Este documento discute a ética da virtude e o desenvolvimento moral da pessoa. Apresenta o renascimento da teoria ética da virtude a partir de 1980 e o contributo de filósofos como Anscombe e MacIntyre. Explora conceitos como as virtudes particulares da coragem e compaixão e como estas são ensinadas através do método dos "3 Es" de Thomas Lickona: exortação, exemplo e envolvimento.
1. 11/20/2006 (c) Lawrence M. Hinman 1
Lawrence M. Hinman, Ph.D.
Director, The Values InstituteUniversity of San Diego
Simpósio Internacional sobre Activação do Desenvolvimento Psicológico
Universidade de Aveiro, 2006
ÉTICA
DE
VIRTUDE E DESENVOLVIMENTO
MORAL DA PESSOA
2. 11/20/2006 (c) Lawrence M. Hinman 2
INTRODUÇÃO
A preocupação com a
educação do carácter
desenvolveu-se no
Ocidente desde o
tempo de Platão,
cujos primeiros
diálogos exploraram
as virtudes da
coragem e da justiça.
Platão
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RENASCIMENTO DA TEORIA ÉTICA
DA VIRTUDE A PARTIR DE 1980
Elisabeth Anscombe (1958) e Alasdair
MacIntyre (1990)
Contributo de Anscombe:
- A ética deontológica, baseada no dever e obrigação,
tornou-se ininteligível
- A ética deontológica, baseada na ideia de “agir não
para satisfazer um desejo ou um querer do indivíduo,
mas apenas porque é eticamente correcto fazê-lo”,
deixou de ter sentido.
- A virtude só faz sentido quando preenche
necessidades humanas (ética teleológica)
4. 11/20/2006 (c) Lawrence M. Hinman 4
O CONTRIBUTO DE MACINTYRE
Não existe uma só tradição ética no
Ocidente, mas várias.
Somos perfeccionistas no desporto e nas
artes, utilitaristas na vida diária, lockianos
quando se trata de respeitar o direito de
propriedade, cristãos quando idealizamos
a compaixão, a caridade e a igualdade e
kantianos quando afirmamos o valor da
autonomia da pessoa e do respeito pelos
direitos humanos.
5. 11/20/2006 (c) Lawrence M. Hinman 5
O CONTRIBUTO DE MACINTYRE (2)
Qual o significado da vida?
- O significado depende da pessoa
compreender que pertence a uma ou a
várias tradições morais, as quais lhe
permitem construir uma narrativa para a
sua vida, que depende da existência de
“standards” de excelência e de certas
práticas apropriadas.
6. 11/20/2006 (c) Lawrence M. Hinman 6
O CONTRIBUTO DE MACINTYRE (3)
As virtudes só podem prosperar em
comunidades de certo tipo.
Ou seja, há comunidades que impedem o
florescimento das virtudes
O que quer dizer que a pessoa virtuosa
floresce melhor numa comunidade
virtuosa.
Diferentes tipos de comunidade
encorajam diferentes tipos de virtude.
7. 11/20/2006 (c) Lawrence M. Hinman 7
O CONTRIBUTO DE MACINTYRE (4)
Embora o carácter da pessoa tenha
condicionantes genéticas e seja, de algum
modo, fixo, é possível mudá-lo.
Na medida em que os actos são realizados
em liberdade e o agente tem oportunidade
de reflectir sobre as suas consequências,
há alguma margem para a mudança do
carácter.
A reflexão sobre as consequências exige
“ethical guidance”, hábito e envolvimento.
9. 11/20/2006 (c) Lawrence M. Hinman 9
Duas Questões Morais
A questão da acção:
– Como devo agir?
A questão do carácter
– Que espécie de pessoa devo ser?
A nossa preocupação é com a
questão do carácter
10. 11/20/2006 (c) Lawrence M. Hinman 10
Uma analogia a partir do sistema
de justiça
• Como país, depositamos a nossa vontade de
justiça, na área legal, de duas maneiras:
– Leis, que proporcionam as regras necessárias
– Pessoas, que aplicam a justiça
• Do mesmo modo, a ética baseia-se em:
– Teorias, que proporcionam regras de conduta
– A virtude, que proporciona a sabedoria necessária
para aplicar as regras aos casos particulares
11. 11/20/2006 (c) Lawrence M. Hinman 11
Virtude
Força de carácter
(hábito)
Envolvendo o
sentimento e a acção
Procura o meio termo
entre o excesso e a
deficiência em relação
a nós próprios
Promove o
desenvolvimento
humano
Aristoteles
12. 11/20/2006 (c) Lawrence M. Hinman 12
Duas Concepções de moralidade
Podemos contrastar duas concepções de
vida moral.
– A concepção infantil:
• Tem origem externa (os pais, por exemplo).
• É negativa.
• A formação de regras e do hábito é central.
– A concepção adulta:
• Tem origem interna.
• É positiva.
• Centrada na virtude, quase sempre modelada por ideais.
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Inteligência e Sabedoria
A pessoa inteligente é a que conhece
os melhores meios para qualquer
finalidade possível.
A pessoa sabedora é a que conhece
quais são os fins que são estimáveis.
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Desejos Bem Ordenados
Aristóteles faz um contraste entre:
– Pessoas continentes, que conseguem
controlar os desejos desordenados.
– Pessoas temperadas, cujos desejos são
bem ordenados, em função do que é
bom para elas.
– Pessoas de vontade fraca (Akrasia) ou
seja indivíduos que não são capazes de
controlarem os seus desejos.
15. 11/20/2006 (c) Lawrence M. Hinman 15
Virtude como Meio Termo
A força de carácter exige que a
pessoa encontre o equilíbrio certo
entre dois extremos.
– Excesso: ter em demasia algo.
– Deficiência: ter demasiado pouco de
algo.
Não significa mediocridade, mas sim
harmonia e equilíbrio.
16. 11/20/2006 (c) Lawrence M. Hinman 16
Virtude e Hábito
A virtude é alguma coisa que é
praticada e aprendida – é um hábito
(hexis).
Aristóteles considera que é possível
ensinar as pessoas serem virtuosas.
17. 11/20/2006 (c) Lawrence M. Hinman 17
Segunda Parte
Virtudes Particulares
Coragem
Compaixão
Amor próprio
Amizade
Perdão
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A coragem e a unidade das
virtudes
Para uma pessoa ter uma virtude de
carácter, em grande escala, também deve
ter outras qualidades, em alguma medida.
– A coragem sem capacidade de julgamento é
cegueira.
– A coragem sem perseverança é apostar
apenas no curto prazo.
– Coragem sem um claro conhecimento das
nossas capacidades é uma forma de loucura.
19. 11/20/2006 (c) Lawrence M. Hinman 19
Compaixão e Piedade
A piedade significa olhar para o outro de
cima para baixo.
– Consequentemente, ninguém quer ser objecto
de piedade.
A compaixão olha para o sofrimento dos
outros como se fosse algo que pudesse
acontecer-nos.
– Consequentemente, gostamos que os outros
tenham compaixão para connosco.
20. 11/20/2006 (c) Lawrence M. Hinman 20
Compaixão
Etimologia: sentir ou sofrer com o outro.
Cognitivamente e emocionalmente.
Conduz à acção.
Excesso:o síndrome do “coração partido”.
Deficiência: Insensibilidade ou “dureza de
coração”.
Contrasta com a piedade.
21. 11/20/2006 (c) Lawrence M. Hinman 21
Compaixão como emoção
A emoção é muitas vezes
necessária:
– Para reconhecer o sofrimento dos
outros.
• Ligação emocional.
– Para dar resposta aos que sofrem.
• Os outros precisam de saber que nos
importamos com eles.
22. 11/20/2006 (c) Lawrence M. Hinman 22
Amor
Envolve sentir, conhecer e agir.
Características do amar outra
pessoa:
– Sentimentos de ternura, cuidado,
apreço e respeito.
– Conhecer essa pessoa.
– Agir de forma a promover o
florescimento dessa pessoa.
23. 11/20/2006 (c) Lawrence M. Hinman 23
Amor Próprio:
Características
Características:
– Ter sentimentos de cuidado, apreço e
respeito por si próprio.
– Valorar-se a si próprio na justa medida.
– Conhecer-se a si próprio.
– Agir de forma a promover o seu próprio
florescimento.
24. 11/20/2006 (c) Lawrence M. Hinman 24
Amor Próprio:
Deficiência
Deficiência:
– Reduzida capacidade para sentir.
– Reduzida capacidade para se auto-
avaliar e tendência para a
autodepreciação.
– Reduzida capacidade para se
autoconhecer.
– Reduzida capacidade para agir.
25. 11/20/2006 (c) Lawrence M. Hinman 25
Amor Próprio:
Excesso
Pode assumir várias formas: arrogância,
egoismo, vaidade e narcisismo.
Excesso de centração em si próprio.
Autoconceito exagerado e irrealista.
Demasiada confiança em si próprio:
narcisismo.
Demasiada acção em proveito próprio:
egoismo.
26. 11/20/2006 (c) Lawrence M. Hinman 26
Amizade
Para Aristóteles, não há
necessariamente uma dicotomia
entre o interesse próprio e a
preocupação pelos outros.
Sem amigos, não podemos ser
felizes.
– “…ninguém escolhe viver sem amigos,
ainda que tenha todos os outros bens”
EN, VIII, 1.
27. 11/20/2006 (c) Lawrence M. Hinman 27
O que é a amizade?
“O amigo é aquele que partilha o teu
prazer naquilo que é bom e a tua dor
naquilo que é desagradável, pelo teu
próprio valor e por mais nenhuma
razão.” --Retórica, Livro II, Cap. 4;
1380b36-1381a5
28. 11/20/2006 (c) Lawrence M. Hinman 28
Tipos de Amizade
A Amizade pode ter os seguintes fins:
– Utilidade: acaba quando o propósito da
utilidade cessa.
– Prazer: acaba quando a fonte de prazer cessa.
– Um partilha pelo que é bom: “A amizade
perfeita é a amizade que se baseia na partilha
de virtudes e em mais nenhuma razão.” EN,
VIII, 3.
29. 11/20/2006 (c) Lawrence M. Hinman 29
Perdão
– É uma virtude indispensável ao florescimento
humano:
– Em qualquer relação de longo prazo (amizade,
casamento,etc.),cada um pode fazer coisas
que devem ser perdoadas pelo outro.
– Relações de longo prazo são essenciais para o
florescimento humano.
– Se não conseguirmos perdoar, não seremos
capazes de manter as relações.
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Perdão:
Excesso e Deficiência
Excesso: a pessoa que perdoa demasiado
facilmente e demasiado rapidamente.
– Pode subestimar-se a si própria.
– Pode subestimar a ofensa.
Deficiência: a pessoa incapaz de perdoar.
– Pode sobrestimar a sua importância.
– Geralmente leva uma vida amarga e
ressentida.
31. 11/20/2006 (c) Lawrence M. Hinman 31
Conclusão
As virtudes são os traços de carácter
que promovem o nosso
florescimento como pessoas.
A pessoa virtuosa tem sabedoria
prática, a habilidade para conhecer
quando e como aplicar melhor as
várias perspectivas morais.
32. 11/20/2006 (c) Lawrence M. Hinman 32
Segunda Parte
Metodologia de promoção de
valores:
Os 3 Es: exortação, exemplo e
envolvimento (Thomas Lickona)
33. 11/20/2006 (c) Lawrence M. Hinman 33
THOMAS LICKONA: MÉTODO 3 Es
ESTRATÉGIAS PARA A SALA DE
AULA:
O professor como mentor e modelo
Reflexão ética em torno de grandes
obras
Técnicas de gestão de conflitos
Reforços
Participação na tomada de decisões
34. 11/20/2006 (c) Lawrence M. Hinman 34
MÉTODO 3 Es: OBJECTIVOS
Usar os conteúdos para desenvolver o
raciocínio moral
Estimular a cooperação entre os alunos
Desenvolver a responsabilidade e o gosto
pelo trabalho e pelo esforço
Ensinar os alunos a superarem os
conflitos sem recurso à violência
Induzir os alunos a cuidarem uns dos
outros
35. 11/20/2006 (c) Lawrence M. Hinman 35
MÉTODO 3 Es
O conhecimento moral exige:
-reflexão
-compreensão
-formulação de juízos
-processo de escolha (cálculo
racional, deliberação e acção)
36. 11/20/2006 (c) Lawrence M. Hinman 36
MÉTODO 3 Es
Os valores éticos devem percorrer
todo o currículo de forma transversal
A escola deve entender-se acerca do
código de conduta
O código de conduta aplica-se em
todos os espaços escolares
Uma reflexão ética que não conduza
à acção é estéril
37. 11/20/2006 (c) Lawrence M. Hinman 37
MÉTODO 3 Es
Embora os alunos e os pais devam
associar-se ao processo de tomada
de conhecimento do código de
conduta, são as autoridades
escolares e os professores os
responsáveis pela sua elaboração,
aprovação e aplicação
38. 11/20/2006 (c) Lawrence M. Hinman 38
MÉTODO 3 Es
Opção clara pelo reforço da
autoridade do professor
Reconhecimento da importância da
linguagem moral
Reconhecimento da importância do
hábito no processo de
desenvolvimento moral
39. 11/20/2006 (c) Lawrence M. Hinman 39
BIBLIOGRAFIA BÁSICA
Aristotle (1985). Nicomachean Ethics. (Introd. e
notas de Terence Irwin). Cambridge: Hackett PC
Knight, K. (1998). The MacIntyre Reader. (1998).
Indiana: University of Notre Dame
MacIntyre, A. (1984). After Virtue. Indiana:
University of Notre Dame
MacIntyre, A. (1990). Three Rival Versions of
Moral Inquiry. Indiana: University of Notre Dame
Quintana, J. (1995). Pedagogia Moral. Madrid:
Dykinson
Singer, P. (1993) (Ed.). A Companion to Ethics.
Oxford: Blackwell