5. Estes meus olhos nunca perderán,
senhor, gran coita, mentr'eu vivo for.
E direi-vos, fremosa mia senhor,
destes meus olhos a coita que han:
choran e cegan quand'alguén non veen,
e ora cegan per alguén que veen.
2/11/2013
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7. Texto 1
Transforma-se o amador na cousa amada,
Por virtude do muito imaginar;
Não tenho, logo, mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada.
Se nela está minha alma transformada,
Que mais deseja o corpo de alcançar?
Em si somente pode descansar,
Pois consigo tal alma está liada.
Mas esta linda e pura semideia,
Que, como o acidente em seu sujeito,
Assim com a alma minha se conforma,
Está no pensamento como ideia;
E o vivo e puro amor de que sou feito,
Como a matéria simples, busca a forma.
(CAMÕES)
2/11/2013
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9. Texto 2
É a vaidade, Fábio, nesta vida,
Rosa, que da manhã lisonjeada,
Púrpuras mil, com ambição dourada,
Airosa rompe, arrasta presumida.
É planta, que de abril favorecida,
Por mares de soberba desatada,
Florida galeota empavesada,
Sulca ufana, navega destemida.
É nau enfim, que em breve ligeireza,
Com presunção de Fênix generosa,
Galhardias apresta, alentos presa:
Mas ser planta, ser rosa, nau vistosa
De que importa, se aguarda sem defesa
Penha a nau, ferro a planta, tarde a rosa?
(Gregório de Matos)
2/11/2013
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10. Texto 3
Tanto de meu estado me acho incerto,
Que em vivo ardor tremendo estou de frio;
Sem causa, juntamente choro e rio,
O mundo todo abarco, e nada aperto.
É tudo quanto sinto um desconcerto:
Da alma um fogo me sai, da vista um rio;
Agora espero, agora desconfio;
Agora desvario, agora acerto.
Estando em terra, chego ao Céu voando;
Num'hora acho mil anos, e é de jeito
Que em mil anos não posso achar um'hora.
Se me pergunta alguém porque assi ando,
Respondo que não sei, porém suspeito
Que só porque vos vi, minha Senhora.
(CAMÕES)
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12. Texto 4
Ornemos nossas testas com as flores,
e façamos de feno um brando leito;
prendamo-nos, Marília, em laço estreito,
gozemos do prazer de sãos amores.
Sobre as nossas cabeças,
Sem que o possam deter, o tempo corre;
e para nós o tempo que se passa
também, Marília, morre.
(Tomás Antônio Gonzaga)
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14. Texto 5
Além, muito além daquela serra, que ainda
azula no horizonte, nasceu Iracema. Iracema, a
virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais
negros que a asa da graúna, e mais longos que seu
talhe de palmeira.
O favo da jati não era doce como seu sorriso;
nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito
perfumado.
(José de Alencar)
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16. Texto 6
Foi no domingo de Páscoa que se soube em
Leiria, que o pároco da Sé, José Miguéis, tinha morrido de
madrugada com uma apoplexia. O pároco era um homem
sanguíneo e nutrido, que passava entre o clero diocesano
pelo comilão dos comilões. Contavam-se histórias singulares
da sua voracidade. O Carlos da Botica - que o detestava costumava dizer, sempre que o via sair depois da sesta, com
a face afogueada de sangue, muito enfartado:
- Lá vai a jiboia esmoer. Um dia estoura!
Com efeito, estourou (...)
(Eça de Queirós)
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17. Texto 7
Esta, de áureos relevos, trabalhada
De divas mãos, brilhante copa, um dia,
Já de aos deuses servir como cansada,
Vinda do Olimpo, a um novo deus servia.
Era o poeta de Teos que a suspendia
Então e, ora repleta ora esvazada,
A taça amiga aos dedos seus tinia
Toda de roxas pétalas colmada.
Depois. Mas o lavor da taça admira,
Toca-a, e, do ouvido aproximando-a, às bordas
Finas hás de lhe ouvir, canora e doce,
Ignota voz, qual se da antiga lira
Fosse a encantada música das cordas,
Qual se essa a voz de Anacreonte fosse.
(Alberto de Oliveira)
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19. Texto 8
Mãos de finada, aquelas mãos de neve,
De tons marfíneos, de ossatura rica,
Pairando no ar, num gesto brando e leve,
Que parece ordenar, mas que suplica.
Erguem-se ao longe como se as eleve
Alguém que antes os altares sacrifica;
Mãos que consagram, mãos que partem breve,
Mãos cuja sombra nos meus olhos fica ...
Sinto-as agora, ao luar, descendo juntas,
Grandes, magoadas, pálidas, tateantes,
Cerrando os olhos das visões defuntas...
Mãos de esperança para as almas loucas,
Brumosas mãos que vêm brancas, distantes,
Fechar ao mesmo tempo tantas bocas...
(Alphonsus de Guimaraens)
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23. Texto 9
Quando o português chegou
Debaixo de uma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português.
(Oswald de Andrade)
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24. Texto 10
Para que vieste
Na minha janela
Meter o nariz?
Se foi por um verso
Não sou mais poeta
Ando tão feliz!
Se é para uma prosa
Não sou Anchieta
Nem venho de Assis
Deixa-te de histórias
Some-te daqui.
(Vinícius de Morais)
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25. Texto 11
(...) Mas irou-se com a comparação, deu
marradas na parede. Era bruto, sim
senhor, nunca havia aprendido, não sabia
explicar-se. Estava preso por isso? Como era?
Então mete-se um homem na cadeia por que
ele não sabe falar direito?
(Graciliano Ramos)
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