O documento discute o conceito de artigo jornalístico e como foi interpretado em um artigo recente. Resume as principais ideias de Lu Xun, um importante pensador chinês moderno, e argumenta que a interpretação desse artigo não capturou completamente suas visões radicais e marxistas sobre a necessidade da China se integrar com o Ocidente.
2. REFERÊNCIAS
José Marques de Melo (Jornalismo Opinativo: Gêneros
opinativos no jornalismo brasileiro, Campos do Jordão,
Mantiqueira, 2003, p.121 a 128).
3. No jornalismo brasileiro é um tipo de matéria
geralmente escrita pelos colaboradores e que se
publica nas páginas editoriais.
Elementos específicos do artigo: atualidade – pode-se
escolher o conteúdo, mas deve ser atual; opinião – a
significação maior do artigo está no ponto de vista
exposto, opinião vinculada à assinatura do autor;
O artigo pode ser um ensaio curto que, quanto ao
tratamento, contém julgamentos mais ou menos
provisórios, pois é escrito enquanto os fatos estão se
configurando e, quanto à argumentação, se baseia no
próprio conhecimento do autor;
O ARTIGO
4. Ou ainda, um ensaio (artigo longo) que, quanto ao
tratamento, apresenta pontos de vista mais
definitivos, compreensão mais abrangente do fato e,
quanto à argumentação, se apóia em fontes que se
legitimam pela sua credibilidade documental;
5. Pode ser doutrinário, quando analisa uma questão da
atualidade, sugerindo ao público uma determinada
maneira de vê-la ou julgá-la; ou científico, quando torna
público o avanço da ciência (pode ser artigo de
divulgação ou educativo).
Cada artigo tem suas próprias características
redacionais. Não há um padrão para sua concepção.
Depende da natureza do veículo.
São articulistas jornalistas ou colaboradores; eles
dinamizam a vida do veículo, introduzindo diferentes
prismas para analisar a conjuntura, e trazem novas
informações para completar a crítica do cenário
sociopolítico; democratizam a opinião no jornalismo.
FINALIDADE DO ARTIGO
7. Por Maria Luiza Franco Busse em 14/01/2013 na edição 781
Peço licença ao leitor para começar este artigo com um juízo de
valor: acadêmicos de boa linhagem sabem que não se desloca a
realidade de um determinado contexto para ser utilizado à luz de
outro momento em benefício próprio com o objetivo de dar sentido
à tese que defendem.
A observação é motivada pela matéria “O sonho chinês”, do
jornalista Merval Pereira, publicada em sua coluna de sexta-feira
(10/1) em O Globo. A reportagem faz parte da cobertura do
seminário promovido pela Academia da Latinidade, entidade
fundada por intelectuais de diversos países que tem por princípio
promover o intercâmbio entre todas as culturas do planeta e
difundir a importância da diversidade cultural e linguística latino-
americana.
Fala sério...
8. O encontro se realiza em Kuala Lumpur, capital da Malásia, e o jornalista diz
que “teve seu ponto alto com a visão de estudiosos chineses sobre o século
chinês...”, o século 21, e os estudiosos são os professores Zhang Longxi e
Tong Shijun, esse da East China Normal University, de Xangai, e o primeiro
da Universidade de Hong Kong. De acordo com a coluna, Zhang Longxi
“defendeu a necessidade de integração com o Ocidente citando Lu Xun, a
quem classificou como ‘um dos mais radicais pensadores da moderna
História chinesa’”.
Virtudes derrotadas
Sem dúvida, Lu Xun foi um dos mais radicais pensadores da moderna
História chinesa e defendeu a integração com o Ocidente, só que no sentido
diametralmente oposto ao do apresentado pela matéria. Nessa substancial
diferença reside o problema da influência que as palavras exercem quando
se referem a circunstâncias definidas. Lu Xun era e morreu marxista. Foi o
principal articulador da chamada Nova Cultura, que deu suporte à revolução
de 1949, mesmo com Lu Xun já falecido há 12 anos. Mao Zedong tinha
profunda admiração por esse estudante de medicina que substituiu o bisturi
pela pena, tornou-se escritor e um dos líderes do movimento de 4 de maio
de 1919, violenta reação promovida pelos estudantes de Pequim contra o
Tratado de Versalhes e que tinha por meta se apropriar de valores ocidentais
para romper com a moral confucionista que responsabilizavam como a
causa da humilhação a que o país se via submetido pelo estrangeiro.
9. Sobre Lu Xun, o timoneiro da República Popular da China escreveu:
“Surgiu na China uma força cultural fresca, totalmente nova: a cultura e
ideologia comunistas, guiada pelos comunistas chineses, ou seja, a
concepção comunista do mundo e a teoria da revolução social. Durante os
últimos 20 anos, para onde quer que essa nova força cultural tenha dirigido
seus ataques, produziu-se uma grande revolução tanto no conteúdo
ideológico com na forma (por exemplo, na língua escrita). É tão imponente
e poderosa que se torna invencível aonde chega. A mobilização que realizou
tem uma amplitude sem paralelo na história da China. E o maior e valente
representante dessa nova força cultural foi Lu Xun.”
A propósito, embora fosse um legítimo chinês, provavelmente Lu Xun
estaria hoje fazendo certa oposição à rapidez com que as transformações
estão ocorrendo na China.
Especulações à parte, Lu Xun passou a defender a “integração” com o
Ocidente quando percebeu que não se venciam canhoneiras com virtudes
confucionistas de obediência, modéstia, respeito hierárquico e submissão
familiar, e que a arrogância imperial dos seus conterrâneos em se acharem
muito além de todas as civilizações e torcerem o nariz para o resto – a ponto
de concederem à rainha Vitória, da Inglaterra, o título de chefe de tribo
durante negociações quando da primeira guerra do ópio o que hoje, a meu
ver, não parece de todo equivocado – só resultava em dominação,
desvantagem e atraso.
10. Mais próximo da pirataria
De fato, como citado na matéria a partir da fala do professor Zhang Longxi, Lu Xun disse certa
vez: “A raça que tem muitos que não são complacentes consigo mesmo vai sempre andar para
frente e sempre terá esperança. A raça que só sabe acusar os outros sem refletir sobre si mesma
está ameaçada com iminentes perigos e desastres.” Entretanto, em momento algum a
observação significava capitular às desigualdades impostas pelos países invasores. Muito ao
contrário, tratava-se de uma advertência para que os chineses despertassem da letargia cultural
e tomassem a sua história na mão combatendo com as mesmas armas e afastando de vez os
anos de ultraje sofrido em seu próprio território.
A China é um país muito extenso, de influências múltiplas e grandes diferenças de formação e
sensibilidade. Hong Kong, por exemplo. Ficou 155 anos sob domínio britânico, seu sistema
educacional era o mesmo praticado no Reino Unido e a região era conhecida como o lugar de
encontro entre Oriente e Ocidente. Xangai, por sua vez, tem tradição de cidade voltada para o
Ocidente como atesta sua história, embora saiba que sempre pertenceu à China, o que Hong
Kong ainda tem dificuldade de absorver.
Um episódio para ilustrar a afirmação: terminado meu período de estudo na Universidade de
Línguas de Pequim, depois de já ter defendido doutorado sobre a relação entre literatura e
sociedade na China, viajei por quase todo o país e decidi voltar para casa por Hong Kong. Fiquei
uns dias na cidade de arquiteturafeng shui e aproveitei para ir a Macau. Finalmente, no dia do
embarque para Paris, onde ainda ficaria para fazer uma pesquisa, apitei. Soou o alarme do
controle de segurança de passageiros. Apresentei-me ao funcionário. Mexe e remexe na bolsa
de mão, revira bolso, poucos porque estava calor, e nada. Estávamos todos já sendo tomados
por um certo embaraço quando, zhao dao le! (achei!). Num estojo havia uma chavinha de fenda,
de no máximo três centímetros, usada para apertar os parafusos do óculos de leitura que,
gastos, costumavam deixar a armação toda torta. Foi uma alegria, até o mesmo funcionário
dizer que ia confiscar a ferramenta.
11. Argumentei que não era possível porque tinha muita coisa para ler e
ainda iria passar por outros países antes de desembarcar no Brasil.
Além do mais, já tinha percorrido toda a China com aquele objeto e
não tivera nenhum problema. Ao que ele prontamente respondeu,
com seu inglês britânico: “Aqui não é a China.” Sem pensar, retruquei:
“É, sim, e se acostuma.” Moral da história: quando Lu Xun chamou
atenção para a necessidade de se refletir sobre si mesmo sob pena de
ficar exposto a iminentes perigos e desastres, não estava pensando
do mesmo modo como o reproduzido na matéria. Se a China fosse o
Brasil, poderíamos dizer que a integração proposta era antropofágica
com o objetivo de deglutir o desconhecido para regurgitá-lo na forma
de conhecimento em proveito próprio. Por isso, a ideia do sonho
chinês que o texto sugere está muito longe de ser o que Lu Xun
defendia. Usá-lo, então, fica mais próximo da pirataria chinesa tão
combatida do que da boa linhagem acadêmica.
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Maria Luiza Franco Busse é jornalista e doutora em Semiologia pela
UFRJ