, a mulher o puxa pelo braço. Ele se solta. – Eu não estava lá. Não sei, eu não sei de nada – diz ele, enquanto tenta fugir, andando de lado como um siri. – Todo mundo diz “eu não estava lá”, “não sei”. Então quem eram aqueles que estavam lá? Quem os conhece, quem se lembra deles? Quem era aquele que retirou a criança do navio? Pode ser a noiva. Ela começou a trabalhar para eles quando meu filho foi eliminado por ser traidor. É possível que tenha sido ela quem guardou os candelabros de prata. Eu não quis sair do leste. Eu ia esperar lá, eu não ia deixar a criança. Ela poderia me encontrar lá, poderia. Ela não conhece este lugar, não consegue encontrar ninguém aqui. A mulher volta para seu lugar resmungando. Ele nem con- segue ouvir nem entender mais o que ela está dizendo. Sente-se aliviado por ter se livrado daquela louca. Ele anda devagarzi- nho na direção da outra plataforma para que ela não perceba e venha atrás dele. “O filho eliminado, a criança perdida, o rio, a noiva húngara, os candelabros, os outros, o leste, o muro... As palavras que voam no ar e o furacão do século as leva para junto das pessoas. O que tudo isso tem a ver com essa mulher gordi- nha e comum? E por que não teria? Ninguém carrega as suas experiências no corpo, nas roupas nem no rosto. As pessoas as carregam no coração, na consciência e na loucura.” As palavras da mulher estranha se perdem em meio aos gritos, aos slogans, aos refrões de hinos conhecidos e ao barulho que ele não sabe de onde vem. Ele olha na direção do barulho. Um ônibus, cujos vidros estão decorados com bandeiras vermelhas com lua e estrela de papel e com uma grande bandeira na frente e uma longa faixa do lado com a frase “O melhor soldado é o nosso soldado”, se apro- xima da plataforma 3. Trinta ou quarenta garotos estão mar-
  • 10. PALAVRA PERDIDA 15 chando para o ônibus carregando nos ombros outros garotos jovens como eles; com penugens de bigodes, bochechas rosadas de tanto entusiasmo, fazendo o símbolo do grupo Lobo Cinzento com a mão, seus rostos sérios parecendo mais contraídos sob a pálida luz amarela e com olhos extasiados com a mágica da pró- pria voz. É uma das cerimônias tradicionais e usuais de despedi- da dos jovens que vão para o exército. Tudo tem a maldita nor- malidade da rotina do dia a dia. Tudo está num círculo assustador de impotência e absurdo que magoa cada vez um pouco mais. “Um terminal de ônibus à noite – antigamente se chamava garagem de ônibus –; através do rio Danúbio, de barco, quem sabe por que e onde, uma mulher que fugiu e sempre está fugin- do –, será que era a Segunda Guerra Mundial ou a resistência húngara? – E a criança? Será que ela realmente existiu? Aqui há outras crianças gritando ‘Ame-o ou deixe-o’, ‘Morte ao separa- tista’, ‘A bandeira não descerá, a pátria não será dividida’, ‘O melhor soldado é o nosso soldado’, crianças que rasgam suas gargantas à noite. Elas são crianças de outro lugar, de outro tempo, de outra causa. São as crianças que sempre têm o mesmo papel – de figurantes – em todas as tragédias representadas em todos os palcos do mundo... “Por que estou aqui? Estou cansado, exausto, e também bê- bado; além disso, perdi a palavra, perdi a habilidade de escre- ver. Não gosto de mim, estou zangado comigo. A ideia de viajar para Istambul de ônibus não é mais atraente.” É demais tanto para seu corpo que acusa seus 50 anos quanto para sua alma cansada. É uma decisão tomada no estado de embriaguez, numa noite horrível bebendo sozinho. “Será que volto para o hotel e durmo?... Amanhã posso ir para Istambul confortavelmente no primeiro voo que encontrar. Nem precisa ser o primeiro, não tenho nada urgente mesmo. O que me espera em Istambul além de Elif? Aliás, ela deve estar ocupada com suas experiências,
  • 11. 16 OYA BAYDAR seus alunos, os artigos que escreve para revistas estrangeiras. Esperar é o que as pessoas desocupadas fazem. Elif sempre tem mais trabalho do que consegue fazer.” Não, ele não ouviu o estampido. E, se ouviu, não percebeu. Mas o grito teve a violência de uma deflagração e bateu no seu peito com toda força. Um grito nu e sem nome, sem assunto, sem identidade desceu pelos morros de Çankaya, pelos vinhedos de Seyran, pela Cidadela, pelas ladeiras da cidade. Ele cobriu os bair- ros altos vestidos com a arrogância do governo e da capital, ruas mornas de funcionários públicos de terno e gravata, os barracos que adornam os morros junto com álamos, oleastros e pereiras, as favelas que se aproximam da cidade com passos firmes e silen- ciosos, as ruas com subidas que vão para a Cidadela, as avenidas, as ruas, os pontos de ônibus, as estações de trem e o terminal de ônibus. Ele se espalhou pela cidade, acertou o coração de quem está na sua frente e ecoou. Chegou até a mulher estranha e a Ömer. Ele foi atraído pelo turbilhão da voz. Por quanto tempo girou naquele redemoinho? Como conseguiu sair? Mas conse- guiu sair mesmo? A mulher chegou bem pertinho dele. Ou foi ele que se aproximou da mulher? Ele ouviu a mulher murmurar “Eles mataram a criança”. E, dentro da sua cabeça, o grito se tornou voz, a voz se transformou em palavra, a palavra se tor- nou sentido: A criança! Eles mataram a criança! Entre as plataformas 2 e 3, no meio do silêncio de morte que de repente se instalou no terminal, uma mulher está no chão. O sangue que escorre lentamente entre suas pernas está deixando manchas circulares cada vez maiores na sua saia longa de cali- cô. Ela é muito jovem, quase uma criança. Seu rosto iluminado por luzes sombrias está branco-azulado. Ela está bonita demais para ser verdade no meio desse pesadelo que acontece agora. Ela tenta sorrir enquanto vira sua cabeça para o garoto moreno a seu lado, que está de joelhos. Depois o seu rosto inteiro se contrai
  • 12. PALAVRA PERDIDA 17 de dor, seus lábios se mexem, parece querer falar algo, e talvez até fale. O garoto coloca suavemente a mão debaixo da cabeça dela. Ele pega seu lenço bordado, o passa pelo pescoço dela e enrola os cabelos trigueiros no próprio dedo. Ele acaricia a bar- riga da menina sem parar e, inclinando-se bem perto do seu rosto, sussurra algo, palavras de amor... O silêncio absoluto que para o tempo, o momento de sur- presa e indecisão vivido noutra dimensão deve ter durado mui- to pouco. Dois dos garotos que até a pouco faziam barulho gri- tando slogans e acenando bandeiras turcas junto com bandeiras com vários crescentes estão fugindo e ninguém vai atrás deles. Os passageiros noturnos do terminal, aqueles que vão para o exército e aqueles que se despedem dele, como na última cena de um balé trágico, aproximam-se devagarzinho e formam círcu- los conforme o ritmo do silêncio. Depois uma explosão de vozes, gritos, frases incompletas, perguntas, xingamentos, impreca- ções, lamentações... O jovem que está de joelhos ao lado da víti- ma, sussurra como se tivesse consumido todas as suas forças com o grito que soltou: – Vocês atiraram nela, vocês mataram a criança! Vocês mataram a criança! Essas palavras ecoam longamente: “Vocês mataram a crian- ç ça, mataram! We zarok kust! We zarok kust!2”. ç Depois, pessoas correndo para lá e para cá... Vozes gritando “Alguém foi baleado, ajudem!” Vozes pedindo socorro. O zum- bido que pulsa na cabeça: “Não tem ambulância? Não tem mé- dico?”. Homens correndo com uma maca, bandeiras de papel espalhadas pelo chão, seguranças perplexos... Uma voz levanta no meio da multidão agitada: “Mártires não morrem, a pátria 2 “Vocês mataram a criança”, em curdo. (N. T.)
  • 13. 18 OYA BAYDAR não se divide”. “Irmãos” tentando pegar os que fogem. Procu- rando, após a algazarra, seguir com a rotina como se nada tives- se acontecido. Um assassinato infame em nome de uma causa desconhecida. A inocência infantil do assassino anônimo. O de- sespero nos olhos e a dor congelada no rosto do garoto grudado na maca onde a menina que fora atingida com uma bala perdida está sendo carregada. E as palavras gélidas da mulher velha que não se desgrudam dele, insensível ao que está acontecendo: – Eles me forçaram, mas eu não colaborei. Eu sabia quem tinha matado a criança, mas não falei. Fingi acreditar que ela não tinha morrido. E não foi a noiva húngara quem escondeu os candelabros. Confesso... Eu vi quem matou a criança e quem roubou os candelabros: foi um de nós. Ele pega a mulher pelos ombros e a sacode de raiva, deses- pero e espanto. – Que criança, qual criança, sua mulher louca?! Quem você viu? – Tire suas mãos de mim! Aqueles que atiram são sempre os mesmos, assim como aqueles que são baleados. Eu não falei então, eu não dedurei ninguém. A criança é sempre a mesma, a mesma criança. Você atirou nela, eu vi! Ele empurra a mulher-fantasma rudemente e corre atrás daqueles que se distanciam com a maca. Ouve a mulher gritando atrás dele: – Aonde estão indo esses barcos? Diga-me se souber. Onde eu deveria ter descido, em qual porto? Eu não direi a ninguém que foi o senhor que atirou na criança. Para onde corre este rio? Um pano sujo está jogado em cima da ferida, os olhos dela estão fechados, seu rosto e corpo estão se contraindo e tremendo ao mesmo tempo. A moça ferida geme sem parar como um gati- nho doente. Os gemidos se transformam em soluços profundos de vez em quando. Ömer põe sua mão nas costas do garoto que
  • 14. PALAVRA PERDIDA 19 está tentando segurar uma ponta da maca e diz: “Eu sou médico”. Não há sentido em ser honesto e dizer ‘‘sou escritor’’. Quem liga para um escritor? Nesse momento, o que importa é um médico. Eles colocam a maca no chão. Ele põe a mão na testa da garota: está fria como gelo. Para parecer um médico, tenta sen- tir o pulso dela. Ela geme, fazendo com que ele se assuste e pare de contar o pulso. De longe se ouve a sirene da ambulância. O vigia vem junto com o chefe da segurança. – Você viu o que aconteceu? – Sim, vi, não sei quem atirou, mas deve ser alguém desse grupo que se despedia dos soldados. Dois homens fugiram. Eu sou testemunha. Verificação da sua identidade, seu endereço... “Sim, ama- nhã passarei na delegacia.” O rosto do garoto está pálido. Parece que não restou nenhu- ma gota de sangue no seu corpo. Ele tem dificuldade para achar sua identidade. Por um momento, Ömer fica com medo de o ga- roto estar sem identidade e ser levado, criando confusão para ele. “Se precisar eu entro no meio. Conto quem eu sou e salvo o garo- to.” Ele observa que algumas lágrimas escorrem pelas bochechas e desaparecem entre os fios da barba de vários dias do garoto. – Ela vai se salvar – ele diz. – Ela vai se salvar, não se preocupe. Eles tentam fazer um Boletim de Ocorrência na mesma hora. A menina ferida sangra mais e mais. – A criança era a nossa vida – repete sem parar o garoto. O resto não lhe importa. Naquele momento, Ömer percebe que a garota ferida está grávida. – Fique calmo, vamos ver, talvez a criança também se salve. Ele se lembra do sangue escorrendo entre as pernas da moça e se espalhando pela saia e pelo chão de concreto da plataforma. Nem ele acredita no que fala.