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DIREITO JUDICIAL CRIATIVO 
ATIVISMO CONSTITUCIONAL E JUSTIÇA INSTITUINTE 
AS NOVAS PERSPECTIVAS DO STF EM SEDE DE CONTROLE DIFUSO 
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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL 
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE 
Pereira, Ricardo Diego Nunes 
Direito judicial criativo : ativismo constitucional e justiça instituinte 
as novas perspectivas do STF em sede de controle difuso de constitu-cionalidade 
/ Ricardo Diego Nunes Pereira. – São Cristóvão : Editora 
UFS, 2012. 
290 p. 
ISBN 978-85-7822-243-7 
1. Direito constitucional. 2. Direito processual. I. Título. 
CDU 342:347.9 
P436d 
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DIREITO JUDICIAL CRIATIVO 
ATIVISMO CONSTITUCIONAL E JUSTIÇA INSTITUINTE 
AS NOVAS PERSPECTIVAS DO STF EM SEDE DE CONTROLE DIFUSO 
São Cristovão, 2012 
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE 
REITOR 
Prof. Dr. Angelo Roberto Antoniolli 
VICE-REITOR 
Prof. Dr. André Maurício C. de Souza 
EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE 
COORDENADOR DO PROGRAMA EDITORIAL 
Péricles Morais de Andrade Júnior 
COORDENADORA GRÁFICA 
Germana Gonçalves de Araujo 
CONSELHO EDITORIAL 
Antônio Ponciano Bezerra 
Dilton Câdido Santos Maynard 
Eduardo Oliveira Freire 
Lêda Pires Corrêa 
Maria Batista Lima 
Maria da Conceição V. Gonçalves 
EDITORAÇÃO ELETRÔNICA E CAPA 
Maria José Nascimento Soares 
Péricles Morais de Andrade Júnior 
Ricardo Queiroz Gurgel 
Rosemeri Melo e Souza 
Vera Lúcia Corrêa Feitosa 
Veruschka Vieira Franca 
UFS Cidade Universitária “Prof. José Aloísio de Campos” Jardim Rosa Elze 49100-000 - 
São Cristovão-SE 
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Como “uma andorinha só não faz verão” 
– relembrando Aristóteles (384-322 a.C.) – 
agradeço a minha família e a minha amada 
Milka. 
A todos que contribuíram, muito grato. 
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APRESENTAÇÃO 
Honrado com o convite para apresentar o autor e sua primeira obra 
jurídica, o faço guiado por várias razões. A primeira delas, por acreditar 
no jovem estudioso e inteligente que é o Ricardo Diego. Além desta 
razão, o seu livro, fruto do seu trabalho de conclusão do curso de bacha-relado 
junto à Universidade Federal de Sergipe, é resultado de uma bem 
realizada pesquisa e aborda um dos temas mais fascinantes do direito 
constitucional contemporâneo, discutindo o papel do Supremo Tribunal 
Federal como Corte Constitucional a partir das suas próprias decisões, 
onde se destaca a aplicação da mutação constitucional em um processo 
de criação informal de norma constitucional admitida pela teoria e a efe-tividade 
do controle de constitucionalidade. 
A jurisdição constitucional tem uma importância fundamental no 
processo da concreção das normas constitucionais e na defesa da or-dem 
constitucional, assim é que sempre serão bem vindos estudos que 
possam contribuir para a compreensão do fenômeno jurídico pela via 
das decisões judiciais, implicando uma análise da nova hermenêutica 
constitucional, o ativismo do Supremo Tribunal Federal e as novas teo-rias 
que buscam a efetividade dos princípios e normas constitucionais. 
Este livro, que analisa as decisões dos Ministros Gilmar Mendes e 
Eros Grau acerca do novo sentido que deram ao disposto no art. 52, 
X, da CF de 1988, contribui para a compreensão da ampliação da atu-ação 
do STF, o que reforça o seu papel de Corte Constitucional pela 
via do controle difuso de constitucionalidade. 
Concluindo, a obra merece ser lida e bem acolhida no meio juríd-ico 
nacional, pois credencia o autor como um novo talento que por 
certo ainda irá contribuir e muito com o seu trabalho para a ciência 
jurídica, especialmente no campo do direito constitucional. 
José Anselmo de Oliveira 
Juiz de Direito do TJSE. Mestre em Direito Constitucional pela 
Universidade Federal do Ceará. Professor da Escola Superior da Mag-istratura 
de Sergipe. Professor da Pós-graduação da Estácio-FASE. 
Membro da Academia Sergipana de Letras, cadeira 21. Poeta. Autor 
de livros e artigos jurídicos. 
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A Constituição de 1988 foi feita com características 
de instrumento de transformação da realidade nacional. 
Será assim na medida em que se cumpra e se realize 
na vida prática. Uma Constituição que não se efetive 
não passa de uma folha de papel, tal como dissera Las-salle, 
porque nada terá a ver com a vida subjacente. As 
leis que ela postula serão as garras e as esponjas que a 
fazem grudar na realidade que ela visa a reger, ao mes-mo 
tempo que se impregna dos valores enriquecedores 
que sobem do viver social às suas normas. 
Que se cumpra para durar e perdurar, en-riquecendo- 
se da seiva humana que nutre e imortali-za, 
se antes disso o processo de reformas neoliberais, 
de interesse dos detentores do poder, não a liquidar, 
pela desfiguração sistemática. 
José Afonso da Silva 
(Poder Constituinte e Poder Popular, 2000, p. 259) 
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SUMÁRIO 
13 
19 
97 
143 
209 
231 
241 
245 
257 
Introdução 
Mutação Social e Jurídica: 
Considerações Propedêuticas ao Estudo da Mutação 
Constitucional e a Nova Hermenêutica 
Mutação Constitucional e Poder Constituinte Difuso: 
Fundamentos Para a Nova Perspectiva do STF em Sede 
de Controle Difuso 
A Jurisdição Constitucional e o Controle de Constitu-cionalidade 
Direito Judicial Criativo (Beta): 
Previdência de um Modo de Direito (Ativismo Constitu-cional 
e Justiça Instituinte) 
Conclusão 
Lista de Abreviaturas 
Referências 
Anexos 
Como Mecanismos de Garantia da Con-stituição 
e da Democracia e Cidadania 
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Introdução 13 
INTRODUÇÃO 
Ao longo do trabalho jurídico, considera-se para estudo a 
relação entre a maior efetividade das normas constitucionais e a 
nova perspectiva do Supremo Tribunal Federal em face da juris-dição 
constitucional, onde se analisa o novo paradigma que pre-tende 
inovar a feição do Supremo em sede de controle difuso de 
constitucionalidade, fundamentando, ao final, um autêntico Direito 
Judicial Criativo, o qual traz concepções inovadoras, tais como Ativ-ismo 
Constitucional e Justiça Instituinte. 
Essa nova abordagem acerca dos limites da jurisdição con-stitucional 
no tocante ao controle difuso dá-se frente à inop-erância 
do Poder Legislativo1 – recorde-se que o próprio Senador 
Garibaldi Alves (PMDB-RN) afirma que “o Congresso está na UTI”2 
–, ressurgindo o debate no Supremo Tribunal Federal sobre a sua 
1 A título de exemplo, basta observar que, em março de 2009, foi noticiada, no portal 
eletrônico do Supremo Tribunal Federal, uma opinião que bem reflete a situação atual 
do Poder Judiciário e do Poder Legislativo. A Senadora Fátima Cleide (PT-RO), refer-indo- 
se ao tema dos direitos dos homossexuais (objeto da ADPF 132), afirmou que o 
Supremo, mais uma vez, vai assumir o lugar do Congresso, que não consegue votar 
leis específicas sobre questões homossexuais: “Temos muitas dificuldades de avançar; 
são mais de 40 projetos de lei (sobre esse tema) no Congresso Nacional e infelizmente 
naquela Casa nós não conseguimos avançar, de forma que a jurisprudência tem nos 
mostrado que a Justiça sempre garante os direitos”. 
2 Cf. ALVES, Garibaldi. O Congresso na UTI. Veja, São Paulo, n. 2054, 2 abr. 2008. p. 11-15. 
Entrevista. O seguinte trecho dessa entrevista é revelador da situação atual do Con-gresso: 
“O Congresso deixou de votar, de legislar, de cumprir sua função. É uma agonia 
lenta que está chegando a um ponto culminante. Essa questão das medidas provisó-rias 
é emblemática da crise do Legislativo, que não é mais uma voz da sociedade, não é 
mais uma caixa de ressonância da opinião pública. Está meio sem função. O Congresso 
está na UTI, e ninguém do mundo político percebe que esse desapreço pelo Poder Le-gislativo 
é uma coisa que está minando as suas bases de sustentação e que a qualquer 
hora poderá haver um momento de maior tensão, de crise entre os poderes. À medida 
que o Legislativo abre mão de suas prerrogativas, o Executivo [e o Judiciário] invade 
espaços. Precisamos inverter essa tendência. [...] Essa leniência [agora referindo-se à 
corrupção que assola o Congresso] tira a autoridade do Legislativo”. Essa situação é tão 
crítica que o Senador Cristóvão Buarque (PDT-DF) disse, de forma radical, que, no ritmo 
que se vai, logo alguém proporá a convocação de um plebiscito para decidir se não é 
o caso de o Brasil fechar o seu Congresso. Para evitar tal situação, o Deputado Federal 
Michel Temer (PMDB-SP), para quem “o Legislativo só é enaltecido quando o país está 
saindo de um regime autoritário”, defende que “o Congresso, porém, precisa reagir e 
promover uma recuperação ética [...]”. Cf. TEMER, Michel. É preciso reagir agora. Veja, 
São Paulo, n. 2109, 22 abr. 2009. p. 17-21. Entrevista. 
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14 Direito Judicial Criativo 
possibilidade ou não. Leva-se em consideração, para tanto, a teo-ria 
da transcendência dos motivos determinantes e, especialmente, 
os estudos da Mutação Constitucional, que significa, consoante 
Uadi Lammêgo Bulos (1997, p. 57), um processo informal de mu-dança 
da Constituição, dando-lhe novos sentidos e conteúdos até 
então não alcançados pela sua simples letra, seja pela interpre-tação, 
seja por meio da construção (construction), ou mesmo dos 
usos e costumes constitucionais. 
Observa-se, destarte, que a hermenêutica e a interpretação são 
figuras importantes para a correta apreensão do conceito de Mu-tação 
Constitucional, motivo pelo qual se reserva um capítulo inteiro 
à sua análise (tanto da hermenêutica jurídica quanto da hermenêu-tica 
constitucional, especialmente esta). 
Tal discussão deve-se, principalmente (mas não somente, con-forme 
será visto a partir da análise da tendência de abstrativização do 
controle concreto), à Reclamação 4.335-5/AC, onde o Ministro Relator 
Gilmar Mendes, seguido de Eros Grau (hoje aposentado), impende 
uma mutação no sentido normativo do art. 52, X, CF/88, que deve-ria 
ser lido normativamente da seguinte maneira, a repúdio da atual 
redação e da norma derivada: “compete privativamente ao Senado 
Federal dar publicidade à suspensão da execução, operada pelo Supre-mo 
Tribunal Federal, de lei declarada inconstitucional, no todo ou em 
parte, por decisão definitiva do Supremo”. 
Sendo assim, em resumo, as decisões em âmbito de controle di-fuso 
passariam a ter os efeitos ditados pelo Supremo – com possibili-dade 
de dar os mesmos efeitos de uma decisão proferida no controle 
concentrado (erga omnes e vinculante) –, e não ficar aguardando a 
boa vontade do enfermo Congresso Nacional para suspender a lei 
declarada inconstitucional. Os efeitos extraídos das discussões trava-das 
nos votos dos Ministros já repercutem no mundo jurídico, com 
publicações de Teses3 e outros trabalhos científicos, como este, além 
de acirrados debates em palestras a respeito do tema. 
3 Refira-se, por oportuno, à Tese de Doutorado do professor Lucas Gonçalves da Silva, 
da Universidade Federal de Sergipe – UFS, cujo título foi obtido em 2009, com ori-entação 
de André Ramos Tavares: Mutação Constitucional pela Justiça Constitucional: 
Tipologia e Limites. O referido professor também fez estudos sobre a Hermenêutica e 
Interpretação Constitucional (mestrado em direito) e O papel do Supremo Tribunal Fede-ral 
na garantia dos direitos fundamentais. 
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Introdução 15 
Há, basicamente, que se discutir acerca de qual seria o sentido ex-traído 
da norma do art. 52, X, CF/88, que diz, textualmente, que “compete 
privativamente ao Senado Federal suspender a execução, no todo ou em 
parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo 
Tribunal Federal”, permitindo-se, ao final, com base forte na hermenêu-tica 
constitucional, uma alteração no sentido normativo do dispositivo. 
O problema, entretanto, forma-se à medida que se faz o questiona-mento 
sobre a legitimidade daquilo propugnado pelos Ministros Gilmar 
Mendes e Eros Grau, ou seja, é necessário saber se esse novo quadro está 
condizente com o ordenamento jurídico-constitucional brasileiro. 
Poder-se-ia pensar, inicialmente, que toda abordagem estaria es-gotada, 
de certo modo, em razão da adoção, pela Emenda Constitu-cional 
45/04, da Súmula Vinculante (art. 103-A, CF/88) – sem falar nos 
outros instrumentos trazidos ultimamente para dar efetividade ao 
princípio constitucional da razoável duração do processo, instado no 
art. 5º, LXXVIII, CF/88, que foi acrescido também pela Emenda 45/04, 
tais como a Lei de Repercussão Geral (Lei 11.418/06)4, no âmbito do 
STF, a Lei dos Recursos Repetitivos (Lei 11.672/08), no âmbito do STJ5, 
e, mais recentemente, o II Pacto Republicano6. 
Quimera. Até porque muda a estrutura tradicional do controle 
difuso, argumentos de peso são colocados pelos que dizem ser sub-versor 
o posicionamento de mudança de sentido do art. 52, X, CF/88, 
dentre eles a violação do princípio da Separação dos Poderes, a fun-damentação 
por uma Mutação Inconstitucional e a caracterização do 
Poder Judiciário como um poder constituinte permanente, ilegítimo 
e autoritário (“ditadura do Judiciário”), ao dar a função ao Senado Fed- 
4 Essa lei foi questionada por meio da ADI 4175, pois restringiria o acesso do cidadão 
ao STF, porém foi indeferida a inicial pelo Rel. Min. Carlos Britto, DJE 06/02/2009, por 
falta de pertinência temática quanto ao autor. 
5 Consoante noticiado em janeiro de 2009, no portal eletrônico do STJ, o Min. Luiz Fux, 
agora do STF, defende que este Tribunal Superior adote também a Súmula Vinculante 
e a Repercussão Geral para selecionar as causas que irão a julgamento, o que demon-stra 
a tendência atual em busca da efetividade e celeridade, enfim, da economia pro-cessual, 
pela qual se persegue, com ponderação, a obtenção de maior resultado com 
o menor uso de atividade jurisdicional. 
6 O I Pacto Republicano, assinado em 2004, gerou toda a modernização do sistema da 
Justiça e reformulação das leis. O II Pacto Republicano tem três objetivos principais: a 
proteção dos direitos humanos e fundamentais, a agilização e efetivação da prestação 
jurisdicional e a promoção de maior acesso à Justiça. 
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16 Direito Judicial Criativo 
eral de mero chancelador das decisões do Supremo. Nesse sentido, 
pode-se citar Lenio Luiz Streck, Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira 
e Martonio Mont’Alverne Barreto Lima (2007), além de Marcelo Nov-elino 
(2009), Pedro Lenza (2011), Wellington Márcio Kublisckas (2009), 
o professor da Universidade Católica de Petrópolis – UCP, Roberto 
Wagner Lima Nogueira (2008), e o professor Mestre da Universidade 
Federal de Sergipe – UFS, Carlos Augusto Alcântara Machado (infor-mação 
verbal)7. Registre-se, ainda, que o Ministro Sepúlveda Pertence 
julgou improcedente a reclamação e o Ministro Joaquim Barbosa não 
a conheceu, mas ambos concederam habeas corpus de ofício. 
De outro lado, afirmando ser autêntica a expendida Mutação Con-stitucional 
no dispositivo da Carta Maior, destacam-se Dirley da Cunha 
Júnior (2010) e os já referidos Ministros do Supremo, Gilmar Mendes e 
Eros Grau, podendo-se mencionar ainda, pelos estudos desenvolvidos, 
André Ramos Tavares (1998), além de Teori Albino Zavascki (2001, apud 
LENZA, 2011) e Lúcio Bittencourt (1968, apud LENZA, 2011). 
Adotando uma posição de elasticidade da atuação do Excelso 
Pretório e do próprio Poder Judiciário, a alteração do sentido norma-tivo 
seria uma das formas de garantir a autoridade das decisões do STF, 
transformando-o, assim se entende, em verdadeira Corte Constitu-cional. 
Outro ponto importante, destacado por Gilmar Mendes, passa 
pela questão da própria limitação natural do instituto da suspensão de 
execução da lei pelo próprio Senado, cuja eficácia não pode ser ampli-ada 
quando o caso assim requeira – isso tudo será mais bem detalhado 
em tópico correspondente. Ademais, tema reflexo é a necessidade de 
o direito acompanhar as diretrizes sociais e a aclamação por soluções 
efetivas e céleres aos problemas concretamente postos. 
Acaso prevaleça essa última posição, a depender da votação da 
Rcl. 4.335-5/AC, estabelecer-se-á um verdadeiro corte epistemológi-co, 
isto é, uma ruptura de paradigma da Jurisdição Constitucional no 
7 Palestra proferida no XVII Simpósio Transnacional de Estudos Científicos (Constitucio-nalismo 
e Relações Internacionais – 06 a 10 de outubro de 2008, Universidade Federal 
de Sergipe – UFS), cujo tema apresentado em 06/10/2008 pelo professor Carlos Au-gusto 
Alcântara Machado foi A Constituição de 1988 como Obra Inacabada. Na opor-tunidade, 
falou que não concorda com o pensamento de Gilmar Mendes, pois, como 
propugnada, a mutação constitucional é, na verdade, mutação inconstitucional, apesar 
de admitir ser a tendência do STF. Afirmou, ainda, que “devemos observar o direito 
brasileiro de acordo com a realidade brasileira”. 
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Introdução 17 
Brasil – que, repita-se, já está ocorrendo em virtude de outros fatores 
em tendência. Isso porque as decisões em âmbito de controle difuso 
passariam a ter os efeitos ditados pelo Supremo, fortalecendo-se, de-starte, 
como Corte Constitucional. 
Uma nova concepção acerca do Controle de Constitucionali-dade, 
do Poder Constituinte, do Equilíbrio entre os Poderes e do Sis-tema 
Federativo está surgindo, o que pode estabelecer uma ruptura 
paradigmática no plano da Jurisdição Constitucional no Brasil, tra-zendo, 
como corolário, mais efetividade aos direitos e garantias con-sagrados 
na Carta Magna, em virtude da extensão dos efeitos das de-cisões 
para todos, mormente naquilo que diga respeito às liberdades 
individuais e à cidadania, pelo que se fortalece a segurança jurídica 
e a justiça, objetivos esses almejados tanto pelo Direito quanto pela 
Ética, como bem lembra o Doutor em Direito, Professor Osvaldo Fer-reira 
de Melo (2005), aludindo-se a Miguel Reale. 
Assim sendo, é objetivo do presente trabalho o estudo detido do 
complexo tema, mas que recai em assuntos conexos como, dentre vári-os 
outros, o fenômeno da jurisprudencialização e do ativismo judiciário8, 
hoje deveras expandido. Para tal desiderato, serão utilizadas diversas 
fontes, tais como doutrina, leis e jurisprudência, e partir-se-á da prem-issa 
de que o Direito não é estático, ou seja, ele sempre está buscando 
soluções para pacificar o meio social, sendo feita, preponderantemente, 
uma análise histórica e teleológica dos institutos jurídicos. 
Com essas considerações introdutórias, vê-se que está aberta 
uma nova Caixa de Pandora, donde pode transbordar, sem embargo 
do maniqueísmo, tudo de bom e de mau. Comece-se, então, a mexer 
nessa Caixa, tentando extrair os pontos positivos e fundamentais 
da tese a ser defendida, qual seja, maior garantia dos direitos fun-damentais 
insculpidos na Constituição através da mudança de para-digma 
do controle difuso de constitucionalidade. 
8 A omissão e atrofia do Legislativo, que muitas vezes obriga o Judiciário a “legislar”, 
não é somente uma questão do Brasil. Na Lituânia, foi debatido, no 14º Congresso da 
Conferência de Cortes Constitucionais Europeias, ocorrido em junho de 2008, o tema 
da omissão legislativa na jurisprudência constitucional, onde, “na ocasião, o ministro 
Gilmar Mendes proferiu uma palestra mostrando que a Constituição brasileira de 1988 
permite ao Judiciário exercer funções legislativas em caso de omissão do Congresso 
Nacional, e fez um relato da experiência da Suprema Corte brasileira no julgamento 
de casos relativos ao tema”, consoante a notícia publicada em abril de 2009, no portal 
eletrônico do STF. 
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Mutação Social e Jurídica: 
Considerações Propedêuticas 
ao Estudo da Mutação 
Constitucional e a Nova 
Hermenêutica 
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Mutação Social e Jurídica: 
Considerações Propedêuticas ao Estudo da Mutação 
Constitucional e a Nova Hermenêutica 
O que é Direito? Essa é, provavelmente, a primeira pergunta a 
que todos que ingressam no estudo da “ciência jurídica”1 propõem-se 
a responder. Não é intento deste trabalho o aprofundamento do 
tema, porém algumas palavras são necessárias, até porque é de rel-evância 
para o estudo a percepção da dialética da nossa matéria. 
É verdade que a lei (ou norma jurídica) é o principal objeto (ou 
fonte) de análise do Direito. Recordemos, entretanto, que quando 
se busca o que o Direito é devemos levar em consideração, sob 
o aspecto de uma mutação social e jurídica, as transformações 
por que passam, de forma constante, o seu conteúdo e sua forma, 
sendo ele, por fim, o resultado de uma manifestação concreta do 
mundo histórico, cultural e social2. Percebe-se, desde já, que out-ros 
fatores (valores e fatos, por exemplo)3 também devem ser ob-servados 
ao se estudá-lo. 
Justamente por não vislumbrar o Direito como “coisa” fixa, 
parada, definitiva e eterna, Roberto Lyra Filho (2005, p. 86), ob-servando 
a dialética4 na sua realização, se reporta a ele, precisa-mente, 
como um processo, dentro do processo histórico. Expli-ca: 
“[...] cada perfil atualizado do direito autêntico é um instante 
do processo de sua eterna reconstituição, do seu avanço, que vai 
desvendando áreas novas de libertação [processo de libertação 
permanente]” (LYRA FILHO, 2005, p. 85, grifo do autor). Assim, 
conclui o referido autor que o Direito não “é”; ele “vem a ser”. E 
1 Note-se que o termo ciência aqui não está empregado, como outrora se queria, a um 
estudo puro do direito, sem relacioná-lo a nenhum fator externo. Ver-se-á, ao longo 
deste trabalho, que a interdisciplinaridade e o estudo de fatores instáveis (fatos e va-lores) 
também estarão presentes. 
2 Parece natural dizer, como o faz Norberto Bobbio (1992), que o que seja fundamental em 
determinada época histórica e civilização pode não o ser em outras épocas e em outras cul-turas, 
não se podendo conceber fundamento absoluto a direitos historicamente relativos. 
3 Miguel Reale (2002) assim se reportava ao Direito, como o conjunto indissociável 
dos fatos, valores e normas, sendo expressão cultural, portanto – essa é a conhecida 
estrutura tridimensional do Direito. 
4 Registre-se, desde já, o que se entende por processo dialético, nas lições de Karl Pop-per 
(1972, p. 345, apud COELHO, 2002, p. 99): “Na terminologia de Hegel, tanto a tese 
quanto a antítese são reduzidas, pela síntese, a componentes, e portanto canceladas 
(negadas, anuladas, afastadas); ao mesmo tempo, são preservadas (guardadas) e eleva-das 
(a um nível superior). Hegel aproveita a ambigüidade da palavra alemã ‘aufgehoben’, 
empregando-a no sentido de reduzida a componentes, cancelada, preservada e elevada”. 
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22 Direito Judicial Criativo 
por ele “vir a ser”, entende-se que a pergunta inicial “o que é Di-reito?” 
deve transmudar-se para “o que vem a ser Direito?”, já que 
“é todo o processo [derivado da constante luta social] que define 
o Direito, em cada etapa, na procura das direções de superação” 
(LYRA FILHO, 2005, p. 83).5 6 
Goffredo Telles Junior ([1971?], p. 285), em curiosa obra pub-licada 
originalmente em 1970 (O Direito Quântico: ensaio sobre o 
fundamento da ordem jurídica), se reportou ao Direito, em conexão 
epistemológica com a Física Quântica, como “a ordenação quânti-ca 
das sociedades humanas”. Essa correlação serve para simbolizar 
o quanto as relações sociais reguladas pelo Direito são instáveis. 
Na Física clássica (tradicional, não quântica) o que temos são com-portamentos 
previsíveis (por exemplo, pode-se saber a trajetória 
de uma bola antes mesmo de arremessá-la). Já na Física quântica, 
é impossível prever, com absoluta certeza, a trajetória das coisas: 
elas fazem todos os caminhos possíveis e ao mesmo tempo. As-sim, 
como o comportamento do homem (ou grupos de homem) 
não pode ser, de forma absoluta, determinado7, diz-se que as leis 
humanas são leis de probabilidade, cabendo ao Direito Objetivo 
5 Interessante dizer que o sistema jurídico, sofrendo influências e interações com o 
meio externo, acaba por ser reflexo da sociedade em que está inserido, admitindo-se 
mudanças. Por isso, concebe-se tal sistema como aberto, alopoiético, prospectivo, 
heterônomo, em contraposição à ideia de um sistema fechado, autopoiético, retro-spectivo, 
autônomo (embora quem assim o considere não deixa de admitir a interfe-rência 
da sociedade, mas não a sua influência e interação, como o é no sistema alopoié-tico). 
(SIQUEIRA JR., 2006) 
6 Curiosa, também, é a ilustração da capa da obra de Roberto Lyra Filho O que é Di-reito, 
publicada em 2005 pela editora brasiliense, em sua Coleção primeiros passos 
(nº 62): há a imagem de dois operários carregando a estátua da deusa Justitia, que 
foi tirada do seu pedestal, o que fez surgir o sol em seu lugar. Nesse caso, levando-se 
em consideração o conteúdo da obra, é possível denotar a seguinte interpretação: a 
saída de uma concepção estritamente positivista do direito (com os seus respectivos 
“operadores jurídicos”, termo este que transmite a ideia de aplicação mecânica do di-reito), 
surgindo uma nova concepção de direito (pós-positivismo) que brinda a relação 
entre valores, princípios e regras, aspectos estes da Nova Hermenêutica Constitucional 
e da teoria dos direitos fundamentais, edificada sobre o fundamento da dignidade 
humana, que ilumina a todos indistintamente. 
7 É inerente ao homem (e, por derivação, à sociedade) a contínua mudança, sendo “[...] 
da natureza imutável do homem, mudar e mudar sempre”, ou dito de outra forma, “o 
eu histórico é um eu permanente, mas um eu permanente em contínuo perfazimento” 
(TELLES JUNIOR, [1971?], p. 277). 
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Mutação Social e Jurídica: 
Considerações Propedêuticas ao Estudo da Mutação 
Constitucional e a Nova Hermenêutica 
quantificar e autorizar, ou não, a maneira de proceder. Ou seja, o 
Direito Objetivo 
é a ordenação [de determinadas interações hu-manas] 
que quantifica a liberação das energias hu-manas, 
para assegurar o equilíbrio das forças, e para 
garantir que, a cada direito, corresponda uma obrig-ação. 
É a ordenação que delimita a liberação de en-ergia, 
nos campos dos homens [quanta], para que a 
sociedade seja efetivamente o que ela precisa ser, 
isto é, um meio a serviço dos fins humanos. (TELLES 
JUNIOR, [1971?], p. 285) 
Importante notar que Goffredo Telles Júnior, ao fazer essa abord-agem, 
almeja a conclusão de que o Direito deve se sujeitar aos fins 
a que a sociedade anseia, sendo, ainda, a disciplina especializada 
em engineering social8: 
Assim como essas proteínas se dirigem com 
autonomia, em conformidade com os interesses fisi-ológicos 
da célula, assim também o Direito, livre de 
imposições absolutas, se pode dirigir pelos inter-esses 
reais da sociedade, de acordo com os siste-mas 
de referencia [sic] efetivamente vigorantes. 
(TELLES JUNIOR, [1971?], p. 285, grifo nosso) 
Esse Direito, inserido, representativamente, na harmonia do uni-verso 
(do Unum versus alia; do Uno feito do diverso) e promovido 
para/pelos anseios da sociedade (que dá legitimidade ao governo), 
possui natureza dual, consoante aponta Túlio Lima Vianna (2008, p. 
119): é, ao mesmo tempo, instrumento de dominação e de resistên-cia9; 
de manutenção do status quo e de inclusão social; de segurança 
jurídica e de justiça distributiva. Essa dualidade revela a já referida di-alética 
na realização do Direito. Dessa forma, a Teoria Quântica do 
8 Em alusão às proteínas reguladoras, produtos especializados em engineering 
molecular. 
9 “[...] o revolucionário de ontem é o conservador de hoje e o reacionário de amanhã” 
(LYRA FILHO, 2005, p. 82). 
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24 Direito Judicial Criativo 
Direito10 (ou, se preferir, a Teoria de um Direito não-determinista), 
ao conceber o fenômeno jurídico como instrumento dual de domi-nação/ 
resistência, revela o caráter político que permeia todas as 
decisões judiciais, que não podem ser consideradas, a priori, como 
certas ou erradas – em razão da superação da ideia de uma razão 
jurídica universal (no sentido de verdade absoluta)11, pelo que temos, 
nos dias de hoje, uma realidade a ser compreendida12 –, “[...] mas ações 
políticas que ora tutelam os interesses de manutenção do status quo, 
ora os interesses de redução da tensão de poder entre opressores e 
oprimidos” (VIANNA, 2008, p. 120). 
A figura do juiz, assim, ganha relevo. É ele que, longe de ser ape-nas 
um observador neutro para fins de se extrair o significado verda- 
10 Vale dizer que a teoria do conhecimento em geral foi abalada pelo “golpe quântico”, 
pelo qual a Teoria Quântica (após os outros golpes dados pela Cosmologia de Copérnico, 
pela Biologia de Darwin e pela Psicologia de Freud) substituiu a racionalidade deter-minista 
da Física daquele momento por uma racionalidade probabilística do “princípio 
da incerteza” (Heisenberg), inaugurando uma era que pôs fim às certezas. É nesse ponto 
que a verdade objetiva, natural e divina cede espaço a uma verdade subjetiva, artificial 
e humana, ou seja, é o olhar do observador que irá definir o que é verdade, em um pro-cesso 
de compreensão. Por isso, o referido autor diz que “a paradoxal certeza absoluta 
do pensamento pós-moderno é que tudo é relativo. Não há verdades, apenas probabili-dades” 
(VIANNA, 2008, p. 119). Note-se, ainda, que nas décadas de 70 e 80 do século XX, 
surgiu o movimento crítico do direito, que questionava o “saber jurídico tradicional na 
maior parte de suas premissas: cientificidade, objetividade, neutralidade, estabilidade, 
completude” (BARROSO, 2003, p. 14/15, apud WINCK, 2007, 43). Tais acepções serão mais 
bem explicadas no tópico referente à (nova) hermenêutica jurídica – subcapítulo 1.2. 
11 O pensamento da pós-modernidade, relegando as verdades metafísicas e puramente 
racionais de outrora, atesta o término dos “marcos de referência da certeza” (LEFORT, 1991, 
p. 50, apud WINCK, 2007, p. 45), fato esse que condiz com o universo complexo, dinâmico 
e instável das sociedades atuais e que reflete crises de legitimidade e na própria produção 
e aplicação da justiça (WOLKMER, 1991, p. 32, apud WINCK, 2007, p. 45). A abordagem da 
“verdade” passa a ser feita no plano da criação humana derivada de um processo racional 
de compreensão da realidade concreta, o que corrobora o pensamento de Nietzsche de 
que não há sentido em se falar de origem (Ursprung) do conhecimento humano, mas, sim, 
em invenção (Erfingdung), criação deste conhecimento (FOUCAULT, 2000, p. 262, apud VI-ANNA, 
2008, p. 115/116), desembocando, consoante aponta Foucault (2003, p. 27, apud 
VIANNA, 2008, p. 117), em múltiplas racionalidades, cada qual com as suas “verdades”. Não 
deixa de ser curiosa, quanto à analise da “verdade” e da “mentira”, a composição de Edu 
Lobo e Chico Buarque, Verdadeira Embolada: Na realidade | Pouca verdade | Tem no cordel da 
história | No meio da linha | Quem escrevinha | Muda o que lhe convém. 
12 As coisas do mundo, inclusive os fatos sociais, são resultados de um sentido en-laçado 
pelos homens, que edificam, historicamente, através de uma sucessão de es-colhas 
(permitidas pela vontade, intenção, livre arbítrio, livre afirmação), um sistema 
de valores (cultura) (ARON, 1982, p. 485). 
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Mutação Social e Jurídica: 
Considerações Propedêuticas ao Estudo da Mutação 
Constitucional e a Nova Hermenêutica 
deiro da lei, cria a norma a ser aplicada ao caso concreto, através da 
escolha (jurídica e política13) entre uma racionalidade de segurança 
jurídica (cujos elementos são estabilidade, previsibilidade e unifor-midade) 
e uma racionalidade de justiça distributiva – valores esses, 
normalmente, apontados como inversamente proporcionais, com o 
que não se pode concordar, pois, na verdade, há uma relação entre 
eles de coordenação e de equilíbrio. 
Quando nos referimos à necessidade de a norma corresponder 
aos anseios da sociedade como forma de legitimação do governo14, 
quer-se chamar a atenção para a própria acepção de Justiça. Não a 
justiça inserida nas leis, nem aquela justiça doutrinária ideal – emb-ora, 
por vezes, em ambas possa se encontrar –, mas a Justiça Social15, 
a que Goffredo Telles Junior ([1971?]) invoca, em nova roupagem, 
como Direito Natural. Para ele, “[...] o autorizamento das normas ju-rídicas 
decorre da natureza da sociedade, uma vez que, em cada co-munidade, 
certos movimentos hão de ser exigíveis, e outros hão de 
ser proibidos” (TELLES JUNIOR, [1971?], p. 280/281). Assim, o Direito 
Natural, nessa concepção, é o Direito que não é artificial, sendo, na 
verdade, “[...] consetaneo [sic] com o sistema ético de referencia [sic], 
13 Não há como se negar que o juiz, ao decidir, traz consigo todo seu arcabouço mor-al, 
ético e ideológico. A própria palavra “sentença”, na acepção dada pelo Dicionário 
Houaiss (2001), sugere isso, já que, originando-se do latim sententia, significa “[...] sen-timento, 
parecer, opinião, idéia, maneira de ver, impressão do espírito; modo de pen-sar 
ou de sentir, vontade, desejo; opinião (emitida pelo Senado)”. 
14 Governo está aqui alocado como “o conjunto das funções necessárias à manutenção 
da ordem jurídica e da administração pública” (MALUF, 1995, p. 27), ou, dito de outra 
forma por Duguit (apud MALUF, 1995, p. 27), no sentido coletivo, “[...] como conjunto 
de órgãos que presidem a vida política do Estado [...]”, e não no sentido meramente 
singular de Poder Executivo. 
15 Consoante o Dicionário Acadêmico de Direito de Marcus Cláudio Acquaviva (2003, p. 
470/471), a Justiça Social, vinda do latim justitia, já fazia parte da ideia de justiça na época 
de Platão e Aristóteles, embora o adjetivo social tenha sido incorporado no século XIX, em 
razão das crises socioeconômicas. A expressão justiça social foi divulgada, inicialmente, 
pela doutrina social da Igreja, sendo relacionado como princípio divino. Com a ascensão 
do Iluminismo (sécs. XVII e XVIII), esse conceito tradicional começou a declinar, dando 
margem ao direito natural (atributo da própria natureza humana). Após, a ideologia his-toricista 
(Von Savigny) nivela os atributos da pessoa humana às concepções de cada mo-mento 
histórico, enquanto o Positivismo revela ser a justiça o direito positivo (lei escrita) de 
cada povo. Na verdade, em Aristóteles já se vê o moderno significado da expressão justiça 
social, enunciado como o princípio da justiça distributiva, pelo qual a comunidade deve 
distribuir a seus membros os bens e encargos de forma equitativa, isonômica. 
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26 Direito Judicial Criativo 
vigente em uma dada comunidade” (TELLES JUNIOR, [1971?], p. 280), 
isto é, Direito Natural é sempre um Direito Positivo que esteja de 
acordo com as expectativas legítimas da sociedade16 17 (TELLES 
JUNIOR, [1971?], p. 281). Essa acepção do direito enquanto corre-spondência 
dos anseios de justiça da sociedade é, precisamente, de-lineada 
por Roberto Lyra Filho (2005, p. 85): 
O legalismo é sempre ressaca social de um im-pulso 
criativo jurídico. Os princípios se acomodam 
em normas e envelhecem; e as normas esquecem 
de que são meios de expressão do Direito móvel, em 
constante progresso, e não Direito em si. [...] Direito e 
Justiça caminham enlaçados; lei e Direito é que se di-vorciam 
com freqüência. Onde está a Justiça no mun-do? 
– pergunta-se. Que Justiça é esta, proclamada por 
um bando de filósofos idealistas, que depois a entre-gam 
a um grupo de “juristas”, deixando que estes de-vorem 
o povo? A Justiça não é, evidentemente, esta 
coisa degradada. Isto é negação da Justiça [...]. Porém, 
onde fica a Justiça verdadeira? Evidentemente, não é 
cá, nem lá, não é nas leis (embora às vezes nelas se 
misture, em maior ou menor grau), nem é nos princí-pios 
ideais, abstratos (embora às vezes também algo 
dela ali se transmita, de forma imprecisa) [...]. 
Com essas considerações, conclui magistralmente: 
[...] a Justiça real está no processo histórico de que 
é resultante, no sentido de que é nele que se realiza 
progressivamente. Justiça é Justiça Social, antes 
16 Kant (apud SILVA, R.P.M., 2005) considera que o direito positivo (não natural) não tem 
como estabelecer o que é justo e injusto, mas apenas se determinado fato ou ato é 
lícito ou ilícito sob o ponto de vista jurídico. 
17 Cf. GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 8. ed. São Paulo: Malhei-ros, 
2011. 384 p., em função de interessante cotejo entre o direito posto (leis) e pressu-posto 
(princípios), mostrando-se, em síntese, a necessidade de se transcender o mero 
direito posto para encontrar na realidade social as raízes do Direito, vendo-o, portanto, 
num sistema sob influência de vários fatores, sejam políticos, jurídicos, econômicos 
ou culturais, todos encarados de forma dinâmica, os quais também devem, por certo, 
atender as demandas sociais igualmente dinâmicas. 
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Mutação Social e Jurídica: 
Considerações Propedêuticas ao Estudo da Mutação 
Constitucional e a Nova Hermenêutica 
de tudo: é atualização dos princípios condutores, 
emergido nas lutas sociais, para levar à criação 
duma sociedade em que cessem a exploração e 
opressão do homem pelo homem; e o Direito não 
é mais, nem menos, do que a expressão daqueles 
princípios supremos, enquanto modelo avançado 
de legítima organização social da liberdade. [...] 
Direito é processo, dentro do processo histórico 
[...]. (LYRA FILHO, 2005, p. 86, grifo nosso) 
Sem o fim de imersão no terreno fértil que é a discussão em 
torno da Justiça, e a título de complementar tudo o que já foi ana-lisado, 
apenas diga-se, com o escólio firme de Miguel Reale (2002, 
p. 375/376), que não se pode separar a compreensão subjetiva da 
Justiça, enquanto valor da pessoa humana, da forma objetiva, como 
realização da ordem social justa (a multicitada Justiça Social18), 
[...] mesmo porque o seu de cada um somente logra 
sentido na totalidade de uma estrutura na qual se cor-relacionem, 
deste ou daquele modo, o todo e as partes 
[e] [...] porque esta ordem [social justa] não é senão 
uma projeção constante da pessoa humana, valor-fon-te 
de todos os valores através do tempo [...] visando a 
atingir a plenitude de seu ser pessoal, em sintonia com 
os da coletividade. (REALE, 2002, p. 376/377) 
Para ele, “a justiça, em suma, somente pode ser compreendida ple-namente 
como concreta experiência histórica, isto é, como valor fundan-te 
do Direito ao longo do processo dialógico da história” (REALE, 2002, 
p. 377), traço esse também assinalado, como visto, por outros autores. 
Em vista de todo o exposto, o Direito pode ser concebido como 
o ordenamento jurídico, ou seja, o sistema de normas ou regras ju- 
18 O termo Justiça Social, além do significado posto no texto, pode-se referir também, 
pragmaticamente, à ampliação de certo direito fundamental para a coletividade. Tal 
sentido, interessante notar, foi utilizado recentemente pelo Presidente dos Estados 
Unidos, Barack Obama, ao defender a proposta de reforma do sistema de saúde dos 
EUA, pela qual haveria um sistema público universal de saúde. Na ocasião, em discurso 
no Congresso, declarou que saúde para todos é uma questão de “justiça social”. Cf. 
PETRY, André. Depois do palanque, vida real. Veja, São Paulo, n. 2130, 16 set. 2009. p. 
108-109. Reportagem. 
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28 Direito Judicial Criativo 
rídicas que traçam determinadas formas de comportamento, além 
de ser a ciência que o estuda (Ciência do Direito e Jurisprudência19) 
– concepção normativa. É, ainda, fenômeno histórico-cultural – con-cepção 
fática –, que traduz um ideal de Justiça (Justiça Social, mais 
especificamente) – concepção valorativa (REALE, 2002).20 Esses três 
elementos (tridimensionalidade do direito) se integram de forma 
dinâmica e dialética, na forma denominada por Miguel Reale (2002, 
p. 67) de “dialética de implicação-polaridade”, ou seja, fato e valor 
se correlacionam de modo irredutível (polaridade) e mútuo (impli-cação), 
dando origem à estrutura normativa como momento de reali-zação 
do Direito. Em seara constitucional, como não poderia deixar 
de ser, a tridimensionalidade também está presente: 
[...] as Constituições elaboradas no período pós-Se-gunda 
Guerra Mundial – estruturadas no contexto 
do movimento denominado pós-positivismo ou neo-constitucionalismo 
– são documentos abertos que 
visam congregar, especialmente através dos princí-pios 
constitucionais, elementos fáticos, normativos 
e axiológicos. Tal característica permite que as Con-stituições 
atuais não incidam nem em um legalismo 
exacerbado e tampouco na total insegurança jurídica, 
bem como sejam suficientemente flexíveis e aptas a 
acompanhar a dinâmica social, em constante e cada 
vez mais rápida transformação. (KUBLISCKAS, 2009, p. 
163, grifo nosso e itálico do autor) 
É em torno desse sistema e com essas ideias que se passa ao 
estudo específico do Direito Constitucional e da evolução do movi-mento 
constitucionalista, abordando-se, após, aspectos da her- 
19 Hoje, a Jurisprudência, entendida como as decisões judiciais reiteradas dos tribu-nais 
(e mesmo resoluções administrativas), é fonte imediata do direito, ao lado da Con-stituição 
Federal, leis e tratados internacionais de direitos humanos. Cf., para maiores 
detalhes, o subcapítulo 1.3, acerca do tema jurisprudencialização/tribunalização. 
20 Percebe-se, com Tercio Sampaio Ferraz Jr. (2003), que o Direito, como objeto, comporta 
tanto uma investigação zetética (enfoque aberto) quanto dogmática (enfoque fechado). 
Por isso, pode-se falar de vários focos no estudo do fenômeno jurídico, por exemplo: o 
estudo do direito civil, processual ou constitucional na álea normativa; o estudo da so-ciologia 
jurídica na álea fática; e o estudo da filosofia jurídica na álea valorativa. 
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Mutação Social e Jurídica: 
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menêutica jurídica e constitucional e o tema acerca do fenômeno da 
jurisprudencialização e do ativismo judiciário, tudo como condição 
necessária e complementar para concluir-se, ao final, pela legitimi-dade 
da adoção de uma nova perspectiva do Supremo Tribunal Fed-eral 
em face da Jurisdição Constitucional. 
Finalizando esse prolegômeno, por ora necessário afirmar que 
a Constituição, sendo o Direito Objetivo maior, também deve 
estar em harmonia com os Direitos Naturais dos Homens, no 
sentido antes delineado de Justiça Social, modelo esse mais at-ento 
à satisfação dos anseios da sociedade. Adota-se aqui, invari-avelmente, 
a concepção de “Constituição Civil” de Kant, citada por 
Norberto Bobbio (1992, p. 52): 
Por “Constituição civil” Kant entende uma Con-stituição 
em harmonia com os direitos naturais dos 
homens, ou seja, uma Constituição segundo a qual 
“os que obedecem à lei devem também, reunidos, 
legislar”. Definindo o direito natural como o direito 
que todo homem tem de obedecer apenas à lei de 
que ele mesmo é legislador [até porque todo poder 
emana do povo, consoante art. 1º, parágrafo único, 
CF/88], Kant dava uma definição da liberdade como 
autonomia, como poder de legislar para si mesmo. 
Enfim, como restará mais claro à frente, visando à consagração 
legítima da Constituição, entendida como o “primado do direito for-mador 
da arquitetura axiológica sobre o qual se funda a sociedade” 
(WINCK, 2007, p. 46), e desfazendo-se de muitas das ilusões positivas 
do Direito, numa abordagem humanista e socializante21, 
[...] o constitucionalismo passa a ter “uma dimensão 
comunitária” ao adotar a concepção de Constitu-ição 
como “ordem concreta de valores”, destarte, 
os “valores compartilhados por uma comunidade 
política” [ordenação cultural] devem estar conec- 
21 Essa abordagem humanista e socializante condiz com a observação feita por Miguel 
Reale (2002) já citada no texto, no sentido de que não há como se dissociar o aspecto 
subjetivo da Justiça, envolvido na pessoa humana, e o objetivo, como realização da 
ordem social justa. 
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30 Direito Judicial Criativo 
tados a “ordenação jurídica fundamental e su-prema 
representada pela constituição federal”. 
(WINCK, 2007, p. 45/46) 
1.1 O fenômeno constitucional e o (neo)constitucionalismo 
Pode-se conceber o Estado como a organização soberana de um 
povo sobre um território determinado, orientada ao atingimento de um 
conjunto de finalidades. Pelo que se vê, todo Estado deve ter uma forma 
de organização sob a base de uma ordem jurídica, tendo a Constituição 
um relevante papel nesse sentido, ou seja, como a Lei Fundamental do 
Estado. O estudo sistemático, evolucional e racional do fenômeno con-stitucional 
se desenvolve a partir do surgimento das primeiras Constitu-ições 
escritas, o que foi expresso pelo movimento político, jurídico e ide-ológico 
denominado constitucionalismo, que desenvolveu a concepção 
de estruturação racional do Estado e de limitação do exercício de seu 
poder, a partir da elaboração de um documento escrito a fim de repre-sentar 
a sua lei fundamental e suprema. A história do constitucionalismo 
não é senão a luta do homem político pela limitação do poder absoluto: 
[...] la historia del constitucionalismo no es sino la 
búsqueda por el hombre político de las limitaciones 
al poder absoluto ejercido por los detentadores del 
poder, así, como el esfuerzo de establecer una justi-ficación 
espiritual, moral o ética de la autoridad, en 
lugar del sometimiento ciego a la facilidad de la au-toridad 
existente. (LOEWENSTEIN, 1986, p. 150, apud 
DORNELES, 2001) 
A origem do constitucionalismo (moderno) é concebida com a 
Constituição dos Estados Unidos, de 1787, e a Constituição da França, 
de 1791, ambas de orientação liberal, cujo conteúdo estabelecia regras 
acerca da organização do Estado, do exercício e transmissão do poder 
e da limitação do Estado em vista dos direitos e garantias fundamentais 
do indivíduo. Com base em pontos essencialmente político-liberais da 
Constituição, J. J. Gomes Canotilho (1995) cunhou a expressão “Consti-tuição 
ideal”, sendo que seus elementos caracterizadores, observados 
por Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (2009, p. 5), são: 
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Mutação Social e Jurídica: 
Considerações Propedêuticas ao Estudo da Mutação 
Constitucional e a Nova Hermenêutica 
a) a Constituição deve ser escrita; b) deve conter 
uma enumeração de direitos fundamentais individ-uais 
(direitos de liberdade); c) deve adotar um sis-tema 
democrático formal (participação do “povo” na 
elaboração dos atos legislativos, pelos parlamentos); 
d) deve assegurar a limitação do poder do Estado me-diante 
o princípio da divisão de poderes. 
À vista disso, três são as ideias básicas do constitucionalismo 
em referência: 1) a separação dos poderes; 2) a garantia dos direitos 
fundamentais; e 3) o princípio do governo limitado. Com a evolução, 
o Direito Constitucional não mais retratava exclusivamente es-ses 
ideais liberais, fazendo com que a Constituição assumisse nova 
feição: a de norma jurídica e formal, protetora dos direitos humanos. 
É dizer: a forma de organização política do Estado liberal não poderia 
ser retratada de per si, posto que a Constituição passou a representar 
qualquer forma de organização política, não importando o regime 
político ou a forma de distribuição da competência. 
Modernamente, consoante aponta Vicente Paulo e Marcelo Alex-andrino 
(2009, p. 2), ao lado do constitucionalismo puramente juríd-ico, 
temos o político, democrático e social, em vista das exigências e 
dos conflitos sociais, e, por isso mesmo, o Direito Constitucional atu-al, 
com fortes marcas políticas, democráticas e sociais, não se limitar-ia 
às conquistas liberais22 – embora os referidos autores destaquem 
que, “[...] em todas as fases de sua evolução, o constitucionalismo 
não perdeu seu traço marcante, que é a limitação, pelo Direito, da 
ingerência do Estado (Governo) na esfera privada” (PAULO; ALEX-ANDRINO, 
2009, p. 2, grifo do autor). 
Adiante-se que está em voga o fenômeno da expansão do objeto 
da Constituição (constitucionalização do direito), “[...] cujo conteúdo 
material e axiológico se irradia, com força normativa, por todo o sis-tema 
jurídico” (BARROSO, 2005, apud WINCK, 2007, p. 97), pelo que se 
pode falar em um neoconstitucionalismo. Quanto a esse tema, diga-se, 
por ora, que é fruto de duas mudanças de paradigma: a busca 
22 Já foi dito que “o constitucionalismo passa a ter uma ‘dimensão comunitária’, ao adotar 
a concepção de Constituição como ‘ordem concreta de valores’, destarte, os ‘valores com-partilhados 
por uma comunidade política’ devem estar conectados a ‘ordenação jurídica 
fundamental e suprema representada pela constituição federal’ ” (WINCK, 2007, p. 45/46). 
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32 Direito Judicial Criativo 
da efetividade das normas constitucionais (através do fundamento 
da força normativa da Constituição) e o desenvolvimento de novos 
princípios e métodos hermenêuticos em sede constitucional (BAR-ROSO, 
2003, p. 47, apud WINCK, 2007, p. 46/47). 
Com essas considerações, passe-se a analisar as fases do con-stitucionalismo 
ou, se preferir, a evolução do Direito Constitucional. 
Far-se-á isso com o escólio do professor Marcelo Novelino (2009), o 
qual aponta cinco fases de desenvolvimento23, a seguir comentadas. 
A primeira fase é de pouco importância, não sendo raro que seja 
relegada pelos autores constitucionalistas. Basta dizer, a título históri-co, 
que compreende o período entre a antiguidade e o final do séc. 
XVIII e passa pelos Hebreus, Grécia, Roma e Inglaterra (Rule of Law). 
A segunda fase, em que o constitucionalismo é chamado de 
clássico ou liberal, influenciado pelas ideias (liberais) de Locke, 
Montesquieu e Rousseau, aparece em virtude do surgimento das 
primeiras Constituições escritas (EUA – 1787 e França – 1791). Nessa 
fase, tem-se a consolidação da supremacia da Constituição e de sua 
estrutura rígida e escrita (pontos de diferenças entre as duas fases). É 
a fase da chamada primeira dimensão dos direitos fundamentais, 
com ampla proteção à liberdade, propriedade e aos direitos civis e 
políticos. Nos Estados Unidos, firmam-se a supremacia da Constitu-ição 
(que estabelece as regras do jogo político) e a garantia jurisdi-cional 
(cuja proteção cabe ao Poder Judiciário, em razão da sua maior 
neutralidade política). Já na França, tem-se como pedra de toque a 
23 Rogério Salgado Martins (1998), numa abordagem histórica do Constitucionalismo, faz a 
sua divisão em dois grandes períodos: o CONSTITUCIONALISMO CLÁSSICO (1787-1918) 
e o CONSTITUCIONALISMO MODERNO (1918-...). O Constitucionalismo clássico subdi-vide- 
se em cinco ciclos: CONSTITUIÇÕES REVOLUCIONÁRIAS DO SÉC. XVIII, no qual se 
enquadra a Constituição Americana de 1787, a Declaração dos Direitos do Homem e do Ci-dadão 
francesa de 1789, podendo ser incluída a Magna Carta; CONSTITUIÇÕES NAPOLE-ÔNICAS 
autoritárias do início do século XIX; CONSTITUIÇÕES DA RESTAURAÇÃO, como 
a dos Bourbons, de 1814; CONSTITUIÇÕES LIBERAIS, como a francesa de 1830 e a belga 
de 1831; CONSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS, iniciado em 1848. O Constitucionalismo 
moderno também é compreendido num total de 5 ciclos constitucionais: DEMOCRÁTI-CO- 
RACIONALIZADO, com a Constituição de Weimar de 1919; SOCIAL-DEMOCRÁTICO, 
que contém as Constituições francesas de 1946, italiana de 47 e a alemã de 49; EXPERIÊN-CIA 
NAZI-FACISTA; CONSTITUIÇÕES SOCIALISTAS surgidas em 1917 com a Declaração 
dos Direitos dos Povos da Rússia; CONSTITUIÇÕES DO TERCEIRO MUNDO, “que caracter-izam- 
se por uma tentativa de copiar as construções estrangeiras e que tombaram por terra 
diante de uma realidade que não condizia com as instituições copiadas”. 
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Mutação Social e Jurídica: 
Considerações Propedêuticas ao Estudo da Mutação 
Constitucional e a Nova Hermenêutica 
separação dos poderes e a garantia dos direitos – quanto a isso, basta 
lembrar que a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Ci-dadão 
de 1789 dispunha que “toda a sociedade na qual a garantia 
dos direitos não é assegurada e nem a separação dos poderes deter-minada 
não tem Constituição”. 
Interessante notar que estamos tratando, ao se referir a essa 
época, do Estado de Direito (liberal, por certo), que transmite a ideia de 
império da lei e de Estado abstencionista (que é diferente do Estado 
de polícia ou absolutista), cujas características podem ser assim resu-midas: 
os direitos fundamentais correspondem aos direitos da burgue-sia 
(liberdade e propriedade), sendo direitos com caráter formal e que 
necessitam de lei para serem restringidos; a limitação do Estado pelo 
Direito se estende ao soberano; a atuação da Administração Pública 
só pode ocorrer dentro da lei (legalidade); no campo econômico, não 
há intervenção do Estado (ideia de Estado mínimo de Adam Smith)24. 
Identificam-se quatro concretizações desse Estado de Direito: o 
Rule of Law (Inglaterra durante a Idade Média), com a substituição 
do “governo dos homens” pelo “governo das Leis” e a concepção do 
devido processo legal em seu caráter substantivo (processo justo e 
adequado); o Rechtsstaat (Prússia), que significa o “Estado de Direito”, 
em seu aspecto apenas formal, trazendo em seu bojo a percepção 
da impessoalidade do poder; État Legal, que consiste no estabel-ecimento 
de normas por legisladores eleitos democraticamente, 
sendo o juiz, porém, mera bouche de la loi (“boca da lei”); État du 
Droit, evolução do anterior e que corresponde, fielmente, ao Verfas-sungsstaat, 
que é o “Estado Constitucional”. 
Ao fim da Primeira Guerra Mundial, surge a terceira fase do con-stitucionalismo, 
qual seja, o moderno ou social, correspondente aos 
direitos fundamentais de segunda dimensão (igualdade material 
e direitos sociais, econômicos e culturais). É a vez do Estado Social25, 
como prestador de serviços, o qual buscava a superação de uma 
desigualdade social, que estava em contradição com a alcançada 
24 O Estado liberal se limita à ordem e segurança públicas, tendo três deveres, segundo 
Adam Smith: proteger a sociedade contra a violência e a invasão externa; estabelecer 
uma adequada administração da justiça; erigir e manter certas obras e instituições 
públicas que nunca seriam de interesse privado. 
25 Estado Social não se confunde com Estado Socialista, em virtude, principalmente, de 
aquele manter a adesão ao capitalismo. 
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igualdade política. As características fundamentais são: intervenção 
no âmbito social, econômico e laboral; papel decisivo na produção e 
distribuição de bens; garantia de um mínimo de bem-estar (welfare 
state), através de políticas sociais, a exemplo da distribuição do sa-lário 
social; estabelecimento de um grande convênio global de esta-bilidade 
econômica (pacto keynesiano). 
A quarta fase se desenvolve ao fim da Segunda Guerra Mun-dial, 
momento o qual nos referimos ao neoconstitucionalismo, 
tema este muito discutido nos dias de hoje. Essa é a fase dos direitos 
transindividuais (coletivos e difusos), representados pelas terceira 
e quarta dimensões dos direitos fundamentais. A terceira dimen-são 
(ou geração) traz consigo o valor fraternidade ou solidariedade, 
tais como o direito à paz, ao meio-ambiente, à autodeterminação 
dos povos, ao desenvolvimento e progresso. Já a quarta dimensão 
incorpora a ideia de pluralidade, como o direito à democracia, à in-formação 
e ao pluralismo. 
Em síntese, as gerações ou dimensões dos direitos fundamentais 
podem ser desenhadas na forma do seguinte quadro elaborado por 
George Marmelstein Lima (2003): 
Quadro 1 – Desenvolvimento das gerações ou dimensões dos direitos fundamentais 
1a Geração 2a Geração 3a Geração 4a Geração 
Liberdade Igualdade Fraternidade Democracia 
(direta) 
Direitos nega-tivos 
(não agir) 
Direitos a 
prestações 
Direitos civis e 
políticos: liber-dade 
política, de 
expressão, re-ligiosa, 
comercial 
Direitos 
sociais, 
econômicos 
e culturais 
Direito ao desen-volvimento, 
ao 
meio-ambiente 
sadio, direito à paz 
Direito à 
informação, 
à democracia 
direta e ao 
pluralismo 
Direitos individ-uais 
Direitos de 
uma cole-tividade 
Direitos de toda a Humanidade 
Estado Liberal Estado social e Estado democrático e social 
Fonte: LIMA, George Marmelstein. Críticas à teoria das gerações (ou mesmo dimen-sões) 
dos direitos fundamentais. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 173, 26 dez. 2003. 
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4666>. Acesso em: 02 
dez. 2009. 
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Considerações Propedêuticas ao Estudo da Mutação 
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Como já foi adiantado em linhas atrás, o neoconstitucionalismo26 
consolida, através da mudança de paradigma, novos e importantes 
princípios e métodos hermenêutico-constitucionais – que ainda 
serão analisados detidamente –, com vista a dar maior efetividade 
e força normativa à Constituição, constatações tais resultantes do 
fenômeno da expansão do objeto constitucional. 
São características desse novo movimento constitucionalista: 1) 
normatividade da Constituição27, com destaque para Konrad Hesse, 
em sua obra A Força Normativa da Constituição; 2) superioridade da 
Constituição (escrita e rígida); 3) centralidade da Constituição, que 
significa a onipresença ou ubiquidade constitucional e bem reflete 
o citado fenômeno da expansão do objeto (e do objetivo) da Con-stituição. 
Essa constitucionalização do direito, que é uma fase me-todológica 
de renovação da Constituição, com repercussão nos out-ros 
ramos do direito, dá-se por dois aspectos: a eficácia horizontal (e 
não somente vertical) dos direitos fundamentais, sendo cogentes es-ses 
direitos também nas relações entre particulares, e o princípio da 
interpretação conforme a Constituição28, pelo que a lei, além de ser 
compatível com ela, deve ser conforme, numa aplicação direta ou in-direta 
do Texto Maior; 4) rematerialização da Constituição, que reflete 
a nossa Magna Carta de 1988, dita prolixa; 5) maior abertura da inter-pretação 
constitucional, estando superada a subsunção tão somente 
lógica das regras pela configuração da ponderação, argumentação e 
métodos específicos relacionados aos princípios (normativos); 6) for-talecimento 
do Poder Judiciário. Esse último ponto é relevante para a 
finalidade deste trabalho, em vista de hoje termos o Poder Judiciário 
26 O neoconstitucionalismo se aloca no contexto do pós-positivismo, onde houve o 
reconhecimento do caráter normativo dos princípios, motivo pelo qual a norma passa a 
ser conjunto de princípios (agora, vinculantes e obrigatórios) e regras. São nomes dessa 
fase Robert Alexy e Ronald Dworkin. Diga-se apenas que o direito pós-positivista une 
elementos do jusnaturalismo (correção substancial, de conteúdo – aspecto Justiça) e do 
positivismo (validade formal e eficácia social – aspecto Segurança Jurídica). Dessa forma, 
o conteúdo do direito tem de ser compatível com a moral. Vale a pena dizer que, para 
Alexy, o direito extremamente injusto não pode ser considerado direito. 
27 Interessante correlação pode-se fazer entre a normatividade dos princípios e a nor-matividade 
da Constituição, já que esta, por certo, engloba diversos princípios (nor-mativos). 
28 Não por menos, conforme Luis Roberto Barroso, toda a interpretação jurídica é in-terpretação 
constitucional. 
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(em contraposição ao legislador de outrora) como o principal pro-tagonista 
no tocante à proteção das garantias constitucionais, num 
fenômeno que é chamado, sob a mira do Estado Democrático de Di-reito, 
de judicialização da política e das relações sociais. 
Em relação ao Estado Democrático de Direito, atualmente, seus 
meandros principais são a consagração, pelo ordenamento jurídico, 
de institutos que permitem a participação do povo na vida política 
do Estado (nesse sentido, a ação popular – art. 5º, LXXIII, CF/88 – e 
o plebiscito, referendo e iniciativa popular – art. 14, CF/88) e a pre-ocupação 
com o aspecto material e com a efetividade dos direitos 
fundamentais. Quanto a isso, saliente-se que o Legislativo não está 
condicionado apenas ao aspecto formal na elaboração das leis, mas 
também ao aspecto material (ou seja, ao conteúdo da Constituição 
e à sua força normativa, motivo pelo qual alguns autores apontam 
uma evolução do Estado Democrático de Direito para o Estado Con-stitucional 
Democrático). Como fácil se percebe, o próprio conceito 
de democracia passa a ter um aspecto material, além do formal29, 
significando a fruição de direitos básicos por todos, inclusive pelas 
minorias, cabendo ao Poder Judiciário a capacidade de equilibrar 
eventuais prejuízos da maioria e as garantias contramajoritárias. 
Por fim, é curiosa a referência feita por Marcelo Novelino (2009), 
citando José Roberto Dromi, a uma quinta fase, que não é atual, posto 
que é um constitucionalismo futuro. A respeito disso, sinaliza-se uma 
busca do equilíbrio entre as conquistas e concepções dominantes do 
constitucionalismo moderno e os excessos do constitucionalismo con-temporâneo. 
Ademais, selecionam-se alguns valores fundamentais 
das Constituições do futuro, quais sejam: verdade, solidariedade, con-senso, 
continuidade, participação, integração e universalização. 
Visto o desenvolvimento do Direito Constitucional, ancorado no 
movimento constitucionalista, mister focarmos atenção na Constitu-ição 
em si. Passemos, portanto, às concepções fundamentais acerca 
dela, que, consoante Marcelo Novelino (2009), são cinco: sociológica, 
política, jurídica, normativa e culturalista. 
A concepção sociológica (1868, Prússia), atribuída a Ferdinand 
Lassalle, indica que os problemas constitucionais são problemas liga-dos 
ao poder, e não jurídicos. Divide a Constituição em duas: a escrita 
29 Limita-se, o aspecto formal, à constatação da participação do povo e à vontade da maioria. 
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(jurídica), que significa o conjunto de normas feito pelo Poder Con-stituinte, 
e a real (efetiva), ou seja, a soma dos fatores reais de poder 
que regem uma determinada nação. Se a Constituição escrita não 
corresponde à realidade, ela não passa de uma folha de papel. Por 
outras palavras, esse enfoque sociológico traz a concepção de que 
a Lex Major “[...] manifesta a emergência das forças sociopolíticas, do 
poder ativo dentro de uma sociedade [fatores reais do poder]” (FER-RAZ 
JR., 2003, p. 230) e, por espelhar esses fatores reais do poder, em 
conformidade com a própria realidade social, seria uma Constituição 
real, e não meramente algo no papel, sem qualquer eficácia. 
Em relação ao sentido político (1928, Alemanha), com referência 
a Carl Schmitt, a Lex Legum é vista como uma decisão política fun-damental, 
não obstante as identificações sociológicas e jurídicas, 
em equivalência, num sentido absoluto, ao próprio Estado. Nesse 
enfoque, “a constituição é um ato de vontade [decisionismo, vol-untarismo], 
não importa se corresponde ou não a anseios sociais. 
É uma questão de oportunidade política [...]” (FERRAZ JR., 2003, p. 
232). Acresça-se a divisão feita entre Constituição propriamente dita 
(normas materialmente constitucionais) e Leis Constitucionais (nor-mas 
formalmente constitucionais), sendo, ainda, ambas as acepções 
formalmente iguais e materialmente distintas. Para Schmitt, a Consti-tuição 
propriamente dita (material) é apenas aquilo que decorre de 
uma decisão política fundamental que antecede (e.g. direitos funda-mentais, 
separação dos poderes, estrutura do Estado), enquanto que 
o restante seria as leis constitucionais (e.g. art. 241, § 2º, CF/8830). 
Tem-se, na primeira parte do séc. XX, com Hans Kelsen, a Con-stituição 
no sentido jurídico (stricto sensu), como lei fundamental, ou 
seja, conjunto de normas básicas que, tecnicamente, viabilizam os 
procedimentos para desenvolvimento da atividade organizada da 
sociedade. O aspecto jurídico de Kelsen, assaz examinado no sub-capítulo 
3.1, propugna que a Constituição não precisa buscar o seu 
fundamento nem na sociologia nem na política, posto que, sendo ela 
também uma lei, tal embasamento é jurídico31. A Constituição tem 
o sentido lógico-jurídico, através do pressuposto da Norma Funda- 
30 “Art. 242. [...] § 2º - O Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, será 
mantido na órbita federal.” 
31 Embora seja feita crítica sobre esse ponto, pois não se preocupa com o conteúdo. 
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mental Hipotética, e o sentido jurídico-positivo, ao estar no topo da 
pirâmide normativo-positiva, derivada do Poder Constituinte. 
Além desses pontos, pode-se falar em uma concepção normativa 
da Constituição, posição essa defendida, a partir de 1959, por Konrad 
Hesse, em contraposição ao aspecto sociológico. Em certos casos, 
admite-se que há, de fato, a sucumbência da Constituição jurídica 
diante da realidade. No entanto, muitas vezes (e tal intensidade deve 
prevalecer) essa Constituição escrita possui uma força normativa 
capaz de modificar a realidade apontada, bastando, para isso, que 
exista vontade de Constituição, e não apenas vontade de poder. Vol-taremos, 
por vezes, a comentar as ideias lançadas na obra do referido 
autor – A Força Normativa da Constituição. 
A quinta e última concepção é a culturalista, sendo Meireles Teixei-ra 
o seu expoente. Esse aspecto faz um apanhado dos outros referidos, 
ao entender que o Texto Maior tem ares sociológico, político e jurídico 
(além do normativo), o que nos remete ao conceito de Constituição to-tal, 
isto é, com todos os aspectos – e, por isso mesmo, Canotilho refere-se 
a ela como uma estrutura jurídica do aspecto político. Assim sendo, 
ao mesmo tempo em que uma Constituição é resultante da cultura de 
um povo, ela também é condicionante dessa mesma cultura. 
Importante notar que, em todos esses sentidos, percebe-se, de um 
lado, uma regra estrutural (fonte sociológica, política, jurídica, norma-tiva 
e cultural da norma constitucional) e, de outro, um elemento do 
sistema do ordenamento (a Constituição) (FERRAZ JR., 2003). 
Em vista de todo esse estudo sistemático e evolucional do fenô-meno 
constitucional, a seguinte afirmação de J. J. Gomes Canotilho 
(1995, p. 245, grifo nosso e itálico do autor), aplicada diretamente ao 
presente trabalho, é mais bem compreendida nesse momento do que 
se fosse alocada isoladamente, sem todo o contexto acima descrito: 
O direito constitucional, como conformador do 
político, é necessariamente o direito de uma realidade 
social, historicamente determinada. [...] Nesta perspec-tiva, 
a história do direito constitucional não é apenas 
nem fundamentalmente a história do texto; é tam-bém, 
e, sobretudo, a história do contexto (o conjunto 
de práticas constitucionais e de estratégias), o que o 
coloca no cerne da própria produção histórica e social. 
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Considerações Propedêuticas ao Estudo da Mutação 
Constitucional e a Nova Hermenêutica 
1.2 Nova Hermenêutica e Interpretação Jurídica e Constitucional 
O presente subcapítulo é especialmente importante para se 
compreender a construção de uma nova hermenêutica que embase, 
com um viés mais pragmático, as técnicas e formas de interpretação 
e aplicação do direito. 
Conforme prefacia Vicente de Paulo Barreto, da UERJ/UGF, a obra 
de Margarida Maria Lacombe Camargo, Hermenêutica e Argumentação: 
uma contribuição ao estudo do direito, tem o grande mérito de inves-tigar 
a mudança de paradigma na interpretação e compreensão do 
fenômeno jurídico, apontando, principalmente, a aplicação concreta-prática 
do direito, em contraposição ao abstrativismo de outrora. 
A referida mudança de paradigma deve-se a uma crise do direito, 
no sentido de se ter presente, hoje, uma nova forma de pensá-lo e 
aplicá-lo. Nesse ponto, não há que se confundir interpretar legalmente 
(dogmática) uma norma e fazer autêntica hermenêutica jurídica (ze-tética). 
Não. O processo hermenêutico considera a norma como parte 
integrante de um sistema, o jurídico, mas também a considera além 
de seu aspecto estritamente legal, para abarcar, assim, as dimensões 
sociais e valorativas, que determina, assaz, a eficácia do direito. 
A complexidade de uma sociedade pluralista demanda, outros-sim, 
que fatores antes tidos como ajurídicos (a exemplo dos valores, 
que são abordados classicamente como um conceito inerente à 
Moral e à Ética) permeiem a análise do pensar jurídico, concebendo-se 
uma nova metodologia, que expressam novos valores sociais e 
políticos, deixando de lado a dogmática civilista clássica e relegando, 
ainda mais, o brocardo medieval in claris cessat interpretatio, que não 
condiz com o constitucionalismo moderno – Canotilho (1994, apud 
PAULIO; ALEXANDRINO, 2009, p. 66) ensina que “toda a norma é sig-nificativa, 
mas o significado não constitui um dado prévio; é, sim, o 
resultado da tarefa interpretativa”. 
O direito pós-moderno apresenta-se, enfim, como um mecanis-mo 
de prática social e agente de mudança social. Essa nova racionali-dade 
jurídica busca fundamento na tópica e retórica (argumentação) 
para um completo entendimento (compreensão) do sistema jurídico 
da sociedade contemporânea. 
Importante observar que, na introdução do trabalho, apresenta-do 
pela autora à Universidade Gama Filho como sua Tese de Douto-livro_ 
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rado, ela já finca as bases de seu estudo: a argumentação, levando em 
consideração o que está na lei, doutrina, jurisprudência (dogmática 
jurídica e os costumes) (CAMARGO, 2003). 
Aponta a insuficiência da hermenêutica tradicional e a descon-fiança 
que paira sobre o direito como as molas propulsoras de uma 
discussão sobre a aceitação, legitimidade e controle do mesmo. 
Quanto a essa hermenêutica tradicional, esta consiste nas técnicas 
de interpretação das leis (determinar o sentido e o alcance das ex-pressões 
do direito). E é justamente em razão dela que costuma a 
hermenêutica ser apontada como a ciência do direito que tem por 
objeto as técnicas de interpretação e aplicação do direito, ideia esta, 
por certo, reducionista (CAMARGO, 2003). 
Mas era esse critério que dava o viés cientificista e objetivo à in-terpretação 
das leis. Porém, essas técnicas não alcançam nem o seu 
objetivo, a um porque o seu comando é fluido, já que não há hierar-quia 
entre elas, e a dois porque tal orientação não vislumbra a dimen-são 
criadora do intérprete, que tende a mais focar o problema que se 
lhe apresenta do que para a lei em si. 
Embora essas ponderações, os livros de Introdução ao Direito 
sempre trazem técnicas de interpretação (gramatical, lógico-sis-temática, 
histórico-evolutiva, axiológica ou teleológica), sem se ater 
para o fato de que elas correspondem, ao fim, a uma construção de 
teorias, doutrinas e movimentos acontecidos ao longo dos séculos, e 
que representam uma abordagem bem maior do que a dada. 
Mister ponderar que Savigny já as apontava, indicando a sua apli-cação 
em conjunto, a fim de se compreender a norma jurídica. Contudo, 
concluímos com Margarida Camargo (2003, p. 4) que “são, na realidade, 
elementos que informam e orientam a lei sem, contudo, sobrepor-se ao 
comando do problema, ou seja, à dimensão prática e concreta do caso”, 
pelo que seria visto como automático entender a interpretação como 
simples descoberta do sentido objetivo do texto, independente do caso 
sub judice. Juiz não é máquina; é, na verdade, a viva vox iuris. 
Assim, ganha relevo figuras como ponderação, razoabilidade e di-alética 
na interpretação das leis, sendo, portanto, como insuficientes 
a simples aplicação de determinadas técnicas, como o silogismo 
puro e formal. Há necessidade, mormente no âmbito do direito con-stitucional, 
como bem aponta Margarida Camargo (2003), citando 
Friedrich Müller, Konrad Hesse e J. J. Gomes Canotilho, de um maior 
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compromisso do intérprete com a realidade social, no sentido de 
uma hermenêutica concretizadora. 
Historicamente, a essência do direito sempre esteve calcada na 
justiça e segurança (algo que se aponta como inversamente propor-cionais, 
mas que são, na verdade, concepções complementares). De 
um lado, temos a justiça formal, onde prepondera a ideia de segu-rança 
do direito. De outro, o questionamento dessa “modernidade”. 
Em Hobbes, Locke, Rousseau, Montesquieu e nos Fouding Fathers 
(Hamilton, Madison e Jay), temos, de forma geral, a manifestação no 
sentido de igualar o Estado à ordem do ordenamento jurídico posi-tivo, 
onde a segurança se encontra nas leis legitimamente criadas 
pelos representantes do povo e garantidas pelo poder judiciário, que 
inibem o abuso de poder, mas também garante a igualdade formal 
entre os homens. Assim, a teoria da separação dos poderes e a igual-dade 
garantida pela aplicação da lei formam a estrutura formal e os 
ideais do Estado de Direito.32 
Dando um salto quântico, na pós-modernidade esse valor segu-rança 
abre espaço para o valor justiça, garantido, agora, pela razoabi-lidade 
das decisões de cada caso concreto. Nas palavras de Margarida 
Camargo (2003, p. 64/65): “é quando as relações intersubjetivas e dialé-ticas, 
capazes de viabilizar o consenso e a legitimidade das decisões 
jurídicas, fazem com que se recupere a antiga retórica clássica e lhe 
confira objetos novos” (lógica do razoável e nova hermenêutica). 
Importante, ainda, que observemos o efeito concreto trazido 
pela pesquisa jurídica de matriz jurisprudencial, a que, muito apro-priadamente, 
A. Castanheira Neves (1998, apud CAMARGO, 2003, p. 
9) chama de jurisprudencialismo, que se apresenta “[...] como o suces-sor 
do normativismo legalista e do funcionalismo jurídico [o direito 
como o meio de realizar os interesses de outras esferas de poder ou 
mesmo da economia e da política]33 anteriores, e que busca enfrentar 
a crise de sentido pela qual atravessa o direito” (CAMARGO, 2003, p. 
9). Nas palavras do citado autor: 
32 O conto O moleiro de Sans Souci, do francês François Andrieux, resenha um fato ocor-rido 
na França pelo qual se demonstra o triunfo da lei sobre a força e o arbítrio. A um 
chamado do rei para que se cumprisse uma ordem sua de retirada de um moinho que 
maculava a imagem do seu palácio de veranei, o moleiro respondeu: “ainda há juízes 
em Berlim”. 
33 Cf. SALDANHA; ESPINDOLA; MACHADO, 2009. 
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O que dá sentido ao jurisprudencialismo é uma 
outra perspectiva bem diferente. Designamo-la por 
perspectiva do homem (do homem-pessoa), i. é, aquela 
perspectiva em que o direito, com uma sua norma-tividade 
axiologicamente fundada, é assumida por, e 
está diretamente ao serviço de uma prática pessoal-mente 
titulada e historicamente concreta [...]. (NEVES, 
1998, p. 18, apud CAMARGO, 2003, p. 9) 
Esse jurisprudencialismo não se confunde com a jurisprudenciali-zação, 
embora tenham reflexões calcadas pelo mesmo aspecto concre-to 
e criador do direito. A jurisprudencialização do direito constitucional 
será tratada em subcapítulo próprio. Diga-se, por enquanto, que repre-senta 
uma nova forma de ver a Constituição, ao ser revelada a criação 
jurisdicional em matéria constitucional e a autoridade da Jurisprudên-cia 
(direito constitucional jurisprudencial), identificando-se, outrossim, a 
interpretação concretizante de certos conteúdos constitucionais. Tem o 
ponto de conexão com o jurisdicionalismo à medida que ambos levam 
em consideração os efeitos concretos das decisões judiciais. 
Em um apelo distintivo, que não pode ser considerado absoluto, 
pode-se dizer que a jurisprudencialização está para o enfoque jurisdi-cional 
e jurisprudencial (no sentido das decisões, no caso, das Cortes 
Constitucionais) assim como o jurisprudencialismo está para a análise 
fenomenológica do decidir jurídico (concreto)34. Este, como juridici-dade, 
influencia aquele35. Enfim, 
[...] o Jurisprudencialismo toma o direito como um con-stitutivo 
e sempre novo pensamento comprometido 
com o decidir concreto; um pensamento problemático 
34 “É a focalização e análise fenomenológica do ‘decidir jurídico’ em sua intencion-alidade 
específica, revelando a prioridade do caso para a abordagem metodológica 
do direito (abordagem esta por isso mesmo ‘microscópica’), que afasta desde logo 
quaisquer concepções em que o direito figure como um mero (já) dado, normativo 
ou fático, preexistente (seja lá como este objeto seja pensado: uma norma positiva 
emanada do legislador estatal ou do costume, ou fruto da razão ou da natureza, ou de 
Deus, ou um conjunto de fatos reveladores de uma ordem social), o qual cumpriria ao 
pensamento jurídico ‘apreender’. Ao mesmo tempo, revela inequivocamente a racion-alidade 
que governa e a autonomia que caracteriza o direito.” (COELHO, 2006, p. 4) 
35 “O modelo de jurisdição – sustenta CASTANHEIRA NEVES – determina-se pelo mod-elo 
de juridicidade que lhe é contemporâneo” (COELHO JUNIOR, 2005). 
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pertencente ao presente e voltado para o futuro, por 
força de sua historicidade mesma. (COELHO, 2006, p. 2) 
O modelo do jurisprudencialismo traz a perspectiva do homem-pessoa 
convivente no seu direito, no seu dever e na sua responsa-bilidade36, 
em contraposição ao normativismo (perspectiva do legal) 
e ao funcionalismo (perspectiva do social). Destarte, esse novo para-digma, 
com o esgotamento daquele positivista, reveste de especial 
importância os princípios jurídicos37 (que tem relação estreita com os 
36 “Na investigação [...] do decidir concreto demonstra-se o prius metodológico do caso so-bre 
a norma. O direito não é tido na conta de um objeto pré-constituído, mas como um 
problema de validade, como pensamento jurídico emergente sempre em/com situações 
humanas concretas que desafiam o homem a uma resposta de validade, que é uma re-sposta 
sobre si mesmo, uma resposta em que o homem se decide na convivência. [...] O 
direito é uma decisão/afirmação fundamental do homem em sua historicidade, que não 
está lá desde sempre mas é posto por força do próprio homem” (COELHO, 2006, p. 9 e 12). 
37 Os princípios, como é cediço, são mandamentos de otimização que se servem da propor-cionalidade 
e da razoabilidade. Diversamente das regras (embora ambos façam parte 
do gênero “norma”), onde os conflitos são resolvidos pelos clássicos critérios hierárquico, 
cronológico e de especialidade, a hipótese de colisão de princípios soluciona-se por meio 
da proporcionalidade (também chamado de razoabilidade, de proibição de excesso ou do 
devido processo legal em sentido substantivo, embora alguns diferenciem proporcionali-dade 
de razoabilidade – já que o teste da (ir)razoabilidade (teste Wednesbury) é menos in-tenso 
do que o da proporcionalidade, afastando-se tão somente os atos absurdamente irra-zoáveis 
–, como Humberto Ávila (2009) e Luís Virgílio Afonso da Silva (2002, apud CARDOSO, 
2009). Mas, diga-se, o STF considera a proporcionalidade abrangente da razoabilidade). 
Essa regra da proporcionalidade foi desenvolvida pelo Tribunal Constitucional alemão a 
partir do paradigmático processo do caso Lüth – que diz respeito a um pedido de boic-ote 
público a um filme chamado Unsterbliche Geliebte (“Amada Imortal”), envolvendo esse 
caso questão acerca da livre manifestação de opinião –, estabelecendo os seus elementos: 
adequação (o meio é adequado ao fim, revelando-se apta a medida a ser tomada), necessi-dade 
(não há outra medida que impeça tal prejuízo) e proporcionalidade em sentido estrito 
– ponderação (averiguação das vantagens e desvantagens da adoção da medida, devendo 
haver um equilíbrio, uma ponderação entre o grau de restrição e o grau de realização do 
princípio contraposto). O legado do caso Lüth se espraia, por exemplo, nos conceitos ref-erentes 
à dimensão objetiva dos direitos fundamentais (eficácia irradiante desses direitos 
– Ausstrahlungswirkung), à eficácia horizontal dos direitos fundamentais (Drittwirkung) e à 
necessidade de ponderação, em caso de colisão de direitos – fala-se, ainda, em constitu-cionalização 
do direito privado, filtragem constitucional, interpretação conforme os direi-tos 
fundamentais, etc. Cf. também, para maiores detalhes sobre o caso Lüth e seus efeitos, 
citando, inclusive, a decisão na íntegra da Corte Constitucional alemã: LIMA, George Mar-melstein. 
50 Anos do Caso Lüth: o caso mais importante da história do constitucionalismo 
alemão pós-guerra. Direitos Fundamentais, 13 maio 2008. Disponível em: <http://direitos-fundamentais. 
net/2008/05/13/50-anos-do-caso-luth-o-caso-mais-importante-da-historia- 
-do-constitucionalismo-alemao-pos-guerra/>. Acesso em: 30 nov. 2009. 
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44 Direito Judicial Criativo 
direitos fundamentais), estruturados de forma normativa, pelo que 
se permite o desenvolvimento reclamado pelas transformações so-ciais, 
num sistema aberto de valores que se interagem uns com os 
outros, a depender do caso concreto posto a julgamento (perspectiva 
jurisprudencial). Os princípios jurídicos – sustenta Inocêncio Mártires 
Coelho (2003, p. 98, apud COELHO JUNIOR, 2005) – são produzidos 
[...] em dois tempos e a quatro mãos: primeiro são 
formulados genérica e abstratamente pelo legislador; 
depois se transformam e se concretizam, natural-mente, 
em normas de decisão que, a partir deles, são 
criadas pelos intérpretes e aplicadores do direito. 
É dessa forma que A. Castanheira Neves (1998, p. 13, apud COEL-HO 
JUNIOR, 2005) ensina que a atual praxis caracteriza-se, funda-mentalmente, 
pela “transformação irreversível do sentido das leis 
e pela assunção deliberadamente programática de uma estratégia 
político-social no todo da realidade social”, não mais se admitindo 
aquele juiz que não fala, ou melhor, que somente emite sons com 
as palavras do legislador. É dizer: o magistrado, antes mero bouche 
de la loi, assume papel ativo na garantia de direitos que não se 
ache necessariamente na lei ou mesmo nela se encontre abstrati-vamente, 
à espera de que lhe seja dado conteúdo. Tal fenômeno ju-rídico 
articula-se mediante os seguintes vetores, bem apresentados 
por Sergio Coelho Junior (2005), e que servem de parâmetro para 
todo o trabalho, em razão da disseminação da Jurisdição Constitu-cional 
e fortalecimento do Poder Judiciário: 
a) A todo momento, emergem conflitos das 
mais variegadas naturezas, para os quais o legislador 
não pode dar resposta. Trata-se de uma “explosão de 
litigiosidade”, que não se manifesta somente em ter-mos 
quantitativos; 
b) O advento da sociedade de massa, orientada 
pelo e para o mercado, o qual no terreno jurídico tem 
por colunas os institutos do contrato e da responsa-bilidade. 
É o mercado, e não mais a lei, que faz fun-cionar 
as engrenagens da sociedade. Prova disso são 
a onipresença das relações de consumo, a aplicação 
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Mutação Social e Jurídica: 
Considerações Propedêuticas ao Estudo da Mutação 
Constitucional e a Nova Hermenêutica 
analógica de seu estatuto às mais variadas situações e 
a flexibilização das relações de trabalho (prevalência 
do pactuado sobre o legislado); 
c) A dissolução de um consenso moral, especial-mente 
no que tange à relações de família, profunda-mente 
alteradas (sob muitos aspectos em boa hora) 
pelo reconhecimento da união estável, pela vedação 
de distinção entre os filhos havidos ou não na con-stância 
do matrimônio dos pais, pela emancipação 
da mulher, pelo reconhecimento dos direitos da cri-ança 
e do adolescente; 
d) A disseminação da Jurisdição constitucional, 
mediante a qual se rompe o dogma rousseauísta da 
soberania do legislador; 
e) A universalização da justiça e dos direitos fun-damentais, 
máxime com o advento do direito comu-nitário, 
veio contribuir para a preeminência do julga-dor. 
E não se está somente falando da jurisdição das 
próprias cortes comunitárias, mas sobretudo dos juízes 
internos que fundamentam suas decisões em normas 
de direito supranacional ou na jurisprudência daque-les 
tribunais, de que é exemplo a Corte de Estrasburgo; 
f) A tutela coletiva dos novos direitos, envolven-do 
questões relativas ao meio ambiente, ao consumi-dor, 
à informação, à livre concorrência, ao patrimônio 
genético etc., sempre a exigir do juiz soluções que 
não raro desconhecem tratamento nos textos legais, 
seja no aspecto material, seja no instrumental, onde 
as categorias clássicas forjaram-se sob a ótica dos 
direitos individuais. Destarte, não são apenas os in-divíduos, 
que dele se socorrem como último recurso, 
mas a sociedade ela mesma transfere suas incapaci-dades 
à instituição judiciária. 
Delinear-se-á o tema da jurisprudencialização e do ativismo ju-diciário 
mais adiante. Voltemos, por ora, porém, à análise hermenêu-tica 
encampada por Margarida Camargo. 
A autora propõe uma investigação do direito através de uma teo-ria 
da argumentação da hermenêutica jurídica, que leve em conta 
o estudo tópico-retórico-dialético num processo de compreensão e 
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46 Direito Judicial Criativo 
concretização da norma, com concentração na idéia da lógica do ra-zoável 
(Perelman) e Nova Retórica. 
Para ela, os termos hermenêutica – que advém do deus Hermes, 
da mitologia grega, que detinha o conhecimento e era capaz de deci-frar 
corretamente as mensagens divinas – e interpretação jurídica nos 
remetem ao processo de aplicação da lei, que é feito pelo Poder Ju-diciário. 
Tal norma jurídica encontra-se jungida a valores que devem 
ser compreendidos e o processo de interpretação e aplicação das leis 
correspondem a uma situação hermenêutica (Gadamer) relacionada 
a uma situação histórica, da qual fazem parte o sujeito (intérprete) e 
o objeto a ser interpretado (fato e norma). 
Assim, hermenêutica jurídica caracteriza-se como o processo de 
interpretação e aplicação da lei que desemboca na compreensão to-tal 
do fenômeno que requer solução (problema concreto que clama 
por solução razoável, justa). 
Diferem-se ciências empíricas (naturais) da do espírito (que dizem 
respeito às relações humanas). Estas necessitam de compreensão, 
porque proferem conhecimentos. Dizem respeito, também, a relação 
histórica e de liberdade que se estabelecem no campo da variedade 
e da probabilidade. Por isso mesmo se diz que o intérprete, aí, é um 
ser historicamente orientado e que faz parte de uma tradição. “A nor-ma 
jurídica constitui-se, assim, em um fazer humano, carregado de 
sentido [valores]” (CAMARGO, 2003, p. 17). 
Dessa forma, o direito – a sua existência –, enquanto significação, 
depende de concretização ou da aplicação da lei em cada caso jul-gado, 
através da relação fática entre compreensão e interpretação, 
no âmbito da experiência em um vasto campo de possibilidades 
(hermenêutica como filosofia prática; Gadamer). Isso se aplica tanto 
ao direito objetivo (ratio legis) quanto ao direito subjetivo (intenção 
do autor numa situação específica). 
A hipótese lançada pela autora é a de que esse processo de com-preensão, 
no direito, se concretiza por meio da argumentação, que 
torna possível, tecnicamente, a interpretação. Essa argumentação, em 
instaurado o pensamento dialético, seria a técnica que viabilizaria o 
acordo sobre a escolha do significado (dentre as várias possibilidades) 
mais adequado, verossímil às partes historicamente presentes. 
Assim dispõe Margarida Camargo (2003, p. 22): “[...] o direito con-siste 
na realização de uma prática que envolve o método hermenêu-livro_ 
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Mutação Social e Jurídica: 
Considerações Propedêuticas ao Estudo da Mutação 
Constitucional e a Nova Hermenêutica 
tico da compreensão e a técnica argumentativa”. Logo, compreensão 
e concretização encontram-se relacionadas, onde a realidade do di-reito 
confunde-se com a realidade de sua compreensão. 
Nessa interpretação devem ser considerados os pré-juízos (topoi; 
Heidegger) e as provas concretas e opiniões amplamente aceitas 
(“auditório universal”). Busca-se, com isso, a verdade, não inques-tionável, 
mas aquela persuasiva e responsável. 
Falamos muito em hermenêutica e interpretação como se sig-nificassem 
a mesma coisa. Não são. A hermenêutica se comporta 
como ciência que se preocupa com as técnicas próprias da atividade 
interpretativa, inserida, aquela, por vezes na lógica formal, por outras 
vezes na fenomenologia de Husserl e Heidegger. 
Gadamer, ao questionar a problemática da compreensão das 
ciências do espírito, aborda a análise da “consciência da história efe-tiva” 
e do “horizonte histórico”. Essa historically effected consciousness 
significa a consciência da situação hermenêutica, ou seja, do momen-to 
de realização da compreensão. Já o projeto do horizonte histórico 
é um momento na realização da compreensão, baseado na ideia de 
tradição (formada dos princípios, lei, doutrina e jurisprudência, com 
forte carga de legitimidade do poder): “compreender é operar uma 
mediação entre o presente e o passado”, numa relação de confronto 
entre o novo (experiência) e o antigo (costume). (GADAMER, 1998, 
apud CAMARGO, 2003, p. 34) 
Dessa forma, conclui que a tarefa da hermenêutica é refletir sobre a 
dinâmica da própria interpretação, compreendendo o objeto com base 
em uma certa tradição. Ou seja, a interpretação como comportamento 
reflexivo-dialético-histórico-linguístico diante da tradição, de forma a 
aflorar o verdadeiro significado do texto. Completa Margarida Camargo 
(2003), ao afirmar que “o indivíduo compreende-se a si mesmo através 
da consciência que tem de sua situação histórica”. Richard Palmer (1970, 
p. 216, apud CAMARGO, 2003, p. 38) assim sintetiza o pensamento de 
Gadamer: “as chaves para a compreensão não são a manipulação e o 
controle, mas sim a participação e a abertura, não é o conhecimento, 
mas a experiência, não é a metodologia mas sim a dialética”. 
Como mais adiante será repetido, na hermenêutica atual há uma 
prevalência da “vontade objetiva da lei (rectius: da Constituição)” so-bre 
a “vontade subjetiva do legislador”, e por isso mesmo cabe ao 
intérprete o importante papel de adequar a significação da lei ao mo-livro_ 
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mento presente de aplicação da mesma, dentre um leque de possibi-lidades, 
revelando-a ao mesmo tempo em que a concretiza (existen-cialismo 
de Gadamer). Afirma Gadamer (1983, apud CAMARGO, 2003, 
p. 44) que “aplicar o direito significa pensar conjuntamente o caso e 
a lei de maneira tal, que o direito propriamente dito se concretize”. 
“E de concretização em concretização temos, como resultado, 
um franco projetar da jurisprudência” (CAMARGO, 2003, p. 44, grifo 
nosso). Nesse ponto, o pensamento tópico tem como base o acordo, 
o que “democratiza” o pensamento. 
Pondere-se que Descartes, ao contrário, prega o cartesianismo, 
que vai de encontro a tudo aqui já dito, posto que reprova a influên-cia 
dos costumes e valores, que “contaminam a pureza e a clareza do 
raciocínio” (CAMARGO, 2003, p. 49). 
O direito, como obra humana, está impregnado de valores, seja na 
intenção do legislador ou mesmo no processo de aplicação da lei próp-rio 
do juiz, seja levando-se em consideração aqueles valores incorpora-dos 
à tradição histórica, o que faz com que ele deva ser compreendido. 
Nesse processo, há que se falar da pré-compreensão, que significa 
uma antecipação daquilo que se compreende, pela expectativa cria-da 
pelo intérprete frente a seu objeto. Dentro dessa interação dialé-tica, 
depreende-se a figura do “círculo hermenêutico”, que coloca em 
movimento a interpretação. Não é por menos que se afirma: “os pré-juízos 
de um indivíduo são muito mais que seus juízos; a realidade 
histórica do seu ser” (viés ontológico-existencialista) (GADAMER, 
1992, apud CAMARGO, 2003, p. 57). 
A autora finaliza o primeiro capítulo distinguindo a hermenêu-tica 
jurídica dos demais campos hermenêuticos, ao dizer que aquela 
tem uma característica que lhe é peculiar, qual seja, utilização no 
processo de compreensão, além da tradição histórica, da tradição es-pecificamente 
jurídica (regras e princípios), que desemboca na ideia 
da dogmática, que tem a grande vantagem de preservar a segurança 
nas relações sociais, “pelo quantum de previsibilidade que oferece ao 
controle de suas ações, mais do que em qualquer outra área do con-hecimento 
[...]”. (CAMARGO, 2003, p. 58/60) 
Percorreremos, nesta parte, que corresponde ao segundo capí-tulo 
da obra de Margarida Camargo, a análise de diversos movimen-to/ 
teorias lançados ao longo dos séculos acerca da interpretação do 
mundo jurídico, “da exegese à jurisprudência de valores”. 
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Mutação Social e Jurídica: 
Considerações Propedêuticas ao Estudo da Mutação 
Constitucional e a Nova Hermenêutica 
A essência do direito sempre esteve calcada na justiça e seguran-ça 
(algo que se aponta como inversamente proporcionais, mas que 
são, na verdade, concepções complementares). De um lado, temos 
a justiça formal, onde prepondera a ideia de segurança do direito. 
De outro, o questionamento, feito pela autora, dessa “modernidade”. 
Em Hobbes, Locke, Rousseau, Montesquieu e nos Fouding Fa-thers 
(Hamilton, Madison e Jay), temos, de forma geral, a manifes-tação 
no sentido de igualar o Estado à ordem do ordenamento 
jurídico positivo, onde a segurança se encontra nas leis legitimam-ente 
criadas pelos representantes do povo e garantidas pelo poder 
judiciário, que inibem o abuso de poder, mas também garante a 
igualdade formal entre os homens. Assim, a teoria da separação dos 
poderes e a igualdade garantida pela aplicação da lei formam a es-trutura 
formal e os ideais do Estado de Direito. 
Dando um salto quântico, na pós-modernidade esse valor seguran-ça 
abre espaço para o valor justiça, garantido, agora, pela razoabilidade 
das decisões de cada caso concreto. Nas palavras de Margarida Cama-rgo 
(2003, p. 64/65): “é quando as relações intersubjetivas e dialéticas, 
capazes de viabilizar o consenso e a legitimidade das decisões jurídicas, 
fazem com que se recupere a antiga retórica clássica e lhe confira obje-tos 
novos” (lógica do razoável e nova hermenêutica). Mas isso se deveu 
a uma grande discussão ao longo do tempo, que passaremos a abordar. 
A Escola da Exegese surge com o objetivo de interpretar os 
grandes códigos, como o de Napoleão. Na verdade, impunham uma 
atividade restrita do poder judiciário nessa tarefa interpretativa, pois 
propugnava a observância severa e restrita aos termos da lei, à gra-maticalidade. 
O juiz seria, assim, mero aplicador do texto legal, neu-tro 
e objetivo. É a época do dogma da razão, que vai de 1804 a 1880, 
quando do declínio, ou seja, da onipotência do legislador. 
Mas muitas vezes os juízes se defrontavam com casos de lacunas, 
e por isso François Gény faz sua crítica ao defender a “livre investi-gação 
científica”, onde o juiz, naqueles casos, deve fazer uma análise 
sobre os fatos sociais. Livre porque não está adstrita a uma autori-dade 
positiva; científica porque encontra suas bases nos elementos 
sólidos e objetivos da ciência. Assim, permite-se uma procura do di-reito 
fora do texto legal. Esse foi o cientificismo de base sociológica. 
Em contraposição à filosofia das luzes, surge, na Alemanha, a 
Escola Histórica do Direito, que propugna por manifestações es-livro_ 
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STF e Mutação Constitucional

  • 1.
  • 2. DIREITO JUDICIAL CRIATIVO ATIVISMO CONSTITUCIONAL E JUSTIÇA INSTITUINTE AS NOVAS PERSPECTIVAS DO STF EM SEDE DE CONTROLE DIFUSO livro_01.indd 1 19/12/2012 15:14:43
  • 3. FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE Pereira, Ricardo Diego Nunes Direito judicial criativo : ativismo constitucional e justiça instituinte as novas perspectivas do STF em sede de controle difuso de constitu-cionalidade / Ricardo Diego Nunes Pereira. – São Cristóvão : Editora UFS, 2012. 290 p. ISBN 978-85-7822-243-7 1. Direito constitucional. 2. Direito processual. I. Título. CDU 342:347.9 P436d livro_01.indd 2 19/12/2012 15:14:43
  • 4. DIREITO JUDICIAL CRIATIVO ATIVISMO CONSTITUCIONAL E JUSTIÇA INSTITUINTE AS NOVAS PERSPECTIVAS DO STF EM SEDE DE CONTROLE DIFUSO São Cristovão, 2012 livro_01.indd 3 19/12/2012 15:14:43
  • 5. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE REITOR Prof. Dr. Angelo Roberto Antoniolli VICE-REITOR Prof. Dr. André Maurício C. de Souza EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE COORDENADOR DO PROGRAMA EDITORIAL Péricles Morais de Andrade Júnior COORDENADORA GRÁFICA Germana Gonçalves de Araujo CONSELHO EDITORIAL Antônio Ponciano Bezerra Dilton Câdido Santos Maynard Eduardo Oliveira Freire Lêda Pires Corrêa Maria Batista Lima Maria da Conceição V. Gonçalves EDITORAÇÃO ELETRÔNICA E CAPA Maria José Nascimento Soares Péricles Morais de Andrade Júnior Ricardo Queiroz Gurgel Rosemeri Melo e Souza Vera Lúcia Corrêa Feitosa Veruschka Vieira Franca UFS Cidade Universitária “Prof. José Aloísio de Campos” Jardim Rosa Elze 49100-000 - São Cristovão-SE livro_01.indd 4 19/12/2012 15:14:44
  • 6. Como “uma andorinha só não faz verão” – relembrando Aristóteles (384-322 a.C.) – agradeço a minha família e a minha amada Milka. A todos que contribuíram, muito grato. livro_01.indd 5 19/12/2012 15:14:44
  • 8. APRESENTAÇÃO Honrado com o convite para apresentar o autor e sua primeira obra jurídica, o faço guiado por várias razões. A primeira delas, por acreditar no jovem estudioso e inteligente que é o Ricardo Diego. Além desta razão, o seu livro, fruto do seu trabalho de conclusão do curso de bacha-relado junto à Universidade Federal de Sergipe, é resultado de uma bem realizada pesquisa e aborda um dos temas mais fascinantes do direito constitucional contemporâneo, discutindo o papel do Supremo Tribunal Federal como Corte Constitucional a partir das suas próprias decisões, onde se destaca a aplicação da mutação constitucional em um processo de criação informal de norma constitucional admitida pela teoria e a efe-tividade do controle de constitucionalidade. A jurisdição constitucional tem uma importância fundamental no processo da concreção das normas constitucionais e na defesa da or-dem constitucional, assim é que sempre serão bem vindos estudos que possam contribuir para a compreensão do fenômeno jurídico pela via das decisões judiciais, implicando uma análise da nova hermenêutica constitucional, o ativismo do Supremo Tribunal Federal e as novas teo-rias que buscam a efetividade dos princípios e normas constitucionais. Este livro, que analisa as decisões dos Ministros Gilmar Mendes e Eros Grau acerca do novo sentido que deram ao disposto no art. 52, X, da CF de 1988, contribui para a compreensão da ampliação da atu-ação do STF, o que reforça o seu papel de Corte Constitucional pela via do controle difuso de constitucionalidade. Concluindo, a obra merece ser lida e bem acolhida no meio juríd-ico nacional, pois credencia o autor como um novo talento que por certo ainda irá contribuir e muito com o seu trabalho para a ciência jurídica, especialmente no campo do direito constitucional. José Anselmo de Oliveira Juiz de Direito do TJSE. Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Ceará. Professor da Escola Superior da Mag-istratura de Sergipe. Professor da Pós-graduação da Estácio-FASE. Membro da Academia Sergipana de Letras, cadeira 21. Poeta. Autor de livros e artigos jurídicos. livro_01.indd 7 19/12/2012 15:14:44
  • 10. A Constituição de 1988 foi feita com características de instrumento de transformação da realidade nacional. Será assim na medida em que se cumpra e se realize na vida prática. Uma Constituição que não se efetive não passa de uma folha de papel, tal como dissera Las-salle, porque nada terá a ver com a vida subjacente. As leis que ela postula serão as garras e as esponjas que a fazem grudar na realidade que ela visa a reger, ao mes-mo tempo que se impregna dos valores enriquecedores que sobem do viver social às suas normas. Que se cumpra para durar e perdurar, en-riquecendo- se da seiva humana que nutre e imortali-za, se antes disso o processo de reformas neoliberais, de interesse dos detentores do poder, não a liquidar, pela desfiguração sistemática. José Afonso da Silva (Poder Constituinte e Poder Popular, 2000, p. 259) livro_01.indd 9 19/12/2012 15:14:44
  • 12. SUMÁRIO 13 19 97 143 209 231 241 245 257 Introdução Mutação Social e Jurídica: Considerações Propedêuticas ao Estudo da Mutação Constitucional e a Nova Hermenêutica Mutação Constitucional e Poder Constituinte Difuso: Fundamentos Para a Nova Perspectiva do STF em Sede de Controle Difuso A Jurisdição Constitucional e o Controle de Constitu-cionalidade Direito Judicial Criativo (Beta): Previdência de um Modo de Direito (Ativismo Constitu-cional e Justiça Instituinte) Conclusão Lista de Abreviaturas Referências Anexos Como Mecanismos de Garantia da Con-stituição e da Democracia e Cidadania livro_01.indd 11 19/12/2012 15:14:44
  • 14. Introdução 13 INTRODUÇÃO Ao longo do trabalho jurídico, considera-se para estudo a relação entre a maior efetividade das normas constitucionais e a nova perspectiva do Supremo Tribunal Federal em face da juris-dição constitucional, onde se analisa o novo paradigma que pre-tende inovar a feição do Supremo em sede de controle difuso de constitucionalidade, fundamentando, ao final, um autêntico Direito Judicial Criativo, o qual traz concepções inovadoras, tais como Ativ-ismo Constitucional e Justiça Instituinte. Essa nova abordagem acerca dos limites da jurisdição con-stitucional no tocante ao controle difuso dá-se frente à inop-erância do Poder Legislativo1 – recorde-se que o próprio Senador Garibaldi Alves (PMDB-RN) afirma que “o Congresso está na UTI”2 –, ressurgindo o debate no Supremo Tribunal Federal sobre a sua 1 A título de exemplo, basta observar que, em março de 2009, foi noticiada, no portal eletrônico do Supremo Tribunal Federal, uma opinião que bem reflete a situação atual do Poder Judiciário e do Poder Legislativo. A Senadora Fátima Cleide (PT-RO), refer-indo- se ao tema dos direitos dos homossexuais (objeto da ADPF 132), afirmou que o Supremo, mais uma vez, vai assumir o lugar do Congresso, que não consegue votar leis específicas sobre questões homossexuais: “Temos muitas dificuldades de avançar; são mais de 40 projetos de lei (sobre esse tema) no Congresso Nacional e infelizmente naquela Casa nós não conseguimos avançar, de forma que a jurisprudência tem nos mostrado que a Justiça sempre garante os direitos”. 2 Cf. ALVES, Garibaldi. O Congresso na UTI. Veja, São Paulo, n. 2054, 2 abr. 2008. p. 11-15. Entrevista. O seguinte trecho dessa entrevista é revelador da situação atual do Con-gresso: “O Congresso deixou de votar, de legislar, de cumprir sua função. É uma agonia lenta que está chegando a um ponto culminante. Essa questão das medidas provisó-rias é emblemática da crise do Legislativo, que não é mais uma voz da sociedade, não é mais uma caixa de ressonância da opinião pública. Está meio sem função. O Congresso está na UTI, e ninguém do mundo político percebe que esse desapreço pelo Poder Le-gislativo é uma coisa que está minando as suas bases de sustentação e que a qualquer hora poderá haver um momento de maior tensão, de crise entre os poderes. À medida que o Legislativo abre mão de suas prerrogativas, o Executivo [e o Judiciário] invade espaços. Precisamos inverter essa tendência. [...] Essa leniência [agora referindo-se à corrupção que assola o Congresso] tira a autoridade do Legislativo”. Essa situação é tão crítica que o Senador Cristóvão Buarque (PDT-DF) disse, de forma radical, que, no ritmo que se vai, logo alguém proporá a convocação de um plebiscito para decidir se não é o caso de o Brasil fechar o seu Congresso. Para evitar tal situação, o Deputado Federal Michel Temer (PMDB-SP), para quem “o Legislativo só é enaltecido quando o país está saindo de um regime autoritário”, defende que “o Congresso, porém, precisa reagir e promover uma recuperação ética [...]”. Cf. TEMER, Michel. É preciso reagir agora. Veja, São Paulo, n. 2109, 22 abr. 2009. p. 17-21. Entrevista. livro_01.indd 13 19/12/2012 15:14:44
  • 15. 14 Direito Judicial Criativo possibilidade ou não. Leva-se em consideração, para tanto, a teo-ria da transcendência dos motivos determinantes e, especialmente, os estudos da Mutação Constitucional, que significa, consoante Uadi Lammêgo Bulos (1997, p. 57), um processo informal de mu-dança da Constituição, dando-lhe novos sentidos e conteúdos até então não alcançados pela sua simples letra, seja pela interpre-tação, seja por meio da construção (construction), ou mesmo dos usos e costumes constitucionais. Observa-se, destarte, que a hermenêutica e a interpretação são figuras importantes para a correta apreensão do conceito de Mu-tação Constitucional, motivo pelo qual se reserva um capítulo inteiro à sua análise (tanto da hermenêutica jurídica quanto da hermenêu-tica constitucional, especialmente esta). Tal discussão deve-se, principalmente (mas não somente, con-forme será visto a partir da análise da tendência de abstrativização do controle concreto), à Reclamação 4.335-5/AC, onde o Ministro Relator Gilmar Mendes, seguido de Eros Grau (hoje aposentado), impende uma mutação no sentido normativo do art. 52, X, CF/88, que deve-ria ser lido normativamente da seguinte maneira, a repúdio da atual redação e da norma derivada: “compete privativamente ao Senado Federal dar publicidade à suspensão da execução, operada pelo Supre-mo Tribunal Federal, de lei declarada inconstitucional, no todo ou em parte, por decisão definitiva do Supremo”. Sendo assim, em resumo, as decisões em âmbito de controle di-fuso passariam a ter os efeitos ditados pelo Supremo – com possibili-dade de dar os mesmos efeitos de uma decisão proferida no controle concentrado (erga omnes e vinculante) –, e não ficar aguardando a boa vontade do enfermo Congresso Nacional para suspender a lei declarada inconstitucional. Os efeitos extraídos das discussões trava-das nos votos dos Ministros já repercutem no mundo jurídico, com publicações de Teses3 e outros trabalhos científicos, como este, além de acirrados debates em palestras a respeito do tema. 3 Refira-se, por oportuno, à Tese de Doutorado do professor Lucas Gonçalves da Silva, da Universidade Federal de Sergipe – UFS, cujo título foi obtido em 2009, com ori-entação de André Ramos Tavares: Mutação Constitucional pela Justiça Constitucional: Tipologia e Limites. O referido professor também fez estudos sobre a Hermenêutica e Interpretação Constitucional (mestrado em direito) e O papel do Supremo Tribunal Fede-ral na garantia dos direitos fundamentais. livro_01.indd 14 19/12/2012 15:14:44
  • 16. Introdução 15 Há, basicamente, que se discutir acerca de qual seria o sentido ex-traído da norma do art. 52, X, CF/88, que diz, textualmente, que “compete privativamente ao Senado Federal suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal”, permitindo-se, ao final, com base forte na hermenêu-tica constitucional, uma alteração no sentido normativo do dispositivo. O problema, entretanto, forma-se à medida que se faz o questiona-mento sobre a legitimidade daquilo propugnado pelos Ministros Gilmar Mendes e Eros Grau, ou seja, é necessário saber se esse novo quadro está condizente com o ordenamento jurídico-constitucional brasileiro. Poder-se-ia pensar, inicialmente, que toda abordagem estaria es-gotada, de certo modo, em razão da adoção, pela Emenda Constitu-cional 45/04, da Súmula Vinculante (art. 103-A, CF/88) – sem falar nos outros instrumentos trazidos ultimamente para dar efetividade ao princípio constitucional da razoável duração do processo, instado no art. 5º, LXXVIII, CF/88, que foi acrescido também pela Emenda 45/04, tais como a Lei de Repercussão Geral (Lei 11.418/06)4, no âmbito do STF, a Lei dos Recursos Repetitivos (Lei 11.672/08), no âmbito do STJ5, e, mais recentemente, o II Pacto Republicano6. Quimera. Até porque muda a estrutura tradicional do controle difuso, argumentos de peso são colocados pelos que dizem ser sub-versor o posicionamento de mudança de sentido do art. 52, X, CF/88, dentre eles a violação do princípio da Separação dos Poderes, a fun-damentação por uma Mutação Inconstitucional e a caracterização do Poder Judiciário como um poder constituinte permanente, ilegítimo e autoritário (“ditadura do Judiciário”), ao dar a função ao Senado Fed- 4 Essa lei foi questionada por meio da ADI 4175, pois restringiria o acesso do cidadão ao STF, porém foi indeferida a inicial pelo Rel. Min. Carlos Britto, DJE 06/02/2009, por falta de pertinência temática quanto ao autor. 5 Consoante noticiado em janeiro de 2009, no portal eletrônico do STJ, o Min. Luiz Fux, agora do STF, defende que este Tribunal Superior adote também a Súmula Vinculante e a Repercussão Geral para selecionar as causas que irão a julgamento, o que demon-stra a tendência atual em busca da efetividade e celeridade, enfim, da economia pro-cessual, pela qual se persegue, com ponderação, a obtenção de maior resultado com o menor uso de atividade jurisdicional. 6 O I Pacto Republicano, assinado em 2004, gerou toda a modernização do sistema da Justiça e reformulação das leis. O II Pacto Republicano tem três objetivos principais: a proteção dos direitos humanos e fundamentais, a agilização e efetivação da prestação jurisdicional e a promoção de maior acesso à Justiça. livro_01.indd 15 19/12/2012 15:14:44
  • 17. 16 Direito Judicial Criativo eral de mero chancelador das decisões do Supremo. Nesse sentido, pode-se citar Lenio Luiz Streck, Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira e Martonio Mont’Alverne Barreto Lima (2007), além de Marcelo Nov-elino (2009), Pedro Lenza (2011), Wellington Márcio Kublisckas (2009), o professor da Universidade Católica de Petrópolis – UCP, Roberto Wagner Lima Nogueira (2008), e o professor Mestre da Universidade Federal de Sergipe – UFS, Carlos Augusto Alcântara Machado (infor-mação verbal)7. Registre-se, ainda, que o Ministro Sepúlveda Pertence julgou improcedente a reclamação e o Ministro Joaquim Barbosa não a conheceu, mas ambos concederam habeas corpus de ofício. De outro lado, afirmando ser autêntica a expendida Mutação Con-stitucional no dispositivo da Carta Maior, destacam-se Dirley da Cunha Júnior (2010) e os já referidos Ministros do Supremo, Gilmar Mendes e Eros Grau, podendo-se mencionar ainda, pelos estudos desenvolvidos, André Ramos Tavares (1998), além de Teori Albino Zavascki (2001, apud LENZA, 2011) e Lúcio Bittencourt (1968, apud LENZA, 2011). Adotando uma posição de elasticidade da atuação do Excelso Pretório e do próprio Poder Judiciário, a alteração do sentido norma-tivo seria uma das formas de garantir a autoridade das decisões do STF, transformando-o, assim se entende, em verdadeira Corte Constitu-cional. Outro ponto importante, destacado por Gilmar Mendes, passa pela questão da própria limitação natural do instituto da suspensão de execução da lei pelo próprio Senado, cuja eficácia não pode ser ampli-ada quando o caso assim requeira – isso tudo será mais bem detalhado em tópico correspondente. Ademais, tema reflexo é a necessidade de o direito acompanhar as diretrizes sociais e a aclamação por soluções efetivas e céleres aos problemas concretamente postos. Acaso prevaleça essa última posição, a depender da votação da Rcl. 4.335-5/AC, estabelecer-se-á um verdadeiro corte epistemológi-co, isto é, uma ruptura de paradigma da Jurisdição Constitucional no 7 Palestra proferida no XVII Simpósio Transnacional de Estudos Científicos (Constitucio-nalismo e Relações Internacionais – 06 a 10 de outubro de 2008, Universidade Federal de Sergipe – UFS), cujo tema apresentado em 06/10/2008 pelo professor Carlos Au-gusto Alcântara Machado foi A Constituição de 1988 como Obra Inacabada. Na opor-tunidade, falou que não concorda com o pensamento de Gilmar Mendes, pois, como propugnada, a mutação constitucional é, na verdade, mutação inconstitucional, apesar de admitir ser a tendência do STF. Afirmou, ainda, que “devemos observar o direito brasileiro de acordo com a realidade brasileira”. livro_01.indd 16 19/12/2012 15:14:44
  • 18. Introdução 17 Brasil – que, repita-se, já está ocorrendo em virtude de outros fatores em tendência. Isso porque as decisões em âmbito de controle difuso passariam a ter os efeitos ditados pelo Supremo, fortalecendo-se, de-starte, como Corte Constitucional. Uma nova concepção acerca do Controle de Constitucionali-dade, do Poder Constituinte, do Equilíbrio entre os Poderes e do Sis-tema Federativo está surgindo, o que pode estabelecer uma ruptura paradigmática no plano da Jurisdição Constitucional no Brasil, tra-zendo, como corolário, mais efetividade aos direitos e garantias con-sagrados na Carta Magna, em virtude da extensão dos efeitos das de-cisões para todos, mormente naquilo que diga respeito às liberdades individuais e à cidadania, pelo que se fortalece a segurança jurídica e a justiça, objetivos esses almejados tanto pelo Direito quanto pela Ética, como bem lembra o Doutor em Direito, Professor Osvaldo Fer-reira de Melo (2005), aludindo-se a Miguel Reale. Assim sendo, é objetivo do presente trabalho o estudo detido do complexo tema, mas que recai em assuntos conexos como, dentre vári-os outros, o fenômeno da jurisprudencialização e do ativismo judiciário8, hoje deveras expandido. Para tal desiderato, serão utilizadas diversas fontes, tais como doutrina, leis e jurisprudência, e partir-se-á da prem-issa de que o Direito não é estático, ou seja, ele sempre está buscando soluções para pacificar o meio social, sendo feita, preponderantemente, uma análise histórica e teleológica dos institutos jurídicos. Com essas considerações introdutórias, vê-se que está aberta uma nova Caixa de Pandora, donde pode transbordar, sem embargo do maniqueísmo, tudo de bom e de mau. Comece-se, então, a mexer nessa Caixa, tentando extrair os pontos positivos e fundamentais da tese a ser defendida, qual seja, maior garantia dos direitos fun-damentais insculpidos na Constituição através da mudança de para-digma do controle difuso de constitucionalidade. 8 A omissão e atrofia do Legislativo, que muitas vezes obriga o Judiciário a “legislar”, não é somente uma questão do Brasil. Na Lituânia, foi debatido, no 14º Congresso da Conferência de Cortes Constitucionais Europeias, ocorrido em junho de 2008, o tema da omissão legislativa na jurisprudência constitucional, onde, “na ocasião, o ministro Gilmar Mendes proferiu uma palestra mostrando que a Constituição brasileira de 1988 permite ao Judiciário exercer funções legislativas em caso de omissão do Congresso Nacional, e fez um relato da experiência da Suprema Corte brasileira no julgamento de casos relativos ao tema”, consoante a notícia publicada em abril de 2009, no portal eletrônico do STF. livro_01.indd 17 19/12/2012 15:14:45
  • 20. 1 Mutação Social e Jurídica: Considerações Propedêuticas ao Estudo da Mutação Constitucional e a Nova Hermenêutica livro_01.indd 19 19/12/2012 15:14:45
  • 22. 21 Mutação Social e Jurídica: Considerações Propedêuticas ao Estudo da Mutação Constitucional e a Nova Hermenêutica O que é Direito? Essa é, provavelmente, a primeira pergunta a que todos que ingressam no estudo da “ciência jurídica”1 propõem-se a responder. Não é intento deste trabalho o aprofundamento do tema, porém algumas palavras são necessárias, até porque é de rel-evância para o estudo a percepção da dialética da nossa matéria. É verdade que a lei (ou norma jurídica) é o principal objeto (ou fonte) de análise do Direito. Recordemos, entretanto, que quando se busca o que o Direito é devemos levar em consideração, sob o aspecto de uma mutação social e jurídica, as transformações por que passam, de forma constante, o seu conteúdo e sua forma, sendo ele, por fim, o resultado de uma manifestação concreta do mundo histórico, cultural e social2. Percebe-se, desde já, que out-ros fatores (valores e fatos, por exemplo)3 também devem ser ob-servados ao se estudá-lo. Justamente por não vislumbrar o Direito como “coisa” fixa, parada, definitiva e eterna, Roberto Lyra Filho (2005, p. 86), ob-servando a dialética4 na sua realização, se reporta a ele, precisa-mente, como um processo, dentro do processo histórico. Expli-ca: “[...] cada perfil atualizado do direito autêntico é um instante do processo de sua eterna reconstituição, do seu avanço, que vai desvendando áreas novas de libertação [processo de libertação permanente]” (LYRA FILHO, 2005, p. 85, grifo do autor). Assim, conclui o referido autor que o Direito não “é”; ele “vem a ser”. E 1 Note-se que o termo ciência aqui não está empregado, como outrora se queria, a um estudo puro do direito, sem relacioná-lo a nenhum fator externo. Ver-se-á, ao longo deste trabalho, que a interdisciplinaridade e o estudo de fatores instáveis (fatos e va-lores) também estarão presentes. 2 Parece natural dizer, como o faz Norberto Bobbio (1992), que o que seja fundamental em determinada época histórica e civilização pode não o ser em outras épocas e em outras cul-turas, não se podendo conceber fundamento absoluto a direitos historicamente relativos. 3 Miguel Reale (2002) assim se reportava ao Direito, como o conjunto indissociável dos fatos, valores e normas, sendo expressão cultural, portanto – essa é a conhecida estrutura tridimensional do Direito. 4 Registre-se, desde já, o que se entende por processo dialético, nas lições de Karl Pop-per (1972, p. 345, apud COELHO, 2002, p. 99): “Na terminologia de Hegel, tanto a tese quanto a antítese são reduzidas, pela síntese, a componentes, e portanto canceladas (negadas, anuladas, afastadas); ao mesmo tempo, são preservadas (guardadas) e eleva-das (a um nível superior). Hegel aproveita a ambigüidade da palavra alemã ‘aufgehoben’, empregando-a no sentido de reduzida a componentes, cancelada, preservada e elevada”. livro_01.indd 21 19/12/2012 15:14:45
  • 23. 22 Direito Judicial Criativo por ele “vir a ser”, entende-se que a pergunta inicial “o que é Di-reito?” deve transmudar-se para “o que vem a ser Direito?”, já que “é todo o processo [derivado da constante luta social] que define o Direito, em cada etapa, na procura das direções de superação” (LYRA FILHO, 2005, p. 83).5 6 Goffredo Telles Junior ([1971?], p. 285), em curiosa obra pub-licada originalmente em 1970 (O Direito Quântico: ensaio sobre o fundamento da ordem jurídica), se reportou ao Direito, em conexão epistemológica com a Física Quântica, como “a ordenação quânti-ca das sociedades humanas”. Essa correlação serve para simbolizar o quanto as relações sociais reguladas pelo Direito são instáveis. Na Física clássica (tradicional, não quântica) o que temos são com-portamentos previsíveis (por exemplo, pode-se saber a trajetória de uma bola antes mesmo de arremessá-la). Já na Física quântica, é impossível prever, com absoluta certeza, a trajetória das coisas: elas fazem todos os caminhos possíveis e ao mesmo tempo. As-sim, como o comportamento do homem (ou grupos de homem) não pode ser, de forma absoluta, determinado7, diz-se que as leis humanas são leis de probabilidade, cabendo ao Direito Objetivo 5 Interessante dizer que o sistema jurídico, sofrendo influências e interações com o meio externo, acaba por ser reflexo da sociedade em que está inserido, admitindo-se mudanças. Por isso, concebe-se tal sistema como aberto, alopoiético, prospectivo, heterônomo, em contraposição à ideia de um sistema fechado, autopoiético, retro-spectivo, autônomo (embora quem assim o considere não deixa de admitir a interfe-rência da sociedade, mas não a sua influência e interação, como o é no sistema alopoié-tico). (SIQUEIRA JR., 2006) 6 Curiosa, também, é a ilustração da capa da obra de Roberto Lyra Filho O que é Di-reito, publicada em 2005 pela editora brasiliense, em sua Coleção primeiros passos (nº 62): há a imagem de dois operários carregando a estátua da deusa Justitia, que foi tirada do seu pedestal, o que fez surgir o sol em seu lugar. Nesse caso, levando-se em consideração o conteúdo da obra, é possível denotar a seguinte interpretação: a saída de uma concepção estritamente positivista do direito (com os seus respectivos “operadores jurídicos”, termo este que transmite a ideia de aplicação mecânica do di-reito), surgindo uma nova concepção de direito (pós-positivismo) que brinda a relação entre valores, princípios e regras, aspectos estes da Nova Hermenêutica Constitucional e da teoria dos direitos fundamentais, edificada sobre o fundamento da dignidade humana, que ilumina a todos indistintamente. 7 É inerente ao homem (e, por derivação, à sociedade) a contínua mudança, sendo “[...] da natureza imutável do homem, mudar e mudar sempre”, ou dito de outra forma, “o eu histórico é um eu permanente, mas um eu permanente em contínuo perfazimento” (TELLES JUNIOR, [1971?], p. 277). livro_01.indd 22 19/12/2012 15:14:45
  • 24. 23 Mutação Social e Jurídica: Considerações Propedêuticas ao Estudo da Mutação Constitucional e a Nova Hermenêutica quantificar e autorizar, ou não, a maneira de proceder. Ou seja, o Direito Objetivo é a ordenação [de determinadas interações hu-manas] que quantifica a liberação das energias hu-manas, para assegurar o equilíbrio das forças, e para garantir que, a cada direito, corresponda uma obrig-ação. É a ordenação que delimita a liberação de en-ergia, nos campos dos homens [quanta], para que a sociedade seja efetivamente o que ela precisa ser, isto é, um meio a serviço dos fins humanos. (TELLES JUNIOR, [1971?], p. 285) Importante notar que Goffredo Telles Júnior, ao fazer essa abord-agem, almeja a conclusão de que o Direito deve se sujeitar aos fins a que a sociedade anseia, sendo, ainda, a disciplina especializada em engineering social8: Assim como essas proteínas se dirigem com autonomia, em conformidade com os interesses fisi-ológicos da célula, assim também o Direito, livre de imposições absolutas, se pode dirigir pelos inter-esses reais da sociedade, de acordo com os siste-mas de referencia [sic] efetivamente vigorantes. (TELLES JUNIOR, [1971?], p. 285, grifo nosso) Esse Direito, inserido, representativamente, na harmonia do uni-verso (do Unum versus alia; do Uno feito do diverso) e promovido para/pelos anseios da sociedade (que dá legitimidade ao governo), possui natureza dual, consoante aponta Túlio Lima Vianna (2008, p. 119): é, ao mesmo tempo, instrumento de dominação e de resistên-cia9; de manutenção do status quo e de inclusão social; de segurança jurídica e de justiça distributiva. Essa dualidade revela a já referida di-alética na realização do Direito. Dessa forma, a Teoria Quântica do 8 Em alusão às proteínas reguladoras, produtos especializados em engineering molecular. 9 “[...] o revolucionário de ontem é o conservador de hoje e o reacionário de amanhã” (LYRA FILHO, 2005, p. 82). livro_01.indd 23 19/12/2012 15:14:45
  • 25. 24 Direito Judicial Criativo Direito10 (ou, se preferir, a Teoria de um Direito não-determinista), ao conceber o fenômeno jurídico como instrumento dual de domi-nação/ resistência, revela o caráter político que permeia todas as decisões judiciais, que não podem ser consideradas, a priori, como certas ou erradas – em razão da superação da ideia de uma razão jurídica universal (no sentido de verdade absoluta)11, pelo que temos, nos dias de hoje, uma realidade a ser compreendida12 –, “[...] mas ações políticas que ora tutelam os interesses de manutenção do status quo, ora os interesses de redução da tensão de poder entre opressores e oprimidos” (VIANNA, 2008, p. 120). A figura do juiz, assim, ganha relevo. É ele que, longe de ser ape-nas um observador neutro para fins de se extrair o significado verda- 10 Vale dizer que a teoria do conhecimento em geral foi abalada pelo “golpe quântico”, pelo qual a Teoria Quântica (após os outros golpes dados pela Cosmologia de Copérnico, pela Biologia de Darwin e pela Psicologia de Freud) substituiu a racionalidade deter-minista da Física daquele momento por uma racionalidade probabilística do “princípio da incerteza” (Heisenberg), inaugurando uma era que pôs fim às certezas. É nesse ponto que a verdade objetiva, natural e divina cede espaço a uma verdade subjetiva, artificial e humana, ou seja, é o olhar do observador que irá definir o que é verdade, em um pro-cesso de compreensão. Por isso, o referido autor diz que “a paradoxal certeza absoluta do pensamento pós-moderno é que tudo é relativo. Não há verdades, apenas probabili-dades” (VIANNA, 2008, p. 119). Note-se, ainda, que nas décadas de 70 e 80 do século XX, surgiu o movimento crítico do direito, que questionava o “saber jurídico tradicional na maior parte de suas premissas: cientificidade, objetividade, neutralidade, estabilidade, completude” (BARROSO, 2003, p. 14/15, apud WINCK, 2007, 43). Tais acepções serão mais bem explicadas no tópico referente à (nova) hermenêutica jurídica – subcapítulo 1.2. 11 O pensamento da pós-modernidade, relegando as verdades metafísicas e puramente racionais de outrora, atesta o término dos “marcos de referência da certeza” (LEFORT, 1991, p. 50, apud WINCK, 2007, p. 45), fato esse que condiz com o universo complexo, dinâmico e instável das sociedades atuais e que reflete crises de legitimidade e na própria produção e aplicação da justiça (WOLKMER, 1991, p. 32, apud WINCK, 2007, p. 45). A abordagem da “verdade” passa a ser feita no plano da criação humana derivada de um processo racional de compreensão da realidade concreta, o que corrobora o pensamento de Nietzsche de que não há sentido em se falar de origem (Ursprung) do conhecimento humano, mas, sim, em invenção (Erfingdung), criação deste conhecimento (FOUCAULT, 2000, p. 262, apud VI-ANNA, 2008, p. 115/116), desembocando, consoante aponta Foucault (2003, p. 27, apud VIANNA, 2008, p. 117), em múltiplas racionalidades, cada qual com as suas “verdades”. Não deixa de ser curiosa, quanto à analise da “verdade” e da “mentira”, a composição de Edu Lobo e Chico Buarque, Verdadeira Embolada: Na realidade | Pouca verdade | Tem no cordel da história | No meio da linha | Quem escrevinha | Muda o que lhe convém. 12 As coisas do mundo, inclusive os fatos sociais, são resultados de um sentido en-laçado pelos homens, que edificam, historicamente, através de uma sucessão de es-colhas (permitidas pela vontade, intenção, livre arbítrio, livre afirmação), um sistema de valores (cultura) (ARON, 1982, p. 485). livro_01.indd 24 19/12/2012 15:14:45
  • 26. 25 Mutação Social e Jurídica: Considerações Propedêuticas ao Estudo da Mutação Constitucional e a Nova Hermenêutica deiro da lei, cria a norma a ser aplicada ao caso concreto, através da escolha (jurídica e política13) entre uma racionalidade de segurança jurídica (cujos elementos são estabilidade, previsibilidade e unifor-midade) e uma racionalidade de justiça distributiva – valores esses, normalmente, apontados como inversamente proporcionais, com o que não se pode concordar, pois, na verdade, há uma relação entre eles de coordenação e de equilíbrio. Quando nos referimos à necessidade de a norma corresponder aos anseios da sociedade como forma de legitimação do governo14, quer-se chamar a atenção para a própria acepção de Justiça. Não a justiça inserida nas leis, nem aquela justiça doutrinária ideal – emb-ora, por vezes, em ambas possa se encontrar –, mas a Justiça Social15, a que Goffredo Telles Junior ([1971?]) invoca, em nova roupagem, como Direito Natural. Para ele, “[...] o autorizamento das normas ju-rídicas decorre da natureza da sociedade, uma vez que, em cada co-munidade, certos movimentos hão de ser exigíveis, e outros hão de ser proibidos” (TELLES JUNIOR, [1971?], p. 280/281). Assim, o Direito Natural, nessa concepção, é o Direito que não é artificial, sendo, na verdade, “[...] consetaneo [sic] com o sistema ético de referencia [sic], 13 Não há como se negar que o juiz, ao decidir, traz consigo todo seu arcabouço mor-al, ético e ideológico. A própria palavra “sentença”, na acepção dada pelo Dicionário Houaiss (2001), sugere isso, já que, originando-se do latim sententia, significa “[...] sen-timento, parecer, opinião, idéia, maneira de ver, impressão do espírito; modo de pen-sar ou de sentir, vontade, desejo; opinião (emitida pelo Senado)”. 14 Governo está aqui alocado como “o conjunto das funções necessárias à manutenção da ordem jurídica e da administração pública” (MALUF, 1995, p. 27), ou, dito de outra forma por Duguit (apud MALUF, 1995, p. 27), no sentido coletivo, “[...] como conjunto de órgãos que presidem a vida política do Estado [...]”, e não no sentido meramente singular de Poder Executivo. 15 Consoante o Dicionário Acadêmico de Direito de Marcus Cláudio Acquaviva (2003, p. 470/471), a Justiça Social, vinda do latim justitia, já fazia parte da ideia de justiça na época de Platão e Aristóteles, embora o adjetivo social tenha sido incorporado no século XIX, em razão das crises socioeconômicas. A expressão justiça social foi divulgada, inicialmente, pela doutrina social da Igreja, sendo relacionado como princípio divino. Com a ascensão do Iluminismo (sécs. XVII e XVIII), esse conceito tradicional começou a declinar, dando margem ao direito natural (atributo da própria natureza humana). Após, a ideologia his-toricista (Von Savigny) nivela os atributos da pessoa humana às concepções de cada mo-mento histórico, enquanto o Positivismo revela ser a justiça o direito positivo (lei escrita) de cada povo. Na verdade, em Aristóteles já se vê o moderno significado da expressão justiça social, enunciado como o princípio da justiça distributiva, pelo qual a comunidade deve distribuir a seus membros os bens e encargos de forma equitativa, isonômica. livro_01.indd 25 19/12/2012 15:14:45
  • 27. 26 Direito Judicial Criativo vigente em uma dada comunidade” (TELLES JUNIOR, [1971?], p. 280), isto é, Direito Natural é sempre um Direito Positivo que esteja de acordo com as expectativas legítimas da sociedade16 17 (TELLES JUNIOR, [1971?], p. 281). Essa acepção do direito enquanto corre-spondência dos anseios de justiça da sociedade é, precisamente, de-lineada por Roberto Lyra Filho (2005, p. 85): O legalismo é sempre ressaca social de um im-pulso criativo jurídico. Os princípios se acomodam em normas e envelhecem; e as normas esquecem de que são meios de expressão do Direito móvel, em constante progresso, e não Direito em si. [...] Direito e Justiça caminham enlaçados; lei e Direito é que se di-vorciam com freqüência. Onde está a Justiça no mun-do? – pergunta-se. Que Justiça é esta, proclamada por um bando de filósofos idealistas, que depois a entre-gam a um grupo de “juristas”, deixando que estes de-vorem o povo? A Justiça não é, evidentemente, esta coisa degradada. Isto é negação da Justiça [...]. Porém, onde fica a Justiça verdadeira? Evidentemente, não é cá, nem lá, não é nas leis (embora às vezes nelas se misture, em maior ou menor grau), nem é nos princí-pios ideais, abstratos (embora às vezes também algo dela ali se transmita, de forma imprecisa) [...]. Com essas considerações, conclui magistralmente: [...] a Justiça real está no processo histórico de que é resultante, no sentido de que é nele que se realiza progressivamente. Justiça é Justiça Social, antes 16 Kant (apud SILVA, R.P.M., 2005) considera que o direito positivo (não natural) não tem como estabelecer o que é justo e injusto, mas apenas se determinado fato ou ato é lícito ou ilícito sob o ponto de vista jurídico. 17 Cf. GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 8. ed. São Paulo: Malhei-ros, 2011. 384 p., em função de interessante cotejo entre o direito posto (leis) e pressu-posto (princípios), mostrando-se, em síntese, a necessidade de se transcender o mero direito posto para encontrar na realidade social as raízes do Direito, vendo-o, portanto, num sistema sob influência de vários fatores, sejam políticos, jurídicos, econômicos ou culturais, todos encarados de forma dinâmica, os quais também devem, por certo, atender as demandas sociais igualmente dinâmicas. livro_01.indd 26 19/12/2012 15:14:45
  • 28. 27 Mutação Social e Jurídica: Considerações Propedêuticas ao Estudo da Mutação Constitucional e a Nova Hermenêutica de tudo: é atualização dos princípios condutores, emergido nas lutas sociais, para levar à criação duma sociedade em que cessem a exploração e opressão do homem pelo homem; e o Direito não é mais, nem menos, do que a expressão daqueles princípios supremos, enquanto modelo avançado de legítima organização social da liberdade. [...] Direito é processo, dentro do processo histórico [...]. (LYRA FILHO, 2005, p. 86, grifo nosso) Sem o fim de imersão no terreno fértil que é a discussão em torno da Justiça, e a título de complementar tudo o que já foi ana-lisado, apenas diga-se, com o escólio firme de Miguel Reale (2002, p. 375/376), que não se pode separar a compreensão subjetiva da Justiça, enquanto valor da pessoa humana, da forma objetiva, como realização da ordem social justa (a multicitada Justiça Social18), [...] mesmo porque o seu de cada um somente logra sentido na totalidade de uma estrutura na qual se cor-relacionem, deste ou daquele modo, o todo e as partes [e] [...] porque esta ordem [social justa] não é senão uma projeção constante da pessoa humana, valor-fon-te de todos os valores através do tempo [...] visando a atingir a plenitude de seu ser pessoal, em sintonia com os da coletividade. (REALE, 2002, p. 376/377) Para ele, “a justiça, em suma, somente pode ser compreendida ple-namente como concreta experiência histórica, isto é, como valor fundan-te do Direito ao longo do processo dialógico da história” (REALE, 2002, p. 377), traço esse também assinalado, como visto, por outros autores. Em vista de todo o exposto, o Direito pode ser concebido como o ordenamento jurídico, ou seja, o sistema de normas ou regras ju- 18 O termo Justiça Social, além do significado posto no texto, pode-se referir também, pragmaticamente, à ampliação de certo direito fundamental para a coletividade. Tal sentido, interessante notar, foi utilizado recentemente pelo Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, ao defender a proposta de reforma do sistema de saúde dos EUA, pela qual haveria um sistema público universal de saúde. Na ocasião, em discurso no Congresso, declarou que saúde para todos é uma questão de “justiça social”. Cf. PETRY, André. Depois do palanque, vida real. Veja, São Paulo, n. 2130, 16 set. 2009. p. 108-109. Reportagem. livro_01.indd 27 19/12/2012 15:14:45
  • 29. 28 Direito Judicial Criativo rídicas que traçam determinadas formas de comportamento, além de ser a ciência que o estuda (Ciência do Direito e Jurisprudência19) – concepção normativa. É, ainda, fenômeno histórico-cultural – con-cepção fática –, que traduz um ideal de Justiça (Justiça Social, mais especificamente) – concepção valorativa (REALE, 2002).20 Esses três elementos (tridimensionalidade do direito) se integram de forma dinâmica e dialética, na forma denominada por Miguel Reale (2002, p. 67) de “dialética de implicação-polaridade”, ou seja, fato e valor se correlacionam de modo irredutível (polaridade) e mútuo (impli-cação), dando origem à estrutura normativa como momento de reali-zação do Direito. Em seara constitucional, como não poderia deixar de ser, a tridimensionalidade também está presente: [...] as Constituições elaboradas no período pós-Se-gunda Guerra Mundial – estruturadas no contexto do movimento denominado pós-positivismo ou neo-constitucionalismo – são documentos abertos que visam congregar, especialmente através dos princí-pios constitucionais, elementos fáticos, normativos e axiológicos. Tal característica permite que as Con-stituições atuais não incidam nem em um legalismo exacerbado e tampouco na total insegurança jurídica, bem como sejam suficientemente flexíveis e aptas a acompanhar a dinâmica social, em constante e cada vez mais rápida transformação. (KUBLISCKAS, 2009, p. 163, grifo nosso e itálico do autor) É em torno desse sistema e com essas ideias que se passa ao estudo específico do Direito Constitucional e da evolução do movi-mento constitucionalista, abordando-se, após, aspectos da her- 19 Hoje, a Jurisprudência, entendida como as decisões judiciais reiteradas dos tribu-nais (e mesmo resoluções administrativas), é fonte imediata do direito, ao lado da Con-stituição Federal, leis e tratados internacionais de direitos humanos. Cf., para maiores detalhes, o subcapítulo 1.3, acerca do tema jurisprudencialização/tribunalização. 20 Percebe-se, com Tercio Sampaio Ferraz Jr. (2003), que o Direito, como objeto, comporta tanto uma investigação zetética (enfoque aberto) quanto dogmática (enfoque fechado). Por isso, pode-se falar de vários focos no estudo do fenômeno jurídico, por exemplo: o estudo do direito civil, processual ou constitucional na álea normativa; o estudo da so-ciologia jurídica na álea fática; e o estudo da filosofia jurídica na álea valorativa. livro_01.indd 28 19/12/2012 15:14:45
  • 30. 29 Mutação Social e Jurídica: Considerações Propedêuticas ao Estudo da Mutação Constitucional e a Nova Hermenêutica menêutica jurídica e constitucional e o tema acerca do fenômeno da jurisprudencialização e do ativismo judiciário, tudo como condição necessária e complementar para concluir-se, ao final, pela legitimi-dade da adoção de uma nova perspectiva do Supremo Tribunal Fed-eral em face da Jurisdição Constitucional. Finalizando esse prolegômeno, por ora necessário afirmar que a Constituição, sendo o Direito Objetivo maior, também deve estar em harmonia com os Direitos Naturais dos Homens, no sentido antes delineado de Justiça Social, modelo esse mais at-ento à satisfação dos anseios da sociedade. Adota-se aqui, invari-avelmente, a concepção de “Constituição Civil” de Kant, citada por Norberto Bobbio (1992, p. 52): Por “Constituição civil” Kant entende uma Con-stituição em harmonia com os direitos naturais dos homens, ou seja, uma Constituição segundo a qual “os que obedecem à lei devem também, reunidos, legislar”. Definindo o direito natural como o direito que todo homem tem de obedecer apenas à lei de que ele mesmo é legislador [até porque todo poder emana do povo, consoante art. 1º, parágrafo único, CF/88], Kant dava uma definição da liberdade como autonomia, como poder de legislar para si mesmo. Enfim, como restará mais claro à frente, visando à consagração legítima da Constituição, entendida como o “primado do direito for-mador da arquitetura axiológica sobre o qual se funda a sociedade” (WINCK, 2007, p. 46), e desfazendo-se de muitas das ilusões positivas do Direito, numa abordagem humanista e socializante21, [...] o constitucionalismo passa a ter “uma dimensão comunitária” ao adotar a concepção de Constitu-ição como “ordem concreta de valores”, destarte, os “valores compartilhados por uma comunidade política” [ordenação cultural] devem estar conec- 21 Essa abordagem humanista e socializante condiz com a observação feita por Miguel Reale (2002) já citada no texto, no sentido de que não há como se dissociar o aspecto subjetivo da Justiça, envolvido na pessoa humana, e o objetivo, como realização da ordem social justa. livro_01.indd 29 19/12/2012 15:14:45
  • 31. 30 Direito Judicial Criativo tados a “ordenação jurídica fundamental e su-prema representada pela constituição federal”. (WINCK, 2007, p. 45/46) 1.1 O fenômeno constitucional e o (neo)constitucionalismo Pode-se conceber o Estado como a organização soberana de um povo sobre um território determinado, orientada ao atingimento de um conjunto de finalidades. Pelo que se vê, todo Estado deve ter uma forma de organização sob a base de uma ordem jurídica, tendo a Constituição um relevante papel nesse sentido, ou seja, como a Lei Fundamental do Estado. O estudo sistemático, evolucional e racional do fenômeno con-stitucional se desenvolve a partir do surgimento das primeiras Constitu-ições escritas, o que foi expresso pelo movimento político, jurídico e ide-ológico denominado constitucionalismo, que desenvolveu a concepção de estruturação racional do Estado e de limitação do exercício de seu poder, a partir da elaboração de um documento escrito a fim de repre-sentar a sua lei fundamental e suprema. A história do constitucionalismo não é senão a luta do homem político pela limitação do poder absoluto: [...] la historia del constitucionalismo no es sino la búsqueda por el hombre político de las limitaciones al poder absoluto ejercido por los detentadores del poder, así, como el esfuerzo de establecer una justi-ficación espiritual, moral o ética de la autoridad, en lugar del sometimiento ciego a la facilidad de la au-toridad existente. (LOEWENSTEIN, 1986, p. 150, apud DORNELES, 2001) A origem do constitucionalismo (moderno) é concebida com a Constituição dos Estados Unidos, de 1787, e a Constituição da França, de 1791, ambas de orientação liberal, cujo conteúdo estabelecia regras acerca da organização do Estado, do exercício e transmissão do poder e da limitação do Estado em vista dos direitos e garantias fundamentais do indivíduo. Com base em pontos essencialmente político-liberais da Constituição, J. J. Gomes Canotilho (1995) cunhou a expressão “Consti-tuição ideal”, sendo que seus elementos caracterizadores, observados por Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (2009, p. 5), são: livro_01.indd 30 19/12/2012 15:14:45
  • 32. 31 Mutação Social e Jurídica: Considerações Propedêuticas ao Estudo da Mutação Constitucional e a Nova Hermenêutica a) a Constituição deve ser escrita; b) deve conter uma enumeração de direitos fundamentais individ-uais (direitos de liberdade); c) deve adotar um sis-tema democrático formal (participação do “povo” na elaboração dos atos legislativos, pelos parlamentos); d) deve assegurar a limitação do poder do Estado me-diante o princípio da divisão de poderes. À vista disso, três são as ideias básicas do constitucionalismo em referência: 1) a separação dos poderes; 2) a garantia dos direitos fundamentais; e 3) o princípio do governo limitado. Com a evolução, o Direito Constitucional não mais retratava exclusivamente es-ses ideais liberais, fazendo com que a Constituição assumisse nova feição: a de norma jurídica e formal, protetora dos direitos humanos. É dizer: a forma de organização política do Estado liberal não poderia ser retratada de per si, posto que a Constituição passou a representar qualquer forma de organização política, não importando o regime político ou a forma de distribuição da competência. Modernamente, consoante aponta Vicente Paulo e Marcelo Alex-andrino (2009, p. 2), ao lado do constitucionalismo puramente juríd-ico, temos o político, democrático e social, em vista das exigências e dos conflitos sociais, e, por isso mesmo, o Direito Constitucional atu-al, com fortes marcas políticas, democráticas e sociais, não se limitar-ia às conquistas liberais22 – embora os referidos autores destaquem que, “[...] em todas as fases de sua evolução, o constitucionalismo não perdeu seu traço marcante, que é a limitação, pelo Direito, da ingerência do Estado (Governo) na esfera privada” (PAULO; ALEX-ANDRINO, 2009, p. 2, grifo do autor). Adiante-se que está em voga o fenômeno da expansão do objeto da Constituição (constitucionalização do direito), “[...] cujo conteúdo material e axiológico se irradia, com força normativa, por todo o sis-tema jurídico” (BARROSO, 2005, apud WINCK, 2007, p. 97), pelo que se pode falar em um neoconstitucionalismo. Quanto a esse tema, diga-se, por ora, que é fruto de duas mudanças de paradigma: a busca 22 Já foi dito que “o constitucionalismo passa a ter uma ‘dimensão comunitária’, ao adotar a concepção de Constituição como ‘ordem concreta de valores’, destarte, os ‘valores com-partilhados por uma comunidade política’ devem estar conectados a ‘ordenação jurídica fundamental e suprema representada pela constituição federal’ ” (WINCK, 2007, p. 45/46). livro_01.indd 31 19/12/2012 15:14:46
  • 33. 32 Direito Judicial Criativo da efetividade das normas constitucionais (através do fundamento da força normativa da Constituição) e o desenvolvimento de novos princípios e métodos hermenêuticos em sede constitucional (BAR-ROSO, 2003, p. 47, apud WINCK, 2007, p. 46/47). Com essas considerações, passe-se a analisar as fases do con-stitucionalismo ou, se preferir, a evolução do Direito Constitucional. Far-se-á isso com o escólio do professor Marcelo Novelino (2009), o qual aponta cinco fases de desenvolvimento23, a seguir comentadas. A primeira fase é de pouco importância, não sendo raro que seja relegada pelos autores constitucionalistas. Basta dizer, a título históri-co, que compreende o período entre a antiguidade e o final do séc. XVIII e passa pelos Hebreus, Grécia, Roma e Inglaterra (Rule of Law). A segunda fase, em que o constitucionalismo é chamado de clássico ou liberal, influenciado pelas ideias (liberais) de Locke, Montesquieu e Rousseau, aparece em virtude do surgimento das primeiras Constituições escritas (EUA – 1787 e França – 1791). Nessa fase, tem-se a consolidação da supremacia da Constituição e de sua estrutura rígida e escrita (pontos de diferenças entre as duas fases). É a fase da chamada primeira dimensão dos direitos fundamentais, com ampla proteção à liberdade, propriedade e aos direitos civis e políticos. Nos Estados Unidos, firmam-se a supremacia da Constitu-ição (que estabelece as regras do jogo político) e a garantia jurisdi-cional (cuja proteção cabe ao Poder Judiciário, em razão da sua maior neutralidade política). Já na França, tem-se como pedra de toque a 23 Rogério Salgado Martins (1998), numa abordagem histórica do Constitucionalismo, faz a sua divisão em dois grandes períodos: o CONSTITUCIONALISMO CLÁSSICO (1787-1918) e o CONSTITUCIONALISMO MODERNO (1918-...). O Constitucionalismo clássico subdi-vide- se em cinco ciclos: CONSTITUIÇÕES REVOLUCIONÁRIAS DO SÉC. XVIII, no qual se enquadra a Constituição Americana de 1787, a Declaração dos Direitos do Homem e do Ci-dadão francesa de 1789, podendo ser incluída a Magna Carta; CONSTITUIÇÕES NAPOLE-ÔNICAS autoritárias do início do século XIX; CONSTITUIÇÕES DA RESTAURAÇÃO, como a dos Bourbons, de 1814; CONSTITUIÇÕES LIBERAIS, como a francesa de 1830 e a belga de 1831; CONSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS, iniciado em 1848. O Constitucionalismo moderno também é compreendido num total de 5 ciclos constitucionais: DEMOCRÁTI-CO- RACIONALIZADO, com a Constituição de Weimar de 1919; SOCIAL-DEMOCRÁTICO, que contém as Constituições francesas de 1946, italiana de 47 e a alemã de 49; EXPERIÊN-CIA NAZI-FACISTA; CONSTITUIÇÕES SOCIALISTAS surgidas em 1917 com a Declaração dos Direitos dos Povos da Rússia; CONSTITUIÇÕES DO TERCEIRO MUNDO, “que caracter-izam- se por uma tentativa de copiar as construções estrangeiras e que tombaram por terra diante de uma realidade que não condizia com as instituições copiadas”. livro_01.indd 32 19/12/2012 15:14:46
  • 34. 33 Mutação Social e Jurídica: Considerações Propedêuticas ao Estudo da Mutação Constitucional e a Nova Hermenêutica separação dos poderes e a garantia dos direitos – quanto a isso, basta lembrar que a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Ci-dadão de 1789 dispunha que “toda a sociedade na qual a garantia dos direitos não é assegurada e nem a separação dos poderes deter-minada não tem Constituição”. Interessante notar que estamos tratando, ao se referir a essa época, do Estado de Direito (liberal, por certo), que transmite a ideia de império da lei e de Estado abstencionista (que é diferente do Estado de polícia ou absolutista), cujas características podem ser assim resu-midas: os direitos fundamentais correspondem aos direitos da burgue-sia (liberdade e propriedade), sendo direitos com caráter formal e que necessitam de lei para serem restringidos; a limitação do Estado pelo Direito se estende ao soberano; a atuação da Administração Pública só pode ocorrer dentro da lei (legalidade); no campo econômico, não há intervenção do Estado (ideia de Estado mínimo de Adam Smith)24. Identificam-se quatro concretizações desse Estado de Direito: o Rule of Law (Inglaterra durante a Idade Média), com a substituição do “governo dos homens” pelo “governo das Leis” e a concepção do devido processo legal em seu caráter substantivo (processo justo e adequado); o Rechtsstaat (Prússia), que significa o “Estado de Direito”, em seu aspecto apenas formal, trazendo em seu bojo a percepção da impessoalidade do poder; État Legal, que consiste no estabel-ecimento de normas por legisladores eleitos democraticamente, sendo o juiz, porém, mera bouche de la loi (“boca da lei”); État du Droit, evolução do anterior e que corresponde, fielmente, ao Verfas-sungsstaat, que é o “Estado Constitucional”. Ao fim da Primeira Guerra Mundial, surge a terceira fase do con-stitucionalismo, qual seja, o moderno ou social, correspondente aos direitos fundamentais de segunda dimensão (igualdade material e direitos sociais, econômicos e culturais). É a vez do Estado Social25, como prestador de serviços, o qual buscava a superação de uma desigualdade social, que estava em contradição com a alcançada 24 O Estado liberal se limita à ordem e segurança públicas, tendo três deveres, segundo Adam Smith: proteger a sociedade contra a violência e a invasão externa; estabelecer uma adequada administração da justiça; erigir e manter certas obras e instituições públicas que nunca seriam de interesse privado. 25 Estado Social não se confunde com Estado Socialista, em virtude, principalmente, de aquele manter a adesão ao capitalismo. livro_01.indd 33 19/12/2012 15:14:46
  • 35. 34 Direito Judicial Criativo igualdade política. As características fundamentais são: intervenção no âmbito social, econômico e laboral; papel decisivo na produção e distribuição de bens; garantia de um mínimo de bem-estar (welfare state), através de políticas sociais, a exemplo da distribuição do sa-lário social; estabelecimento de um grande convênio global de esta-bilidade econômica (pacto keynesiano). A quarta fase se desenvolve ao fim da Segunda Guerra Mun-dial, momento o qual nos referimos ao neoconstitucionalismo, tema este muito discutido nos dias de hoje. Essa é a fase dos direitos transindividuais (coletivos e difusos), representados pelas terceira e quarta dimensões dos direitos fundamentais. A terceira dimen-são (ou geração) traz consigo o valor fraternidade ou solidariedade, tais como o direito à paz, ao meio-ambiente, à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento e progresso. Já a quarta dimensão incorpora a ideia de pluralidade, como o direito à democracia, à in-formação e ao pluralismo. Em síntese, as gerações ou dimensões dos direitos fundamentais podem ser desenhadas na forma do seguinte quadro elaborado por George Marmelstein Lima (2003): Quadro 1 – Desenvolvimento das gerações ou dimensões dos direitos fundamentais 1a Geração 2a Geração 3a Geração 4a Geração Liberdade Igualdade Fraternidade Democracia (direta) Direitos nega-tivos (não agir) Direitos a prestações Direitos civis e políticos: liber-dade política, de expressão, re-ligiosa, comercial Direitos sociais, econômicos e culturais Direito ao desen-volvimento, ao meio-ambiente sadio, direito à paz Direito à informação, à democracia direta e ao pluralismo Direitos individ-uais Direitos de uma cole-tividade Direitos de toda a Humanidade Estado Liberal Estado social e Estado democrático e social Fonte: LIMA, George Marmelstein. Críticas à teoria das gerações (ou mesmo dimen-sões) dos direitos fundamentais. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 173, 26 dez. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4666>. Acesso em: 02 dez. 2009. livro_01.indd 34 19/12/2012 15:14:46
  • 36. 35 Mutação Social e Jurídica: Considerações Propedêuticas ao Estudo da Mutação Constitucional e a Nova Hermenêutica Como já foi adiantado em linhas atrás, o neoconstitucionalismo26 consolida, através da mudança de paradigma, novos e importantes princípios e métodos hermenêutico-constitucionais – que ainda serão analisados detidamente –, com vista a dar maior efetividade e força normativa à Constituição, constatações tais resultantes do fenômeno da expansão do objeto constitucional. São características desse novo movimento constitucionalista: 1) normatividade da Constituição27, com destaque para Konrad Hesse, em sua obra A Força Normativa da Constituição; 2) superioridade da Constituição (escrita e rígida); 3) centralidade da Constituição, que significa a onipresença ou ubiquidade constitucional e bem reflete o citado fenômeno da expansão do objeto (e do objetivo) da Con-stituição. Essa constitucionalização do direito, que é uma fase me-todológica de renovação da Constituição, com repercussão nos out-ros ramos do direito, dá-se por dois aspectos: a eficácia horizontal (e não somente vertical) dos direitos fundamentais, sendo cogentes es-ses direitos também nas relações entre particulares, e o princípio da interpretação conforme a Constituição28, pelo que a lei, além de ser compatível com ela, deve ser conforme, numa aplicação direta ou in-direta do Texto Maior; 4) rematerialização da Constituição, que reflete a nossa Magna Carta de 1988, dita prolixa; 5) maior abertura da inter-pretação constitucional, estando superada a subsunção tão somente lógica das regras pela configuração da ponderação, argumentação e métodos específicos relacionados aos princípios (normativos); 6) for-talecimento do Poder Judiciário. Esse último ponto é relevante para a finalidade deste trabalho, em vista de hoje termos o Poder Judiciário 26 O neoconstitucionalismo se aloca no contexto do pós-positivismo, onde houve o reconhecimento do caráter normativo dos princípios, motivo pelo qual a norma passa a ser conjunto de princípios (agora, vinculantes e obrigatórios) e regras. São nomes dessa fase Robert Alexy e Ronald Dworkin. Diga-se apenas que o direito pós-positivista une elementos do jusnaturalismo (correção substancial, de conteúdo – aspecto Justiça) e do positivismo (validade formal e eficácia social – aspecto Segurança Jurídica). Dessa forma, o conteúdo do direito tem de ser compatível com a moral. Vale a pena dizer que, para Alexy, o direito extremamente injusto não pode ser considerado direito. 27 Interessante correlação pode-se fazer entre a normatividade dos princípios e a nor-matividade da Constituição, já que esta, por certo, engloba diversos princípios (nor-mativos). 28 Não por menos, conforme Luis Roberto Barroso, toda a interpretação jurídica é in-terpretação constitucional. livro_01.indd 35 19/12/2012 15:14:46
  • 37. 36 Direito Judicial Criativo (em contraposição ao legislador de outrora) como o principal pro-tagonista no tocante à proteção das garantias constitucionais, num fenômeno que é chamado, sob a mira do Estado Democrático de Di-reito, de judicialização da política e das relações sociais. Em relação ao Estado Democrático de Direito, atualmente, seus meandros principais são a consagração, pelo ordenamento jurídico, de institutos que permitem a participação do povo na vida política do Estado (nesse sentido, a ação popular – art. 5º, LXXIII, CF/88 – e o plebiscito, referendo e iniciativa popular – art. 14, CF/88) e a pre-ocupação com o aspecto material e com a efetividade dos direitos fundamentais. Quanto a isso, saliente-se que o Legislativo não está condicionado apenas ao aspecto formal na elaboração das leis, mas também ao aspecto material (ou seja, ao conteúdo da Constituição e à sua força normativa, motivo pelo qual alguns autores apontam uma evolução do Estado Democrático de Direito para o Estado Con-stitucional Democrático). Como fácil se percebe, o próprio conceito de democracia passa a ter um aspecto material, além do formal29, significando a fruição de direitos básicos por todos, inclusive pelas minorias, cabendo ao Poder Judiciário a capacidade de equilibrar eventuais prejuízos da maioria e as garantias contramajoritárias. Por fim, é curiosa a referência feita por Marcelo Novelino (2009), citando José Roberto Dromi, a uma quinta fase, que não é atual, posto que é um constitucionalismo futuro. A respeito disso, sinaliza-se uma busca do equilíbrio entre as conquistas e concepções dominantes do constitucionalismo moderno e os excessos do constitucionalismo con-temporâneo. Ademais, selecionam-se alguns valores fundamentais das Constituições do futuro, quais sejam: verdade, solidariedade, con-senso, continuidade, participação, integração e universalização. Visto o desenvolvimento do Direito Constitucional, ancorado no movimento constitucionalista, mister focarmos atenção na Constitu-ição em si. Passemos, portanto, às concepções fundamentais acerca dela, que, consoante Marcelo Novelino (2009), são cinco: sociológica, política, jurídica, normativa e culturalista. A concepção sociológica (1868, Prússia), atribuída a Ferdinand Lassalle, indica que os problemas constitucionais são problemas liga-dos ao poder, e não jurídicos. Divide a Constituição em duas: a escrita 29 Limita-se, o aspecto formal, à constatação da participação do povo e à vontade da maioria. livro_01.indd 36 19/12/2012 15:14:46
  • 38. 37 Mutação Social e Jurídica: Considerações Propedêuticas ao Estudo da Mutação Constitucional e a Nova Hermenêutica (jurídica), que significa o conjunto de normas feito pelo Poder Con-stituinte, e a real (efetiva), ou seja, a soma dos fatores reais de poder que regem uma determinada nação. Se a Constituição escrita não corresponde à realidade, ela não passa de uma folha de papel. Por outras palavras, esse enfoque sociológico traz a concepção de que a Lex Major “[...] manifesta a emergência das forças sociopolíticas, do poder ativo dentro de uma sociedade [fatores reais do poder]” (FER-RAZ JR., 2003, p. 230) e, por espelhar esses fatores reais do poder, em conformidade com a própria realidade social, seria uma Constituição real, e não meramente algo no papel, sem qualquer eficácia. Em relação ao sentido político (1928, Alemanha), com referência a Carl Schmitt, a Lex Legum é vista como uma decisão política fun-damental, não obstante as identificações sociológicas e jurídicas, em equivalência, num sentido absoluto, ao próprio Estado. Nesse enfoque, “a constituição é um ato de vontade [decisionismo, vol-untarismo], não importa se corresponde ou não a anseios sociais. É uma questão de oportunidade política [...]” (FERRAZ JR., 2003, p. 232). Acresça-se a divisão feita entre Constituição propriamente dita (normas materialmente constitucionais) e Leis Constitucionais (nor-mas formalmente constitucionais), sendo, ainda, ambas as acepções formalmente iguais e materialmente distintas. Para Schmitt, a Consti-tuição propriamente dita (material) é apenas aquilo que decorre de uma decisão política fundamental que antecede (e.g. direitos funda-mentais, separação dos poderes, estrutura do Estado), enquanto que o restante seria as leis constitucionais (e.g. art. 241, § 2º, CF/8830). Tem-se, na primeira parte do séc. XX, com Hans Kelsen, a Con-stituição no sentido jurídico (stricto sensu), como lei fundamental, ou seja, conjunto de normas básicas que, tecnicamente, viabilizam os procedimentos para desenvolvimento da atividade organizada da sociedade. O aspecto jurídico de Kelsen, assaz examinado no sub-capítulo 3.1, propugna que a Constituição não precisa buscar o seu fundamento nem na sociologia nem na política, posto que, sendo ela também uma lei, tal embasamento é jurídico31. A Constituição tem o sentido lógico-jurídico, através do pressuposto da Norma Funda- 30 “Art. 242. [...] § 2º - O Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, será mantido na órbita federal.” 31 Embora seja feita crítica sobre esse ponto, pois não se preocupa com o conteúdo. livro_01.indd 37 19/12/2012 15:14:46
  • 39. 38 Direito Judicial Criativo mental Hipotética, e o sentido jurídico-positivo, ao estar no topo da pirâmide normativo-positiva, derivada do Poder Constituinte. Além desses pontos, pode-se falar em uma concepção normativa da Constituição, posição essa defendida, a partir de 1959, por Konrad Hesse, em contraposição ao aspecto sociológico. Em certos casos, admite-se que há, de fato, a sucumbência da Constituição jurídica diante da realidade. No entanto, muitas vezes (e tal intensidade deve prevalecer) essa Constituição escrita possui uma força normativa capaz de modificar a realidade apontada, bastando, para isso, que exista vontade de Constituição, e não apenas vontade de poder. Vol-taremos, por vezes, a comentar as ideias lançadas na obra do referido autor – A Força Normativa da Constituição. A quinta e última concepção é a culturalista, sendo Meireles Teixei-ra o seu expoente. Esse aspecto faz um apanhado dos outros referidos, ao entender que o Texto Maior tem ares sociológico, político e jurídico (além do normativo), o que nos remete ao conceito de Constituição to-tal, isto é, com todos os aspectos – e, por isso mesmo, Canotilho refere-se a ela como uma estrutura jurídica do aspecto político. Assim sendo, ao mesmo tempo em que uma Constituição é resultante da cultura de um povo, ela também é condicionante dessa mesma cultura. Importante notar que, em todos esses sentidos, percebe-se, de um lado, uma regra estrutural (fonte sociológica, política, jurídica, norma-tiva e cultural da norma constitucional) e, de outro, um elemento do sistema do ordenamento (a Constituição) (FERRAZ JR., 2003). Em vista de todo esse estudo sistemático e evolucional do fenô-meno constitucional, a seguinte afirmação de J. J. Gomes Canotilho (1995, p. 245, grifo nosso e itálico do autor), aplicada diretamente ao presente trabalho, é mais bem compreendida nesse momento do que se fosse alocada isoladamente, sem todo o contexto acima descrito: O direito constitucional, como conformador do político, é necessariamente o direito de uma realidade social, historicamente determinada. [...] Nesta perspec-tiva, a história do direito constitucional não é apenas nem fundamentalmente a história do texto; é tam-bém, e, sobretudo, a história do contexto (o conjunto de práticas constitucionais e de estratégias), o que o coloca no cerne da própria produção histórica e social. livro_01.indd 38 19/12/2012 15:14:46
  • 40. 39 Mutação Social e Jurídica: Considerações Propedêuticas ao Estudo da Mutação Constitucional e a Nova Hermenêutica 1.2 Nova Hermenêutica e Interpretação Jurídica e Constitucional O presente subcapítulo é especialmente importante para se compreender a construção de uma nova hermenêutica que embase, com um viés mais pragmático, as técnicas e formas de interpretação e aplicação do direito. Conforme prefacia Vicente de Paulo Barreto, da UERJ/UGF, a obra de Margarida Maria Lacombe Camargo, Hermenêutica e Argumentação: uma contribuição ao estudo do direito, tem o grande mérito de inves-tigar a mudança de paradigma na interpretação e compreensão do fenômeno jurídico, apontando, principalmente, a aplicação concreta-prática do direito, em contraposição ao abstrativismo de outrora. A referida mudança de paradigma deve-se a uma crise do direito, no sentido de se ter presente, hoje, uma nova forma de pensá-lo e aplicá-lo. Nesse ponto, não há que se confundir interpretar legalmente (dogmática) uma norma e fazer autêntica hermenêutica jurídica (ze-tética). Não. O processo hermenêutico considera a norma como parte integrante de um sistema, o jurídico, mas também a considera além de seu aspecto estritamente legal, para abarcar, assim, as dimensões sociais e valorativas, que determina, assaz, a eficácia do direito. A complexidade de uma sociedade pluralista demanda, outros-sim, que fatores antes tidos como ajurídicos (a exemplo dos valores, que são abordados classicamente como um conceito inerente à Moral e à Ética) permeiem a análise do pensar jurídico, concebendo-se uma nova metodologia, que expressam novos valores sociais e políticos, deixando de lado a dogmática civilista clássica e relegando, ainda mais, o brocardo medieval in claris cessat interpretatio, que não condiz com o constitucionalismo moderno – Canotilho (1994, apud PAULIO; ALEXANDRINO, 2009, p. 66) ensina que “toda a norma é sig-nificativa, mas o significado não constitui um dado prévio; é, sim, o resultado da tarefa interpretativa”. O direito pós-moderno apresenta-se, enfim, como um mecanis-mo de prática social e agente de mudança social. Essa nova racionali-dade jurídica busca fundamento na tópica e retórica (argumentação) para um completo entendimento (compreensão) do sistema jurídico da sociedade contemporânea. Importante observar que, na introdução do trabalho, apresenta-do pela autora à Universidade Gama Filho como sua Tese de Douto-livro_ 01.indd 39 19/12/2012 15:14:46
  • 41. 40 Direito Judicial Criativo rado, ela já finca as bases de seu estudo: a argumentação, levando em consideração o que está na lei, doutrina, jurisprudência (dogmática jurídica e os costumes) (CAMARGO, 2003). Aponta a insuficiência da hermenêutica tradicional e a descon-fiança que paira sobre o direito como as molas propulsoras de uma discussão sobre a aceitação, legitimidade e controle do mesmo. Quanto a essa hermenêutica tradicional, esta consiste nas técnicas de interpretação das leis (determinar o sentido e o alcance das ex-pressões do direito). E é justamente em razão dela que costuma a hermenêutica ser apontada como a ciência do direito que tem por objeto as técnicas de interpretação e aplicação do direito, ideia esta, por certo, reducionista (CAMARGO, 2003). Mas era esse critério que dava o viés cientificista e objetivo à in-terpretação das leis. Porém, essas técnicas não alcançam nem o seu objetivo, a um porque o seu comando é fluido, já que não há hierar-quia entre elas, e a dois porque tal orientação não vislumbra a dimen-são criadora do intérprete, que tende a mais focar o problema que se lhe apresenta do que para a lei em si. Embora essas ponderações, os livros de Introdução ao Direito sempre trazem técnicas de interpretação (gramatical, lógico-sis-temática, histórico-evolutiva, axiológica ou teleológica), sem se ater para o fato de que elas correspondem, ao fim, a uma construção de teorias, doutrinas e movimentos acontecidos ao longo dos séculos, e que representam uma abordagem bem maior do que a dada. Mister ponderar que Savigny já as apontava, indicando a sua apli-cação em conjunto, a fim de se compreender a norma jurídica. Contudo, concluímos com Margarida Camargo (2003, p. 4) que “são, na realidade, elementos que informam e orientam a lei sem, contudo, sobrepor-se ao comando do problema, ou seja, à dimensão prática e concreta do caso”, pelo que seria visto como automático entender a interpretação como simples descoberta do sentido objetivo do texto, independente do caso sub judice. Juiz não é máquina; é, na verdade, a viva vox iuris. Assim, ganha relevo figuras como ponderação, razoabilidade e di-alética na interpretação das leis, sendo, portanto, como insuficientes a simples aplicação de determinadas técnicas, como o silogismo puro e formal. Há necessidade, mormente no âmbito do direito con-stitucional, como bem aponta Margarida Camargo (2003), citando Friedrich Müller, Konrad Hesse e J. J. Gomes Canotilho, de um maior livro_01.indd 40 19/12/2012 15:14:46
  • 42. 41 Mutação Social e Jurídica: Considerações Propedêuticas ao Estudo da Mutação Constitucional e a Nova Hermenêutica compromisso do intérprete com a realidade social, no sentido de uma hermenêutica concretizadora. Historicamente, a essência do direito sempre esteve calcada na justiça e segurança (algo que se aponta como inversamente propor-cionais, mas que são, na verdade, concepções complementares). De um lado, temos a justiça formal, onde prepondera a ideia de segu-rança do direito. De outro, o questionamento dessa “modernidade”. Em Hobbes, Locke, Rousseau, Montesquieu e nos Fouding Fathers (Hamilton, Madison e Jay), temos, de forma geral, a manifestação no sentido de igualar o Estado à ordem do ordenamento jurídico posi-tivo, onde a segurança se encontra nas leis legitimamente criadas pelos representantes do povo e garantidas pelo poder judiciário, que inibem o abuso de poder, mas também garante a igualdade formal entre os homens. Assim, a teoria da separação dos poderes e a igual-dade garantida pela aplicação da lei formam a estrutura formal e os ideais do Estado de Direito.32 Dando um salto quântico, na pós-modernidade esse valor segu-rança abre espaço para o valor justiça, garantido, agora, pela razoabi-lidade das decisões de cada caso concreto. Nas palavras de Margarida Camargo (2003, p. 64/65): “é quando as relações intersubjetivas e dialé-ticas, capazes de viabilizar o consenso e a legitimidade das decisões jurídicas, fazem com que se recupere a antiga retórica clássica e lhe confira objetos novos” (lógica do razoável e nova hermenêutica). Importante, ainda, que observemos o efeito concreto trazido pela pesquisa jurídica de matriz jurisprudencial, a que, muito apro-priadamente, A. Castanheira Neves (1998, apud CAMARGO, 2003, p. 9) chama de jurisprudencialismo, que se apresenta “[...] como o suces-sor do normativismo legalista e do funcionalismo jurídico [o direito como o meio de realizar os interesses de outras esferas de poder ou mesmo da economia e da política]33 anteriores, e que busca enfrentar a crise de sentido pela qual atravessa o direito” (CAMARGO, 2003, p. 9). Nas palavras do citado autor: 32 O conto O moleiro de Sans Souci, do francês François Andrieux, resenha um fato ocor-rido na França pelo qual se demonstra o triunfo da lei sobre a força e o arbítrio. A um chamado do rei para que se cumprisse uma ordem sua de retirada de um moinho que maculava a imagem do seu palácio de veranei, o moleiro respondeu: “ainda há juízes em Berlim”. 33 Cf. SALDANHA; ESPINDOLA; MACHADO, 2009. livro_01.indd 41 19/12/2012 15:14:46
  • 43. 42 Direito Judicial Criativo O que dá sentido ao jurisprudencialismo é uma outra perspectiva bem diferente. Designamo-la por perspectiva do homem (do homem-pessoa), i. é, aquela perspectiva em que o direito, com uma sua norma-tividade axiologicamente fundada, é assumida por, e está diretamente ao serviço de uma prática pessoal-mente titulada e historicamente concreta [...]. (NEVES, 1998, p. 18, apud CAMARGO, 2003, p. 9) Esse jurisprudencialismo não se confunde com a jurisprudenciali-zação, embora tenham reflexões calcadas pelo mesmo aspecto concre-to e criador do direito. A jurisprudencialização do direito constitucional será tratada em subcapítulo próprio. Diga-se, por enquanto, que repre-senta uma nova forma de ver a Constituição, ao ser revelada a criação jurisdicional em matéria constitucional e a autoridade da Jurisprudên-cia (direito constitucional jurisprudencial), identificando-se, outrossim, a interpretação concretizante de certos conteúdos constitucionais. Tem o ponto de conexão com o jurisdicionalismo à medida que ambos levam em consideração os efeitos concretos das decisões judiciais. Em um apelo distintivo, que não pode ser considerado absoluto, pode-se dizer que a jurisprudencialização está para o enfoque jurisdi-cional e jurisprudencial (no sentido das decisões, no caso, das Cortes Constitucionais) assim como o jurisprudencialismo está para a análise fenomenológica do decidir jurídico (concreto)34. Este, como juridici-dade, influencia aquele35. Enfim, [...] o Jurisprudencialismo toma o direito como um con-stitutivo e sempre novo pensamento comprometido com o decidir concreto; um pensamento problemático 34 “É a focalização e análise fenomenológica do ‘decidir jurídico’ em sua intencion-alidade específica, revelando a prioridade do caso para a abordagem metodológica do direito (abordagem esta por isso mesmo ‘microscópica’), que afasta desde logo quaisquer concepções em que o direito figure como um mero (já) dado, normativo ou fático, preexistente (seja lá como este objeto seja pensado: uma norma positiva emanada do legislador estatal ou do costume, ou fruto da razão ou da natureza, ou de Deus, ou um conjunto de fatos reveladores de uma ordem social), o qual cumpriria ao pensamento jurídico ‘apreender’. Ao mesmo tempo, revela inequivocamente a racion-alidade que governa e a autonomia que caracteriza o direito.” (COELHO, 2006, p. 4) 35 “O modelo de jurisdição – sustenta CASTANHEIRA NEVES – determina-se pelo mod-elo de juridicidade que lhe é contemporâneo” (COELHO JUNIOR, 2005). livro_01.indd 42 19/12/2012 15:14:46
  • 44. 43 Mutação Social e Jurídica: Considerações Propedêuticas ao Estudo da Mutação Constitucional e a Nova Hermenêutica pertencente ao presente e voltado para o futuro, por força de sua historicidade mesma. (COELHO, 2006, p. 2) O modelo do jurisprudencialismo traz a perspectiva do homem-pessoa convivente no seu direito, no seu dever e na sua responsa-bilidade36, em contraposição ao normativismo (perspectiva do legal) e ao funcionalismo (perspectiva do social). Destarte, esse novo para-digma, com o esgotamento daquele positivista, reveste de especial importância os princípios jurídicos37 (que tem relação estreita com os 36 “Na investigação [...] do decidir concreto demonstra-se o prius metodológico do caso so-bre a norma. O direito não é tido na conta de um objeto pré-constituído, mas como um problema de validade, como pensamento jurídico emergente sempre em/com situações humanas concretas que desafiam o homem a uma resposta de validade, que é uma re-sposta sobre si mesmo, uma resposta em que o homem se decide na convivência. [...] O direito é uma decisão/afirmação fundamental do homem em sua historicidade, que não está lá desde sempre mas é posto por força do próprio homem” (COELHO, 2006, p. 9 e 12). 37 Os princípios, como é cediço, são mandamentos de otimização que se servem da propor-cionalidade e da razoabilidade. Diversamente das regras (embora ambos façam parte do gênero “norma”), onde os conflitos são resolvidos pelos clássicos critérios hierárquico, cronológico e de especialidade, a hipótese de colisão de princípios soluciona-se por meio da proporcionalidade (também chamado de razoabilidade, de proibição de excesso ou do devido processo legal em sentido substantivo, embora alguns diferenciem proporcionali-dade de razoabilidade – já que o teste da (ir)razoabilidade (teste Wednesbury) é menos in-tenso do que o da proporcionalidade, afastando-se tão somente os atos absurdamente irra-zoáveis –, como Humberto Ávila (2009) e Luís Virgílio Afonso da Silva (2002, apud CARDOSO, 2009). Mas, diga-se, o STF considera a proporcionalidade abrangente da razoabilidade). Essa regra da proporcionalidade foi desenvolvida pelo Tribunal Constitucional alemão a partir do paradigmático processo do caso Lüth – que diz respeito a um pedido de boic-ote público a um filme chamado Unsterbliche Geliebte (“Amada Imortal”), envolvendo esse caso questão acerca da livre manifestação de opinião –, estabelecendo os seus elementos: adequação (o meio é adequado ao fim, revelando-se apta a medida a ser tomada), necessi-dade (não há outra medida que impeça tal prejuízo) e proporcionalidade em sentido estrito – ponderação (averiguação das vantagens e desvantagens da adoção da medida, devendo haver um equilíbrio, uma ponderação entre o grau de restrição e o grau de realização do princípio contraposto). O legado do caso Lüth se espraia, por exemplo, nos conceitos ref-erentes à dimensão objetiva dos direitos fundamentais (eficácia irradiante desses direitos – Ausstrahlungswirkung), à eficácia horizontal dos direitos fundamentais (Drittwirkung) e à necessidade de ponderação, em caso de colisão de direitos – fala-se, ainda, em constitu-cionalização do direito privado, filtragem constitucional, interpretação conforme os direi-tos fundamentais, etc. Cf. também, para maiores detalhes sobre o caso Lüth e seus efeitos, citando, inclusive, a decisão na íntegra da Corte Constitucional alemã: LIMA, George Mar-melstein. 50 Anos do Caso Lüth: o caso mais importante da história do constitucionalismo alemão pós-guerra. Direitos Fundamentais, 13 maio 2008. Disponível em: <http://direitos-fundamentais. net/2008/05/13/50-anos-do-caso-luth-o-caso-mais-importante-da-historia- -do-constitucionalismo-alemao-pos-guerra/>. Acesso em: 30 nov. 2009. livro_01.indd 43 19/12/2012 15:14:46
  • 45. 44 Direito Judicial Criativo direitos fundamentais), estruturados de forma normativa, pelo que se permite o desenvolvimento reclamado pelas transformações so-ciais, num sistema aberto de valores que se interagem uns com os outros, a depender do caso concreto posto a julgamento (perspectiva jurisprudencial). Os princípios jurídicos – sustenta Inocêncio Mártires Coelho (2003, p. 98, apud COELHO JUNIOR, 2005) – são produzidos [...] em dois tempos e a quatro mãos: primeiro são formulados genérica e abstratamente pelo legislador; depois se transformam e se concretizam, natural-mente, em normas de decisão que, a partir deles, são criadas pelos intérpretes e aplicadores do direito. É dessa forma que A. Castanheira Neves (1998, p. 13, apud COEL-HO JUNIOR, 2005) ensina que a atual praxis caracteriza-se, funda-mentalmente, pela “transformação irreversível do sentido das leis e pela assunção deliberadamente programática de uma estratégia político-social no todo da realidade social”, não mais se admitindo aquele juiz que não fala, ou melhor, que somente emite sons com as palavras do legislador. É dizer: o magistrado, antes mero bouche de la loi, assume papel ativo na garantia de direitos que não se ache necessariamente na lei ou mesmo nela se encontre abstrati-vamente, à espera de que lhe seja dado conteúdo. Tal fenômeno ju-rídico articula-se mediante os seguintes vetores, bem apresentados por Sergio Coelho Junior (2005), e que servem de parâmetro para todo o trabalho, em razão da disseminação da Jurisdição Constitu-cional e fortalecimento do Poder Judiciário: a) A todo momento, emergem conflitos das mais variegadas naturezas, para os quais o legislador não pode dar resposta. Trata-se de uma “explosão de litigiosidade”, que não se manifesta somente em ter-mos quantitativos; b) O advento da sociedade de massa, orientada pelo e para o mercado, o qual no terreno jurídico tem por colunas os institutos do contrato e da responsa-bilidade. É o mercado, e não mais a lei, que faz fun-cionar as engrenagens da sociedade. Prova disso são a onipresença das relações de consumo, a aplicação livro_01.indd 44 19/12/2012 15:14:47
  • 46. 45 Mutação Social e Jurídica: Considerações Propedêuticas ao Estudo da Mutação Constitucional e a Nova Hermenêutica analógica de seu estatuto às mais variadas situações e a flexibilização das relações de trabalho (prevalência do pactuado sobre o legislado); c) A dissolução de um consenso moral, especial-mente no que tange à relações de família, profunda-mente alteradas (sob muitos aspectos em boa hora) pelo reconhecimento da união estável, pela vedação de distinção entre os filhos havidos ou não na con-stância do matrimônio dos pais, pela emancipação da mulher, pelo reconhecimento dos direitos da cri-ança e do adolescente; d) A disseminação da Jurisdição constitucional, mediante a qual se rompe o dogma rousseauísta da soberania do legislador; e) A universalização da justiça e dos direitos fun-damentais, máxime com o advento do direito comu-nitário, veio contribuir para a preeminência do julga-dor. E não se está somente falando da jurisdição das próprias cortes comunitárias, mas sobretudo dos juízes internos que fundamentam suas decisões em normas de direito supranacional ou na jurisprudência daque-les tribunais, de que é exemplo a Corte de Estrasburgo; f) A tutela coletiva dos novos direitos, envolven-do questões relativas ao meio ambiente, ao consumi-dor, à informação, à livre concorrência, ao patrimônio genético etc., sempre a exigir do juiz soluções que não raro desconhecem tratamento nos textos legais, seja no aspecto material, seja no instrumental, onde as categorias clássicas forjaram-se sob a ótica dos direitos individuais. Destarte, não são apenas os in-divíduos, que dele se socorrem como último recurso, mas a sociedade ela mesma transfere suas incapaci-dades à instituição judiciária. Delinear-se-á o tema da jurisprudencialização e do ativismo ju-diciário mais adiante. Voltemos, por ora, porém, à análise hermenêu-tica encampada por Margarida Camargo. A autora propõe uma investigação do direito através de uma teo-ria da argumentação da hermenêutica jurídica, que leve em conta o estudo tópico-retórico-dialético num processo de compreensão e livro_01.indd 45 19/12/2012 15:14:47
  • 47. 46 Direito Judicial Criativo concretização da norma, com concentração na idéia da lógica do ra-zoável (Perelman) e Nova Retórica. Para ela, os termos hermenêutica – que advém do deus Hermes, da mitologia grega, que detinha o conhecimento e era capaz de deci-frar corretamente as mensagens divinas – e interpretação jurídica nos remetem ao processo de aplicação da lei, que é feito pelo Poder Ju-diciário. Tal norma jurídica encontra-se jungida a valores que devem ser compreendidos e o processo de interpretação e aplicação das leis correspondem a uma situação hermenêutica (Gadamer) relacionada a uma situação histórica, da qual fazem parte o sujeito (intérprete) e o objeto a ser interpretado (fato e norma). Assim, hermenêutica jurídica caracteriza-se como o processo de interpretação e aplicação da lei que desemboca na compreensão to-tal do fenômeno que requer solução (problema concreto que clama por solução razoável, justa). Diferem-se ciências empíricas (naturais) da do espírito (que dizem respeito às relações humanas). Estas necessitam de compreensão, porque proferem conhecimentos. Dizem respeito, também, a relação histórica e de liberdade que se estabelecem no campo da variedade e da probabilidade. Por isso mesmo se diz que o intérprete, aí, é um ser historicamente orientado e que faz parte de uma tradição. “A nor-ma jurídica constitui-se, assim, em um fazer humano, carregado de sentido [valores]” (CAMARGO, 2003, p. 17). Dessa forma, o direito – a sua existência –, enquanto significação, depende de concretização ou da aplicação da lei em cada caso jul-gado, através da relação fática entre compreensão e interpretação, no âmbito da experiência em um vasto campo de possibilidades (hermenêutica como filosofia prática; Gadamer). Isso se aplica tanto ao direito objetivo (ratio legis) quanto ao direito subjetivo (intenção do autor numa situação específica). A hipótese lançada pela autora é a de que esse processo de com-preensão, no direito, se concretiza por meio da argumentação, que torna possível, tecnicamente, a interpretação. Essa argumentação, em instaurado o pensamento dialético, seria a técnica que viabilizaria o acordo sobre a escolha do significado (dentre as várias possibilidades) mais adequado, verossímil às partes historicamente presentes. Assim dispõe Margarida Camargo (2003, p. 22): “[...] o direito con-siste na realização de uma prática que envolve o método hermenêu-livro_ 01.indd 46 19/12/2012 15:14:47
  • 48. 47 Mutação Social e Jurídica: Considerações Propedêuticas ao Estudo da Mutação Constitucional e a Nova Hermenêutica tico da compreensão e a técnica argumentativa”. Logo, compreensão e concretização encontram-se relacionadas, onde a realidade do di-reito confunde-se com a realidade de sua compreensão. Nessa interpretação devem ser considerados os pré-juízos (topoi; Heidegger) e as provas concretas e opiniões amplamente aceitas (“auditório universal”). Busca-se, com isso, a verdade, não inques-tionável, mas aquela persuasiva e responsável. Falamos muito em hermenêutica e interpretação como se sig-nificassem a mesma coisa. Não são. A hermenêutica se comporta como ciência que se preocupa com as técnicas próprias da atividade interpretativa, inserida, aquela, por vezes na lógica formal, por outras vezes na fenomenologia de Husserl e Heidegger. Gadamer, ao questionar a problemática da compreensão das ciências do espírito, aborda a análise da “consciência da história efe-tiva” e do “horizonte histórico”. Essa historically effected consciousness significa a consciência da situação hermenêutica, ou seja, do momen-to de realização da compreensão. Já o projeto do horizonte histórico é um momento na realização da compreensão, baseado na ideia de tradição (formada dos princípios, lei, doutrina e jurisprudência, com forte carga de legitimidade do poder): “compreender é operar uma mediação entre o presente e o passado”, numa relação de confronto entre o novo (experiência) e o antigo (costume). (GADAMER, 1998, apud CAMARGO, 2003, p. 34) Dessa forma, conclui que a tarefa da hermenêutica é refletir sobre a dinâmica da própria interpretação, compreendendo o objeto com base em uma certa tradição. Ou seja, a interpretação como comportamento reflexivo-dialético-histórico-linguístico diante da tradição, de forma a aflorar o verdadeiro significado do texto. Completa Margarida Camargo (2003), ao afirmar que “o indivíduo compreende-se a si mesmo através da consciência que tem de sua situação histórica”. Richard Palmer (1970, p. 216, apud CAMARGO, 2003, p. 38) assim sintetiza o pensamento de Gadamer: “as chaves para a compreensão não são a manipulação e o controle, mas sim a participação e a abertura, não é o conhecimento, mas a experiência, não é a metodologia mas sim a dialética”. Como mais adiante será repetido, na hermenêutica atual há uma prevalência da “vontade objetiva da lei (rectius: da Constituição)” so-bre a “vontade subjetiva do legislador”, e por isso mesmo cabe ao intérprete o importante papel de adequar a significação da lei ao mo-livro_ 01.indd 47 19/12/2012 15:14:47
  • 49. 48 Direito Judicial Criativo mento presente de aplicação da mesma, dentre um leque de possibi-lidades, revelando-a ao mesmo tempo em que a concretiza (existen-cialismo de Gadamer). Afirma Gadamer (1983, apud CAMARGO, 2003, p. 44) que “aplicar o direito significa pensar conjuntamente o caso e a lei de maneira tal, que o direito propriamente dito se concretize”. “E de concretização em concretização temos, como resultado, um franco projetar da jurisprudência” (CAMARGO, 2003, p. 44, grifo nosso). Nesse ponto, o pensamento tópico tem como base o acordo, o que “democratiza” o pensamento. Pondere-se que Descartes, ao contrário, prega o cartesianismo, que vai de encontro a tudo aqui já dito, posto que reprova a influên-cia dos costumes e valores, que “contaminam a pureza e a clareza do raciocínio” (CAMARGO, 2003, p. 49). O direito, como obra humana, está impregnado de valores, seja na intenção do legislador ou mesmo no processo de aplicação da lei próp-rio do juiz, seja levando-se em consideração aqueles valores incorpora-dos à tradição histórica, o que faz com que ele deva ser compreendido. Nesse processo, há que se falar da pré-compreensão, que significa uma antecipação daquilo que se compreende, pela expectativa cria-da pelo intérprete frente a seu objeto. Dentro dessa interação dialé-tica, depreende-se a figura do “círculo hermenêutico”, que coloca em movimento a interpretação. Não é por menos que se afirma: “os pré-juízos de um indivíduo são muito mais que seus juízos; a realidade histórica do seu ser” (viés ontológico-existencialista) (GADAMER, 1992, apud CAMARGO, 2003, p. 57). A autora finaliza o primeiro capítulo distinguindo a hermenêu-tica jurídica dos demais campos hermenêuticos, ao dizer que aquela tem uma característica que lhe é peculiar, qual seja, utilização no processo de compreensão, além da tradição histórica, da tradição es-pecificamente jurídica (regras e princípios), que desemboca na ideia da dogmática, que tem a grande vantagem de preservar a segurança nas relações sociais, “pelo quantum de previsibilidade que oferece ao controle de suas ações, mais do que em qualquer outra área do con-hecimento [...]”. (CAMARGO, 2003, p. 58/60) Percorreremos, nesta parte, que corresponde ao segundo capí-tulo da obra de Margarida Camargo, a análise de diversos movimen-to/ teorias lançados ao longo dos séculos acerca da interpretação do mundo jurídico, “da exegese à jurisprudência de valores”. livro_01.indd 48 19/12/2012 15:14:47
  • 50. 49 Mutação Social e Jurídica: Considerações Propedêuticas ao Estudo da Mutação Constitucional e a Nova Hermenêutica A essência do direito sempre esteve calcada na justiça e seguran-ça (algo que se aponta como inversamente proporcionais, mas que são, na verdade, concepções complementares). De um lado, temos a justiça formal, onde prepondera a ideia de segurança do direito. De outro, o questionamento, feito pela autora, dessa “modernidade”. Em Hobbes, Locke, Rousseau, Montesquieu e nos Fouding Fa-thers (Hamilton, Madison e Jay), temos, de forma geral, a manifes-tação no sentido de igualar o Estado à ordem do ordenamento jurídico positivo, onde a segurança se encontra nas leis legitimam-ente criadas pelos representantes do povo e garantidas pelo poder judiciário, que inibem o abuso de poder, mas também garante a igualdade formal entre os homens. Assim, a teoria da separação dos poderes e a igualdade garantida pela aplicação da lei formam a es-trutura formal e os ideais do Estado de Direito. Dando um salto quântico, na pós-modernidade esse valor seguran-ça abre espaço para o valor justiça, garantido, agora, pela razoabilidade das decisões de cada caso concreto. Nas palavras de Margarida Cama-rgo (2003, p. 64/65): “é quando as relações intersubjetivas e dialéticas, capazes de viabilizar o consenso e a legitimidade das decisões jurídicas, fazem com que se recupere a antiga retórica clássica e lhe confira obje-tos novos” (lógica do razoável e nova hermenêutica). Mas isso se deveu a uma grande discussão ao longo do tempo, que passaremos a abordar. A Escola da Exegese surge com o objetivo de interpretar os grandes códigos, como o de Napoleão. Na verdade, impunham uma atividade restrita do poder judiciário nessa tarefa interpretativa, pois propugnava a observância severa e restrita aos termos da lei, à gra-maticalidade. O juiz seria, assim, mero aplicador do texto legal, neu-tro e objetivo. É a época do dogma da razão, que vai de 1804 a 1880, quando do declínio, ou seja, da onipotência do legislador. Mas muitas vezes os juízes se defrontavam com casos de lacunas, e por isso François Gény faz sua crítica ao defender a “livre investi-gação científica”, onde o juiz, naqueles casos, deve fazer uma análise sobre os fatos sociais. Livre porque não está adstrita a uma autori-dade positiva; científica porque encontra suas bases nos elementos sólidos e objetivos da ciência. Assim, permite-se uma procura do di-reito fora do texto legal. Esse foi o cientificismo de base sociológica. Em contraposição à filosofia das luzes, surge, na Alemanha, a Escola Histórica do Direito, que propugna por manifestações es-livro_ 01.indd 49 19/12/2012 15:14:47