Este documento analisa o poema "O das Quinas" de Fernando Pessoa. Discute como as quinas representam tanto as chagas de Cristo quanto os cinco reis mouros derrotados por D. Afonso Henriques. Explica que a glória exige sacrifício, como no caso de Cristo, e que devemos nos contentar com o que nos é dado.
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1. Mensagem – “O das Quinas” | Professor: Rui Cravo 1/2
PORTUGUÊS – 12.º ANO
Ficha de Trabalho
MENSAGEM — poema “O das Quinas”
«‘O das Quinas’ tem um significado simbólico óbvio: as quinas representam, na Mensagem, as
chagas de Cristo na cruz (duas nas mãos e duas nos pés, causadas pelos pregos; uma no dorso causada
pela lança do soldado romano Longinus (Camões aborda este tema no Canto III, est. 53 e 54»). As quinas
representam, na bandeira de Portugal, os cinco reis mouros derrotados por D. Afonso Henriques na
batalha de Ourique, em 1139 (Baixo Alentejo). Embora os historiadores pensem que muito do que foi
escrito sobre o episódio de Ourique seja fictício, ou exagerado, tratou-se de facto de uma vitória sobre os
muçulmanos, que serviu para fortalecer politicamente o reinado de D. Afonso Henriques, primeiro rei de
Portugal.
Assim, e em rigor, as quinas representam os reis mouros. Apenas dentro das quinas encontramos
as cinco marcas das chagas, isto na simbologia da bandeira Portuguesa. Dentro do tema geral “Brasão” (1.ª
Parte de Mensagem), as “Quinas” seguem-se aos “Campos”. Isto porque o “Brasão” representa a luta (“Os
Campos”) pelo sangue de Cristo, ou seja, as chagas (“As Quinas”). [Nuno Hipólito, As Mensagens de
Mensagem, pp. 15-18]
SEGUNDO O
DAS QUINAS
Os Deuses vendem quando dão.
Compra-se a glória com desgraça.
Ai dos felizes, porque são
Só o que passa!
5 Baste a quem baste o que lhe basta
O bastante de lhe bastar!
A vida é breve, a alma é vasta:
Ter é tardar!
Foi com desgraça e com vileza
10 Que Deus ao Cristo definiu:
Assim o opôs à Natureza
E Filho o ungiu.
8-12-1928
Os Lusíadas: C. III, E. 53-54
1.ª estrofe (verso a verso)
«Os Deuses vendem quando dão.» (v. 1)
Os deuses, na verdade, não dão nada, «vendem». Ou
seja, nada é conquistado sem sacrifício.
«Compra-se a glória com desgraça.» (v. 2)
Comprar (atingir) a glória exige, muitas vezes, a desgraça
(a morte/o sofrimento).
«Ai dos felizes, porque são» (v. 3)
Os que são felizes são os verdadeiramente abençoados,
«Só o que se passa!» (v. 4)
Porque a felicidade é passageira, o sofrimento é eterno.
Análise contextual da 1.ª estrofe:
A glória não é fácil. Quem a pretender alcançar tem de
sofrer. Aqueles que se refugiem no comodismo e
pretendam levar uma vida tranquila e feliz não terão com
certeza o favor dos deuses.
O sujeito poético avisa que nada é dado sem que algo
seja tirado: «Os Deuses vendem quando dão», ou seja,
quando dão a glória, tiram a felicidade ― «compra-se a
glória com desgraça» (v. 2). Os felizes, mesmo de modo
passageiro, ignoram que, sendo a felicidade maravilhosa,
ela também é momentânea, efémera («só o que passa!»,
v. 4), enquanto o sofrimento, para aquele que luta, é por
vezes eterno, sempre presente. Os felizes são, assim,
abençoados mas, por outro lado, são passageiros,
inconsequentes.
2. Mensagem – “O das Quinas” | Professor: Rui Cravo 2/2
2.ª estrofe (verso a verso)
«Baste a quem baste o que lhe basta» (v. 5)
Devemo-nos resignar ao que é suficiente
«O bastante de lhe bastar!» (v. 6)
Não procurar além do que nos é dado pelo Destino
«A vida é breve, a alma é vasta:» (v. 7)
A vida é curta para satisfazer os desejos da alma
humana
«Ter é tardar!» (v. 8)
Possuir é sempre uma ilusão, é querer atrasar a
compreensão da vida.
Análise contextual da 2.ª estrofe:
Depois do aviso da primeira estrofe, a segunda
estrofe apresenta-nos um conselho: ter cuidado
com o que desejamos. Afinal, que condições são
necessárias para que se possa alcançar essa glória a
que o “eu” lírico se refere?
A resposta parece estar nesta 2.ª quadra:
«Baste a quem baste o que lhe basta» (v. 5), isto é,
não devemos desejar mais do que aquilo que nos
está destinado. Isto porque «O bastante de lhe
bastar» (v. 6) deve ser suficiente, já que «A vida é
breve, a alma é vasta» (v. 7). A glória só pode ser
alcançada quando o ter estiver subordinado ao ser.
O Homem deverá viver apenas com os bens
materiais indispensáveis, porque «Ter é tardar» (v.
8), ou seja, o ter dificulta, cria obstáculos. Ter é
realmente um um atraso para a realização das
grandes missões.
Análise contextual da 3.ª estrofe:
O sujeito poético equipara a luta dos portugueses
aos sacrifícios de Cristo ao tornar-se, como eles,
homem. A glória do Salvador veio também através
de grande sofrimento, além da própria dor ― «Foi
com desgraça e com vileza/ Que Deus ao Cristo
definiu» (vv. 9 e 10). Não se pode exigir menos a
quem segue a sua palavra e a sua missão.
Estes obstáculos surgem por uma razão: filtrar os
corajosos, aqueles que, no seu coração, estão
preparados para se sacrificarem, além de todo o
sacrifício que pensem poder suportar. O exemplo
para todos os que lutam é Cristo, Deus-homem
caído em desgraça na cruz, que sofre e duvida da
sua paternidade no último grito antes da morte e
da ressurreição.
Porque sofre ele? Porque se «opôs à Natureza» (v.
11). Deus «Filho o ungiu» (v. 12), para que ele
sofresse pelos homens e os redimisse, mas também
para que lhes comunicasse a existência de um
Destino superior ― como o dos navegadores.
Bibliografia:
COELHO, J. do Prado, Diversidade e Unidade em Fernando Pessoa ― Lisboa; 1973;
HIPÓLITO, Nuno, As Mensagens da Mensagem – A Mensagem de Fernando Pessoa, anotada e comentada (pp. 15-18).
http://arquivopessoa.net/textos/1264
http://multipessoa.net/
Análise verso a verso — 3.ª estrofe
«Foi com desgraça e com vileza» (v. 9)
Foi com provações, testes e sacrifícios
«Que Deus ao Cristo definiu:» (v. 10)
Que Deus, fazendo passar Cristo por essas
dificuldades, o definiu, definiu o seu Destino.
«Assim o opôs à Natureza» (v. 11)
Assim o caracterizou homem.
«E Filho o ungiu.» (v. 12)
E filho de Deus, ungido Rei dos Judeus (como os
antigos reis eram ungidos com óleos sagrados nas
cerimónias de coroação).