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Peça de Teatro “Intemporalidade do Amor”<br />Peça baseada na obra “A Trança de Inês”, de Rosa Lobato Faria<br />Manicómio<br />Acto I<br />Cena I (Pedro e guarda-enfermeiro)<br />Pedro, no seu quarto do manicómio, está deitado sobre o lado esquerdo, de olhos fechados, imóvel, enquanto o guarda-enfermeiro o observa, esperando que o doente adormeça.<br />Pedro (em voz baixa, imaginando que fala com Inês) – Meu amor! Vem! Desmancha a tua trança, espalha os teus cabelos louros sobre o meu rosto, desliza por cima de mim e inunda-me com o teu singularíssimo perfume. <br />(o guarda-enfermeiro aproxima-se e Pedro finge que está a dormir)<br />Guarda-enfermeiro (ironicamente) – O doutorzinho está à tua espera, lazarento! Levanta-te imediatamente!<br />Acto II<br />Pedro, psiquiatra e enfermeiro<br />Psiquiatra (inquirindo Pedro) – Que idade tinha quando os seus pais morreram?... Como reagiu?... Sente-se culpado?...<br />Pedro (exaltado) – Ninguém morreu, nunca ninguém morre, só quem nós matámos na memória, no pensamento e no coração.<br />Psiquiatra – Senhor Pedro santa Clara, viu o seu pai morto, a sua mãe, algum irmão, diga-nos o que sentiu?<br />Pedro – Não senti nada, fui eu que os matei no coração e no pensamento…<br />Psiquiatra – Tente lembrar-se! Queremos perceber a sua infância… Alguém abusou de si?<br />Pedro (exaltado) – Não me lixem os cornos…. Doutor vá passear…. Vá chatear outro com essas filosofias de Freud desenterrado<br />Psiquiatra – O senhor Santa Clara não precisa de me ofender, acalme-o, senhor enfermeiro!<br />(o enfermeiro agarra Pedro, enquanto este exaltado se tenta libertar)<br />Enfermeiro (agressivamente) – Cala-te, cabrão, se não queres ir para a cela à prova de som metido numa camisa-de-forças, o senhor doutor só te quer ajudar minha besta!<br />Pedro (tentando libertar-se dos braços do enfermeiro) – Este doutorzinho saído dos cueiros não percebe nada, não sabe quem eu sou….<br />Enfermeiro (ironicamente) – Pois, já sabemos que és o D. Pedro, maluco de merda, responde ao senhor doutor, responde, responde, responde, responde, responde.<br />Pedro (gritando) – Eu sou D. Pedro I, o Cru, que não descansa, que não dorme, o que arrasta a amada pelas noites fantasmagóricas do seu reino, o que manda acender fogueiras para acender-lhe o corpo gelado….  Inês, Inês, Inês, somos para sempre, da vida e da morte, para sempre, para sempre, (com a voz desvanecendo) somos senhores do tempo. Inês, Inês…<br />(O enfermeiro espeta uma injecção ao acaso no corpo de Pedro e o grito de Pedro por Inês se vai desvanecendo)<br />PRESENTE<br />ActoIII<br /> (Analepse - Pedro de fato em sua casa com Constança a tomar o pequeno almoço antes de ir para o trabalho. Constança começa a reclamar com Pedro que se mostra indiferente a ela.)<br />Constança (com um roupão velho e despenteada ) – Pedro, são os anos da minha tia, e sabes que ela não gosta de servir o jantar depois das nove. Se te atrasares não posso esperar por ti, estou farta de fazer tristes figuras por tua causa. Vais querer tomar banho, mudar de fato e podias mandar a tua secretária telefonar à florista, porque o presente que comprei é demasiado simples. Pedro, estás a ouvir-me?<br />Pedro (indiferente, a levantar-se e dirigindo-se para a porta) – Não, não estou a ouvir! Agora não estou com cabeça para te aturar. Liga-me mais tarde, pode ser que perceba a tua invenção do dia para me chateares.<br />Constança (indignada) – O quê Pedro? O que estás para aí a dizer? (Pedro fecha a porta deixando Constança a falar sozinha)<br />Acto IV<br />cenaI<br />(Pedro no escritório a trabalhar e entra a D. Zilda, sua secretária)<br />D. Zilda (a entrar com muito cuidado para não fazer barulho) – Senhor doutor o cafezinho, se o doutor me desse licença precisava que me ouvisse num instante, um minutinho só.<br />Pedro – Já desisti de explicar à D. Zilda que não sou doutor…<br />D. Zilda – Se o doutor permitisse, eu ausentava-me três dias para cuidar da minha mãe que tem noventa anos e apanhou uma forte gripe. Entrou uma moça nova para as relações públicas que também tem formação em secretariado. Eu já lhe falei e se o senhor não se importar ela fica a substituir-me na minha ausência.<br />Pedro – Está autorizada, D. Zilda, mande cá a menina das relações públicas e vá descansada.<br />D. Zilda – Fico-lhe muito grata, senhor doutor e já liguei para a florista, está resolvido o assunto da D. Constança.<br />(D. Zilda sai e batem à porta)<br />Inês – Com licença, venho saber no que posso ajudá-lo, o meu nome á Inês.<br />(Pedro abismado com a beleza de Inês não fala e a cena termina com o olhar de apaixonado de Pedro no momento em que vê Inês)<br />Passado 1335<br />Cena1<br />(D. Afonso, D. Teresa e D. Pedro aguardam no castelo a chegada de D. Constança, futura esposa de D. Pedro, que se faz acompanhar por D. Inês, sua melhor amiga e dama de companhia)<br />D. Afonso – Pedro este casamento é muito importante para as nossas relações com Castela, por isso vê lá como te comportas!<br />D. Pedro – Está bem meu pai, não se preocupe que não o vou desiludir!<br />(é anunciada a entrada de D. Constança, que surge acompanhada pela sua dama de companhia)<br />D. Afonso – É com muito gosto que a recebo no meu castelo, que futuramente também será o seu! Este é o meu filho Pedro! <br />D. Constança (faz uma vénia) – Muito prazer em conhecê-lo meu príncipe! <br />(Pedro beija a mão de D. Constança mas não consegue tirar os olhos da sua dama de companhia por quem fica perdidamente deslumbrado, mostrando-se indiferente a D. Constança)<br />Cena II<br />(Pedro às escondidas encontra-se com D. Inês no jardim do castelo)<br />D. Pedro (a chegar ao jardim abraçando) – Inês, Inês, não imaginas as saudades que tinha de te abraçar e beijar…<br />D. Inês (preocupada, afasta Pedro) – Pedro a nossa relação tem de terminar. A D. Constança convidou-me para ser a madrinha do vosso filho Luís, acabado de nascer, o que significa que eu e tu estamos unidos por laços familiares, tornando incestuosa qualquer relação física.<br />D. Pedro – Mas Inês eu não posso, não consigo estar longe de ti.<br />D. Inês (afastando-se) – Adeus meu príncipe, esta é a última vez que venho ao vosso encontro, vou partir para Albuquerque, para a Galiza, para a casa de meus irmãos.<br />D. Pedro (desesperado, com as mãos na cabeça) – Inês não, não pode ser, não posso viver sem ti a meu lado. Volta meu amor…<br />Presente<br />No Escritório começam a surgir as intrigas sobre o romance de Pedro Santa Clara com Inês. D. Zilda conversa com outra funcionária do escritório.<br />D. Zilda – Sabias que essa serigaita que anda metida com o Dr. Pedro é da família dos Castros. Ela é provavelmente uma espiã dessa família inimiga e concorrente da empresa dos Santa Clara. <br />Func. Do escritório (espantada) – Será D. Zilda? Não está enganada?<br />D. Zilda - Sei de fonte segura, que esta serigaita não está aqui para outra coisa que não seja fingir que se interessa pelo patrão Pedro, para arrancar-lhe segredos, espiar, reportar aos parentes, penetrar nesse códigos que se escondem nos computadores, liquidar a nossa economia, arruinar-nos.<br />Manicómio<br />Pedro passa a ser acompanhado por um psiquiatra mais velho que conversa com ele de forma civilizada e manda que lhe devolvam as telas de pintura.<br />Psiquiatra – Pedro, fale-me do seu pai… ele é um grande empresário, deve ser uma pessoa muito ocupada?<br />Pedro – É. O negócio dele é a construção e exploração de supermercados e de centros comerciais. Mas isso foi só depois de ter mandado matar o sócio…<br />Psiquiatra (assustado) – Doutor Pedro Santa Clara, o senhor avalia a enormidade do que está a dizer?<br />Pedro – Não é enormidade nenhuma. O meu pai manda matar pessoas. É um processo prático e limpo de nos livrarmos dos empecilhos. O que aliás é normal quando se é rei. Ouvem-se os conselheiros, alegam-se razões de estado, independência nacional… Em todas as épocas se fez isso. Eu próprio o fiz e não espero ser condenado por isso. Fi-lo em nome da mais elementar justiça. Por que ficariam impunes os algozes da minha amada? Como poderia eu viver sabendo que comiam, riam e fornicavam enquanto a minha Inês (começa a soluçar e o enfermeiro dá-lhe uma injecção).<br />Pedro num dos quartos do manicómio está a pintar uma tela e aparecem os seus seis amigos da tertúlia. A Poetiza Velha entra a declamar um poema de Camões e os restantes espalham-se pela sala e entretêm-se a falar sozinhos.<br />Poetiza Velha (a declamar o poema) – O amor é fogo que arde e não se vê, é ferida que dói e não se sente é…<br />Maestro (interrompe a poetiza e começa a cantar a tocar no seu piano imaginário) – O Amoooor, Amoooor….<br />Pedro – Sabes maestro, eu vivi noutro tempo…<br />Maestro – Claro, eu também!<br />Pedro (admirado) – E onde viveu, caro maestro?<br />Maestro – Na Viena de Áustria do final do séc. 13, privei intimamente com Bethoven. Sabe os espíritos superiores viajam no tempo. Por isso, o amigo esteja à vontade, não me surpreende…<br />Pedro – Obrigado Maestro, agradeço a sua confiança em mim. Sabe eu entrei para a escola em 2020 e foi nessa altura que conheci Inês…<br />Futuro – século XXII<br />Pedro e Inês encontram-se na escola às escondidas e conversam de forma muito próxima e cúmplice.<br />Pedro (preocupado) – Meu amor temos de resistir a estes encontros, pois caso contrário nunca ascenderemos ao grau XIS de cidadãos…<br />Inês (cansada) – Pedro como é difícil viver neste planeta que nos rotula à nascença e onde é mais importante salvar a natureza do que o homem, condenando-nos a pena de morte por poluirmos as águas, derrubarmos árvores, incendiarmos florestas e por termos relações amorosas com membros de outras classes.<br />Pedro (agarrando a mão de Inês)– Meu amor tens de ter paciência, sabes muito bem que se formos bons alunos, se tivermos uma alimentação saudável e se aguentarmos o exigentíssimo programa de desenvolvimento físico, deixaremos de ser cidadãos ípisilon e ascenderemos ao grau Xis, sendo-nos permitido fundar uma família.<br />Inês – Tens razão Pedro, temos de ter mais cuidado e temos de nos sacrificar mais pelo nosso futuro. Como correu a conversa de ontem com o senhor juiz, teu pai?<br />Pedro – O de sempre… Ele não compreende o nosso amor, considera que eu ao relacionar-me contigo estou a jogar fora a minha classificação. Além disso, ele está sempre a relembrar-me que no nosso sistema a paixão é interpretada como um desequilíbrio mental.<br />Inês (preocupada)– Mas Pedro tu sabes que podes ser punido por amares uma mulher de classe inferior e eu prefiro não te ter do que a ver-te na prisão…<br />Pedro – Está bem Inês, vamos então fingir que somos indiferentes um ao outro e dedicarmo-nos aos estudos fervorosamente para alcançarmos a categoria de cidadãos XIS e sermos felizes…<br />Presente<br />Quando os Santa Clara perderam o concurso e construção de três novos supermercados para os Castros, Afonso despede Inês. Inês e Pedro encontram-se num café.<br />Inês – Pedro, o teu pai despediu-me! Ele acha que eu sou uma espiã dos Castros e por minha causa vocês perderam o concurso e a construção de três novos supermercados. Vou-me afastar por uns tempos de Lisboa…<br />Pedro (preocupado) – Meu amor é tudo mentira, eles querem acabar com o nosso amor não podemos deixar que isso aconteça!<br />Inês – Pedro, vou uns dias para uma quinta da minha família que se situa perto de Viana do Castelo e vim aqui para me despedir de ti!<br />Pedro – Inês, Inês…<br />Pedro e Inês abraçam-se muito emocionadamente<br />Futuro – século XXII<br />Último dia de aulas, momento em que Inês e Pedro recebem o cartão de cidadão e se encontram na casa de um casal amigo para dar a notícia. Pedro bate à porta e Inês abre com euforia.<br />Pedro – (truz, truz) – Inês, sou eu, o Pedro, meu amor…<br />Inês (eufórica) – Pedro, Pedro consegui, consegui, tenho um cartão XIS vamos poder formar a nossa família…<br />Pedro (triste e distante) – Inês… no relatório do meu cartão diz que me foi detectado um sobressalto amoroso, um desvio de comportamento semelhante à paixão, uma perturbação mental.<br />Inês (desesperada) – O que queres dizer com isso Pedro?...<br />Pedro (calmamente) – Meu amor recebi um cartão ípsilon… vais ter que acasalar com outro continuador, tens três anos para escolher e ser escolhida e o resto da vida para me esqueceres…<br />Inês – Não Pedro não pode ser eu prefiro descer de classificação a ficar com outro que não tu…<br />Pedro – Inês, eu vou ter que lutar pela minha sobrevivência sem atestado de esterilidade. Vou ter que atravessar os dias com esta cruz às costas. Talvez me prendam por vagabundagem. Talvez me condenem à morte…<br />Inês (abraçando Pedro a chorar) – Não Pedro não pode ser. Eu esforcei-me tanto para estar à tua altura, e agora tenho nojo deste maldito cartão XIS, queria queimá-lo e voltar a fazer figura de estúpida nas aulas…<br />Pedro e Inês abraçam-se e saem<br />Manicómio<br />Os seis amigos encontram-se novamente na tertúlia, enquanto que o Pedro está a pintar uma tela.<br />Ex-Dirigente Desportivo (a fazer de conta que está a atender o telemóvel, imita o som e tira-o do bolso) – Estou, estou, Quem é? Não falam? Ah! É você… (Aos gritos) O quê? Mas eu assinei o cheque, perguntem à contabilidade como é que ele pode ir dizer para a televisão que não lhe pagámos, isso é falso, é a conspiração do costume contra mim, porque sou bom, sou inteligente, sou rico, sou bonito, sou diabético, visto roupa italiana, tenho cabelo oleoso, ninguém me ganha e sou mais esperto (desliga o telemóvel e guarda-o no bolso).<br />O dirigente põe as mãos na cabeça e cai imóvel no chão<br />Maestro – Está morto! O que vamos fazer?<br />Poetiza - Vamos colocar o corpo no armário para que ninguém o veja!<br />Realizador de Cinema – Não, esses malditos enfermeiros descobrem tudo, o melhor é enterrarmos o corpo.<br />Pedro – Eu não me posso meter nisso, pois eu já estou rotulado aqui como um necrófilo e vão logo pensar que eu quero esse despejo para mim. E eu não quero um morto no meu ateliê. Maestro e realizador tirem-no daqui!<br />(O maestro e o realizador começam a pegar no dirigente e este começa a mexer-se)<br />Poetiza – Olhem o morto ressuscitou…<br />Ex-Dirigente (a acordar) – Desculpem o susto eu pensei que estava a defecar na sanita e não sei o que me deu!<br />Risos de todos os colegas<br />Passado<br />Cena III<br />(D. Pedro vai ter com D. Inês a Albuquerque, à Galiza. Inês Está passeando pelo jardim quando aparece D. Pedro eufórico)<br />D. Pedro (aproximando-se de Inês alegremente) – Meu amor não consigo mais viver sem ti e tenho boas novas.<br />D. Inês (afastando-se) – Meu senhor não podemos estar juntos, foi por minha causa que o seu filho D. Luís morreu. No baptizado D. Luís eu apenas balbuciei os votos de madrinha em vez de os dizer em voz alta, por isso o príncipe morreu e agora nasceu D. Fernando, mas é uma criança muito frágil. Isto é tudo culpa minha…<br />D. Pedro – Inês a D. Constança morreu de peste, já não há motivo para escondermos o nosso amor. Vem comigo viver para Portugal!<br />D. Inês – está bem meu príncipe também já não aguentava mais a tua ausência. Vamos, vamos ser felizes!<br />(Inês e Pedro saem)<br />Manicómio<br />(Pedro está deitado no sofá da sala de um técnico de hipnotismo que está a andar para a frente e para trás a resmungar para si sobre a loucura de Pedro)<br />Reinaldinho (exaltado) – Completamente incoerente, não percebo que raio de história este homem conta! Assim não consigo hipnotizá-lo para perceber a origem da sua doença mental…<br />(Vira-se para Pedro para falar com ele)<br />Reinaldinho – Descanse, relaxe e quando o disser três diga-me onde está e o que vê.<br />(Pedro Fecha os olhos e relaxa)<br />Reinaldinho – Relaxe, pense numa das suas outras vidas. Um, Dois, Três.. Onde está Pedro?<br />Pedro (assustado) – estou no meu quarto do meu apartamento do futuro, algo se está a passar porque estão a tocar à campainha….<br />Futuro – século XXII<br />Pedro no quarto a dormir acorda com um frenético bater na porta<br />Joana, amiga de Inês (exaltada) – Pedro, Pedro preciso falar contigo..<br />Pedro abre a porta ainda meio a dormir<br />Pedro – O que se passa Joana, que gritaria é esta?<br />Joana (exaltada) – Pedro a Inês foi presa…<br />Pedro (desesperado) – Presa? O que aconteceu?<br />Joana – A Inês está grávida e vai ser condenada à morte…<br />Pedro (desesperado com as mão na cabeça começa a gritar) – Não, não, não pode ser isto não nos está a acontecer…<br />Joana (com cuidado) – Pedro, eu ainda não acabei… A polícia deve estar a chegar à tua casa… Tu também foste sentenciado à morte por actividades subversivas contra o Governo. Tens de fugir o quanto antes!<br />Pedro (em estado de choque) – obrigado, Joana por me vires avisar…<br />Pedro fecha a porta a vai buscar e inalar o veneno. Pedro suicida-se, caindo para o chão<br />Pedro (já sem forças) – meu amor estaremos sempre juntos na vida e na morteee…<br />Manicómio<br />(Pedro está deitado no sofá aos gritos a chamar por Inês de olhos fechados, pois ainda está sob o efeito do hipnotismo, enquanto o Reinaldinho o tenta acalmar)<br />Pedro (aos gritos) – Não, não, não pode ser eu quero a minha Inês, isto não me está a acontecer….<br />Reinaldinho (segurando os braços de Pedro) – acalme-se Pedro, acalme-se que isso não aconteceu…<br />Pedro (sem forças) – Inês, Inês tiraram-te de mim…<br />Reinaldinho – Pedro não, isso não aconteceu, tente-se lembrar do seu passado e conte-me o que está a ver?<br />Pedro (calmo) – no passado eu fui o príncipe D. Pedro, o cru…<br />Reinaldinho (irónico) – Sim Pedro, já me tinha dito antes … mas o que está a ver? Onde está?<br />Pedro – Eu estou no bosque a caçar, mas alguém está a chamar desesperadamente por mim, (desesperado) algo de mal está a acontecer…<br />Passado<br />D. Pedro está a caçar no bosque, quando de repente ouve alguém a chamar por ele exaltadamente.<br />Escudeiro de D. Pedro (aos gritos) – Alteza, alteza, senhor Dom Pedro… Senhor Dom Pedro, atendei por Deus…<br />D. Pedro (aparece com a caçadeira nas mãos) – O que se passa Homem?<br />Escudeiro (de gesto pesado e cabisbaixo) – senhor, Inês é morta.<br />D. Pedro (desembainha a espada exaltado para matar o escudeiro)– Que dizeis, sandeu. Que atrevimento é esse?<br />Escudeiro (com a cabeça baixa)– Matai-me senhor, que mil vezes queria estar morto do que trazer-vos tais novas. Mas a verdade que me cumpre dizer-vos é que El-Rei vosso pai mandou que matassem Inês. E os seus conselheiros Diogo Lopes, Álvaro Gonçalves e Pero Coelho assentiram todos…<br />D. Pedro (furioso) – O quê? Como é que eles foram capazes de erguer armas mortais contra uma mulher grávida, cuja única culpa era amar seu príncipe?<br />Escudeiro – O seu pai achava que vossa alteza estava louco, cego e surdo e que era mister banir da face da terra quem enlouquecia e cegava o infante. Além disso, ele considerava que o seu filho, D. Fernando, herdeiro ao trono, corria risco de vida se a D. Inês viesse a ser rainha…<br />D. Pedro (exaltado) - Meu pai e seus carrascos irão se arrepender do que fizeram. Não vou descansar enquanto não me vingar destes assassinos e coroar o meu amor como rainha de Portugal.<br />(D. Pedro sai enfurecido)<br />Presente<br />Inês regressa a Lisboa e encontra-se com D. Pedro no seu apartamento. Inês toca à campainha e os amantes abraçam-se.<br />Inês – Pedro, estou irremediavelmente apaixonada por ti já não aguentava mais a tua ausência.<br />D. Pedro – meu amor vamos viajar, sair daqui por uns tempos!<br />Inês – Pedro ofereceram-me um emprego numa multinacional e em breve estarei em S. Paulo a trabalhar. Vim cá para me despedir de ti.<br />Pedro (assustado) – Inês, vais me deixar?<br />Inês – Não, Pedro venho te convidar para ires ter comigo ao Brasil e para começarmos uma nova vida juntos.<br />Pedro – Meu amor eu vou para onde tu quiseres desde que esteja sempre contigo.<br />Inês – Pedro eu só vim para te fazer a proposta, agora tenho de ir tratar de alguns documentos… acompanhas-me até à porta?<br />Pedro – Claro meu amor.<br />(Inês abre a porta e é assassinada com um tiro caindo nos braços de Pedro)<br />Pedro – Inês, Inês meu amor não vou deixar que te levem…<br />(Pedro entra na loucura e fica com o cadáver de Inês julgando que ela ainda está viva, penteando-a, falando com ela, acarinhando-a. Pedro é encontrado pela polícia e levado para o manicómio)<br />Durante a captura da polícia, Pedro grita – Inês, Inês, Inês, eternamente Inês, e eu, Pedro, rei, filho de rei, pai e avô de reis, aqui te espero jacente na minha enxerga de louco, até ao dia em que, lance a minha demência sobre os carrascos do nosso amor, e os sufoque e os morda e os mate e lhes arranque com os dentes o coração do peito. Mas eu voltarei e voltarei pelos séculos dos séculos para seguir de rastos a tua trança enternecida de luz…<br />
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Sente-se culpado?...<br />Pedro (exaltado) – Ninguém morreu, nunca ninguém morre, só quem nós matámos na memória, no pensamento e no coração.<br />Psiquiatra – Senhor Pedro santa Clara, viu o seu pai morto, a sua mãe, algum irmão, diga-nos o que sentiu?<br />Pedro – Não senti nada, fui eu que os matei no coração e no pensamento…<br />Psiquiatra – Tente lembrar-se! Queremos perceber a sua infância… Alguém abusou de si?<br />Pedro (exaltado) – Não me lixem os cornos…. Doutor vá passear…. Vá chatear outro com essas filosofias de Freud desenterrado<br />Psiquiatra – O senhor Santa Clara não precisa de me ofender, acalme-o, senhor enfermeiro!<br />(o enfermeiro agarra Pedro, enquanto este exaltado se tenta libertar)<br />Enfermeiro (agressivamente) – Cala-te, cabrão, se não queres ir para a cela à prova de som metido numa camisa-de-forças, o senhor doutor só te quer ajudar minha besta!<br />Pedro (tentando libertar-se dos braços do enfermeiro) – Este doutorzinho saído dos cueiros não percebe nada, não sabe quem eu sou….<br />Enfermeiro (ironicamente) – Pois, já sabemos que és o D. Pedro, maluco de merda, responde ao senhor doutor, responde, responde, responde, responde, responde.<br />Pedro (gritando) – Eu sou D. Pedro I, o Cru, que não descansa, que não dorme, o que arrasta a amada pelas noites fantasmagóricas do seu reino, o que manda acender fogueiras para acender-lhe o corpo gelado…. Inês, Inês, Inês, somos para sempre, da vida e da morte, para sempre, para sempre, (com a voz desvanecendo) somos senhores do tempo. Inês, Inês…<br />(O enfermeiro espeta uma injecção ao acaso no corpo de Pedro e o grito de Pedro por Inês se vai desvanecendo)<br />PRESENTE<br />ActoIII<br /> (Analepse - Pedro de fato em sua casa com Constança a tomar o pequeno almoço antes de ir para o trabalho. Constança começa a reclamar com Pedro que se mostra indiferente a ela.)<br />Constança (com um roupão velho e despenteada ) – Pedro, são os anos da minha tia, e sabes que ela não gosta de servir o jantar depois das nove. Se te atrasares não posso esperar por ti, estou farta de fazer tristes figuras por tua causa. Vais querer tomar banho, mudar de fato e podias mandar a tua secretária telefonar à florista, porque o presente que comprei é demasiado simples. Pedro, estás a ouvir-me?<br />Pedro (indiferente, a levantar-se e dirigindo-se para a porta) – Não, não estou a ouvir! Agora não estou com cabeça para te aturar. Liga-me mais tarde, pode ser que perceba a tua invenção do dia para me chateares.<br />Constança (indignada) – O quê Pedro? O que estás para aí a dizer? (Pedro fecha a porta deixando Constança a falar sozinha)<br />Acto IV<br />cenaI<br />(Pedro no escritório a trabalhar e entra a D. Zilda, sua secretária)<br />D. Zilda (a entrar com muito cuidado para não fazer barulho) – Senhor doutor o cafezinho, se o doutor me desse licença precisava que me ouvisse num instante, um minutinho só.<br />Pedro – Já desisti de explicar à D. Zilda que não sou doutor…<br />D. Zilda – Se o doutor permitisse, eu ausentava-me três dias para cuidar da minha mãe que tem noventa anos e apanhou uma forte gripe. Entrou uma moça nova para as relações públicas que também tem formação em secretariado. Eu já lhe falei e se o senhor não se importar ela fica a substituir-me na minha ausência.<br />Pedro – Está autorizada, D. Zilda, mande cá a menina das relações públicas e vá descansada.<br />D. Zilda – Fico-lhe muito grata, senhor doutor e já liguei para a florista, está resolvido o assunto da D. Constança.<br />(D. Zilda sai e batem à porta)<br />Inês – Com licença, venho saber no que posso ajudá-lo, o meu nome á Inês.<br />(Pedro abismado com a beleza de Inês não fala e a cena termina com o olhar de apaixonado de Pedro no momento em que vê Inês)<br />Passado 1335<br />Cena1<br />(D. Afonso, D. Teresa e D. Pedro aguardam no castelo a chegada de D. Constança, futura esposa de D. Pedro, que se faz acompanhar por D. Inês, sua melhor amiga e dama de companhia)<br />D. Afonso – Pedro este casamento é muito importante para as nossas relações com Castela, por isso vê lá como te comportas!<br />D. Pedro – Está bem meu pai, não se preocupe que não o vou desiludir!<br />(é anunciada a entrada de D. Constança, que surge acompanhada pela sua dama de companhia)<br />D. Afonso – É com muito gosto que a recebo no meu castelo, que futuramente também será o seu! Este é o meu filho Pedro! <br />D. Constança (faz uma vénia) – Muito prazer em conhecê-lo meu príncipe! <br />(Pedro beija a mão de D. Constança mas não consegue tirar os olhos da sua dama de companhia por quem fica perdidamente deslumbrado, mostrando-se indiferente a D. Constança)<br />Cena II<br />(Pedro às escondidas encontra-se com D. Inês no jardim do castelo)<br />D. Pedro (a chegar ao jardim abraçando) – Inês, Inês, não imaginas as saudades que tinha de te abraçar e beijar…<br />D. Inês (preocupada, afasta Pedro) – Pedro a nossa relação tem de terminar. A D. Constança convidou-me para ser a madrinha do vosso filho Luís, acabado de nascer, o que significa que eu e tu estamos unidos por laços familiares, tornando incestuosa qualquer relação física.<br />D. Pedro – Mas Inês eu não posso, não consigo estar longe de ti.<br />D. Inês (afastando-se) – Adeus meu príncipe, esta é a última vez que venho ao vosso encontro, vou partir para Albuquerque, para a Galiza, para a casa de meus irmãos.<br />D. Pedro (desesperado, com as mãos na cabeça) – Inês não, não pode ser, não posso viver sem ti a meu lado. Volta meu amor…<br />Presente<br />No Escritório começam a surgir as intrigas sobre o romance de Pedro Santa Clara com Inês. D. Zilda conversa com outra funcionária do escritório.<br />D. Zilda – Sabias que essa serigaita que anda metida com o Dr. Pedro é da família dos Castros. Ela é provavelmente uma espiã dessa família inimiga e concorrente da empresa dos Santa Clara. <br />Func. Do escritório (espantada) – Será D. Zilda? Não está enganada?<br />D. Zilda - Sei de fonte segura, que esta serigaita não está aqui para outra coisa que não seja fingir que se interessa pelo patrão Pedro, para arrancar-lhe segredos, espiar, reportar aos parentes, penetrar nesse códigos que se escondem nos computadores, liquidar a nossa economia, arruinar-nos.<br />Manicómio<br />Pedro passa a ser acompanhado por um psiquiatra mais velho que conversa com ele de forma civilizada e manda que lhe devolvam as telas de pintura.<br />Psiquiatra – Pedro, fale-me do seu pai… ele é um grande empresário, deve ser uma pessoa muito ocupada?<br />Pedro – É. O negócio dele é a construção e exploração de supermercados e de centros comerciais. Mas isso foi só depois de ter mandado matar o sócio…<br />Psiquiatra (assustado) – Doutor Pedro Santa Clara, o senhor avalia a enormidade do que está a dizer?<br />Pedro – Não é enormidade nenhuma. O meu pai manda matar pessoas. É um processo prático e limpo de nos livrarmos dos empecilhos. O que aliás é normal quando se é rei. Ouvem-se os conselheiros, alegam-se razões de estado, independência nacional… Em todas as épocas se fez isso. Eu próprio o fiz e não espero ser condenado por isso. Fi-lo em nome da mais elementar justiça. Por que ficariam impunes os algozes da minha amada? Como poderia eu viver sabendo que comiam, riam e fornicavam enquanto a minha Inês (começa a soluçar e o enfermeiro dá-lhe uma injecção).<br />Pedro num dos quartos do manicómio está a pintar uma tela e aparecem os seus seis amigos da tertúlia. A Poetiza Velha entra a declamar um poema de Camões e os restantes espalham-se pela sala e entretêm-se a falar sozinhos.<br />Poetiza Velha (a declamar o poema) – O amor é fogo que arde e não se vê, é ferida que dói e não se sente é…<br />Maestro (interrompe a poetiza e começa a cantar a tocar no seu piano imaginário) – O Amoooor, Amoooor….<br />Pedro – Sabes maestro, eu vivi noutro tempo…<br />Maestro – Claro, eu também!<br />Pedro (admirado) – E onde viveu, caro maestro?<br />Maestro – Na Viena de Áustria do final do séc. 13, privei intimamente com Bethoven. Sabe os espíritos superiores viajam no tempo. Por isso, o amigo esteja à vontade, não me surpreende…<br />Pedro – Obrigado Maestro, agradeço a sua confiança em mim. Sabe eu entrei para a escola em 2020 e foi nessa altura que conheci Inês…<br />Futuro – século XXII<br />Pedro e Inês encontram-se na escola às escondidas e conversam de forma muito próxima e cúmplice.<br />Pedro (preocupado) – Meu amor temos de resistir a estes encontros, pois caso contrário nunca ascenderemos ao grau XIS de cidadãos…<br />Inês (cansada) – Pedro como é difícil viver neste planeta que nos rotula à nascença e onde é mais importante salvar a natureza do que o homem, condenando-nos a pena de morte por poluirmos as águas, derrubarmos árvores, incendiarmos florestas e por termos relações amorosas com membros de outras classes.<br />Pedro (agarrando a mão de Inês)– Meu amor tens de ter paciência, sabes muito bem que se formos bons alunos, se tivermos uma alimentação saudável e se aguentarmos o exigentíssimo programa de desenvolvimento físico, deixaremos de ser cidadãos ípisilon e ascenderemos ao grau Xis, sendo-nos permitido fundar uma família.<br />Inês – Tens razão Pedro, temos de ter mais cuidado e temos de nos sacrificar mais pelo nosso futuro. Como correu a conversa de ontem com o senhor juiz, teu pai?<br />Pedro – O de sempre… Ele não compreende o nosso amor, considera que eu ao relacionar-me contigo estou a jogar fora a minha classificação. Além disso, ele está sempre a relembrar-me que no nosso sistema a paixão é interpretada como um desequilíbrio mental.<br />Inês (preocupada)– Mas Pedro tu sabes que podes ser punido por amares uma mulher de classe inferior e eu prefiro não te ter do que a ver-te na prisão…<br />Pedro – Está bem Inês, vamos então fingir que somos indiferentes um ao outro e dedicarmo-nos aos estudos fervorosamente para alcançarmos a categoria de cidadãos XIS e sermos felizes…<br />Presente<br />Quando os Santa Clara perderam o concurso e construção de três novos supermercados para os Castros, Afonso despede Inês. Inês e Pedro encontram-se num café.<br />Inês – Pedro, o teu pai despediu-me! Ele acha que eu sou uma espiã dos Castros e por minha causa vocês perderam o concurso e a construção de três novos supermercados. Vou-me afastar por uns tempos de Lisboa…<br />Pedro (preocupado) – Meu amor é tudo mentira, eles querem acabar com o nosso amor não podemos deixar que isso aconteça!<br />Inês – Pedro, vou uns dias para uma quinta da minha família que se situa perto de Viana do Castelo e vim aqui para me despedir de ti!<br />Pedro – Inês, Inês…<br />Pedro e Inês abraçam-se muito emocionadamente<br />Futuro – século XXII<br />Último dia de aulas, momento em que Inês e Pedro recebem o cartão de cidadão e se encontram na casa de um casal amigo para dar a notícia. Pedro bate à porta e Inês abre com euforia.<br />Pedro – (truz, truz) – Inês, sou eu, o Pedro, meu amor…<br />Inês (eufórica) – Pedro, Pedro consegui, consegui, tenho um cartão XIS vamos poder formar a nossa família…<br />Pedro (triste e distante) – Inês… no relatório do meu cartão diz que me foi detectado um sobressalto amoroso, um desvio de comportamento semelhante à paixão, uma perturbação mental.<br />Inês (desesperada) – O que queres dizer com isso Pedro?...<br />Pedro (calmamente) – Meu amor recebi um cartão ípsilon… vais ter que acasalar com outro continuador, tens três anos para escolher e ser escolhida e o resto da vida para me esqueceres…<br />Inês – Não Pedro não pode ser eu prefiro descer de classificação a ficar com outro que não tu…<br />Pedro – Inês, eu vou ter que lutar pela minha sobrevivência sem atestado de esterilidade. Vou ter que atravessar os dias com esta cruz às costas. Talvez me prendam por vagabundagem. Talvez me condenem à morte…<br />Inês (abraçando Pedro a chorar) – Não Pedro não pode ser. Eu esforcei-me tanto para estar à tua altura, e agora tenho nojo deste maldito cartão XIS, queria queimá-lo e voltar a fazer figura de estúpida nas aulas…<br />Pedro e Inês abraçam-se e saem<br />Manicómio<br />Os seis amigos encontram-se novamente na tertúlia, enquanto que o Pedro está a pintar uma tela.<br />Ex-Dirigente Desportivo (a fazer de conta que está a atender o telemóvel, imita o som e tira-o do bolso) – Estou, estou, Quem é? Não falam? Ah! É você… (Aos gritos) O quê? Mas eu assinei o cheque, perguntem à contabilidade como é que ele pode ir dizer para a televisão que não lhe pagámos, isso é falso, é a conspiração do costume contra mim, porque sou bom, sou inteligente, sou rico, sou bonito, sou diabético, visto roupa italiana, tenho cabelo oleoso, ninguém me ganha e sou mais esperto (desliga o telemóvel e guarda-o no bolso).<br />O dirigente põe as mãos na cabeça e cai imóvel no chão<br />Maestro – Está morto! O que vamos fazer?<br />Poetiza - Vamos colocar o corpo no armário para que ninguém o veja!<br />Realizador de Cinema – Não, esses malditos enfermeiros descobrem tudo, o melhor é enterrarmos o corpo.<br />Pedro – Eu não me posso meter nisso, pois eu já estou rotulado aqui como um necrófilo e vão logo pensar que eu quero esse despejo para mim. E eu não quero um morto no meu ateliê. Maestro e realizador tirem-no daqui!<br />(O maestro e o realizador começam a pegar no dirigente e este começa a mexer-se)<br />Poetiza – Olhem o morto ressuscitou…<br />Ex-Dirigente (a acordar) – Desculpem o susto eu pensei que estava a defecar na sanita e não sei o que me deu!<br />Risos de todos os colegas<br />Passado<br />Cena III<br />(D. Pedro vai ter com D. Inês a Albuquerque, à Galiza. Inês Está passeando pelo jardim quando aparece D. Pedro eufórico)<br />D. Pedro (aproximando-se de Inês alegremente) – Meu amor não consigo mais viver sem ti e tenho boas novas.<br />D. Inês (afastando-se) – Meu senhor não podemos estar juntos, foi por minha causa que o seu filho D. Luís morreu. No baptizado D. Luís eu apenas balbuciei os votos de madrinha em vez de os dizer em voz alta, por isso o príncipe morreu e agora nasceu D. Fernando, mas é uma criança muito frágil. Isto é tudo culpa minha…<br />D. Pedro – Inês a D. Constança morreu de peste, já não há motivo para escondermos o nosso amor. Vem comigo viver para Portugal!<br />D. Inês – está bem meu príncipe também já não aguentava mais a tua ausência. Vamos, vamos ser felizes!<br />(Inês e Pedro saem)<br />Manicómio<br />(Pedro está deitado no sofá da sala de um técnico de hipnotismo que está a andar para a frente e para trás a resmungar para si sobre a loucura de Pedro)<br />Reinaldinho (exaltado) – Completamente incoerente, não percebo que raio de história este homem conta! Assim não consigo hipnotizá-lo para perceber a origem da sua doença mental…<br />(Vira-se para Pedro para falar com ele)<br />Reinaldinho – Descanse, relaxe e quando o disser três diga-me onde está e o que vê.<br />(Pedro Fecha os olhos e relaxa)<br />Reinaldinho – Relaxe, pense numa das suas outras vidas. Um, Dois, Três.. Onde está Pedro?<br />Pedro (assustado) – estou no meu quarto do meu apartamento do futuro, algo se está a passar porque estão a tocar à campainha….<br />Futuro – século XXII<br />Pedro no quarto a dormir acorda com um frenético bater na porta<br />Joana, amiga de Inês (exaltada) – Pedro, Pedro preciso falar contigo..<br />Pedro abre a porta ainda meio a dormir<br />Pedro – O que se passa Joana, que gritaria é esta?<br />Joana (exaltada) – Pedro a Inês foi presa…<br />Pedro (desesperado) – Presa? O que aconteceu?<br />Joana – A Inês está grávida e vai ser condenada à morte…<br />Pedro (desesperado com as mão na cabeça começa a gritar) – Não, não, não pode ser isto não nos está a acontecer…<br />Joana (com cuidado) – Pedro, eu ainda não acabei… A polícia deve estar a chegar à tua casa… Tu também foste sentenciado à morte por actividades subversivas contra o Governo. Tens de fugir o quanto antes!<br />Pedro (em estado de choque) – obrigado, Joana por me vires avisar…<br />Pedro fecha a porta a vai buscar e inalar o veneno. Pedro suicida-se, caindo para o chão<br />Pedro (já sem forças) – meu amor estaremos sempre juntos na vida e na morteee…<br />Manicómio<br />(Pedro está deitado no sofá aos gritos a chamar por Inês de olhos fechados, pois ainda está sob o efeito do hipnotismo, enquanto o Reinaldinho o tenta acalmar)<br />Pedro (aos gritos) – Não, não, não pode ser eu quero a minha Inês, isto não me está a acontecer….<br />Reinaldinho (segurando os braços de Pedro) – acalme-se Pedro, acalme-se que isso não aconteceu…<br />Pedro (sem forças) – Inês, Inês tiraram-te de mim…<br />Reinaldinho – Pedro não, isso não aconteceu, tente-se lembrar do seu passado e conte-me o que está a ver?<br />Pedro (calmo) – no passado eu fui o príncipe D. Pedro, o cru…<br />Reinaldinho (irónico) – Sim Pedro, já me tinha dito antes … mas o que está a ver? Onde está?<br />Pedro – Eu estou no bosque a caçar, mas alguém está a chamar desesperadamente por mim, (desesperado) algo de mal está a acontecer…<br />Passado<br />D. Pedro está a caçar no bosque, quando de repente ouve alguém a chamar por ele exaltadamente.<br />Escudeiro de D. Pedro (aos gritos) – Alteza, alteza, senhor Dom Pedro… Senhor Dom Pedro, atendei por Deus…<br />D. Pedro (aparece com a caçadeira nas mãos) – O que se passa Homem?<br />Escudeiro (de gesto pesado e cabisbaixo) – senhor, Inês é morta.<br />D. Pedro (desembainha a espada exaltado para matar o escudeiro)– Que dizeis, sandeu. Que atrevimento é esse?<br />Escudeiro (com a cabeça baixa)– Matai-me senhor, que mil vezes queria estar morto do que trazer-vos tais novas. Mas a verdade que me cumpre dizer-vos é que El-Rei vosso pai mandou que matassem Inês. E os seus conselheiros Diogo Lopes, Álvaro Gonçalves e Pero Coelho assentiram todos…<br />D. Pedro (furioso) – O quê? Como é que eles foram capazes de erguer armas mortais contra uma mulher grávida, cuja única culpa era amar seu príncipe?<br />Escudeiro – O seu pai achava que vossa alteza estava louco, cego e surdo e que era mister banir da face da terra quem enlouquecia e cegava o infante. Além disso, ele considerava que o seu filho, D. Fernando, herdeiro ao trono, corria risco de vida se a D. Inês viesse a ser rainha…<br />D. Pedro (exaltado) - Meu pai e seus carrascos irão se arrepender do que fizeram. Não vou descansar enquanto não me vingar destes assassinos e coroar o meu amor como rainha de Portugal.<br />(D. Pedro sai enfurecido)<br />Presente<br />Inês regressa a Lisboa e encontra-se com D. Pedro no seu apartamento. Inês toca à campainha e os amantes abraçam-se.<br />Inês – Pedro, estou irremediavelmente apaixonada por ti já não aguentava mais a tua ausência.<br />D. Pedro – meu amor vamos viajar, sair daqui por uns tempos!<br />Inês – Pedro ofereceram-me um emprego numa multinacional e em breve estarei em S. Paulo a trabalhar. Vim cá para me despedir de ti.<br />Pedro (assustado) – Inês, vais me deixar?<br />Inês – Não, Pedro venho te convidar para ires ter comigo ao Brasil e para começarmos uma nova vida juntos.<br />Pedro – Meu amor eu vou para onde tu quiseres desde que esteja sempre contigo.<br />Inês – Pedro eu só vim para te fazer a proposta, agora tenho de ir tratar de alguns documentos… acompanhas-me até à porta?<br />Pedro – Claro meu amor.<br />(Inês abre a porta e é assassinada com um tiro caindo nos braços de Pedro)<br />Pedro – Inês, Inês meu amor não vou deixar que te levem…<br />(Pedro entra na loucura e fica com o cadáver de Inês julgando que ela ainda está viva, penteando-a, falando com ela, acarinhando-a. Pedro é encontrado pela polícia e levado para o manicómio)<br />Durante a captura da polícia, Pedro grita – Inês, Inês, Inês, eternamente Inês, e eu, Pedro, rei, filho de rei, pai e avô de reis, aqui te espero jacente na minha enxerga de louco, até ao dia em que, lance a minha demência sobre os carrascos do nosso amor, e os sufoque e os morda e os mate e lhes arranque com os dentes o coração do peito. Mas eu voltarei e voltarei pelos séculos dos séculos para seguir de rastos a tua trança enternecida de luz…<br />