SlideShare ist ein Scribd-Unternehmen logo
1 von 68
www.atlanticaeditora.com.br
13 anos
A Formação do
Indivíduo
Carolina Rabello Padovani
A importância
de estimular
quem tem
dificuldades de
aprendizagem
Por Marisa Aparecida Gimenes
da Cunha de Andrade*
Edição de texto:
Leandra Migotto Certeza**
Transtornos do
Aprendizado EscolarFrancisco Baptista Assumpção Júnior
Evelyn Kuczynski
revistamultidisciplinardodesenvolvimentohumano
Síndromes
Novembro•Dezembrode2012•Ano2•Nº6•R$25,00
Síndromes-Ano2-Número5-Setembro/Outubrode2012
Dificuldades de
aprendizagem
Entrevistado: Antônio
Eugênio Cunha
Jornalista responsável:
Leandra Migotto Certeza
A Família e
a Criança
Deficiente
Jemima Giron
Casamento
e Deficiência
Mental
Francisco B. Assumpção Jr.
ISSN2237-8677
Nesta edição
Curso Autismo
Módulo VI
EDITORIAL
Dr. Francisco Assumpção Junior
artigo do mês
Transtornos do Aprendizado Escolar
Francisco Baptista Assumpção Júnior
Evelyn Kuczynski
Entrevista
Dificuldades de aprendizagem
Entrevistado: Antônio Eugênio Cunha
Jornalista responsável: Leandra
Migotto Certeza
desenvolvimento
A Formação do Indivíduo
Carolina Rabello Padovani
reabilitação
A Família e a Criança Deficiente
Jemima Giron
inclusão
Casamento e Deficiência Mental
Francisco B. Assumpção Jr.
de mãe, pra mãe
A importância de estimular quem tem
dificuldades de aprendizagem
Por Marisa Aparecida Gimenes da Cunha
de Andrade*
Edição de texto: Leandra Migotto Certeza**
artigo do leitor
O importante é dar o primeiro passo
Francelene Rodrigues
Entrevistadora: Leandra Migotto Certeza
reportagem
CRIA - Centro de Referência da Infância e Ado-
lescência desenvolve pesquisa e assistência
em saúde mental
Por Leandra Migotto Certeza
Curso Autismo
Módulo VI
2
3
10
18
24
30
34
40
46
49
revista multidisciplinar do desenvolvimento humano
Síndromes
Novembro • Dezembro de 2012 • Ano 2 • Nº 6
Diretoria
Ismael Robles Junior
ismael@revistasindromes.com
revistasindromes@yahoo.com.br
Antonio Carlos Mello
mello@atlanticaeditora.com.br
Coordenador Editorial
Dr. Francisco B. Assumpção Jr.
Colaboraram
com essa edição
Alessandra Freitas Russo
Carolina Rabello Padovani
Cristina de Freitas Cirenza
Evelyn Kuczynski
Julianna Di Matteo
Dr. Francisco Assumpção Junior
Leandra Migotto Certeza
Maria Sigride Thomé de Souza
Simaia Sampaio
Simone Nascimento Fagundes
Zein Mohamed Sammour
A revista Síndromes é uma publicação bimestral da Atlântica Editora ltda. em parceria com Editora Robles - Ismael Robles Jr.
me (11) 4111 9460, com circulação em todo território nacional. Não é permitida a reprodução total ou parcial dos artigos,
reportagens e anúncios publicados sem prévia autorização, sujeitando os infratores às penalidades legais. As opiniões emitidas
em artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, a opinião da revista
Síndromes. Mandem artigos com no máximo 400-500 palavras, consistindo somente em uma opinião embasada em pequena
bibliografia (3 ou 4 citações no máximo), podem estar na mesma página ou em páginas diferentes.
Praça Ramos de Azevedo, 206 sl. 1910 - Centro - 01037-010 São Paulo - SP
Atendimento (11) 3361-5595 - artigos@revistasindromes.com - Assinaturas - E-mail: assinaturas@atlanticaeditora.com.br
Envio de artigos para:
artigos@revistasindromes.com
revistasindromes@yahoo.com.br
www.atlanticaeditora.com.br
Atlântica Editora
Praça Ramos de Azevedo,
206/1910
Centro 01037-010 São Paulo SP
Atendimento
(11) 3361 5595
assinaturas@atlanticaeditora.com.br
Administração e vendas
Antonio Carlos Mello
mello@atlanticaeditora.com.br
Vendas Corporativas
Antônio Octaviano
biblioteca@atlaticaeditora.com.br
Marketing e Publicidade
Rainner Penteado
rainner@atlanticaeditora.com.br
Editor executivo
Dr. Jean-Louis Peytavin
jeanlouis@atlanticaeditora.com.br
Editor assistente
Guillermina Arias
guillermina@atlanticaeditora.com.br
Direção de arte
Cristiana Ribas
cristiana@atlanticaeditora.com.br
SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
2
Chegamos ao décimo número desta
revista.
Isto significa muito, uma vez que é
uma publicação destinada a um público
segmentado, e dedicada a uma parcela
da população que vem sendo, sistema-
ticamente, negligenciada e mal cuidada
pelo poder público.
A despeito dos discursos pomposos
e “politicamente corretos” que pregam
igualdade e direitos, a realidade com a
qual convivemos cotidianamente é exata-
mente oposta predominando a carência, o
descaso, a negligência e a omissão sem-
pre mascaradas pelo hipócrita discurso
da inexistência de diferenças.
Ao contrário, pensamos que admitir
as diferenças é o primeiro passo para que
as aceitemos; pois um mundo de iguais
é intolerante com o diferente. Assim, o
primeiro passo é identificá-las (ou, se
quisermos ser incorretos”, diagnosticá-
-las) para que, num segundo momento,
possamos fornecer sistemas de cuidados
e suportes adequados para que possam
viver com maior dignidade e qualidade.
	 “Não basta somente acolher.
	 Precisamos conhecer e cuidar.”
O momento histórico no qual vivemos
demanda mais do que simplesmente “ser
afetivo”. Ele demanda afeto sim, porém
ele demanda cuidados, proteção, siste-
mas de suporte e tratamento em todos
os níveis, médico, psicológico, social,
familiar, funcional, pedagógico, enfim, to-
das as possibilidades que a modernidade
(e pós modernidade inclusive) trouxeram
ao mundo.
Isso é muito mais do que falar aos
professores que “com criatividade” os
problemas serão resolvidos.
Claro que a criatividade e a boa vonta-
de são importantes mas é indispensável
o conhecimento técnico. São indispensá-
veis os recursos materiais e, fundamental
ainda são os modelos populacionais que
devem permitir que esse conhecimento
técnico seja usufruído e desfrutado por
todos os que dele necessitam e não
somente por aqueles que por possuírem
melhores condições econômicas tem
acesso a ele.
Enfim, este décimo número represen-
ta uma vitória.
Vitória sobre a negligência, sobre
o obscurantismo, sobre as idéias rea-
cionárias travestidas no ”politicamente
correto”.
Esperamos que o projeto continue e
que outras vozes se levantem, de formas
diferentes para que uma nova possibili-
dade seja viável.
	
Boa leitura!
Francisco B. Assumpção Jr.
editorial
Dr. Francisco Assumpção Junior
Francisco B. Assumpção Jr.
SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
3
Transtornos do Aprendizado
Escolar
Francisco Baptista Assumpção Júnior
Evelyn Kuczynski
“Física e mentalmente, cada um de nós é
único. Qualquer cultura que, no interesse da
eficiência ou em nome de qualquer dogma
político ou religioso, procura estandartizar o
indivíduo humano, comete um ultraje contra a
natureza biológica do homem.”I
A alteração crítica e essencial do
processo evolutivo humano que desen-
cadeou sua revolução “copérnica” (pelo
deslocamento de sua posição e valência
dentro da hierarquia gravitacional da
esfera etológica) foi o desenvolvimento
de estruturas cerebrais que passaram a
lhe permitir rapidamente processar todo
tipo de informações, passando o Homem
a ser capaz de resolver todo tipo de pro-
blema (independente de sua presença)
manipulando símbolos mentalmente, de
forma tal que a velocidade deste proces-
samento passou a ser o principal fator
implicado na sua eficácia adaptativa e
de sobrevivência.
No entanto, paga-se um alto preço
por este salto. As características que
lhe proporcionaram esta fantástica ma-
leabilidade e (consequente) adaptabili-
dade geraram tamanha complexidade
que, após o nascimento, durante muitos
anos o filhote humano é obrigado a viver
sob proteção, uma vez que grande é sua
I	 Huxley A. Regresso ao admirável mundo novo.
Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 2000.
dependência, bem como extrema a sua
fragilidade. É maior a sua vulnerabili-
dade quanto mais jovem se apresenta.
Entretanto, esse “animal” conseguiu se
adaptar ao meio ambiente biológico e,
como animal gregário e social, passa a
se agrupar em bandos cada vez maiores.
A adaptação, que inicialmente era bioló-
gica, passa cada vez mais a ser social.
Considerando a seguir alguns aspec-
tos básicos:
•	 todas as espécies animais são mu-
táveis, o que caracteriza uma teoria
básica da evolução;
•	 todos os organismos descendem de
um ancestral comum, definindo-se
uma teoria de evolução ramificada;
•	 a evolução é gradual, sem grandes
saltos ou descontinuidades;
•	 as espécies tendem a se multiplicar,
origem daquilo que denominamos
diversidade;
•	 finalmente, os indivíduos de uma es-
pécie estão sempre sujeitos à seleção
natural.
De acordo com estes aspectos (refe-
rentes a uma construção teórica evolucio-
nista), temos de admitir que:
as populações são tão fecundas que
tendem a aumentar exponencialmente,
na ausência de restrições. Entretanto,
na maioria das espécies, essas restri-
ções se encontram presentes, na forma
artigo do mês
SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
4
de ausência ou diminuição do aporte
de alimentos, aumento do número de
predadores, ou de doenças. Temos que
reconhecer que, na espécie humana,
estes fatores limitantes foram, grosso
modo, gradualmente minimizados;
o tamanho de uma população, exceto
por flutuações sazonais, tende a perma-
necer estável, ocasionando uma estabi-
lidade a longo prazo. Com o controle dos
fatores acima discriminados, a espécie
humana tendeu a aumentar o número
de seus elementos de forma intensa e,
assim, considerando-se que
os recursos disponíveis para uma
espécie (e a espécie humana não é imune
a esta máxima) são sempre limitados,
podemos deduzir que
...existe uma extrema competição na forma
de luta pela sobrevivência, entre os membros
de uma mesma espécie, mesmo que essa
espécie tenha características tão marcantes
como a humana...
(apud DARWIN, 2004)
Assim, conclui-se que não existem
dois indivíduos iguais em uma população!
Chegamos a uma nova dedução, que
podemos expressar dizendo que
...não existem dois indivíduos em uma mesma
população que tenham as mesmas probabi-
lidades de sobrevivência, o que caracteriza o
próprio processo de seleção.
(apud DARWIN, 2004)
Qualquer comportamento que impli-
que numa vantagem evolutiva é reforçado
pela própria seleção de determinantes
genéticos de tal comportamento, o me-
lhor denominado “efeito Baldwin”. Certos
indivíduos tem vantagens em virtude da
presença de características distintas
em relação a outros do mesmo sexo e
espécie, refletidas no que diz respeito a
reprodução (e ao consequente processo
de seleção). Tais características depen-
dem de vários fatores que (por analogia
a outras espécies) estão relacionadas
à conquista e manutenção de melhores
territórios (leia-se com mais recursos
alimentares), cuidado com a prole, in-
terações com a família e a população,
entre outros.
Contudo, a espécie humana é sujeita
a uma extrema vulnerabilidade, decorren-
te da imaturidade apresentada ao nasci-
mento (e dada a sua intensa plasticida-
de). Para que possa alterar seu ambiente
(e ser por ele alterado), o ser humano
nasce incompleto e é deveras frágil. No
que diz respeito ao comportamento pós-
-natal, o filhote humano só pode contar
com as informações contidas em seu
ácido desoxirribonucleico (ADN), informa-
ções estas bastante restritas, dada a sua
especificidade, e que lhe proporcionam
poucas possibilidades adaptativas. É só
lembrar quanto tempo após nascerem os
filhotes de outros mamíferos são conside-
rados adultos e aptos a sobreviver sem
proteção, a lutar por sua sobrevivência,
a produzir prole (um cão ou um gato, a
partir dos 12 meses de vida...).
O que um filhote aprende em sua
curta vida é limitado e só se transmite
a prole naquelas espécies em que pais
mantem contato prolongado com os filho-
tes, como usualmente se processa (ou
se processava?...) na espécie humana.
Essas informações seriam passadas
transgeneracionalmente, de forma que
SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
5
a herança genética se acrescenta tudo
aquilo que se aprende na convivência
com os pais. Em função do desenvolvi-
mento da linguagem, essa transmissão
de informações é sofisticada na espécie
humana, estabelecendo a variabilidade
cultural. Além disso, a transmissão de
informações se processa através do tem-
po, de forma a somar o conhecimento,
criticando-o e modificando-o.
A medida que os grupos humanos se
tornam mais complexos e sofisticados,
a questão da transmissão de conhe-
cimentos (formais e informais) passa
a ser de fundamental importância no
processo adaptativo, o que leva a que,
atualmente, crianças e adolescentes
passem grande parte de seu tempo em
uma situação de aprendizado formal (que
caracteriza o processo de escolarização).
Entretanto, adaptada às exigências do
ambiente, e considerando-se as carac-
terísticas adaptativas que descrevemos
acima (e que são aplicáveis a qualquer
grupamento de indivíduos), a exigência
do ensino formal vai colocar parte das
crianças na situação frequentemente
denominada “fracasso escolar”, uma
vez que apresentam dificuldades para
ler, escrever e/ou calcular, mesmo sem
comprometimento de suas capacidades
intelectuais e/ou sociais.
Como a espécie humana apresenta,
entre outras características, um padrão
de conduta antisseletivo, a preocupação
com estas dificuldades existe. Assim,
quando essas dificuldades persistem
(apesar do emprego de recursos didáti-
cos e de um meio apoiador, o que nem
sempre é garantido a estas crianças...),
somos levados a diagnosticar um “Trans-
torno de Aprendizagem”.
Muitos são os conceitos de transtor-
no de aprendizagem que podem ser pin-
çados da literatura. Vamos nos ater aos
que consideramos mais interessantes
no processo de compreensão do fenô-
meno, apresentados abaixo, em ordem
cronológica.
“Dificuldade de aprendizagem refere-se a um
retardamento, transtorno, ou desenvolvimento
lento em um ou mais processos da fala, lin-
guagem, leitura, escrita, aritmética ou outras
áreas escolares, resultantes de um handicap
(incapacidade) causado por uma possível
disfunção cerebral e/ou alteração emocional
ou de conduta.”
(KIRK, 1963)
“...manifestam discrepância educativa signifi-
cativa entre seu potencial intelectual estima-
do e o nível de execução relacionado com os
processos básicos de aprendizagem, que po-
dem ou não vir acompanhados por disfunções
demonstráveis do Sistema Nervoso Central
e que não são secundárias a retardo mental,
privação cultural ou educativa, alteração emo-
cional ou perda sensorial.”
(BATEMAN, 1965)
“...aquela com habilidade mental, processos
sensoriais e estabilidade emocional adequa-
dos, que apresenta déficits específicos nos
processos perceptivos, integrativos ou expres-
sivos os quais alteram a eficiência da aprendi-
zagem. Isso inclui crianças com disfunção do
Sistema Nervoso Central que se expressam
primariamente com deficiência.”
(SIEGEL; GOLD, 1982)
“...centram-se em dificuldades nos processos
implicados na linguagem e nos rendimentos
acadêmicos independentemente da idade das
SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
6
pessoas e cuja causa seria uma disfunção
cerebral ou uma alteração emocional ou de
conduta.”
(SILVER, 1988)
“...grupo heterogêneo de transtornos que se
manifestam por dificuldades significativas
na aquisição e uso de escuta, fala, leitura,
escrita, raciocínio ou habilidades matemáti-
cas. São intrínsecos ao indivíduo, supondo-se
à disfunção do Sistema Nervoso Central e
podem ocorrer ao longo do ciclo vital.”
(GARCIA, 1998)
“...funcionamento acadêmico substancialmen-
te abaixo do esperado, tendo em vista a idade
cronológica, medidas de inteligência e educa-
ção apropriadas à idade.”
(ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE, 1993)
Podemos observar que os concei-
tos foram evoluindo de forma ampla,
embora relacionada, paulatina e mar-
cadamente, a disfunções no aparato
neurobiológico, avaliados comparati-
vamente à faixa etária e às oportuni-
dades educacionais, desvinculados de
alterações ligadas especificamente aos
conceitos de inteligência global. Entre-
tanto, duas perspectivas de abordagem
do fenômeno continuam a ter um grande
peso. Uma criança com dificuldades na
escola é uma criança desviante (ou do-
ente), ou a estrutura escolar (inadequa-
da à criança) seria a responsável pelas
dificuldades apresentadas. Ambas as
visões nos parecem lineares e redu-
cionistas. Considerando os conceitos
apresentados anteriormente, temos a
ideia de que Transtorno de Aprendizado
limita-se somente à questão das difi-
culdades da criança enquanto conjunto
de déficits operacionais que dificultam
o processo adaptativo, naquilo que se
exige para um indivíduo no que se refere
a sua sobrevivência em um ambiente
complexo e sofisticado (como anterior-
mente descrito).
Assim sendo, deveríamos observar,
no processo referente à sua avaliação,
um algoritmo como o que segue (Figura
1):
Figura 1 - Rastreamento dos problemas
escolares na infância.
meio educacional
adequado inadequado
oportunidade
educacional
inadequada
adequada
programas
compensatórios
funcionamento
sensorial
adequado inadequado
funcionamento
cognitivo
sistemas de
suporte
inadequado adequado
sistemas
educacionais
de suporte
(educação especial?)
funcionamento
neuropsiquiátrico e
neuropsicológico
Os eventuais problemas escolares
são avaliados a partir da verificação
da adequação (ou não) da instituição
escolar à criança considerada e, a partir
de então, estabelecem-se estratégias
diagnósticas, sempre da mais simples
a caminho da mais complexa. Somente
a partir desse rastreamento é que se
pode considerar a questão Transtorno de
Aprendizado. Concomitantemente, há que
ser lembrado de que todo o processo de
SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
7
aprendizado é extremamente complexo,
sendo dependente da própria criança,
que precisa apresentar a possibilidade de
aprender. Assim, é essencial um exame
cuidadoso de suas capacidades físicas,
cognitivas, sensoriais e psíquicas, ou
seja, todo o seu equipamento neuropsi-
cológico. Sempre sem deixar de observar
seu desejo de aprender, que possui uma
origem individual, que se manifesta pelo
próprio prazer em aprender e que tem
uma base familiar, através de estímulo
parental (no próprio hábito de leitura...),
e uma base social, através da valorização
social do conhecimento (dificultada em
nosso meio, uma vez que hoje o dinheiro,
enquanto meio mais marcante de reforço,
não é necessariamente consequência do
processo de conhecimento ou de apren-
dizado).
Devemos ainda considerar que o
processo de motivação evolui com a
idade, passando de exterior à interior.
Assim, o processo que numa criança
menor vem dos pais que a estimulam
(muitas vezes o motivo de estudo da
criança), deve passar (no adolescente)
a ser de moto próprio, dependente de
um projeto existencial, e dos valores
que irão caracterizar sua existência. Por
outro lado, dinâmicas familiares que
permitem o afastamento da criança da
escola, bem como um nível cultural mais
distante dos professores, assim como
um padrão de trocas linguísticas ou uma
motivação familiar com hipo- (descaso)
ou hiperinvestimento (expectativa muito
elevada), pode ser motivo de problemas
escolares.
A questão referente à nossa escola
também é de suma importância, uma
vez que o processo capitalista de nossa
sociedade a fez se desenvolver como ou-
tro aspecto da indústria de produção de
bens, que se preocupa muito pouco com
as especificidades de populações restri-
tas, procurando simplesmente suprir uma
demanda populacional e (principalmente)
de consumo das populações envolvidas.
Nossa escola frequentemente não res-
peita os ritmos próprios da criança, uma
vez que sua preocupação é mais com a
demanda social (na maior parte das vezes
com a preocupação de uma aparência
politicamente correta) e familiar (de pais
que querem um filho “vencedor”, mais do
que “educado”).
Agrupando sempre um grande núme-
ro de crianças por classe, despreocupa-se
com a motivação e evolução do professor.
Também os modelos de progressão es-
colar são (frequentemente) manipulados
para que, estatisticamente, resultados
mais alentadores sejam apresentados
com objetivos políticos e ideológicos,
posto que a escola se configura como um
dos mais efetivos aparelhos ideológicos
do Estado (parafraseando alguns autores
clássicos, como Althusser). Assim, seus
objetivos e a competência daqueles
que nela ensinam são frequentemente
desconsiderados, ou, simplesmente,
“maquiados”.
A terapêutica dos Transtornos de
Aprendizagem é pouco influenciada pela
utilização de drogas devendo, na maior
parte das vezes, se implementar através
de abordagens ambientais ou do treino
de habilidades específicas. A estratégia
de atendimento à criança é sempre repre-
sentada por uma sequência, a partir da
estruturação do diagnóstico:
1. Terapia farmacológica dirigida, com
SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
8
prescrição de droga específica, de for-
ma clara e direta (utilizável em muito
poucos casos em Psiquiatria Infantil);
2. Terapia farmacológica primária, asso-
ciada a psicoterapia e/ou programas
de reabilitação (o TDAH talvez possa
ser considerado o principal transtor-
no passível de ser abordado dessa
forma);
3. Psicoterapia e/ou programas de rea-
bilitação primariamente associados à
terapia farmacológica (os Transtornos
Específicos são paradigmáticos desta
proposta). Teríamos, para a sua abor-
dagem, a necessidade de:
•	 organização do ambiente escolar:
de fundamental importância quando
consideramos a tendência atual de
inclusão de crianças com dificulda-
des em ambientes sem qualquer
adaptação;
•	 organização das atividades em classe,
também de fundamental importância
se consideramos que nossas escolas
tem pequena organização, com profes-
sores habitualmente desmotivados e
pouco preparados;
•	 organização das atividades em casa,
uma vez que a abordagem da discal-
culia (uma reeducação psicomotora
centrada na organização do esquema
corporal e na abordagem dos transtor-
nos de aprendizado) prevê uma abor-
dagem global, exigindo a participação
da família de maneira intensa;
•	 reeducação, representada por ati-
vidades específicas (num exemplo
de discalculia, a diferenciação das
gnosias digitais com posteriores mo-
vimentos de contagem, manipulação
de seriações, agrupamento, corres-
pondências ponto a ponto a partir
de material concreto, que permitem
gradualmente que se atinja as opera-
ções abstratas).
Considerando que a medicação é
acessória e utilizada somente em algu-
mas situações muito específicas, não
devemos nos esquecer de comunicar à
família que (a curto prazo) os benefícios
esperados e decorrentes do uso de dro-
gas tendem a ser somente a melhoria
do comportamento, com diminuição dos
conflitos e da agressividade e a conse-
qüente melhoria nas respostas sociais
e familiares, esperando-se, em decor-
rência, alguma melhoria no desempenho
escolar ou extra-escolar, bem como da
auto-estima. A longo prazo, deve-se
esperar uma menor exposição a compli-
cações posteriores, com a limitação dos
riscos de “automedicação” (exposição
precoce a uso de substâncias psicoati-
vas ilícitas).
As drogas que podem ser utilizadas
não são destinadas a todas as crian-
ças agitadas nem tem a finalidade de
as transformarem em “estudiosas” ou
“tranqüilas”, não se constituindo em um
tratamento para dificuldades escolares
ou para que ela se torne “o primeiro da
classe” ou para que “aprendam a fazer
as lições”. Espera-se, muitas vezes, por
melhorias cognitivas referentes à manu-
tenção da atenção (atenção seletiva e
espaçotemporal), diminuição da impul-
sividade, aumento do tempo de reação
e da memória de curto prazo, com a
conseqüente melhoria da aprendizagem
verbal e não-verbal.
Por fim, é preciso lembrar que algu-
mas dessas crianças, por suas dificul-
dades instrumentais, não aprendem com
SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
9
seus erros, apresentando uma atenção
muito breve e memorização parcial das
instruções, com uma conseqüente maior
sensibilidade a recompensas imediatas.
Paralelamente, tem controle falho nos
comportamentos indesejáveis, sendo
hiperemotivos, hipervisuais, hiperdis-
traídos e hiperssensoriais. Isso nos
leva, entretanto, ao fato de que tais
Evelyn Kuczynski
Pediatra. Psiquiatra da Infância
e Adolescência. Doutora
em Psiquiatria pela FMUSP.
Pesquisadora voluntária do
PDD-IP-USP.
Francisco Baptista
Assumpção Júnior
Psiquiatra da Infância e
Adolescência. Mestre e
Doutor em Psicologia Clínica
pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo
(PUC-SP). Livre Docente em Psiquiatria pela Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
Professor Associado do Departamento de Psicologia
Clínica do Instituto de Psicologia da Universidade de
São Paulo, fundador e responsável pelo Laboratório
Distúrbios do Desenvolvimento (PDD-IP-USP).
manifestações podem ser agravadas por
atitudes educativas inadaptadas, e que
condições educativas habituais muitas
vezes são inadequadas para uma criança
assim. Concluindo, a abordagem dos
transtornos da aprendizagem é multifa-
torial, complexa, demandando grande
maleabilidade e compreensão por parte
do avaliador.
SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
10
Dificuldades de aprendizagem
Entrevistado: Antônio Eugênio Cunha*
Jornalista responsável: Leandra Migotto Certeza**
1. Explique como ocorrem as dificuldades
de aprendizagem quando a capacidade do
cérebro em receber e processar a informa-
ção pode ser um problema?
São inúmeros fatores que podem acar-
retar as dificuldades. No caso específico de
sua pergunta a cognição ajusta-se a cada
nova informação, gerando conhecimento.
Não é um processo estável, mas ativo,
como a aprendizagem, que requer um
constante dinamismo nas funções cogni-
tivas. Todavia, fatores emocionais, lesões
e transtornos podem prejudicar esse pro-
cesso. No caso, por exemplo, do autismo,
há uma relação diferente entre o cérebro e
os sentidos e as informações nem sempre
geram conhecimento. Os objetos muitas
vezes não exercem atração em razão da
sua função, mas por causa do estímulo
que promovem. Um lápis poderá se tornar
apenas um objeto de contato sensorial,
perdendo sua função social.
Quais são as principais diferenças
entre as dificuldades de aprendizagem:
autismo, dislexia, afasia, disfunção cerebral
mínima, disostografia, discalculia entre
outras?
•	 Autismo: compreende um conjunto de
comportamentos agrupados numa tríade
principal: comprometimentos na comuni-
cação, dificuldades na interação social
e atividades restrito-repetitivas. Trata-
-se de uma síndrome tão complexa que
pode resultar em diagnósticos médicos
abarcando quadros comportamentais
diferentes. Isto porque o autismo pode
variar em grau de intensidade e de
incidência dos sintomas. Todavia, há
algumas características mais comuns:
dificuldades para manter contato visual,
birras, não aceitar mudanças de rotina,
hiperatividade física, apego e manuseio
inapropriado de objetos, hipersensibi-
lidade, dificuldades para simbolizar,
ecolalias e estereotipias.
•	 Dislexia: antes de qualquer definição,
precisamos compreender que a dislexia
abarca, também, um jeito diferente de
aprender e de ser. A dislexia é um trans-
torno presente em aproximadamente
10% da população mundial. Às vezes, é
confundida com déficit de atenção, pro-
blemas psicológicos, ou mesmo desin-
teresse. Caracteriza-se pela dificuldade
do indivíduo em decodificar símbolos,
ler, escrever, soletrar, compreender
um texto, reconhecer fonemas, exercer
tarefas relacionadas à coordenação
motora; e pelo hábito de trocar, inverter,
omitir ou acrescentar letras ou palavras
ao escrever.
•	 Afasia: afasia é um problema na função
da linguagem, depois de adquirida de
maneira normal. Traz alguns sintomas
semelhantes aos da dislexia, porém,
normalmente decorre de acidente vas-
cular cerebral, acidentes com trauma-
entrevista
SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
11
tismo, doenças infecciosas ou outros
motivadores externos que possam afetar
a linguagem.
•	 Disfunção cerebral mínima: pessoas
com disfunção cerebral mínima apre-
sentam dificuldades de aprendizagem
motivadas por problemas nas funções
do sistema nervoso central. Podem se
originar de diversos fatores, tais como:
problemas genéticos, bioquímicos, no
parto, doenças, acidentes ocorridos no
início do desenvolvimento do sistema
nervoso. A criança tem dificuldades para
ler, para escrever, problemas na coor-
denação visório-motora e espacial. Às
vezes, apresenta mudanças de humor,
irritabilidade, dentre outros sintomas
comportamentais.
•	 Disortografia: diferentemente da dis-
grafia, não está ligada diretamente a
dificuldades motoras e espaciais, mas
sim ao atraso do pleno domínio da
linguagem. Dessa forma, o aprendente
confunde as letras, as sílabas ou efe-
tua trocas ortográficas, o que ocasiona
inversões, aglutinações, omissões e
desordem na estruturação da frase em
conteúdos já trabalhados pelo professor
ou professora.
•	 Discalculia: trata-se de um transtorno
relacionado à identificação e classi-
ficação dos números e à realização
de cálculos mentalmente e no papel.
É uma dificuldade para compreender
e aprender matemática que não está
associada a dificuldades gerais da
aprendizagem, pois é específica. Nor-
malmente, os estudantes com discalcu-
lia não possuem compreensão intuitiva
e não conseguem entender conceitos
numéricos simples.
2. Dificuldades de aprendizagem envolvem
muitas áreas de percepção. Quais são
elas?
Quando falamos de aprendizagem,
entendemos que se trata de um processo
complexo que, a partir de ocorrências e mu-
danças no interior do indivíduo, manifesta-
-se exteriormente, expressando-se por meio
de ações cognitivas, emocionais e compor-
tamentais. Já as dificuldades de aprendi-
zagem expressam um grupo heterogêneo
de desordens que impedem a percepção,
a compreensão e a aquisição de saberes.
Essas percepções podem estar em áreas
distintas, como a área motora, cognitiva,
sensorial, espacial e afetiva.
3. Quais são as possíveis causas das difi-
culdades de aprendizagem?
Podem ter, por exemplo, origem cog-
nitiva, neurológica, motora, emocional,
social ou em razão de uma deficiência ou
transtorno no desenvolvimento do aluno.
Mas o que se percebe na escola, na maio-
ria das vezes, são dificuldades de origem
emocional.
Uma pessoa com dificuldades de
aprendizagem não apresenta necessaria-
mente baixo ou alto QI? Por quê?  
Não apresenta, porque as dificuldades
não estão ligadas obrigatoriamente ao QI.
Por exemplo, há muitos alunos com nítidas
habilidades cognitivas, mas que têm pro-
blemas emocionais severos que impedem
o pleno desenvolvimento escolar.
Uma pessoa pode ter TDAH – Trans-
torno de Déficit de Atenção, mas não
possuir dificuldades de aprendizagem, ou
ter dificuldades de aprendizagem, mas não
apresentar TDAH? Explique o motivo.
SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
12
O TDAH é uma dificuldade, porque traz
alguns sintomas que interferem na aprendi-
zagem, dentre os quais a hiperatividade e a
desatenção, que dão nome ao transtorno.
Evidentemente, que nem todas as dificulda-
des de aprendizagem trazem os sintomas
mais marcantes do TDAH. Por exemplo, o
aluno pode ter transtorno afetivo bipolar e
não ser hiperativo.
4. Quais as diferenças entre as dificulda-
des de aprendizagem e as necessidades
educativas especiais?
Primeiramente, temos que entender
o conceito que subjaz à expressão “ne-
cessidades educativas especiais”. Toda
a dificuldade na escola que demande um
atendimento diferenciado, especializado
tona-se uma necessidade educativa es-
pecial. Assim, podemos colocar debaixo
desse guarda-chuva, desde os alunos com
deficiência e com transtorno global do de-
senvolvimento, ao aluno com problemas
emocionais, com problemas familiares,
com dificuldades na interação social. Por
isso, deverá haver um olhar mais cuidoso,
de maior atenção e, muitas vezes, haverá
a necessidade de um especialista (psico-
pedagogo, por exemplo) para a superação
das dificuldades. Esta ideia coloca todos
nós dentro da perspectiva da educação in-
clusiva, pois todos nós temos dificuldades.
Somos todos iguais e educar verdadeira-
mente é incluir de fato. Todavia, o mais
comum é usar a expressão “necessidades
educativas especiais” para os alunos
da educação especial e “dificuldades de
aprendizagem” para os demais alunos que
não são da educação especial, mas que
enfrentam problemas no seu processo de
aprendizagem.
5. Quando é necessário procurar um
médico especialista para realizar um
diagnóstico?
Sempre que o aluno apresentar alguma
mudança no comportamento que preju-
dique o desempenho escolar. Às vezes,
basta apenas o apoio de um psicólogo ou
psicopedagogo.
6. Qual a importância das políticas públi-
cas de inclusão de alunos na rede regular
de ensino público e particular?
As políticas visam atender ao crescen-
te movimento em direção à organização
dos espaços educativos para a inclusão
escolar. São importantes e indispensáveis,
pois fornecem a base para alicerçarmos
nosso trabalho. Sabemos que há muitos
progressos. Porém, as políticas não têm
sido suficientes. É preciso transpô-las
dos textos legais para as salas de aula. É
preciso preparar melhor a escola. É preci-
so preparar melhor o professor; é preciso
remunerar melhor o professor. É preciso dar
apoio à família do aluno da educação espe-
cial. É preciso universalizar o ingresso e a
permanência do aluno na escola. Bem, há
muitas coisas que precisamos fazer ainda,
por isso não perdemos a esperança. Todo
educador deve ser um pouco utópico, pois
ele nunca ficará parado, sempre caminhará
em busca de um alvo. Decerto, mesmo que
o alvo não seja alcançado completamente,
o educador terá aberto muitos caminhos.
As dificuldades de aprendizagem po-
dem ser tratadas com uma variedade de
métodos. Quais são eles?
Não existe receita de bolo na educa-
ção. No entanto, há a possibilidade de uma
formação, considerando a função social e
SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
13
construtivista da escola. Para tanto, o en-
sino dos conteúdos escolares não precisa
estar centrado nas funções formais e nos
limites pré-estabelecidos pelo currículo es-
colar. A escola necessita aprender a lidar
com a realidade do aprendente. Nessa re-
lação, quem primeiro aprende é o professor
e quem primeiro ensina é o aluno. É a partir
do aluno, com base na formação do profes-
sor, que forjamos as práticas de ensino.
7. Qual a importância dos tratamentos
psiquiátricos e psicológicos para quem
tem dificuldades de aprendizagem? Con-
te os principais resultados dos trabalhos
desenvolvidos pelo senhor.
Cada dia fica mais evidente que a
escola não educa sozinha. Há tempos
já sabemos disso, porém, hoje isto se
torna mais claro por causa dos avanços
na ciência. Por exemplo, eu trabalho com
crianças autistas, com síndrome de Down,
hiperativas e outros transtornos e observo
que o educando desenvolve melhor suas
*Leandra Migotto Certeza é
jornalista e repórter especial
da Revista Síndromes. Ela tem
deficiência física (Osteoge-
nesis Inperfecta), é asses-
sora de imprensa voluntária
da ABSW, consultora em
inclusão e mantém o blog
“Caleidoscópio – Uma janela para refletir sobre a diver-
sidade da vida” - http://leandramigottocerteza.blogspot.
com/. Conheçam os modelos de palestras, oficinas,
cursos e treinamentos sobre diversidade, realizados em
empresas, escolas, ONGs, centros culturais e grupos de
pessoas no site: https://sites.google.com/site/leandra-
migotto/
habilidades, seu potencial aprendente
quando tem um suporte multidisciplinar,
que envolve outros profissionais, tais como:
terapeutas, nutricionistas, psicólogos, neu-
ropediatras, dentre outros. Ademais, esse
acompanhamento precisa ser estendido á
família do aluno. Então, formar-se-ia uma
tríade: a escola, a família e uma equipe de
apoio multidisciplinar.
8. Qual a mensagem que o senhor deixa
aos leitores da Revista Síndromes?
Vou deixar uma citação do meu livro
“Práticas pedagógicas para inclusão e
diversidade”:
“A educação não é uma questão ins-
titucional. É uma questão humana. Não
aprendemos pelo rigor das regras, mas por
uma condição biológica. Nascemos para
aprender. Restringir esse direito é violar a
coerência da natureza; é tentar cercear a
inteligência humana”.
*Antônio Eugênio Cunha, 52
anos é Jornalista, professor
professor do ensino supe-
rior e da educação básica,
psicopedagogo, mestre e
doutorando em educação.
Autor dos livros “Afetividade
na prática pedagógica”, “Afeto
e aprendizagem” “Autismo e inclusão”, e “Práticas
pedagógicas para inclusão e diversidade”, publicados
pela WAK Editora.
SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
14
A Formação do Indivíduo
Carolina Rabello Padovani
Introdução
Como o indivíduo se forma ou como
ele é formado? Quais fatores estão
envolvidos? Certamente há um vasto
campo constituído por distintas linhas
de pensamento inclinadas a entender a
formação do indivíduo. Variedade esta,
cerne da própria complexidade humana,
sobre a qual nenhuma teoria consegue
efetivamente dar conta de todos os seus
aspectos, matizes e nuances.
Se pensamos, hoje, no desenvolvi-
mento da criança ao adulto, em um per-
curso de relações e inter-relações, isso se
deve a mudanças importantes do ponto
de vista histórico. No bojo da psicologia
do desenvolvimento, encontramos três
grandes movimentos:
1. Maturacionismo: Ramo da ciência
que entende o desenvolvimento
como fruto da maturação biológica,
cujos efeitos, ao longo do tempo,
têm impacto no desenvolvimento
psicológico. Exemplos dessa vertente
podem ser encontrados na história
de estruturação dos primeiros testes
psicológicos, mais especificamente os
testes de inteligência, que levaram ao
estabelecimento de uma razão entre
idade mental e idade cronológica como
forma de compreender e dimensionar
as dificuldades de aprendizagem.
2. Ambientalismo (Behaviorismo): Pers-
pectiva dualista que surge como
reação à produção maturacionista.
Watson, um dos seus principais re-
presentantes (e a quem se refere a
paternidade teórica), entende o desen-
volvimento como sinônimo de apren-
dizagem, ou seja, a aprendizagem de
comportamentos é que constitui o
desenvolvimento. Sob essa perspec-
tiva, o ambiente é importante para o
desenvolvimento das capacidades e
habilidades de um sujeito.
3. Interacionismo: Proposta herdeira do
darwinismo, o interacionismo esta-
belece uma maneira não dicotômica
de pensar o desenvolvimento. Piaget,
principal expoente teórico, propõe
que o desenvolvimento depende da
interação de elementos biológicos e
ambientais. Outros campos teóricos
irão se filiar ao interacionismo e, em
certa medida, a psicanálise tal qual
proposta por Freud, pode ser encaixa-
da dentro desta vertente.
A superação dessa dicotomia indiví-
duo-ambiente que marcou os primeiros
estudos da psicologia do desenvolvi-
mento trouxe importantes contribuições
à compreensão da formação da criança
em adulto e, consequentemente, da
formação do indivíduo. Passou-se a en-
tender que “(...) cada idade se marca
por uma maneira intelectual e afetiva de
desenvolvimento
SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
15
reagir às coisas, há um desenrolar com-
plexo e cheio de vicissitudes que leva às
competências do adulto” (Ades, Bussab,
2012).	
Sob a perspectiva da Psicologia
Evolutiva, entende-se que a criança será
formada por um “equipamento” genético
constitucional, sobre o qual o “investi-
mento” ambiental inscreverá suas ca-
racterísticas, fazendo que ela cresça não
somente mantendo um padrão de desen-
volvimento característico da espécie, mas
também com características singulares
que a farão um ser único e irreprodutível
(Ajuriaguerra, 1977 apud Assumpção Jr.).
Genética/
Aspectos
Biológicos
Meio
Ambiente
Aspectos
pessoais/
psicológicos
Grosso modo, ao entender a criança
como um ser que se desenvolve, ampa-
rada por um substrato genético, em um
determinado meio ambiente e que tem
participação ativa mediante seus aspec-
tos pessoais, estamos dividindo a nossa
compreensão, de maneira didática, entre
três grandes áreas: biológica, ambiental
e pessoal.
Esta divisão (didática) tem sido
utilizada na compreensão dos casos
de desajustamentos. Os fenômenos
patológicos, especialmente na área da
Saúde Mental, passam, sobremaneira,
por questionamentos acerca da etiologia
das diferentes enfermidades, embora
um diagnóstico não seja a busca pela
causa. Tais questionamentos irão per-
mear o dimensionamento das condutas
terapêuticas, da estruturação do trata-
mento, da estimativa do prognóstico e
da evolução do quadro. Assim, pensa-
-se em responder (ou tentar responder)
questões como: por que este indivíduo
está deprimido? Por que este tem au-
tismo? Por que este tem um transtorno
de adaptação? A própria delimitação do
diagnóstico (e do diagnóstico diferencial
e suas potenciais comorbidades) passa
por importantes diferenciações: o pa-
ciente está assim ou é assim? Ele tem
dificuldade por causa do meio ou suas
dificuldades é que moldaram o meio?
Ele reage dessa maneira porque ele quer
ou porque não consegue agir de outra
forma? Sim, são perguntas aparente-
mente simples, mas que guardam em
si a complexidade dos comportamentos
humanos e a tentativa de compreensão
das razões pelas quais eles se desen-
volvem e porque alguns não, porque uns
se mantém e outros não. Obviamente, a
própria estruturação dessas perguntas
está calcada em determinados padrões
de pensamento, conforme cada visão de
homem e de mundo.
O que temos, então, é um vasto
panorama de teorias e de autores que
lançam diferentes olhares e conjectu-
ram variáveis compreensões acerca da
formação do indivíduo. Impossível, pois,
esgotar todas as formas de pensamento
neste artigo. Optamos por apresentar
algumas teorias utilizadas na área do
desenvolvimento infantil e alguns de seus
aspectos envolvidos.
SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
16
Evolução e comportamento social
As características dos organismos
decorrem de sua história evolucionária.
Com a teoria proposta por Darwin, passa-
mos a pensar a noção de evolução a partir
da ideia de indivíduos adaptados como
aqueles cuja sobrevivência e sucesso
reprodutivo seriam decorrentes de me-
canismos seletivos. Assim, entendemos
a influência da seleção natural sobre os
seres mais adaptados a determinados
ambientes. Pensando dessa maneira,
há uma relação de via-dupla: o ambiente
favorece um traço do organismo e um tra-
ço do organismo o adapta a determinado
ambiente. No caso do homem, que tem a
capacidade de alterar esse ambiente, a
interação hábitat-organismo é ainda mais
presente e indiscutível.
O homem, enquanto ser social,
vivendo em bandos, precisou construir
sistemas de regras que lhe permitissem
sobreviver como indivíduo, perpetuar a es-
pécie e marcar, de maneira particular, seu
próprio status diante do grupo (Assump-
ção Jr., 2008). A possibilidade de valer-
-se de habilidades mentais específicas,
das quais depende seu comportamento
social, permitiu-lhe o conhecimento social
do outro (quem é amigo e quem não é) e
a capacidade de inferir estados mentais
dos outros indivíduos.
Fatores Genéticos
A própria maneira como o homem se
reproduz permite novas possibilidades de
recombinação de genes. Com a reprodu-
ção sexuada, seu genótipo será constitu-
ído pelas cargas genéticas provenientes
de ambos os genitores e, a cada nova
geração, outras e novas possibilidade
de combinação estarão disponíveis. Tais
combinações aumentam a probabilidade
de ocorrência de novas mutações (em
virtude da variabilidade e vulnerabilidade
de nosso material genético) que impli-
cam na diversificação de características
genéticas e fenotípicas sobre as quais a
seleção irá atuar.
A epigênese, caminho do genótipo ao
fenótipo, ou seja, a modulação da ação
dos genes, é embasada pela hipótese de
que determinados genes são “ligados” ou
“desligados”, em geral por fatores am-
bientais (gatilhos). Essa modulação seria
responsável pela expressão de diferentes
fenótipos. “Entre o sistema genético e o
comportamento, está o próprio desenvol-
vimento” (Ades, Bussab, 2012).
Quando acompanhamos o desenvol-
vimento neurológico humano, podemos
observar que nosso desenvolvimento
neuropsicomotor reflete o desenvol-
vimento de nosso Sistema Nervoso
(Gherpelli, Restiffe, 2012). Obviamente,
não é nossa intenção discutir os porme-
nores da constituição genética humana,
do processo de maturação neuronal ou
organização morfofuncional do Sistema
Nervoso. Por ora, apenas queremos
apresentar a influência de fatores ge-
néticos nos comportamentos humanos
e atentar para o fato de que a predis-
posição genética é fator indiscutível
para o aparecimento de determinadas
condições. Inclusive, do ponto de vista
clínico, vale a máxima: ninguém fica
doente porque quer, mas porque pode.
Isso, claro, graças ao seu material gené-
tico, suas interações com o meio e suas
características pessoais.
SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
17
Fatores Ambientais
Apesar de não entrarmos com minú-
cia nas questões genéticas e neurológi-
cas do desenvolvimento humano, pensar
e falar sobre os fatores internos é relativa-
mente fácil quando nos deparamos com
a variabilidade de experiências vividas
por um indivíduo desde sua concepção.
Compreender ou descrever as formas
pelas quais o ambiente influencia uma
criança é uma das tarefas mais difíceis. O
entendimento de que o trajeto do desen-
volvimento passa por fatores da natureza
do indivíduo (fatores que predispõem e
fatores que dificultam o desempenho),
mas que sempre atuam em função do
contexto presente, ao longo do tempo,
está presente em várias linhas teóricas.
Assim, coloca-se ênfase na experiência
e na aprendizagem.
Para a psicologia comportamental,
seja o condicionamento clássico de Pa-
vlov ou o condicionamento operante de
Skinner, há a associação entre estímulos
e respostas. No caso do condicionamento
clássico, repetidas apresentações a um
estímulo, podem fazer o indivíduo asso-
ciá-lo a uma resposta e emiti-la diante
desse estímulo. Seu exemplo clássico:
depois de repetidas vezes em que toca
um sinal e o cachorro recebe a comida,
ele passa a salivar quando ouve o sinal,
mesmo sem receber a comida. Segundo
o condicionamento operante de Skinner,
as relações entre estímulo e resposta
são alteradas ou mantidas em virtude
da qualidade da interação: por sua con-
sequência gratificante ou desagradável.
Grosso modo, um comportamento pode
ser mantido por sua consequência posi-
tiva (gratificação) ou pode ser evitado (ou
extinto) por sua consequência negativa
(punição).
A psicologia do desenvolvimento, ou-
tra vertente teórica, irá entender o desen-
volvimento cognitivo como uma série de
mudanças que ocorrem na organização,
lógica e pensamento da criança (Scheuer,
Stivanin, Oliveira, 2012). Piaget, expoente
dessa linha, observará, no desenvolvi-
mento da criança, uma passagem de um
ser extremamente dependente e heterô-
nomo a um ser independente e autôno-
mo, por meio de uma constituição gradual
a partir de suas próprias potencialidades
(o crescimento mental indissociável do
crescimento físico) e características, bem
como das influências ambientais a qual
é submetida. Segundo Piaget (1980), “a
criança explica o homem tanto quanto o
homem explica a criança, e não raro ainda
mais, pois se o homem educa a criança
por meio de múltiplas transformações
sociais, todo o adulto, embora criador,
começou, sem embargo, sendo criança:
e isso tanto nos tempos pré-históricos
quanto hoje em dia”.
Fatores Pessoais
Acredita-se que no homem há uma
predisposição para o vínculo afetivo.
Segundo Bowlby, o apego é uma ne-
cessidade primária e estilos diferentes
de apego terão influência significativa
sobre o comportamento amoroso e as
estratégias reprodutivas na idade adulta.
Para o autor, os laços se formam por
meio de trocas interacionais ajustadas e
contingentes, não por condicionamento
(recompensas convencionais não o ga-
rantem, punições não o impedem) nem
como impulso secundário associado à
SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
18
satisfação de outras necessidades, como
postulavam, respectivamente, as teorias
da aprendizagem e a psicanálise da épo-
ca (Ades, Bussab, 2012).
Na ala psicodinâmica, Freud, precur-
sor da psicanálise, não teve como foco
o estudo da criança, mas retomava na
infância as respostas para as patologias
no adulto.
Sobre os estados mentais primitivos,
Freud considera o Id como instância psí-
quica que contém tudo o que é herdado,
portanto, os instintos. Sob a influência do
mundo externo, uma porção do Id sofre
um desenvolvimento especial e temos
a formação do Ego, instância psíquica
que se interpõem entre a vida instintual
(princípio do prazer) e suas limitações
(princípio de realidade), como peça-chave
na inserção adaptada do indivíduo no
mundo. A estruturação do Superego,
diferenciando-se do ego, constitui uma
terceira força, constituída sob a influên-
cia parental e ambiental. Assim, entende
que “o id e o superego possuem algo em
comum: ambos representam as influên-
cias do passado – o id, a influência da
hereditariedade; o superego, a influência,
essencialmente, do que é retirado de
outras pessoas, enquanto que o ego é
principalmente determinado pela pró-
pria experiência do indivíduo, isto é, por
eventos acidentais e contemporâneos”
(Freud, 1980).
Os estudiosos do desenvolvimento
da personalidade consideram que a inte-
ração pessoa-ambiente teria por bases
características temperamentais e gené-
ticas. Sob esse viés, haveria três tipos
que atuam na conservação e manutenção
de traços de personalidade ao longo do
tempo e das circunstâncias: as inte-
rações evocativas (o indivíduo suscita
reações peculiares nas outras pessoas),
as interações reativas (diferentes pes-
soas interpretam e reagem de maneira
diferente a uma mesma situação) e as
interações proativas (indivíduo cria ou
busca situações compatíveis com seu
estilo de personalidade e com seu estilo
interacional).
Haveria, ainda, variáveis no desenvol-
vimento da personalidade: temperamento
(disposição biológica), identidade (cons-
trução mental interna), gênero (expec-
tativas comportamentais), transtornos
evolutivos do desenvolvimento (déficits
no funcionamento cognitivo e emocional),
afeto (reações emocionais) e mecanis-
mos de defesa (modo de enfrentamento
e adaptação).
Considerações Finais
Iniciamos este texto com as seguin-
tes perguntas: como o indivíduo se forma
ou como ele é formado? Quais fatores
estão envolvidos? Exploramos, assim,
uma variabilidade de vertentes teóricas,
desde as maturacionistas, as ambien-
talistas até as interacionistas (que se
alguns poderiam dizer como as teorias
“em cima do murro”, nem cá, nem lá).
Estamos, no panorama atual, inclinados
a uma compreensão interacionista, que
abarca aspectos biológicos, ambientais
e pessoais. Assim, nem cá, nem lá, mas
tudo junto e misturado. Sabemos, hoje,
que as características dos organismos
decorrem de sua história evolucionária
e que nosso comportamento social é
fruto de habilidades mentais específicas
que nos permitem interagir com o outro.
Frente à nossa existência em bandos,
SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
19
Carolina Rabello Padovani
a sobrevivência do bicho-homem está
diretamente ligada à estruturação de
sistemas de regras e de determinados
padrões de relação.
Sem termos entrado com minúcias
nas questões biológicas do desenvolvi-
mento humano, pensar e falar sobre elas
se mostra relativamente fácil quando nos
deparamos com a variabilidade de fatores
externos que irão influenciar um indivíduo
desde a sua concepção. Indiscutivelmen-
te, alteramos o ambiente e somos altera-
dos por ele, mas também fatores internos
(pessoais) estão envolvidos.
Não menosprezamos as vertentes
filosóficas e humanistas. Tivemos que
fazer um recorte e acabamos limitados
(como todo recorte) pelo caminho que
estipulamos para nossa perambulação
por entre algumas linhas de pensamento
sem claro, esgotar todas as possibilida-
des. Mas esperamos suscitar a dúvida
e a busca por diferentes caminhos e
conhecimentos.
O que queremos mostrar, sem dúvi-
da, é que diversas teorias estão disponí-
veis, cada qual embasada sob diferentes
visões de homem e de mundo. Isso nos
coloca o quão pertinente é considerar que
a compreensão da formação do indivíduo
só irá alcançar um entendimento mais
adequado quando estudamos a pessoa
em sua totalidade. Tarefa árdua, não?
Referências Bibliográficas
1.	 ASSUMPÇÃO JR., F.B.; KUCZYNSKI,
E. Tratado de Psiquiatria da Infância
e da Adolescência. São Paulo: Editora
Atheneu, 2012.
2.	 ASSUMPÇÃO JR., F.B. Psicopatologia
Evolutiva. Porto Alegre: Artmed, 2008.
3.	 BEE, H. A criança em desenvolvimento.
São Paulo: Harper & Row do Brasil,
1977.
4.	 HALL, G.S.; LINDZEY, G.; CAMPBELL,
J.B. Teorias da Personalidade. Porto
Alegre: Artmed, 2000.
5.	 FREUD, S. Esboço de Psicanálise. Rio de
Janeiro: Imago, 1980.
6.	 KERNBERG, P.F.; WEINER, A.S.;
BARDENSTEIN, K.K. Transtornos
da Personalidade em Crianças e
Adolescentes. Porto Alegre: Artmed,
2003
7.	 PIAGET, J. A Psicologia da Criança. São
Paulo: Difusão Editorial, 1980.
SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
20
A Família e a Criança Deficiente
Jemima Giron
Quando pensamos no ser humano e
em suas características mais especificas
e únicas, certamente não podemos deixar
de pensar na família, que é, sem duvida, a
estrutura mais especificamente humana
e insubstituível que podemos mencionar
(LUKAS, 1983, apud DUARTE, 2001). Ela,
enquanto grupo social é uma formação
humana universal dentro da qual cada
membro tem uma função repleta de sen-
tido (SOUZA, 1996).
Ao longo dos últimos 30 anos, a
literatura vem mostrando as grandes
mudanças que a família, em sua estru-
tura, vem enfrentando. Com o distan-
ciamento do modelo nuclear original,
pai/mãe/filhos, cada vez mais fazem
parte da nossa realidade diferentes
arranjos familiares, como as famílias
recasadas ou reconstituídas. No entan-
to, independente de sua configuração,
a sua funcionalidade e a qualidade do
relacionamento que seus membros
estabelecem entre si, devem ser man-
tidas. (Féres-Carneiro, 1992)
Muito se tem falado a respeito da
grande importância que os aspectos am-
bientais têm para o desenvolvimento das
crianças, e principalmente, como ressalta
Fiamenghi Jr e Mesa (2007), o papel da
família é fundamental, pois ela é o primei-
ro grupo no qual o indivíduo é inserido;
sendo, portanto uma força social que
tem influência direta na determinação do
comportamento humano e na formação
da personalidade (BUSCAGLIA, 1997).
Segundo Minuchin (1990), cabem às
famílias as funções de proteção e sociali-
zação de seus membros mais novos, bem
como a transmissão da cultura na qual
estão inseridos. Desta forma, a família
também tem papel fundamental na consti-
tuição do individuo, uma vez que, segundo
Prata & Santos (2007), é ela quem dá o
suporte para o desenvolvimento e amadu-
recimento de seus membros nas esferas
biológica, psicológica e social.
Neste sentido, o tipo de funcionamen-
to familiar é um aspecto extremamente
importante, e que exerce influência direta
sobre as crianças e adolescentes inse-
ridos nela, nos fazendo pensar então o
quanto a qualidade do relacionamento
familiar é importante para a formação de
seus membros, tenham eles deficiências
ou não.
Pensando então em casos mais
específicos, nas famílias onde há a pre-
sença de um ou mais filhos deficientes, a
influência das relações familiares, nessas
famílias, é de certa forma diferenciada,
pois se trata de uma experiência inespe-
rada, de mudança de planos e expecta-
tivas dos pais.
Segundo Fiamenghi Jr e Mesa (2007),
quando uma criança nasce, toda a rede
de relacionamentos familiares é modifi-
cada, pois o lugar que a criança ocupa na
reabilitação
SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
21
família é determinado pelas expectativas
que os progenitores têm sobre ela, e
sendo ela deficiente estas expectativas
precisam ser reformuladas para com-
portar agora as limitações desta criança
recém-nascida.
O nascimento desta criança com
deficiência, sendo esta deficiência de
qualquer tipo ou nível, podendo ser físi-
ca, mental, ou ambas; confronta toda a
expectativa dos pais, e a família é acome-
tida por uma situação inesperada. Como
ressalta Buscaglia (2007), a presença
de uma criança deficiente exige que o
sistema se organize para atender suas
necessidades excepcionais.
Pensando na chegada dessa criança,
ou quando a família fica sabendo do seu
diagnostico, segundo Casarin (1999), é
neste momento que é desencadeado um
processo semelhante ao luto. Trata-se de
um luto pela perda da fantasia do filho
perfeito, da criança sadia, que seguiria
um desenvolvimento normal e que em
algum tempo traria grandes realizações
aos seus pais, mas que agora vai exigir
deles uma reorganização dos seus pa-
péis, valores, objetivos e expectativas
de vida, para este filho, e para todos os
membros da família.
Observa-se, portanto grandes difi-
culdades em aceitar o diagnóstico, bem
como os pais apresentam um compor-
tamento de constante busca pela cura
da deficiência. Para Brunhara, e Petean
(1999), os pais experimentam a perda
das expectativas e dos sonhos que
haviam construído em relação ao futuro
descendente. Os pais ao perderem o filho
desejado, permanecem imersos em seu
sofrimento e não elaboram o luto, perma-
necendo impedidos de estabelecerem um
vínculo com o bebê real (Amaral, 1995).
De uma maneira geral, o nascimento
de uma criança com deficiência provoca
uma crise que atinge toda a família,
abalando sua identidade, estrutura e
funcionamento. A vida familiar sofre
alterações frente às exigências emo-
cionais e à convivência com a criança
deficiente, gerando conflitos e levando
a instabilidade emocional, alteração no
relacionamento do casal e distanciamen-
to entre seus membros (Pereira-Silva,
Dessen, 2001).
Nessa experiência, há famílias que
conseguem elaborar saídas para este
novo desafio, enquanto outras têm maior
dificuldade e não conseguem se reorgani-
zar. A família da criança deficiente viven-
cia uma sobrecarga adicional em todos
os níveis: social, psicológico, financeiro,
e com relação à demanda de cuidados e
reabilitação da criança, necessitando por
isso acessar as redes de suporte social
disponíveis na comunidade (Oliveira e
cols, 2008).
Ocorrências de alterações na dinâmi-
ca da família com deficiente é decorrente
das situações indutoras de estresse e
tensão familiar devido à sobrecarga de
cuidados especiais, tarefas e exigências
decorrente da deficiência desta criança;
efeitos estes, sentidos diretamente sobre
os cuidadores diretos e sobre o funcio-
namento família. Trazendo à esta família,
sobrecarga emocional, física e financeira
(FÁVERO e SANTOS, 2005).
Pensando ainda nos efeitos que
a presença desta criança tem sobre o
funcionamento familiar, é importante
ressaltar, que não só os cuidadores
principais são afetados, mas sim, como
nos mostram vários estudos, os irmãos
SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
22
são diretamente afetados por esta nova
situação a qual precisam lidar.
Nos estudos realizados por Mesa e
Fiamenghi Jr (2010), foi concluído que,
em famílias onde há a presença de um fi-
lho deficiente, os irmãos mais velhos ser-
vem de modelo aos outros, compensando
muitas vezes, a ausência e distância dos
pais; eles apresentam a responsabilidade
aumentada pelos cuidados com o irmão
afetado e com a casa em geral.
Além desses aspectos familiares,
também é possível notar diversos outros
aspectos que influenciam esses irmãos,
pois muitos deles apresentam solidão e
ressentimento por se sentirem negligen-
ciados por pais e médicos em função da
atenção requerida pelo irmão afetado;
medo de não mais terem a atenção dos
pais, de contraírem a doença ou de que
o irmão morra. Apresentam também
ciúmes por perceberem que os irmãos
estão sendo favorecidos com maior
atenção e presentes; culpa pela doença
ou deficiência, por não serem afetados
ou por terem desejado que algo de ruim
acontecesse com o irmão; tristeza pela
possibilidade de morte do irmão e de não
compartilharem experiências do futuro
(MESSA, FIAMENGHI JR, 2010)
No entanto, apesar de tantos aspec-
tos negativos e preocupantes percebidos
em irmãos de crianças deficientes, foi
possível concluir que eles também conse-
guiram desenvolver aspectos importantes
como lições aprendidas em relação à
vida, pois nas pesquisas realizadas por
Mesa e Fiamenghi Jr (2010), as crianças
relataram se tornar mais pacientes, com-
preensivas e caridosas; terem adquirido
independência e autonomia pelo aumento
das responsabilidades à eles atribuidas;
altruísmo demonstrado como preocupa-
ção predominante por outras pessoas,
além de se tornarem mais empáticos e
tolerantes a sentimentos de preocupa-
ção, tornando-se mais habilidosos em
estabelecer relacionamentos.
Outros estudos sobre o mesmo tema
também foram realizados por Nixon e
Cummings (1999), um estudo compara-
tivo de irmãos de crianças deficientes e
irmãos de crianças não deficientes para
analisar a reação dessas crianças ao
stress diário de conflitos relacionados
à família. Os resultados revelaram que
crianças com irmãos deficientes apre-
sentam maior preocupação com conflitos
familiares e experimentam mais afetos
negativos em resposta a esses conflitos.
Essas crianças assumem mais
responsabilidade, esperam maior envol-
vimento e percebem mais ameaça em
resposta a todos os tipos de conflitos
familiares, além de demonstraram tam-
bém mais problemas de ajustamento. No
entanto, como também apontou o estudo
anterior, esses irmãos não são acome-
tidos somente por aspectos negativos,
como aspectos positivos desta convivên-
cia, os irmãos demonstram aumento na
maturidade, responsabilidade, altruísmo,
tolerância, preocupações humanitárias,
senso de proximidade na família, auto-
confiança e independência (Fiamenghi
Jr e Mesa, 2007).
No entanto, apesar de tantos aspec-
tos negativos, é preciso considerar que
a presença de uma criança deficiente
na família não indica necessariamente
um estressor para os irmãos. Outros
fatores têm grande influencia e devem
ser considerados, como por exemplo a
qualidade das relações familiares, co-
SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
23
municação, rede de apoio e cuidados,
características individuais, estratégias
de enfrentamento e características da
deficiência. É certo de que essas fa-
mílias representam uma população de
risco, no entanto, como ressalta, Fávero
e Santos (2005), estes aspectos estres-
sores não são exclusivamente causas
diretas da presença do deficiente, pois
isso dependerá também dos recursos
e possibilidades de adaptação que os
membros dessa família possuem.
Desta forma, o suporte social é um
fator mediador do stress e das condições
negativas causadas pela presença da de-
ficiência, e, portanto favorece um melhor
ajustamento familiar. Brunhara, e Petean
(1999), tem enfatizado a necessidade de
que esses pais recebam o maior número
possível de informações; por perceberem
que a maioria das pessoas possuem difi-
culdade em compreender os mecanismos
causadores da deficiência, os autores
sugerem que esses pais tenham suas
dúvidas esclarecidas para que possam
decidir com maior segurança os recur-
sos e condutas primordiais para o bom
desenvolvimento de seu filho.
Outro aspecto importante no trabalho
de prevenção e acompanhamento dos
membros das famílias com crianças defi-
cientes deve estar, segundo Fiamenghi Jr
e Mesa (2007), direcionado à busca pela
qualidade das relações familiares e por
uma comunicação satisfatória desenvol-
vida pelos membros. Segundo os autores
é através de uma rede de apoio satisfa-
tória, além de características individuais,
que estratégias de enfrentamento serão
desenvolvidas e os desafios específicos
do transtorno alcançarão soluções pos-
síveis, viáveis e adequadas.
Com este mesmo pensamento, os
autores Fávero e Santos (2005), acredi-
tam que se o evento estressor é continuo
e o individuo não possui estratégias ade-
quadas para lidar com isso, o organismo
exaure suas reversas de energia, e entra
em estresse crônico; então é preciso in-
tervir de forma terapêutica com os pais
para afim de que possam elaborar tais
estratégias adequadas, pois o fator es-
tressor, que é a criança com deficiência,
não desaparecerá.
Os recursos de enfrentamento de
cada um em lidar com a deficiência irão
determinar o significado da experiência
e de todas as vivências dos familiares.
Mas, além disso, a diminuição da ansie-
dade dos pais também acontece com
o aumento do conhecimento que eles
adquirem sobre a deficiência, a doença
ou a condição crônica de sua criança.
Pensando nessas possibilidades, a ideia
de que essas famílias sejam necessa-
riamente abaladas em sua qualidade
de vida deve ser revista. Fiamenghi Jr e
Mesa (2007), concluem que os conflitos
familiares não surgem em resultado di-
reto da deficiência, mas em função das
possibilidades de a família de se adaptar
ou não a essa situação.
Assim, a visão do senso comum de
que uma criança deficiente irá, necessa-
riamente, produzir conflitos na família,
não tem comprovação em pesquisas.
Famílias com crianças deficientes são
uma população de risco, mas isso não
significa que esse risco irá concretizar-se
em todos os casos. A eficácia de um pro-
grama de intervenção precoce em famílias
com um filho deficiente é constatada, e
fica claro que esse tipo de programa pode
auxiliar significantemente a adaptação
SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
24
dos pais nos primeiros dezoito meses da
vida da criança (Fiamenghi Jr e Mesa,
2007).
Portanto, considerando os resultados
de pesquisas e estudos, é possível acre-
ditar também que treinamento comporta-
mental com pais, treinamento parental
a fim de que os pais invistam mais na
interação com a criança, suporte social,
assistência profissional, bons programas
educacionais, acesso à disponibilidade
de ajudantes, como baba, enfermeiros
ou acompanhantes terapêuticos, estilo
de vida parental favorável à busca de
orientações e apoio, são estratégias
eficazes contra os altos riscos que es-
tes membros estão expostos (FÁVERO e
SANTOS, 2005).
Deste modo, podemos também ana-
lisar os benefícios que a instituição trás
à estes membros, pois lá é um local em
que a família encontra outras famílias que
vivenciam situações semelhantes, o que
permite que compartilhem sentimentos e
experiências, e que por sua vez, cumpre
com o papel informativo, auxiliando-os no
enfrentando e na elaboração de estraté-
gias eficazes.
No entanto estes recursos são precá-
rios, ficando evidente o quanto as famílias
de crianças com deficiência encontram
dificuldades quanto à integralidade e
acessibilidade a serviços e ações de
saúde. Esta precariedade se dá tanto
em instituições privadas e principalmente
àquelas disponibilizados pelo Sistema
Único de Saúde (SUS).
Portanto, como concordam os diver-
sos autores apresentados, é no suporte
social que encontramos melhores condi-
ções para lidar com este fator de risco
à qual estas famílias estão expostas.
Levando em conta que neste caso a
concepção de normalidade não será
possível, é a intervenção terapêutica
na qual um dos aspectos de melhor
ressultado é trabalhar para que os mem-
bros elaborem outros significados, ou
seja, alcancem a ressiginificação dos
papeies de cada um, diante da presença
deste membro com deficiência; além de
tornarem-se mais realistas em relação
às possibilidades de limites de suas
crianças. Desta forma, será possível
alcançarmos a diminuição da tensão e
consequentemente o stress parental,
evidenciando que o aconselhamento
informativo, bem como o trabalho tera-
pêutico com os membros dessas famí-
lias, é um bom recurso para trabalhar
em prol da boa funcionalidade familiar.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁGICAS
1.	 AMARAL, L. A. Conhecendo a Deficiência.
Robe Editorial, São Paulo, 1995;
2.	 Barbosa, MAM, Balieiro, MMFG,
Mandetta, MA. Cuidado centrado na
família no contexto da criança com
deficiência e sua família: uma análise
reflexiva. Contexto Enfermagem,
Florianopolis, v. 21, n.1, pp. 194-9, Jan-
Mar, 2012;
3.	 Brunhara, F. Petean, E.B.L. Mães e
filhos especiais: reações sentimentos
e explicações à deficiencia da criança.
Paidéia, Ribeiräo Preto, pp. 31-40, jan/
jul., 1999;
4.	 BUSCAGLIA, L. Os Deficientes e seus
Pais. Trad. Raquel Mendes, 3ª ed.
Record. Rio de Janeiro, 1997;
5.	 CASARIN, S. Aspectos Psicológicos na
Síndrome de Down. In: J. S. Schwartzman
(ed.). Síndrome de Down. São Paulo:
Mackenzie, 1999;
SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
25
6.	 DUARTE, Y.A.O. Família: rede de suporte
ou fator estressor: a ótica dos idoso e
cuidadores familiares. Universidade de
São Paulo – Programa de Pós Graduação
em enfermagem. São Paulo, 2001;
7.	 FÁVERO, M. A. B., SANTOS, M. A. Autismo
infantil e Estresse familiar: uma revisão
sistemática da literatura. Psicologia
Reflexão e Critica, v. 18, n.3 , pp. 358
369, 2005;
8.	 Féres-Carneiro, T. Família e saúde
mental. Psicologia: Teoria e Pesquisa,
pp. 485-493, 1992;
9.	 FIAMENGHI JR, GA, MESA, A.A. Pais,
Filhos e Deficiência: Estudos Sobre as
Relações Familiares. Psicologia Ciência
e Profissão, v. 27, n. 2, pp. 236-245,
2007;
10.	M E S S A , A . A ,   F I A M E N G H I J R ,
G.A. O impacto da deficiência nos
irmãos: histórias de vida. Ciência saúde
coletiva [online]. v.15, n.2, pp. 529-538.
ISSN 1413-8123, 2010;
11.	MINUCHIN, S. Famílias: funcionamento e
tratamento. Artes Médicas, Porto Alegre,
1990;
12.	NIXON, C.L.; CUMMINGS, E.M. Siblings
Disability and Children’s Reactivity to
Conflicts Involving Family Members.
American Psychological Association, v.
13, n. 2, pp. 274-285, 1999;
13.	Oliveira MFS, Silva MBM, Frota MA, Pinto
JMS, Frota LMCP, Sá FE. Qualidade
de vida do cuidador de crianças com
paralisia cerebral. Revista Brasileira
Promoção Saúde. V. 21, n. 4, pp. 275-
80, 2008;
14.	PRATTA, E. M. M.; SANTOS, M. A. Família
e Adolescência: a influência do contexto
familiar no desenvolvimento psicológico
de seus membros. Psicologia em Estudo,
Maringá, v. 12, n. 2, p. 247-256, maio/
ago., 2007;
15.	Pereira-Silva NL, Dessen MA. Deficiência
mental e família: implicações para o
desenvolvimento da criança. Psicologia
Teoria Pesquisa, maio/agosto;
17(2):133-41. Brasilia, 2001;
16.	SOUZA, M.N. A Família e seu espaço:
uma proposta de terapia familiar. Agir,
Rio de Janeiro, 1996.
Jemima Giron, Pesquisadora
no Laboratório de Distúrbios
do Desenvolvimento do
Instituto de Psicologia da
Universidade de São Paulo.
SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
26
Casamento e Deficiência Mental
Francisco B. Assumpção Jr.
- O homem é consciente do mundo de sua
existência(...). O ser do homem(...) é um ser
em aberto, dinâmico, é força que se projeta
para além de sua condição de ente. Não está
fechado em si. É acontecimento. É mani-
festação. Ele revela-se nesse complexo aos
entes. O homem está em constante relação
com o homem, é um acontecimento histórico.
(Sidekum, 1979:21)
Pensar algumas das características
culturais e civilizatórias significa pensar
o homem naquilo que ele tem de mais
característico enquanto espécie, ou seja,
sua capacidade de dar significado aos
seus atos, personalizando-os e dando-
-lhes um valor específico.
Dentro dessa ótica, o casamento
mais do que simplesmente considerar
aspectos biológicos destinados a preser-
vação da espécie e cuidado para com a
prole, envolve aspectos que estabelecem
um mundo próprio, de valores individuali-
zados, a partir dos quais se estabelece a
relação interpessoal, intersubjetiva, uma
verdadeira história humana, fundada na
sua liberdade e nas suas peculiaridades.
Dessa maneira, conforme referem Gui-
marães (1995) e Chauí (1984), a própria
sexualidade, na espécie, é construída so-
cial, histórica e culturalmente e, exatamen-
te por isso, o casamento é um ato social
e familiar, gerido por sistemas público e
privado, sofrendo ingerências das dimen-
sões econômica, político-social, religiosa,
educacional e legal, historicamente defini-
das, bem como a expectativa e condutas
de vida dos enamorados e dos cônjuges,
as quais vão se tornando oficializadas pela
cultura, estabelecendo um processo recur-
sivo circular (Munhoz, 2000).
Em nossa cultura pós moderna, ma-
rido e mulher compartilham responsabili-
dades iguais, com uma teórica passagem
de um ideal hierárquico para um ideal
igualitário que se reflete em valores e
condutas familiares, conseqüentes a
escolhas individuais.
Isso porque, a própria escolha dos
parceiros baseia-se, habitualmente, em
universos comuns, caracterizados por
nível social, intelectual e faixa etária uma
vez que esses valores igualitários tornam
a escolha mais flexível pela própria valo-
rização pessoal. Munhoz, 2000).
Bower (1977) refere que os indiví-
duos tendem a se atrair pelo nível de
diferenciação de si mesmos em que se
encontram, procurando alguém com nível
semelhante quanto a capacidade de dis-
criminar e identificar emoções e objetivar
ações e decisões.
Temos então aqui um dos núcleos da
questão que este texto se dispõe a pensar
pois, mais do que meras repetições “po-
liticamente corretas”, procuramos refletir
sobre a questão do casamento (enquanto
instituição) e seu significado no que se
refere à pessoa com retardo mentalI e aqui
I	 Utilizamos aqui o termo retardo mental uma vez
que, mesmo sendo considerado “políticamente
incorreto”ainda é o termo oficialmente adotado
pelos mecanismos legais que se baseiam na CID
10ª. Avalizada pelo governo brasileiro no que se
refere a classificação diagnóstica.
inclusão
SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
27
já encontramos um dos temas sobre os
quais se fazem necessário refletir pois se
consideramos retardo mental como “uma
incapacidade caracterizada por importan-
tes limitações, tanto no funcionamento
intelectual quanto no comportamento
adaptativo,estando expressa nas habilida-
des conceituais, sociais e práticas e essa
incapacidade tendo início antes dos 18
anos de idade”(APA; 2002) e se pensarmos
inteligência como a “capacidade de realizar
atividades caracterizadas por serem difí-
ceis, complexas, abstratas, econômicas,
adaptáveis a um objetivo, de valor social,
carente de modelos, e para mantê-las em
circunstâncias que requeiram concentra-
ção de energias e resistência às forças
afetivas” (Stoddar; 1943 apud Assumpção,
2005), somos obrigado a pensar que, um
organismo complexo, valorativo, que busca
a homeostase e que tem funções muito
específicas para desempenhar, tem, obri-
gatoriamente dificuldades em se manter,
de maneira expontânea, nessas condições
senão vejamos:
Para Howels (apud Gomes, 1987)
uma família tem funções específicas
caracterizadas por
•	 responsabilidade econômica uma vez
que visa manter e prover suas próprias
necessidades. Ora, a despeito de
todos os discursos que escutamos
em nosso cotidiano, vivemos em
uma cultura que privilegia a especia-
lização e a eficácia, desvalorizando
com isso, inúmeras categorias por
suas idades, falta de preparo técnico
e outras questões menores. Assim,
mesmo com toda a legislação de pro-
teção, vemos cotidianamente que as
pessoas deficientes absorvidas pelo
mercado de trabalho são aquelas com
déficits físicos ou sensoriais, todos
passíveis de serem minoradas a partir
de estruturas de suporte físicos. Isso
não existe quando falamos de retardo
mental, razão pela qual seus índices
de absorção pelo mercado de trabalho
são muito menores e limitados àque-
les menos comprometidos.
•	 satisfação afetiva através dos próprios
relacionamentos. Esses relacionamen-
tos são dinâmicos, com mudanças
freqüentes que demandam trocas
de papeis e de liderança visando a
solução de problemas emergentes
com percepção do feed-back ambien-
tal e flexibilidade para a obtenção de
estratégias eficazes. Ora, se conside-
ramos que uma das características
do retardo mental é exatamente o
comprometimento de função execu-
tiva que propicia a percepção desse
feed-back ambientaL, bem como a fle-
xibilidade e a capacidade de planejar
soluções eficazes e rápidas, teremos
aí a dificuldade na manutenção dos
próprios relacionamentos conforme
pudemos observar em alguns casais
de indivíduos com deficiência mental
que acompanhamos no decorrer do
tempo (Assumpção, 2005).
•	 satisfação das necessidades sexuais,
entre elas perpetuar a espécie. Talvez
esta seja a característica mais facil-
mente executável uma vez que o ato
procriativo é comprometido somente
em muito poucas síndromes genéticas
nada havendo que impeça a procriação.
•	 socialização dos filhos, a fim de satis-
fazer às necessidades da sociedade a
qual pertencem. O papel familiar envol-
ve a questão da educação propiciando
o amadurecimento da personalidade e
SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
28
a integração gradual dos filhos ao mun-
do, funcionando os genitores como
sistemas de suporte para os filhos em
crescimento. Isso demanda capacida-
de de prever o futuro (imagens mentais
antecipatórias bem estruturadas) e
projetos existenciais definidos (uma
vez que para que se criem filhos se
abre mão de necessidades próprias
em prol de um objetivo maior), ambos
característicos de pensamento abstra-
to muito bem desenvolvido e elaborado
a partir de valores pessoais construí-
dos no decorrer da própria existência.
Entretanto, o discurso politicamente
correto traz a baila duas questões que
não podemos deixar de considerar. Uma
delas, a questão da livre expressão da
sexualidade, consideramos extrema-
mente oportuna e justificável embora
não pensemos que o casamento deva
servir de solução para um problema tão
básico uma vez que, conforme falamos
anteriormente, ele se constitui numa
estrutura social extremamente complexa
que envolve muitos mais elementos que
a mera expressão da sexualidade, com-
portamento mais elementar e simples.
A outra, tangencia uma questão afetiva
esquecendo que a idéia de amor associado
a casamento é bastante recente e portan-
to, não podemos considerá-la indissolúvel
posto que as relações de afeto, conforme
já dissemos anteriormente, a nosso ver,não
demandam a ligação específica com uma
estrutura social de tal maneira complexa
uma vez que um contrato matrimonial esta-
belece divisão de trabalho doméstico, uso
de espaço habitacional, responsabilidade
de cada cônjuge na educação e sociali-
zação dos filhos, disposição sobre bens,
dedicação a trabalho e outras coisas mais
(Sussman, 1970).
Assim, partindo de uma premissa
heideggeriana, consideramos que o ca-
samento em sifaz parte de um mundo
de significados onde o homem, após a
compreensão de seu “ser-no-mundo”
escolhe e executa projetos segundo suas
reais possibilidades. O déficit cognitivo di-
ficulta esse dimensionamento do projeto
existencial bem como o reconhecimento
das próprias limitações. Foi exatamente
essa a questão aventada, pouco tempo
atrás, quando uma religião impediu o ca-
samento religioso de duas pessoas com
deficiência mental argumentando que,
sob o ponto de vista religioso, o ato em
si demandava total conhecimento do ato
naquilo que se referia a direitos e deveres
sendo fruto de uma atitude consciente.
Entretanto, apresentarmos as dificul-
dades da estrutura social casamento não
significa que tenhamos que esquecer que
essa população, como qualquer grupamen-
to humano, apresenta vontades e desejos
que reclamam satisfação embora, nem
sempre esses aspectos sejam elaborados
de maneira socialmente aceitável.
Assim, torna-se interessante pensar-
mos que ao mesmo tempo em que ad-
vogamos o “direito ao trabalho” (castigo
divino se nos lembrarmos da Gênesis que
refere “ganharás o pão com o suor do teu
rosto”) nem sequer discutimos os direitos
do deficiente mental de ter uma vida com
possibilidades sexuais e eróticas como
se isso fosse muito bem resolvido e es-
tabelecido por nossa sociedade.
Fingir igualdade é algo extremamente
artificial. Como diziam Balthazar e Ste-
vens (1975), “uma sociedade ideal seria
aquela aberta, na qual aprenderíamos a
SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
29
tolerar e viver com indivíduos diferentes
de nós quanto a capacidade intelectual,
à estrutura emocional, entre outras coi-
sas. A aceitação dos indivíduos pode ter
um significado terapêutico importante
em certos aspectos do ensino e da ins-
trução; pode bem ser o principal papel
das ciências sociais reforçar e fornecer
a base para aceitar os outros e estabe-
lecer maior tolerância em uma sociedade
aberta. Uma sociedade que fosse bem-
-sucedida em tais esforços não seria
utópica mas ideal.”
Esse talvez seja o maior paradoxo
com o qual nos defrontamos.
Como aceitar o diverso em uma cul-
tura que privilegia o homogêneo, como
aceitar o deficitário em uma sociedade
que opta pela eficácia, como permitir
expressões existenciais diferentes em
um modelo onde todos devem ser iguais?
Pensar essas questões, através da
temática casamento ou através de muitas
outras, talvez seja um caminho que possa
ser trilhado para que tenhamos algumas
soluções, práticas e não teóricas, exis-
tenciais e não filosóficas.
Doutor, boa tarde
Estou lhe dizendo que não consegui
nada com o médico da cidade. Na primeira
disseram que ele não estava e na segunda
disseram que ele estava de férias.
Pelo amor de Deus me ajude para ver se
consigo operar essa menina. Não vou aí com
ela porque não posso levar as duas crianças
dela e mais uma nora que ficam comigo pra
que ela trabalhe.
Abraço.
Agradece
J (carta de avó de criança de dois anos
com deficiência mental profunda, com irmã
de 4 anos com deficiência mental leve e mãe
com 28 anos também com deficiência mental
leve. Assumpção, 1987)
Referências Bibliográficas
1.	 ASSUMPÇÃO JR. FB.; SPROVIERI, MH.
Sexualidade e deficiência mental. São
Paulo, Moraes, 1987
2.	 ASSUMPÇÃO, FB.; SPROVIERI, MH.
Deficiência Mental: sexualidade e
família. São Paulo; Manole; 2005
3.	 BALTHAZAR,EE; STEVENS, HÁ. The
emotionally disturbed mentally retarded.
Nova York; Prentice Hall, 1975
4.	 BOWER, M. Family therapy in clinical
pratice. Nova York, Janson Aronson,
1977
5.	 CHAUÍ, M. Repressão sexual: essa nossa
(des)conhecida. São Paulo, Brasiliense,
1984,
6.	 GOMES, JC. Manual de terapia familiar.
Petrópolis, Vozes, 1987
7.	 GUIMARÃES, I. Educação sexual na
escola:mito e realidade. Campinas,
Mercado de Letras, 1995
8.	 MUNHOZ, MLP. Casamento:ruptura ou
continuidade dos modelos familiares?
São Paulo, Cabral Ed. Universitária,
2000.
9.	 SUSSMAN, MB. Changing families in a
changing society. Forum 14 – Report to
the president: White House Conference
Children. Washington, US Government
Printing Office. 1970
Francisco B. Assumpção Jr.,
Livre Docente pela FMUSP.
Professor Associado do IP-
-USP, membro da Academia
Paulista de Psicologia (cadeira
17) e Medicina (cadeira 103).
SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
30
A importância de estimular
quem tem dificuldades
de aprendizagem
Por Marisa Aparecida Gimenes da Cunha de Andrade*
Edição de texto: Leandra Migotto Certeza**
Fotos: arquivo pessoal
Neste espaço, pais e pessoas com
síndromes relatam um pouco sobre suas
experiências ao viver singularmente em
uma sociedade ainda pouco inclusiva.
São exemplos de quem que já conseguiu
alcançar muitos objetivos graças à força
de vontade, mas ainda enfrentam muitos
desafios para realizarem seus sonhos;
assim como a maioria dos seres huma-
nos sem deficiências também. É uma
oportunidade para os leitores conhece-
rem um pouco mais sobre a diversidade.
de mãe, pra mãe
Leonardo (à direita) com sua família: mãe, pai e irmão
SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
31
conhecerem o que é esta síndrome são
pessoas insensíveis à dor alheia.
Também tivemos muita dificuldade
em acreditar que nosso menino era uma
criança com necessidades específicas,
pela dificuldade de encontrar profissio-
nais habilitados a um preço acessível, e
que soubessem trabalhar com ele. O tra-
tamento indicado na época foi estímulo,
terapia comportamental e processo de
inclusão. Hoje os avanços dele tem sido
ótimo. Mas sofremos muito preconcei-
to por parte dos familiares, na escola,
na igreja, e na sociedade. Por ser uma
síndrome em que o indivíduo apresenta
muitas dificuldades comportamentais e
inflexibilidade diante das rotinas diárias,
às vezes, ainda ouço pessoas que des-
conhecem as características do autismo
fazerem críticas considerando-os pessoas
sem educação ou sem limites.
Meu filho Leonardo, de 13 anos,
tem TEA - Transtorno do Espectro do
Autismo e Dificuldades de Aprendiza-
gem. Soubermos do seu diagnóstico
quando ele tinha por volta de 3 anos
de idade. Ele teve atraso de fala, difi-
culdade na interação social, estereo-
tipias, problemas comportamentais e
principalmente, problemas no processo
de alfabetização. Recebemos de forma
muito cruel e fria o diagnóstico: seu
filho tem deficiência, dificilmente virá a
falar e na adolescência provavelmente
terão que mantê-lo em instituição por
causa do comportamento difícil. Foi
muito triste ouvir isso de um médico,
pois nesta situação os pais necessitam
e desejam ser acolhidos, encaminhados
para algum especialista que os oriente
que rumo tomar. Hoje percebo que a
maioria dos profissionais além de des-
Estudando no computador
SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
32
Ele começou a frequentar a pré-
-escola, por volta dos 3 anos de idade,
por indicação de uma fonoaudióloga. A
experiência da primeira escola foi ruim
para todos nós. Ele sofreu muito, pois
ainda não tinha um diagnóstico e apenas
atraso de fala. A queixa da escola era que
ele não acompanhava as outras crianças
nas atividades, não sabia desenhar, não
falava e apresentava muitas crises de
choro, birra e agressão quando contraria-
do. Como eu e meu marido trabalhávamos
fora de casa, o Leonardo ficava sob os
cuidados dos avós maternos. Por conta
disso, a psicóloga da escola afirmou
que nós não sabíamos educar o menino,
e que os avós o deixavam sem limites.
Foi muito doloroso e confuso ouvir isso
naquela época, pois era nosso primeiro
filho e não tínhamos um referencial.
Mas apesar da dificuldade de en-
contrar uma escola adequada que o
aceitasse, ele sempre frequentou escola
regular no processo de inclusão onde
teve oportunidade de ser estimulado.
Ele freqüentou também uma escola es-
pecializada no contra-turno da regular,
a Associação dos Amigos das Pessoas
com Autismo. Lá além da estimulação
que ele recebeu, eu pude fazer cursos
para entender e auxiliá-lo nessa árdua
e abençoada tarefa de ser mãe de uma
pessoa com deficiência intelectual.
Desde o início do diagnóstico ele
apresentou muita evolução no aspecto
intelectual, emocional e principalmente
na interação com o outro. Hoje ele está
alfabetizado e freqüenta o 6º ano do en-
sino fundamental em uma escola da rede
regular de ensino privada. Ele apresenta
dificuldade nas atividades mais abstratas
como matemática, interpretação de tex-
to e filosofia, e nas demais atividades,
ciências, geografia e inglês ele assimila
melhor. Mas necessita de uma tutora que
o acompanha diariamente nas rotinas
escolares, auxiliando-o na parte peda-
gógica e nas questões comportamental.
Ele tem um bom relacionamento com os
profissionais da escola e com os colegas,
é uma pessoa muito querida pelo seu jei-
to simples, despojado e inocente de ser.
O Léo é um desenhista de mão
cheia, começou a desenhar aos 5 anos
de idade e a partir de então teve grande
avanço sem nunca ter frequentado escola
específica. Apesar das características
muito peculiares da deficiência, ele está
incluso em tudo que uma família pode
fazer como: passeios, shoppings, cinema,
teatro, igreja, escola, visitas na casa de
familiares, amigos, atividades escolares
inclusive baladas. Apenas necessita de
alguém com um olhar mais atento, em
função da ausência de malícia e medo do
perigo real. E hoje nosso maior desafio
é em relação às questões comportamen-
tais, pois ele está mais agitado e impul-
sivo por causa da adolescência.
Eu gostaria que ele terminasse o en-
sino médio, e ingressasse em uma facul-
dade voltada para sua área de interesse
o desenho. Porém, o futuro a Deus per-
tence, e sei que preciso investir também
em atividades de vida prática e diária,
para que ele consiga ter maior autono-
mia e independência, por isso também
realizamos projetos de convivência social.
Em casa suas atividades principais são:
TV, vídeo game, computador e desenhar.
Gosta muito de passear e na casa de
familiares ou amigos. Faz natação e cami-
nhada. Todas essas atividades são muito
importantes, pois atuam como estímulos.
SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
33
cos e muito gratificantes, pois tudo que
ele consegue produzir e fazer é festejado
como um obstáculo vencido e mais uma
vitória. Assim a família precisa ter muita
estrutura, equilíbrio e fé em Deus para
suportar com amor, humildade, paciên-
cia, tolerância e muita resignação todas
essas provações e conseguir manter-se
unidos.
Tenho dois filhos, o Léo e o Felipe
de 7 anos que não tem deficiência. A
relação do Felipe com seu irmão às
vezes é um pouco complicada, pois ele
sente bastante o excesso de atenção que
dispensamos ao Léo por causa de suas
necessidades e peculiaridades. Algumas
vezes há necessidade de terapias para
que ele possa entender e aceitar as situ-
Desenho de Léo
A TV e o computador ajudaram no proces-
so de alfabetização, e o conjunto de todas
essas atividades auxilia na quebra de
rotina, inflexibilidade, interação social. O
inglês ele aprendeu praticamente só com
o auxílio do computador e da TV através
dos desenhos e vídeos.
Pela experiência, digo que convi-
vência com uma pessoa com TEA e
Problemas de Aprendizagem não é uma
tarefa fácil, exige muito de todos, e prin-
cipalmente, dos irmãos. Há momentos e
fases angustiantes, pois a instabilidade
de humor e a inflexibilidade diante das
menores coisas deixam os familiares
fragilizados, cansados, estressados,
deprimidos e ás vezes em pé de guerra.
Mas há também os momentos fantásti-
SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
34
ações conflitantes com seu irmão, devido
à deficiência dele. Meus filhos e minha
família são meu tudo. Eu os amos, sei
que são presentes que Deus colocou na
minha vida. E através destes presentes,
Deus tem me dado a oportunidade de
evoluir muito em todos os sentidos da
minha vida: eu estou aprendendo a amar,
a respeitar, a olhar para o meu seme-
lhante sem julgá-lo pela sua aparência
ou atitude, estou aprendendo a ser uma
pessoa melhor e valorizar mais o ser hu-
mano. Foi através do Léo que direcionei
minha vida profissional, além de entender
esse mundo tão complexo e tão simples
ao mesmo tempo e poder auxiliar pais e
profissionais.
Hoje estou à frente de um projeto a
fim de oportunizar a convivência de pes-
soas com deficiência intelectual junto à
sociedade. Pois, além de ser mãe sou
pedagoga e psicopedagoga e durante 3
anos atuei em clinica e como consulto-
ra no processo de inclusão escolar. E,
infelizmente, vejo que ainda hoje, existe
um despreparo e um preconceito muito
grande, por parte dos profissionais da
área educacional, em relação ao TEA,
pois esta deficiência possui caracterís-
ticas muito peculiares; e poucos são
os profissionais que tem interesse em
aprender e aprofundar-se no assunto,
muitos acreditam que é falta de limites
ou educação dos pais. Também acompa-
nho através das redes sociais e procuro
estar sempre atualizada com as notícias
em busca de respostas para o autismo
ou em conquistas aos nossos direitos e
benefícios.
Nessa jornada fiz grandes amigos, e
percebi que existem muitas pessoas com
bastante conhecimento se movimentando
para melhorar nossa política pública de
inclusão. Mas o grande problema é que
ao invés de se unirem em um único ide-
al, alguns ficam disputando espaço para
Convivendo com a família na casa da avó Alice
SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
35
terem seus nomes na calçada da fama e
esquecem que há milhões de familiares
e indivíduos com autismo sofrendo, sem
recursos, e esperando desesperadamen-
te por atendimento e melhor qualidade de
vida. Por isso, aconselho a todos que é
preciso ter muita paciência, tolerância, di-
vidir suas angústias e temores com seus
familiares e outras pessoas que tenham
filhos com a mesma síndrome. Nunca
acredite em um profissional que limite ou
subestime a capacidade de seu filho. Esti-
Leandra Migotto Certeza é
jornalista e repórter especial
da Revista Síndromes. Ela tem
deficiência física (Osteogene-
sis Inperfecta), é assessora
de imprensa da ABSW, e con-
sultora em inclusão e mantém
o blog “Caleidoscópio – Uma
janela para refletir sobre a diversidade da vida” - http://
leandramigottocerteza.blogspot.com/. Conheçam os
modelos de palestras, oficinas, cursos e treinamentos
sobre diversidade, realizados em empresas, escolas,
ONGs, centros culturais e grupos de pessoas no site:
https://sites.google.com/site/leandramigotto/
mule seu filho, proporcionando o máximo
de autonomia e independência. Ignore as
pessoas preconceituosas, pois muitas
vezes será necessário engolir alguns
sapos para evitar desgastes emocionais.
Mas acima de tudo ame o e aceite para
que vocês possam ser felizes!
Brincando ao lado do seu irmão Felipe
SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
36
O importante é dar
o primeiro passo
Francelene Rodrigues
Entrevistadora: Leandra Migotto Certeza – jornalista*
Fotos: arquivo pessoal
Conte um pouco como foi o seu processo
de inclusão educacional. Quais foram os
maiores desafios e conquistas?
Amo estudar. O processo educacional
foi tranqüilo, até adquirir a deficiência físi-
ca. Sempre estudei em escolas públicas e
conclui o magistério. Complicado foi quando
decidi voltar aos estudos, pois a minha
matricula no ensino médio supletivo foi re-
cusada. Precisei adquirir outros conteúdos
para prestar vestibular. Mas insisti e venci,
e logo depois ingressei na faculdade, com
algumas barreiras que ao decorrer do curso
universitário foram superadas a cada dia.
Mas muitos outros obstáculos apareceram
pelo caminho até eu terminar o curso este
em dezembro de 2012. Sei que eles preci-
sam ser sempre ultrapassados.
Passou por preconceitos e discrimina-
ções?
Uma barreira inquebrantável sempre
será o preconceito, que ainda existem em
relação às pessoas com quaisquer tipos
de deficiência no mundo, não só na facul-
dade. Esse sentimento, muitas vezes, vem
da família; e é indiscutível que esse tema
ainda seja uma barreira para muita gente.
O maior preconceito foi em entender que eu
mesma era preconceituosa com as pessoas
e não elas comigo.
Sempre quis ser assistente social? Qual a
importância dessa profissão em sua vida?
Decidi pela profissão, devido ao en-
volvimento dentro de minha própria comu-
nidade na qual sou líder, e Conselheira
de Saúde desde 2001. Sempre trabalhei
em prol de melhorias para o bairro onde
vivo. Amo a profissão que escolhi, e sei
que mercado de trabalho está aberto, pela
artigo do leitor
Bacharel em Serviço Social, Francelene Rodrigues fala sobre
a importância da participação na criação do Interconselho da
Coordenadoria Regional de Saúde Leste de SP
SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
37
amplitude em conhecimentos, desafios e
competências, que a área possui. Ser as-
sistente social para mim é primeiramente
ser cidadã, capaz de garantir direitos ao
próximo e a si mesmo. Logo que cheguei
à faculdade, foram feitas adaptações para
garantir a acessibilidade em quase todos
os espaços. Mas hoje as pessoas com
deficiência podem se sentir livre para se
locomoverem, pois fizeram rampas e ins-
talaram dois elevadores. Fiquei muito feliz
pelas mudanças.
Qual a importância da participação popular
nos Movimentos Sociais, nos Conselhos
Gestores das Unidades Básicas de Saú-
de (UBS); e nos Conselhos Gestores de
Supervisões Técnicas de Saúde (STS) da
zona leste de SP, interligados direta ou in-
diretamente às decisões regionalizadas do
Sistema Único de Saúde (SUS), de acordo
com suas especificidades?
A importância desta participação
popular atribui-se hoje ao envolvimento e
articulação de forma organizada, que atu-
almente é representado pelos Movimentos
Sociais e Conselhos de Direito como me-
canismos de gestão das políticas públicas
na intervenção e mediação paritária junto
ao Estado e ao próprio controle social, de
acordo com suas especificidades e necessi-
dades locais, ou seja, nas UBS´s, distritais
STS´s - Conselhos Gestores de Supervisões
Técnicas de Saúde Regionais (norte, sul,
sudeste e centro-oeste).
Esta participação vem ocorrendo com que
freqüência?
Esta participação acontece de acordo
com as diretrizes do SUS – Sistema Único
de Saúde, mensalmente em cada instância
com datas e pautas já pré-agendadas junto
aos representantes por segmentos.
Quais os principais problemas enfrentados
pela população em geral da zona lesta
para conseguir participar ativamente das
reuniões e ações dos Conselhos Gestores?
Neste caso não vejo problemas, porque
a participação local acontece nas UBS´s,
que geralmente estão localizadas próximas
à residência das pessoas e das STS`s. E o
transporte é garantido para todos os Con-
selheiros e seus representantes, através de
passes livres ou de carro. Suas ações são
realmente discutidas da melhor maneira, e
os problemas resolvidos na medida do pos-
sível em cada instância, seja local, distrital
ou regional. E sempre ocorre de comum
acordo com os seus representantes.
Quais foram às principais especificidades
e necessidades encontradas na zona leste
da cidade de São Paulo que culminaram
com a criação do Interconselho da Coor-
denadoria Regional de Saúde Leste de SP
em 2006?
O Interconselho Coordenadoria Re-
gional de Saúde Leste de SP teve suas
discussões preliminares no Conselho
Gestor de Saúde de Itaquera. Durante
alguns meses, esse coletivo discutiu a
importância do controle social democráti-
co nas coordenadorias, entendendo que
a criação desse espaço seria necessário
devido à constatação que as decisões e
o poder político estariam nessa instância.
Além disso, a cada mandato, o Conselho
deparava-se com novas políticas e ações,
naquele momento PT e PSDB, ou seja, com
Transtornos do aprendizado
Transtornos do aprendizado
Transtornos do aprendizado
Transtornos do aprendizado
Transtornos do aprendizado
Transtornos do aprendizado
Transtornos do aprendizado
Transtornos do aprendizado
Transtornos do aprendizado
Transtornos do aprendizado
Transtornos do aprendizado
Transtornos do aprendizado
Transtornos do aprendizado
Transtornos do aprendizado
Transtornos do aprendizado
Transtornos do aprendizado
Transtornos do aprendizado
Transtornos do aprendizado
Transtornos do aprendizado
Transtornos do aprendizado
Transtornos do aprendizado
Transtornos do aprendizado
Transtornos do aprendizado
Transtornos do aprendizado
Transtornos do aprendizado
Transtornos do aprendizado
Transtornos do aprendizado
Transtornos do aprendizado
Transtornos do aprendizado

Weitere ähnliche Inhalte

Ähnlich wie Transtornos do aprendizado

Etica cidadania- direitos-humanos
Etica cidadania- direitos-humanosEtica cidadania- direitos-humanos
Etica cidadania- direitos-humanosSonia Souza
 
As etapas do desenvolvimento de uma pessoa
As etapas do desenvolvimento de uma pessoaAs etapas do desenvolvimento de uma pessoa
As etapas do desenvolvimento de uma pessoajt7_9
 
6-3_SOCIOLOGIA-1S-1B-EMRegular.versão Paula.pdf
6-3_SOCIOLOGIA-1S-1B-EMRegular.versão Paula.pdf6-3_SOCIOLOGIA-1S-1B-EMRegular.versão Paula.pdf
6-3_SOCIOLOGIA-1S-1B-EMRegular.versão Paula.pdfcismedeiros
 
A IMPORTÂNCIA DA IMPRENSA EM RELAÇÃO À REALIDADE DO IDOSO NA SOCIEDADE ATUAL
A IMPORTÂNCIA DA IMPRENSA EM RELAÇÃO À REALIDADE DO IDOSO NA SOCIEDADE ATUALA IMPORTÂNCIA DA IMPRENSA EM RELAÇÃO À REALIDADE DO IDOSO NA SOCIEDADE ATUAL
A IMPORTÂNCIA DA IMPRENSA EM RELAÇÃO À REALIDADE DO IDOSO NA SOCIEDADE ATUALJonathan Amorim Perez
 
Revista Boa Vontade, edição 203
Revista Boa Vontade, edição 203Revista Boa Vontade, edição 203
Revista Boa Vontade, edição 203Boa Vontade
 
Manual boas praticas para pessoa idosa
Manual boas praticas para pessoa idosaManual boas praticas para pessoa idosa
Manual boas praticas para pessoa idosaLetícia Spina Tapia
 
Manual da boas practicas
Manual da boas practicasManual da boas practicas
Manual da boas practicasANAMSIGOT
 
Manual boas praticas para pessoa idosa
Manual boas praticas para pessoa idosaManual boas praticas para pessoa idosa
Manual boas praticas para pessoa idosaLetícia Spina Tapia
 
Trabalho Interdisciplinar 2021.pptx
Trabalho Interdisciplinar 2021.pptxTrabalho Interdisciplinar 2021.pptx
Trabalho Interdisciplinar 2021.pptxRonaldo Rocha
 
REDAÇÃO ENEM - Ensino e correçao - Emancipa.pdf
REDAÇÃO ENEM - Ensino e correçao - Emancipa.pdfREDAÇÃO ENEM - Ensino e correçao - Emancipa.pdf
REDAÇÃO ENEM - Ensino e correçao - Emancipa.pdfMarcosPauloSantos25
 

Ähnlich wie Transtornos do aprendizado (20)

Modelosartigos
ModelosartigosModelosartigos
Modelosartigos
 
Criancas do futuro
Criancas do futuroCriancas do futuro
Criancas do futuro
 
023idade perdida hom
023idade perdida hom023idade perdida hom
023idade perdida hom
 
A idade perdida do homem
A idade perdida do homemA idade perdida do homem
A idade perdida do homem
 
023idade perdida hom
023idade perdida hom023idade perdida hom
023idade perdida hom
 
A idade perdida do homem
A idade perdida do homemA idade perdida do homem
A idade perdida do homem
 
Preconceito
PreconceitoPreconceito
Preconceito
 
339 an 06_julho_2011.ok
339 an 06_julho_2011.ok339 an 06_julho_2011.ok
339 an 06_julho_2011.ok
 
Etica cidadania- direitos-humanos
Etica cidadania- direitos-humanosEtica cidadania- direitos-humanos
Etica cidadania- direitos-humanos
 
As etapas do desenvolvimento de uma pessoa
As etapas do desenvolvimento de uma pessoaAs etapas do desenvolvimento de uma pessoa
As etapas do desenvolvimento de uma pessoa
 
6-3_SOCIOLOGIA-1S-1B-EMRegular.versão Paula.pdf
6-3_SOCIOLOGIA-1S-1B-EMRegular.versão Paula.pdf6-3_SOCIOLOGIA-1S-1B-EMRegular.versão Paula.pdf
6-3_SOCIOLOGIA-1S-1B-EMRegular.versão Paula.pdf
 
biodireito livro unico.pdf
biodireito livro unico.pdfbiodireito livro unico.pdf
biodireito livro unico.pdf
 
Qualidade de Vida, Qualidade É Vida - 2009
Qualidade de Vida, Qualidade É Vida - 2009Qualidade de Vida, Qualidade É Vida - 2009
Qualidade de Vida, Qualidade É Vida - 2009
 
A IMPORTÂNCIA DA IMPRENSA EM RELAÇÃO À REALIDADE DO IDOSO NA SOCIEDADE ATUAL
A IMPORTÂNCIA DA IMPRENSA EM RELAÇÃO À REALIDADE DO IDOSO NA SOCIEDADE ATUALA IMPORTÂNCIA DA IMPRENSA EM RELAÇÃO À REALIDADE DO IDOSO NA SOCIEDADE ATUAL
A IMPORTÂNCIA DA IMPRENSA EM RELAÇÃO À REALIDADE DO IDOSO NA SOCIEDADE ATUAL
 
Revista Boa Vontade, edição 203
Revista Boa Vontade, edição 203Revista Boa Vontade, edição 203
Revista Boa Vontade, edição 203
 
Manual boas praticas para pessoa idosa
Manual boas praticas para pessoa idosaManual boas praticas para pessoa idosa
Manual boas praticas para pessoa idosa
 
Manual da boas practicas
Manual da boas practicasManual da boas practicas
Manual da boas practicas
 
Manual boas praticas para pessoa idosa
Manual boas praticas para pessoa idosaManual boas praticas para pessoa idosa
Manual boas praticas para pessoa idosa
 
Trabalho Interdisciplinar 2021.pptx
Trabalho Interdisciplinar 2021.pptxTrabalho Interdisciplinar 2021.pptx
Trabalho Interdisciplinar 2021.pptx
 
REDAÇÃO ENEM - Ensino e correçao - Emancipa.pdf
REDAÇÃO ENEM - Ensino e correçao - Emancipa.pdfREDAÇÃO ENEM - Ensino e correçao - Emancipa.pdf
REDAÇÃO ENEM - Ensino e correçao - Emancipa.pdf
 

Transtornos do aprendizado

  • 1. www.atlanticaeditora.com.br 13 anos A Formação do Indivíduo Carolina Rabello Padovani A importância de estimular quem tem dificuldades de aprendizagem Por Marisa Aparecida Gimenes da Cunha de Andrade* Edição de texto: Leandra Migotto Certeza** Transtornos do Aprendizado EscolarFrancisco Baptista Assumpção Júnior Evelyn Kuczynski revistamultidisciplinardodesenvolvimentohumano Síndromes Novembro•Dezembrode2012•Ano2•Nº6•R$25,00 Síndromes-Ano2-Número5-Setembro/Outubrode2012 Dificuldades de aprendizagem Entrevistado: Antônio Eugênio Cunha Jornalista responsável: Leandra Migotto Certeza A Família e a Criança Deficiente Jemima Giron Casamento e Deficiência Mental Francisco B. Assumpção Jr. ISSN2237-8677 Nesta edição Curso Autismo Módulo VI
  • 2.
  • 3. EDITORIAL Dr. Francisco Assumpção Junior artigo do mês Transtornos do Aprendizado Escolar Francisco Baptista Assumpção Júnior Evelyn Kuczynski Entrevista Dificuldades de aprendizagem Entrevistado: Antônio Eugênio Cunha Jornalista responsável: Leandra Migotto Certeza desenvolvimento A Formação do Indivíduo Carolina Rabello Padovani reabilitação A Família e a Criança Deficiente Jemima Giron inclusão Casamento e Deficiência Mental Francisco B. Assumpção Jr. de mãe, pra mãe A importância de estimular quem tem dificuldades de aprendizagem Por Marisa Aparecida Gimenes da Cunha de Andrade* Edição de texto: Leandra Migotto Certeza** artigo do leitor O importante é dar o primeiro passo Francelene Rodrigues Entrevistadora: Leandra Migotto Certeza reportagem CRIA - Centro de Referência da Infância e Ado- lescência desenvolve pesquisa e assistência em saúde mental Por Leandra Migotto Certeza Curso Autismo Módulo VI 2 3 10 18 24 30 34 40 46 49 revista multidisciplinar do desenvolvimento humano Síndromes Novembro • Dezembro de 2012 • Ano 2 • Nº 6 Diretoria Ismael Robles Junior ismael@revistasindromes.com revistasindromes@yahoo.com.br Antonio Carlos Mello mello@atlanticaeditora.com.br Coordenador Editorial Dr. Francisco B. Assumpção Jr. Colaboraram com essa edição Alessandra Freitas Russo Carolina Rabello Padovani Cristina de Freitas Cirenza Evelyn Kuczynski Julianna Di Matteo Dr. Francisco Assumpção Junior Leandra Migotto Certeza Maria Sigride Thomé de Souza Simaia Sampaio Simone Nascimento Fagundes Zein Mohamed Sammour A revista Síndromes é uma publicação bimestral da Atlântica Editora ltda. em parceria com Editora Robles - Ismael Robles Jr. me (11) 4111 9460, com circulação em todo território nacional. Não é permitida a reprodução total ou parcial dos artigos, reportagens e anúncios publicados sem prévia autorização, sujeitando os infratores às penalidades legais. As opiniões emitidas em artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, a opinião da revista Síndromes. Mandem artigos com no máximo 400-500 palavras, consistindo somente em uma opinião embasada em pequena bibliografia (3 ou 4 citações no máximo), podem estar na mesma página ou em páginas diferentes. Praça Ramos de Azevedo, 206 sl. 1910 - Centro - 01037-010 São Paulo - SP Atendimento (11) 3361-5595 - artigos@revistasindromes.com - Assinaturas - E-mail: assinaturas@atlanticaeditora.com.br Envio de artigos para: artigos@revistasindromes.com revistasindromes@yahoo.com.br www.atlanticaeditora.com.br Atlântica Editora Praça Ramos de Azevedo, 206/1910 Centro 01037-010 São Paulo SP Atendimento (11) 3361 5595 assinaturas@atlanticaeditora.com.br Administração e vendas Antonio Carlos Mello mello@atlanticaeditora.com.br Vendas Corporativas Antônio Octaviano biblioteca@atlaticaeditora.com.br Marketing e Publicidade Rainner Penteado rainner@atlanticaeditora.com.br Editor executivo Dr. Jean-Louis Peytavin jeanlouis@atlanticaeditora.com.br Editor assistente Guillermina Arias guillermina@atlanticaeditora.com.br Direção de arte Cristiana Ribas cristiana@atlanticaeditora.com.br
  • 4. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012 2 Chegamos ao décimo número desta revista. Isto significa muito, uma vez que é uma publicação destinada a um público segmentado, e dedicada a uma parcela da população que vem sendo, sistema- ticamente, negligenciada e mal cuidada pelo poder público. A despeito dos discursos pomposos e “politicamente corretos” que pregam igualdade e direitos, a realidade com a qual convivemos cotidianamente é exata- mente oposta predominando a carência, o descaso, a negligência e a omissão sem- pre mascaradas pelo hipócrita discurso da inexistência de diferenças. Ao contrário, pensamos que admitir as diferenças é o primeiro passo para que as aceitemos; pois um mundo de iguais é intolerante com o diferente. Assim, o primeiro passo é identificá-las (ou, se quisermos ser incorretos”, diagnosticá- -las) para que, num segundo momento, possamos fornecer sistemas de cuidados e suportes adequados para que possam viver com maior dignidade e qualidade. “Não basta somente acolher. Precisamos conhecer e cuidar.” O momento histórico no qual vivemos demanda mais do que simplesmente “ser afetivo”. Ele demanda afeto sim, porém ele demanda cuidados, proteção, siste- mas de suporte e tratamento em todos os níveis, médico, psicológico, social, familiar, funcional, pedagógico, enfim, to- das as possibilidades que a modernidade (e pós modernidade inclusive) trouxeram ao mundo. Isso é muito mais do que falar aos professores que “com criatividade” os problemas serão resolvidos. Claro que a criatividade e a boa vonta- de são importantes mas é indispensável o conhecimento técnico. São indispensá- veis os recursos materiais e, fundamental ainda são os modelos populacionais que devem permitir que esse conhecimento técnico seja usufruído e desfrutado por todos os que dele necessitam e não somente por aqueles que por possuírem melhores condições econômicas tem acesso a ele. Enfim, este décimo número represen- ta uma vitória. Vitória sobre a negligência, sobre o obscurantismo, sobre as idéias rea- cionárias travestidas no ”politicamente correto”. Esperamos que o projeto continue e que outras vozes se levantem, de formas diferentes para que uma nova possibili- dade seja viável. Boa leitura! Francisco B. Assumpção Jr. editorial Dr. Francisco Assumpção Junior Francisco B. Assumpção Jr.
  • 5. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012 3 Transtornos do Aprendizado Escolar Francisco Baptista Assumpção Júnior Evelyn Kuczynski “Física e mentalmente, cada um de nós é único. Qualquer cultura que, no interesse da eficiência ou em nome de qualquer dogma político ou religioso, procura estandartizar o indivíduo humano, comete um ultraje contra a natureza biológica do homem.”I A alteração crítica e essencial do processo evolutivo humano que desen- cadeou sua revolução “copérnica” (pelo deslocamento de sua posição e valência dentro da hierarquia gravitacional da esfera etológica) foi o desenvolvimento de estruturas cerebrais que passaram a lhe permitir rapidamente processar todo tipo de informações, passando o Homem a ser capaz de resolver todo tipo de pro- blema (independente de sua presença) manipulando símbolos mentalmente, de forma tal que a velocidade deste proces- samento passou a ser o principal fator implicado na sua eficácia adaptativa e de sobrevivência. No entanto, paga-se um alto preço por este salto. As características que lhe proporcionaram esta fantástica ma- leabilidade e (consequente) adaptabili- dade geraram tamanha complexidade que, após o nascimento, durante muitos anos o filhote humano é obrigado a viver sob proteção, uma vez que grande é sua I Huxley A. Regresso ao admirável mundo novo. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 2000. dependência, bem como extrema a sua fragilidade. É maior a sua vulnerabili- dade quanto mais jovem se apresenta. Entretanto, esse “animal” conseguiu se adaptar ao meio ambiente biológico e, como animal gregário e social, passa a se agrupar em bandos cada vez maiores. A adaptação, que inicialmente era bioló- gica, passa cada vez mais a ser social. Considerando a seguir alguns aspec- tos básicos: • todas as espécies animais são mu- táveis, o que caracteriza uma teoria básica da evolução; • todos os organismos descendem de um ancestral comum, definindo-se uma teoria de evolução ramificada; • a evolução é gradual, sem grandes saltos ou descontinuidades; • as espécies tendem a se multiplicar, origem daquilo que denominamos diversidade; • finalmente, os indivíduos de uma es- pécie estão sempre sujeitos à seleção natural. De acordo com estes aspectos (refe- rentes a uma construção teórica evolucio- nista), temos de admitir que: as populações são tão fecundas que tendem a aumentar exponencialmente, na ausência de restrições. Entretanto, na maioria das espécies, essas restri- ções se encontram presentes, na forma artigo do mês
  • 6. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012 4 de ausência ou diminuição do aporte de alimentos, aumento do número de predadores, ou de doenças. Temos que reconhecer que, na espécie humana, estes fatores limitantes foram, grosso modo, gradualmente minimizados; o tamanho de uma população, exceto por flutuações sazonais, tende a perma- necer estável, ocasionando uma estabi- lidade a longo prazo. Com o controle dos fatores acima discriminados, a espécie humana tendeu a aumentar o número de seus elementos de forma intensa e, assim, considerando-se que os recursos disponíveis para uma espécie (e a espécie humana não é imune a esta máxima) são sempre limitados, podemos deduzir que ...existe uma extrema competição na forma de luta pela sobrevivência, entre os membros de uma mesma espécie, mesmo que essa espécie tenha características tão marcantes como a humana... (apud DARWIN, 2004) Assim, conclui-se que não existem dois indivíduos iguais em uma população! Chegamos a uma nova dedução, que podemos expressar dizendo que ...não existem dois indivíduos em uma mesma população que tenham as mesmas probabi- lidades de sobrevivência, o que caracteriza o próprio processo de seleção. (apud DARWIN, 2004) Qualquer comportamento que impli- que numa vantagem evolutiva é reforçado pela própria seleção de determinantes genéticos de tal comportamento, o me- lhor denominado “efeito Baldwin”. Certos indivíduos tem vantagens em virtude da presença de características distintas em relação a outros do mesmo sexo e espécie, refletidas no que diz respeito a reprodução (e ao consequente processo de seleção). Tais características depen- dem de vários fatores que (por analogia a outras espécies) estão relacionadas à conquista e manutenção de melhores territórios (leia-se com mais recursos alimentares), cuidado com a prole, in- terações com a família e a população, entre outros. Contudo, a espécie humana é sujeita a uma extrema vulnerabilidade, decorren- te da imaturidade apresentada ao nasci- mento (e dada a sua intensa plasticida- de). Para que possa alterar seu ambiente (e ser por ele alterado), o ser humano nasce incompleto e é deveras frágil. No que diz respeito ao comportamento pós- -natal, o filhote humano só pode contar com as informações contidas em seu ácido desoxirribonucleico (ADN), informa- ções estas bastante restritas, dada a sua especificidade, e que lhe proporcionam poucas possibilidades adaptativas. É só lembrar quanto tempo após nascerem os filhotes de outros mamíferos são conside- rados adultos e aptos a sobreviver sem proteção, a lutar por sua sobrevivência, a produzir prole (um cão ou um gato, a partir dos 12 meses de vida...). O que um filhote aprende em sua curta vida é limitado e só se transmite a prole naquelas espécies em que pais mantem contato prolongado com os filho- tes, como usualmente se processa (ou se processava?...) na espécie humana. Essas informações seriam passadas transgeneracionalmente, de forma que
  • 7. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012 5 a herança genética se acrescenta tudo aquilo que se aprende na convivência com os pais. Em função do desenvolvi- mento da linguagem, essa transmissão de informações é sofisticada na espécie humana, estabelecendo a variabilidade cultural. Além disso, a transmissão de informações se processa através do tem- po, de forma a somar o conhecimento, criticando-o e modificando-o. A medida que os grupos humanos se tornam mais complexos e sofisticados, a questão da transmissão de conhe- cimentos (formais e informais) passa a ser de fundamental importância no processo adaptativo, o que leva a que, atualmente, crianças e adolescentes passem grande parte de seu tempo em uma situação de aprendizado formal (que caracteriza o processo de escolarização). Entretanto, adaptada às exigências do ambiente, e considerando-se as carac- terísticas adaptativas que descrevemos acima (e que são aplicáveis a qualquer grupamento de indivíduos), a exigência do ensino formal vai colocar parte das crianças na situação frequentemente denominada “fracasso escolar”, uma vez que apresentam dificuldades para ler, escrever e/ou calcular, mesmo sem comprometimento de suas capacidades intelectuais e/ou sociais. Como a espécie humana apresenta, entre outras características, um padrão de conduta antisseletivo, a preocupação com estas dificuldades existe. Assim, quando essas dificuldades persistem (apesar do emprego de recursos didáti- cos e de um meio apoiador, o que nem sempre é garantido a estas crianças...), somos levados a diagnosticar um “Trans- torno de Aprendizagem”. Muitos são os conceitos de transtor- no de aprendizagem que podem ser pin- çados da literatura. Vamos nos ater aos que consideramos mais interessantes no processo de compreensão do fenô- meno, apresentados abaixo, em ordem cronológica. “Dificuldade de aprendizagem refere-se a um retardamento, transtorno, ou desenvolvimento lento em um ou mais processos da fala, lin- guagem, leitura, escrita, aritmética ou outras áreas escolares, resultantes de um handicap (incapacidade) causado por uma possível disfunção cerebral e/ou alteração emocional ou de conduta.” (KIRK, 1963) “...manifestam discrepância educativa signifi- cativa entre seu potencial intelectual estima- do e o nível de execução relacionado com os processos básicos de aprendizagem, que po- dem ou não vir acompanhados por disfunções demonstráveis do Sistema Nervoso Central e que não são secundárias a retardo mental, privação cultural ou educativa, alteração emo- cional ou perda sensorial.” (BATEMAN, 1965) “...aquela com habilidade mental, processos sensoriais e estabilidade emocional adequa- dos, que apresenta déficits específicos nos processos perceptivos, integrativos ou expres- sivos os quais alteram a eficiência da aprendi- zagem. Isso inclui crianças com disfunção do Sistema Nervoso Central que se expressam primariamente com deficiência.” (SIEGEL; GOLD, 1982) “...centram-se em dificuldades nos processos implicados na linguagem e nos rendimentos acadêmicos independentemente da idade das
  • 8. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012 6 pessoas e cuja causa seria uma disfunção cerebral ou uma alteração emocional ou de conduta.” (SILVER, 1988) “...grupo heterogêneo de transtornos que se manifestam por dificuldades significativas na aquisição e uso de escuta, fala, leitura, escrita, raciocínio ou habilidades matemáti- cas. São intrínsecos ao indivíduo, supondo-se à disfunção do Sistema Nervoso Central e podem ocorrer ao longo do ciclo vital.” (GARCIA, 1998) “...funcionamento acadêmico substancialmen- te abaixo do esperado, tendo em vista a idade cronológica, medidas de inteligência e educa- ção apropriadas à idade.” (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE, 1993) Podemos observar que os concei- tos foram evoluindo de forma ampla, embora relacionada, paulatina e mar- cadamente, a disfunções no aparato neurobiológico, avaliados comparati- vamente à faixa etária e às oportuni- dades educacionais, desvinculados de alterações ligadas especificamente aos conceitos de inteligência global. Entre- tanto, duas perspectivas de abordagem do fenômeno continuam a ter um grande peso. Uma criança com dificuldades na escola é uma criança desviante (ou do- ente), ou a estrutura escolar (inadequa- da à criança) seria a responsável pelas dificuldades apresentadas. Ambas as visões nos parecem lineares e redu- cionistas. Considerando os conceitos apresentados anteriormente, temos a ideia de que Transtorno de Aprendizado limita-se somente à questão das difi- culdades da criança enquanto conjunto de déficits operacionais que dificultam o processo adaptativo, naquilo que se exige para um indivíduo no que se refere a sua sobrevivência em um ambiente complexo e sofisticado (como anterior- mente descrito). Assim sendo, deveríamos observar, no processo referente à sua avaliação, um algoritmo como o que segue (Figura 1): Figura 1 - Rastreamento dos problemas escolares na infância. meio educacional adequado inadequado oportunidade educacional inadequada adequada programas compensatórios funcionamento sensorial adequado inadequado funcionamento cognitivo sistemas de suporte inadequado adequado sistemas educacionais de suporte (educação especial?) funcionamento neuropsiquiátrico e neuropsicológico Os eventuais problemas escolares são avaliados a partir da verificação da adequação (ou não) da instituição escolar à criança considerada e, a partir de então, estabelecem-se estratégias diagnósticas, sempre da mais simples a caminho da mais complexa. Somente a partir desse rastreamento é que se pode considerar a questão Transtorno de Aprendizado. Concomitantemente, há que ser lembrado de que todo o processo de
  • 9. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012 7 aprendizado é extremamente complexo, sendo dependente da própria criança, que precisa apresentar a possibilidade de aprender. Assim, é essencial um exame cuidadoso de suas capacidades físicas, cognitivas, sensoriais e psíquicas, ou seja, todo o seu equipamento neuropsi- cológico. Sempre sem deixar de observar seu desejo de aprender, que possui uma origem individual, que se manifesta pelo próprio prazer em aprender e que tem uma base familiar, através de estímulo parental (no próprio hábito de leitura...), e uma base social, através da valorização social do conhecimento (dificultada em nosso meio, uma vez que hoje o dinheiro, enquanto meio mais marcante de reforço, não é necessariamente consequência do processo de conhecimento ou de apren- dizado). Devemos ainda considerar que o processo de motivação evolui com a idade, passando de exterior à interior. Assim, o processo que numa criança menor vem dos pais que a estimulam (muitas vezes o motivo de estudo da criança), deve passar (no adolescente) a ser de moto próprio, dependente de um projeto existencial, e dos valores que irão caracterizar sua existência. Por outro lado, dinâmicas familiares que permitem o afastamento da criança da escola, bem como um nível cultural mais distante dos professores, assim como um padrão de trocas linguísticas ou uma motivação familiar com hipo- (descaso) ou hiperinvestimento (expectativa muito elevada), pode ser motivo de problemas escolares. A questão referente à nossa escola também é de suma importância, uma vez que o processo capitalista de nossa sociedade a fez se desenvolver como ou- tro aspecto da indústria de produção de bens, que se preocupa muito pouco com as especificidades de populações restri- tas, procurando simplesmente suprir uma demanda populacional e (principalmente) de consumo das populações envolvidas. Nossa escola frequentemente não res- peita os ritmos próprios da criança, uma vez que sua preocupação é mais com a demanda social (na maior parte das vezes com a preocupação de uma aparência politicamente correta) e familiar (de pais que querem um filho “vencedor”, mais do que “educado”). Agrupando sempre um grande núme- ro de crianças por classe, despreocupa-se com a motivação e evolução do professor. Também os modelos de progressão es- colar são (frequentemente) manipulados para que, estatisticamente, resultados mais alentadores sejam apresentados com objetivos políticos e ideológicos, posto que a escola se configura como um dos mais efetivos aparelhos ideológicos do Estado (parafraseando alguns autores clássicos, como Althusser). Assim, seus objetivos e a competência daqueles que nela ensinam são frequentemente desconsiderados, ou, simplesmente, “maquiados”. A terapêutica dos Transtornos de Aprendizagem é pouco influenciada pela utilização de drogas devendo, na maior parte das vezes, se implementar através de abordagens ambientais ou do treino de habilidades específicas. A estratégia de atendimento à criança é sempre repre- sentada por uma sequência, a partir da estruturação do diagnóstico: 1. Terapia farmacológica dirigida, com
  • 10. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012 8 prescrição de droga específica, de for- ma clara e direta (utilizável em muito poucos casos em Psiquiatria Infantil); 2. Terapia farmacológica primária, asso- ciada a psicoterapia e/ou programas de reabilitação (o TDAH talvez possa ser considerado o principal transtor- no passível de ser abordado dessa forma); 3. Psicoterapia e/ou programas de rea- bilitação primariamente associados à terapia farmacológica (os Transtornos Específicos são paradigmáticos desta proposta). Teríamos, para a sua abor- dagem, a necessidade de: • organização do ambiente escolar: de fundamental importância quando consideramos a tendência atual de inclusão de crianças com dificulda- des em ambientes sem qualquer adaptação; • organização das atividades em classe, também de fundamental importância se consideramos que nossas escolas tem pequena organização, com profes- sores habitualmente desmotivados e pouco preparados; • organização das atividades em casa, uma vez que a abordagem da discal- culia (uma reeducação psicomotora centrada na organização do esquema corporal e na abordagem dos transtor- nos de aprendizado) prevê uma abor- dagem global, exigindo a participação da família de maneira intensa; • reeducação, representada por ati- vidades específicas (num exemplo de discalculia, a diferenciação das gnosias digitais com posteriores mo- vimentos de contagem, manipulação de seriações, agrupamento, corres- pondências ponto a ponto a partir de material concreto, que permitem gradualmente que se atinja as opera- ções abstratas). Considerando que a medicação é acessória e utilizada somente em algu- mas situações muito específicas, não devemos nos esquecer de comunicar à família que (a curto prazo) os benefícios esperados e decorrentes do uso de dro- gas tendem a ser somente a melhoria do comportamento, com diminuição dos conflitos e da agressividade e a conse- qüente melhoria nas respostas sociais e familiares, esperando-se, em decor- rência, alguma melhoria no desempenho escolar ou extra-escolar, bem como da auto-estima. A longo prazo, deve-se esperar uma menor exposição a compli- cações posteriores, com a limitação dos riscos de “automedicação” (exposição precoce a uso de substâncias psicoati- vas ilícitas). As drogas que podem ser utilizadas não são destinadas a todas as crian- ças agitadas nem tem a finalidade de as transformarem em “estudiosas” ou “tranqüilas”, não se constituindo em um tratamento para dificuldades escolares ou para que ela se torne “o primeiro da classe” ou para que “aprendam a fazer as lições”. Espera-se, muitas vezes, por melhorias cognitivas referentes à manu- tenção da atenção (atenção seletiva e espaçotemporal), diminuição da impul- sividade, aumento do tempo de reação e da memória de curto prazo, com a conseqüente melhoria da aprendizagem verbal e não-verbal. Por fim, é preciso lembrar que algu- mas dessas crianças, por suas dificul- dades instrumentais, não aprendem com
  • 11. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012 9 seus erros, apresentando uma atenção muito breve e memorização parcial das instruções, com uma conseqüente maior sensibilidade a recompensas imediatas. Paralelamente, tem controle falho nos comportamentos indesejáveis, sendo hiperemotivos, hipervisuais, hiperdis- traídos e hiperssensoriais. Isso nos leva, entretanto, ao fato de que tais Evelyn Kuczynski Pediatra. Psiquiatra da Infância e Adolescência. Doutora em Psiquiatria pela FMUSP. Pesquisadora voluntária do PDD-IP-USP. Francisco Baptista Assumpção Júnior Psiquiatra da Infância e Adolescência. Mestre e Doutor em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Livre Docente em Psiquiatria pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Professor Associado do Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, fundador e responsável pelo Laboratório Distúrbios do Desenvolvimento (PDD-IP-USP). manifestações podem ser agravadas por atitudes educativas inadaptadas, e que condições educativas habituais muitas vezes são inadequadas para uma criança assim. Concluindo, a abordagem dos transtornos da aprendizagem é multifa- torial, complexa, demandando grande maleabilidade e compreensão por parte do avaliador.
  • 12. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012 10 Dificuldades de aprendizagem Entrevistado: Antônio Eugênio Cunha* Jornalista responsável: Leandra Migotto Certeza** 1. Explique como ocorrem as dificuldades de aprendizagem quando a capacidade do cérebro em receber e processar a informa- ção pode ser um problema? São inúmeros fatores que podem acar- retar as dificuldades. No caso específico de sua pergunta a cognição ajusta-se a cada nova informação, gerando conhecimento. Não é um processo estável, mas ativo, como a aprendizagem, que requer um constante dinamismo nas funções cogni- tivas. Todavia, fatores emocionais, lesões e transtornos podem prejudicar esse pro- cesso. No caso, por exemplo, do autismo, há uma relação diferente entre o cérebro e os sentidos e as informações nem sempre geram conhecimento. Os objetos muitas vezes não exercem atração em razão da sua função, mas por causa do estímulo que promovem. Um lápis poderá se tornar apenas um objeto de contato sensorial, perdendo sua função social. Quais são as principais diferenças entre as dificuldades de aprendizagem: autismo, dislexia, afasia, disfunção cerebral mínima, disostografia, discalculia entre outras? • Autismo: compreende um conjunto de comportamentos agrupados numa tríade principal: comprometimentos na comuni- cação, dificuldades na interação social e atividades restrito-repetitivas. Trata- -se de uma síndrome tão complexa que pode resultar em diagnósticos médicos abarcando quadros comportamentais diferentes. Isto porque o autismo pode variar em grau de intensidade e de incidência dos sintomas. Todavia, há algumas características mais comuns: dificuldades para manter contato visual, birras, não aceitar mudanças de rotina, hiperatividade física, apego e manuseio inapropriado de objetos, hipersensibi- lidade, dificuldades para simbolizar, ecolalias e estereotipias. • Dislexia: antes de qualquer definição, precisamos compreender que a dislexia abarca, também, um jeito diferente de aprender e de ser. A dislexia é um trans- torno presente em aproximadamente 10% da população mundial. Às vezes, é confundida com déficit de atenção, pro- blemas psicológicos, ou mesmo desin- teresse. Caracteriza-se pela dificuldade do indivíduo em decodificar símbolos, ler, escrever, soletrar, compreender um texto, reconhecer fonemas, exercer tarefas relacionadas à coordenação motora; e pelo hábito de trocar, inverter, omitir ou acrescentar letras ou palavras ao escrever. • Afasia: afasia é um problema na função da linguagem, depois de adquirida de maneira normal. Traz alguns sintomas semelhantes aos da dislexia, porém, normalmente decorre de acidente vas- cular cerebral, acidentes com trauma- entrevista
  • 13. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012 11 tismo, doenças infecciosas ou outros motivadores externos que possam afetar a linguagem. • Disfunção cerebral mínima: pessoas com disfunção cerebral mínima apre- sentam dificuldades de aprendizagem motivadas por problemas nas funções do sistema nervoso central. Podem se originar de diversos fatores, tais como: problemas genéticos, bioquímicos, no parto, doenças, acidentes ocorridos no início do desenvolvimento do sistema nervoso. A criança tem dificuldades para ler, para escrever, problemas na coor- denação visório-motora e espacial. Às vezes, apresenta mudanças de humor, irritabilidade, dentre outros sintomas comportamentais. • Disortografia: diferentemente da dis- grafia, não está ligada diretamente a dificuldades motoras e espaciais, mas sim ao atraso do pleno domínio da linguagem. Dessa forma, o aprendente confunde as letras, as sílabas ou efe- tua trocas ortográficas, o que ocasiona inversões, aglutinações, omissões e desordem na estruturação da frase em conteúdos já trabalhados pelo professor ou professora. • Discalculia: trata-se de um transtorno relacionado à identificação e classi- ficação dos números e à realização de cálculos mentalmente e no papel. É uma dificuldade para compreender e aprender matemática que não está associada a dificuldades gerais da aprendizagem, pois é específica. Nor- malmente, os estudantes com discalcu- lia não possuem compreensão intuitiva e não conseguem entender conceitos numéricos simples. 2. Dificuldades de aprendizagem envolvem muitas áreas de percepção. Quais são elas? Quando falamos de aprendizagem, entendemos que se trata de um processo complexo que, a partir de ocorrências e mu- danças no interior do indivíduo, manifesta- -se exteriormente, expressando-se por meio de ações cognitivas, emocionais e compor- tamentais. Já as dificuldades de aprendi- zagem expressam um grupo heterogêneo de desordens que impedem a percepção, a compreensão e a aquisição de saberes. Essas percepções podem estar em áreas distintas, como a área motora, cognitiva, sensorial, espacial e afetiva. 3. Quais são as possíveis causas das difi- culdades de aprendizagem? Podem ter, por exemplo, origem cog- nitiva, neurológica, motora, emocional, social ou em razão de uma deficiência ou transtorno no desenvolvimento do aluno. Mas o que se percebe na escola, na maio- ria das vezes, são dificuldades de origem emocional. Uma pessoa com dificuldades de aprendizagem não apresenta necessaria- mente baixo ou alto QI? Por quê?   Não apresenta, porque as dificuldades não estão ligadas obrigatoriamente ao QI. Por exemplo, há muitos alunos com nítidas habilidades cognitivas, mas que têm pro- blemas emocionais severos que impedem o pleno desenvolvimento escolar. Uma pessoa pode ter TDAH – Trans- torno de Déficit de Atenção, mas não possuir dificuldades de aprendizagem, ou ter dificuldades de aprendizagem, mas não apresentar TDAH? Explique o motivo.
  • 14. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012 12 O TDAH é uma dificuldade, porque traz alguns sintomas que interferem na aprendi- zagem, dentre os quais a hiperatividade e a desatenção, que dão nome ao transtorno. Evidentemente, que nem todas as dificulda- des de aprendizagem trazem os sintomas mais marcantes do TDAH. Por exemplo, o aluno pode ter transtorno afetivo bipolar e não ser hiperativo. 4. Quais as diferenças entre as dificulda- des de aprendizagem e as necessidades educativas especiais? Primeiramente, temos que entender o conceito que subjaz à expressão “ne- cessidades educativas especiais”. Toda a dificuldade na escola que demande um atendimento diferenciado, especializado tona-se uma necessidade educativa es- pecial. Assim, podemos colocar debaixo desse guarda-chuva, desde os alunos com deficiência e com transtorno global do de- senvolvimento, ao aluno com problemas emocionais, com problemas familiares, com dificuldades na interação social. Por isso, deverá haver um olhar mais cuidoso, de maior atenção e, muitas vezes, haverá a necessidade de um especialista (psico- pedagogo, por exemplo) para a superação das dificuldades. Esta ideia coloca todos nós dentro da perspectiva da educação in- clusiva, pois todos nós temos dificuldades. Somos todos iguais e educar verdadeira- mente é incluir de fato. Todavia, o mais comum é usar a expressão “necessidades educativas especiais” para os alunos da educação especial e “dificuldades de aprendizagem” para os demais alunos que não são da educação especial, mas que enfrentam problemas no seu processo de aprendizagem. 5. Quando é necessário procurar um médico especialista para realizar um diagnóstico? Sempre que o aluno apresentar alguma mudança no comportamento que preju- dique o desempenho escolar. Às vezes, basta apenas o apoio de um psicólogo ou psicopedagogo. 6. Qual a importância das políticas públi- cas de inclusão de alunos na rede regular de ensino público e particular? As políticas visam atender ao crescen- te movimento em direção à organização dos espaços educativos para a inclusão escolar. São importantes e indispensáveis, pois fornecem a base para alicerçarmos nosso trabalho. Sabemos que há muitos progressos. Porém, as políticas não têm sido suficientes. É preciso transpô-las dos textos legais para as salas de aula. É preciso preparar melhor a escola. É preci- so preparar melhor o professor; é preciso remunerar melhor o professor. É preciso dar apoio à família do aluno da educação espe- cial. É preciso universalizar o ingresso e a permanência do aluno na escola. Bem, há muitas coisas que precisamos fazer ainda, por isso não perdemos a esperança. Todo educador deve ser um pouco utópico, pois ele nunca ficará parado, sempre caminhará em busca de um alvo. Decerto, mesmo que o alvo não seja alcançado completamente, o educador terá aberto muitos caminhos. As dificuldades de aprendizagem po- dem ser tratadas com uma variedade de métodos. Quais são eles? Não existe receita de bolo na educa- ção. No entanto, há a possibilidade de uma formação, considerando a função social e
  • 15. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012 13 construtivista da escola. Para tanto, o en- sino dos conteúdos escolares não precisa estar centrado nas funções formais e nos limites pré-estabelecidos pelo currículo es- colar. A escola necessita aprender a lidar com a realidade do aprendente. Nessa re- lação, quem primeiro aprende é o professor e quem primeiro ensina é o aluno. É a partir do aluno, com base na formação do profes- sor, que forjamos as práticas de ensino. 7. Qual a importância dos tratamentos psiquiátricos e psicológicos para quem tem dificuldades de aprendizagem? Con- te os principais resultados dos trabalhos desenvolvidos pelo senhor. Cada dia fica mais evidente que a escola não educa sozinha. Há tempos já sabemos disso, porém, hoje isto se torna mais claro por causa dos avanços na ciência. Por exemplo, eu trabalho com crianças autistas, com síndrome de Down, hiperativas e outros transtornos e observo que o educando desenvolve melhor suas *Leandra Migotto Certeza é jornalista e repórter especial da Revista Síndromes. Ela tem deficiência física (Osteoge- nesis Inperfecta), é asses- sora de imprensa voluntária da ABSW, consultora em inclusão e mantém o blog “Caleidoscópio – Uma janela para refletir sobre a diver- sidade da vida” - http://leandramigottocerteza.blogspot. com/. Conheçam os modelos de palestras, oficinas, cursos e treinamentos sobre diversidade, realizados em empresas, escolas, ONGs, centros culturais e grupos de pessoas no site: https://sites.google.com/site/leandra- migotto/ habilidades, seu potencial aprendente quando tem um suporte multidisciplinar, que envolve outros profissionais, tais como: terapeutas, nutricionistas, psicólogos, neu- ropediatras, dentre outros. Ademais, esse acompanhamento precisa ser estendido á família do aluno. Então, formar-se-ia uma tríade: a escola, a família e uma equipe de apoio multidisciplinar. 8. Qual a mensagem que o senhor deixa aos leitores da Revista Síndromes? Vou deixar uma citação do meu livro “Práticas pedagógicas para inclusão e diversidade”: “A educação não é uma questão ins- titucional. É uma questão humana. Não aprendemos pelo rigor das regras, mas por uma condição biológica. Nascemos para aprender. Restringir esse direito é violar a coerência da natureza; é tentar cercear a inteligência humana”. *Antônio Eugênio Cunha, 52 anos é Jornalista, professor professor do ensino supe- rior e da educação básica, psicopedagogo, mestre e doutorando em educação. Autor dos livros “Afetividade na prática pedagógica”, “Afeto e aprendizagem” “Autismo e inclusão”, e “Práticas pedagógicas para inclusão e diversidade”, publicados pela WAK Editora.
  • 16. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012 14 A Formação do Indivíduo Carolina Rabello Padovani Introdução Como o indivíduo se forma ou como ele é formado? Quais fatores estão envolvidos? Certamente há um vasto campo constituído por distintas linhas de pensamento inclinadas a entender a formação do indivíduo. Variedade esta, cerne da própria complexidade humana, sobre a qual nenhuma teoria consegue efetivamente dar conta de todos os seus aspectos, matizes e nuances. Se pensamos, hoje, no desenvolvi- mento da criança ao adulto, em um per- curso de relações e inter-relações, isso se deve a mudanças importantes do ponto de vista histórico. No bojo da psicologia do desenvolvimento, encontramos três grandes movimentos: 1. Maturacionismo: Ramo da ciência que entende o desenvolvimento como fruto da maturação biológica, cujos efeitos, ao longo do tempo, têm impacto no desenvolvimento psicológico. Exemplos dessa vertente podem ser encontrados na história de estruturação dos primeiros testes psicológicos, mais especificamente os testes de inteligência, que levaram ao estabelecimento de uma razão entre idade mental e idade cronológica como forma de compreender e dimensionar as dificuldades de aprendizagem. 2. Ambientalismo (Behaviorismo): Pers- pectiva dualista que surge como reação à produção maturacionista. Watson, um dos seus principais re- presentantes (e a quem se refere a paternidade teórica), entende o desen- volvimento como sinônimo de apren- dizagem, ou seja, a aprendizagem de comportamentos é que constitui o desenvolvimento. Sob essa perspec- tiva, o ambiente é importante para o desenvolvimento das capacidades e habilidades de um sujeito. 3. Interacionismo: Proposta herdeira do darwinismo, o interacionismo esta- belece uma maneira não dicotômica de pensar o desenvolvimento. Piaget, principal expoente teórico, propõe que o desenvolvimento depende da interação de elementos biológicos e ambientais. Outros campos teóricos irão se filiar ao interacionismo e, em certa medida, a psicanálise tal qual proposta por Freud, pode ser encaixa- da dentro desta vertente. A superação dessa dicotomia indiví- duo-ambiente que marcou os primeiros estudos da psicologia do desenvolvi- mento trouxe importantes contribuições à compreensão da formação da criança em adulto e, consequentemente, da formação do indivíduo. Passou-se a en- tender que “(...) cada idade se marca por uma maneira intelectual e afetiva de desenvolvimento
  • 17. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012 15 reagir às coisas, há um desenrolar com- plexo e cheio de vicissitudes que leva às competências do adulto” (Ades, Bussab, 2012). Sob a perspectiva da Psicologia Evolutiva, entende-se que a criança será formada por um “equipamento” genético constitucional, sobre o qual o “investi- mento” ambiental inscreverá suas ca- racterísticas, fazendo que ela cresça não somente mantendo um padrão de desen- volvimento característico da espécie, mas também com características singulares que a farão um ser único e irreprodutível (Ajuriaguerra, 1977 apud Assumpção Jr.). Genética/ Aspectos Biológicos Meio Ambiente Aspectos pessoais/ psicológicos Grosso modo, ao entender a criança como um ser que se desenvolve, ampa- rada por um substrato genético, em um determinado meio ambiente e que tem participação ativa mediante seus aspec- tos pessoais, estamos dividindo a nossa compreensão, de maneira didática, entre três grandes áreas: biológica, ambiental e pessoal. Esta divisão (didática) tem sido utilizada na compreensão dos casos de desajustamentos. Os fenômenos patológicos, especialmente na área da Saúde Mental, passam, sobremaneira, por questionamentos acerca da etiologia das diferentes enfermidades, embora um diagnóstico não seja a busca pela causa. Tais questionamentos irão per- mear o dimensionamento das condutas terapêuticas, da estruturação do trata- mento, da estimativa do prognóstico e da evolução do quadro. Assim, pensa- -se em responder (ou tentar responder) questões como: por que este indivíduo está deprimido? Por que este tem au- tismo? Por que este tem um transtorno de adaptação? A própria delimitação do diagnóstico (e do diagnóstico diferencial e suas potenciais comorbidades) passa por importantes diferenciações: o pa- ciente está assim ou é assim? Ele tem dificuldade por causa do meio ou suas dificuldades é que moldaram o meio? Ele reage dessa maneira porque ele quer ou porque não consegue agir de outra forma? Sim, são perguntas aparente- mente simples, mas que guardam em si a complexidade dos comportamentos humanos e a tentativa de compreensão das razões pelas quais eles se desen- volvem e porque alguns não, porque uns se mantém e outros não. Obviamente, a própria estruturação dessas perguntas está calcada em determinados padrões de pensamento, conforme cada visão de homem e de mundo. O que temos, então, é um vasto panorama de teorias e de autores que lançam diferentes olhares e conjectu- ram variáveis compreensões acerca da formação do indivíduo. Impossível, pois, esgotar todas as formas de pensamento neste artigo. Optamos por apresentar algumas teorias utilizadas na área do desenvolvimento infantil e alguns de seus aspectos envolvidos.
  • 18. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012 16 Evolução e comportamento social As características dos organismos decorrem de sua história evolucionária. Com a teoria proposta por Darwin, passa- mos a pensar a noção de evolução a partir da ideia de indivíduos adaptados como aqueles cuja sobrevivência e sucesso reprodutivo seriam decorrentes de me- canismos seletivos. Assim, entendemos a influência da seleção natural sobre os seres mais adaptados a determinados ambientes. Pensando dessa maneira, há uma relação de via-dupla: o ambiente favorece um traço do organismo e um tra- ço do organismo o adapta a determinado ambiente. No caso do homem, que tem a capacidade de alterar esse ambiente, a interação hábitat-organismo é ainda mais presente e indiscutível. O homem, enquanto ser social, vivendo em bandos, precisou construir sistemas de regras que lhe permitissem sobreviver como indivíduo, perpetuar a es- pécie e marcar, de maneira particular, seu próprio status diante do grupo (Assump- ção Jr., 2008). A possibilidade de valer- -se de habilidades mentais específicas, das quais depende seu comportamento social, permitiu-lhe o conhecimento social do outro (quem é amigo e quem não é) e a capacidade de inferir estados mentais dos outros indivíduos. Fatores Genéticos A própria maneira como o homem se reproduz permite novas possibilidades de recombinação de genes. Com a reprodu- ção sexuada, seu genótipo será constitu- ído pelas cargas genéticas provenientes de ambos os genitores e, a cada nova geração, outras e novas possibilidade de combinação estarão disponíveis. Tais combinações aumentam a probabilidade de ocorrência de novas mutações (em virtude da variabilidade e vulnerabilidade de nosso material genético) que impli- cam na diversificação de características genéticas e fenotípicas sobre as quais a seleção irá atuar. A epigênese, caminho do genótipo ao fenótipo, ou seja, a modulação da ação dos genes, é embasada pela hipótese de que determinados genes são “ligados” ou “desligados”, em geral por fatores am- bientais (gatilhos). Essa modulação seria responsável pela expressão de diferentes fenótipos. “Entre o sistema genético e o comportamento, está o próprio desenvol- vimento” (Ades, Bussab, 2012). Quando acompanhamos o desenvol- vimento neurológico humano, podemos observar que nosso desenvolvimento neuropsicomotor reflete o desenvol- vimento de nosso Sistema Nervoso (Gherpelli, Restiffe, 2012). Obviamente, não é nossa intenção discutir os porme- nores da constituição genética humana, do processo de maturação neuronal ou organização morfofuncional do Sistema Nervoso. Por ora, apenas queremos apresentar a influência de fatores ge- néticos nos comportamentos humanos e atentar para o fato de que a predis- posição genética é fator indiscutível para o aparecimento de determinadas condições. Inclusive, do ponto de vista clínico, vale a máxima: ninguém fica doente porque quer, mas porque pode. Isso, claro, graças ao seu material gené- tico, suas interações com o meio e suas características pessoais.
  • 19. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012 17 Fatores Ambientais Apesar de não entrarmos com minú- cia nas questões genéticas e neurológi- cas do desenvolvimento humano, pensar e falar sobre os fatores internos é relativa- mente fácil quando nos deparamos com a variabilidade de experiências vividas por um indivíduo desde sua concepção. Compreender ou descrever as formas pelas quais o ambiente influencia uma criança é uma das tarefas mais difíceis. O entendimento de que o trajeto do desen- volvimento passa por fatores da natureza do indivíduo (fatores que predispõem e fatores que dificultam o desempenho), mas que sempre atuam em função do contexto presente, ao longo do tempo, está presente em várias linhas teóricas. Assim, coloca-se ênfase na experiência e na aprendizagem. Para a psicologia comportamental, seja o condicionamento clássico de Pa- vlov ou o condicionamento operante de Skinner, há a associação entre estímulos e respostas. No caso do condicionamento clássico, repetidas apresentações a um estímulo, podem fazer o indivíduo asso- ciá-lo a uma resposta e emiti-la diante desse estímulo. Seu exemplo clássico: depois de repetidas vezes em que toca um sinal e o cachorro recebe a comida, ele passa a salivar quando ouve o sinal, mesmo sem receber a comida. Segundo o condicionamento operante de Skinner, as relações entre estímulo e resposta são alteradas ou mantidas em virtude da qualidade da interação: por sua con- sequência gratificante ou desagradável. Grosso modo, um comportamento pode ser mantido por sua consequência posi- tiva (gratificação) ou pode ser evitado (ou extinto) por sua consequência negativa (punição). A psicologia do desenvolvimento, ou- tra vertente teórica, irá entender o desen- volvimento cognitivo como uma série de mudanças que ocorrem na organização, lógica e pensamento da criança (Scheuer, Stivanin, Oliveira, 2012). Piaget, expoente dessa linha, observará, no desenvolvi- mento da criança, uma passagem de um ser extremamente dependente e heterô- nomo a um ser independente e autôno- mo, por meio de uma constituição gradual a partir de suas próprias potencialidades (o crescimento mental indissociável do crescimento físico) e características, bem como das influências ambientais a qual é submetida. Segundo Piaget (1980), “a criança explica o homem tanto quanto o homem explica a criança, e não raro ainda mais, pois se o homem educa a criança por meio de múltiplas transformações sociais, todo o adulto, embora criador, começou, sem embargo, sendo criança: e isso tanto nos tempos pré-históricos quanto hoje em dia”. Fatores Pessoais Acredita-se que no homem há uma predisposição para o vínculo afetivo. Segundo Bowlby, o apego é uma ne- cessidade primária e estilos diferentes de apego terão influência significativa sobre o comportamento amoroso e as estratégias reprodutivas na idade adulta. Para o autor, os laços se formam por meio de trocas interacionais ajustadas e contingentes, não por condicionamento (recompensas convencionais não o ga- rantem, punições não o impedem) nem como impulso secundário associado à
  • 20. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012 18 satisfação de outras necessidades, como postulavam, respectivamente, as teorias da aprendizagem e a psicanálise da épo- ca (Ades, Bussab, 2012). Na ala psicodinâmica, Freud, precur- sor da psicanálise, não teve como foco o estudo da criança, mas retomava na infância as respostas para as patologias no adulto. Sobre os estados mentais primitivos, Freud considera o Id como instância psí- quica que contém tudo o que é herdado, portanto, os instintos. Sob a influência do mundo externo, uma porção do Id sofre um desenvolvimento especial e temos a formação do Ego, instância psíquica que se interpõem entre a vida instintual (princípio do prazer) e suas limitações (princípio de realidade), como peça-chave na inserção adaptada do indivíduo no mundo. A estruturação do Superego, diferenciando-se do ego, constitui uma terceira força, constituída sob a influên- cia parental e ambiental. Assim, entende que “o id e o superego possuem algo em comum: ambos representam as influên- cias do passado – o id, a influência da hereditariedade; o superego, a influência, essencialmente, do que é retirado de outras pessoas, enquanto que o ego é principalmente determinado pela pró- pria experiência do indivíduo, isto é, por eventos acidentais e contemporâneos” (Freud, 1980). Os estudiosos do desenvolvimento da personalidade consideram que a inte- ração pessoa-ambiente teria por bases características temperamentais e gené- ticas. Sob esse viés, haveria três tipos que atuam na conservação e manutenção de traços de personalidade ao longo do tempo e das circunstâncias: as inte- rações evocativas (o indivíduo suscita reações peculiares nas outras pessoas), as interações reativas (diferentes pes- soas interpretam e reagem de maneira diferente a uma mesma situação) e as interações proativas (indivíduo cria ou busca situações compatíveis com seu estilo de personalidade e com seu estilo interacional). Haveria, ainda, variáveis no desenvol- vimento da personalidade: temperamento (disposição biológica), identidade (cons- trução mental interna), gênero (expec- tativas comportamentais), transtornos evolutivos do desenvolvimento (déficits no funcionamento cognitivo e emocional), afeto (reações emocionais) e mecanis- mos de defesa (modo de enfrentamento e adaptação). Considerações Finais Iniciamos este texto com as seguin- tes perguntas: como o indivíduo se forma ou como ele é formado? Quais fatores estão envolvidos? Exploramos, assim, uma variabilidade de vertentes teóricas, desde as maturacionistas, as ambien- talistas até as interacionistas (que se alguns poderiam dizer como as teorias “em cima do murro”, nem cá, nem lá). Estamos, no panorama atual, inclinados a uma compreensão interacionista, que abarca aspectos biológicos, ambientais e pessoais. Assim, nem cá, nem lá, mas tudo junto e misturado. Sabemos, hoje, que as características dos organismos decorrem de sua história evolucionária e que nosso comportamento social é fruto de habilidades mentais específicas que nos permitem interagir com o outro. Frente à nossa existência em bandos,
  • 21. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012 19 Carolina Rabello Padovani a sobrevivência do bicho-homem está diretamente ligada à estruturação de sistemas de regras e de determinados padrões de relação. Sem termos entrado com minúcias nas questões biológicas do desenvolvi- mento humano, pensar e falar sobre elas se mostra relativamente fácil quando nos deparamos com a variabilidade de fatores externos que irão influenciar um indivíduo desde a sua concepção. Indiscutivelmen- te, alteramos o ambiente e somos altera- dos por ele, mas também fatores internos (pessoais) estão envolvidos. Não menosprezamos as vertentes filosóficas e humanistas. Tivemos que fazer um recorte e acabamos limitados (como todo recorte) pelo caminho que estipulamos para nossa perambulação por entre algumas linhas de pensamento sem claro, esgotar todas as possibilida- des. Mas esperamos suscitar a dúvida e a busca por diferentes caminhos e conhecimentos. O que queremos mostrar, sem dúvi- da, é que diversas teorias estão disponí- veis, cada qual embasada sob diferentes visões de homem e de mundo. Isso nos coloca o quão pertinente é considerar que a compreensão da formação do indivíduo só irá alcançar um entendimento mais adequado quando estudamos a pessoa em sua totalidade. Tarefa árdua, não? Referências Bibliográficas 1. ASSUMPÇÃO JR., F.B.; KUCZYNSKI, E. Tratado de Psiquiatria da Infância e da Adolescência. São Paulo: Editora Atheneu, 2012. 2. ASSUMPÇÃO JR., F.B. Psicopatologia Evolutiva. Porto Alegre: Artmed, 2008. 3. BEE, H. A criança em desenvolvimento. São Paulo: Harper & Row do Brasil, 1977. 4. HALL, G.S.; LINDZEY, G.; CAMPBELL, J.B. Teorias da Personalidade. Porto Alegre: Artmed, 2000. 5. FREUD, S. Esboço de Psicanálise. Rio de Janeiro: Imago, 1980. 6. KERNBERG, P.F.; WEINER, A.S.; BARDENSTEIN, K.K. Transtornos da Personalidade em Crianças e Adolescentes. Porto Alegre: Artmed, 2003 7. PIAGET, J. A Psicologia da Criança. São Paulo: Difusão Editorial, 1980.
  • 22. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012 20 A Família e a Criança Deficiente Jemima Giron Quando pensamos no ser humano e em suas características mais especificas e únicas, certamente não podemos deixar de pensar na família, que é, sem duvida, a estrutura mais especificamente humana e insubstituível que podemos mencionar (LUKAS, 1983, apud DUARTE, 2001). Ela, enquanto grupo social é uma formação humana universal dentro da qual cada membro tem uma função repleta de sen- tido (SOUZA, 1996). Ao longo dos últimos 30 anos, a literatura vem mostrando as grandes mudanças que a família, em sua estru- tura, vem enfrentando. Com o distan- ciamento do modelo nuclear original, pai/mãe/filhos, cada vez mais fazem parte da nossa realidade diferentes arranjos familiares, como as famílias recasadas ou reconstituídas. No entan- to, independente de sua configuração, a sua funcionalidade e a qualidade do relacionamento que seus membros estabelecem entre si, devem ser man- tidas. (Féres-Carneiro, 1992) Muito se tem falado a respeito da grande importância que os aspectos am- bientais têm para o desenvolvimento das crianças, e principalmente, como ressalta Fiamenghi Jr e Mesa (2007), o papel da família é fundamental, pois ela é o primei- ro grupo no qual o indivíduo é inserido; sendo, portanto uma força social que tem influência direta na determinação do comportamento humano e na formação da personalidade (BUSCAGLIA, 1997). Segundo Minuchin (1990), cabem às famílias as funções de proteção e sociali- zação de seus membros mais novos, bem como a transmissão da cultura na qual estão inseridos. Desta forma, a família também tem papel fundamental na consti- tuição do individuo, uma vez que, segundo Prata & Santos (2007), é ela quem dá o suporte para o desenvolvimento e amadu- recimento de seus membros nas esferas biológica, psicológica e social. Neste sentido, o tipo de funcionamen- to familiar é um aspecto extremamente importante, e que exerce influência direta sobre as crianças e adolescentes inse- ridos nela, nos fazendo pensar então o quanto a qualidade do relacionamento familiar é importante para a formação de seus membros, tenham eles deficiências ou não. Pensando então em casos mais específicos, nas famílias onde há a pre- sença de um ou mais filhos deficientes, a influência das relações familiares, nessas famílias, é de certa forma diferenciada, pois se trata de uma experiência inespe- rada, de mudança de planos e expecta- tivas dos pais. Segundo Fiamenghi Jr e Mesa (2007), quando uma criança nasce, toda a rede de relacionamentos familiares é modifi- cada, pois o lugar que a criança ocupa na reabilitação
  • 23. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012 21 família é determinado pelas expectativas que os progenitores têm sobre ela, e sendo ela deficiente estas expectativas precisam ser reformuladas para com- portar agora as limitações desta criança recém-nascida. O nascimento desta criança com deficiência, sendo esta deficiência de qualquer tipo ou nível, podendo ser físi- ca, mental, ou ambas; confronta toda a expectativa dos pais, e a família é acome- tida por uma situação inesperada. Como ressalta Buscaglia (2007), a presença de uma criança deficiente exige que o sistema se organize para atender suas necessidades excepcionais. Pensando na chegada dessa criança, ou quando a família fica sabendo do seu diagnostico, segundo Casarin (1999), é neste momento que é desencadeado um processo semelhante ao luto. Trata-se de um luto pela perda da fantasia do filho perfeito, da criança sadia, que seguiria um desenvolvimento normal e que em algum tempo traria grandes realizações aos seus pais, mas que agora vai exigir deles uma reorganização dos seus pa- péis, valores, objetivos e expectativas de vida, para este filho, e para todos os membros da família. Observa-se, portanto grandes difi- culdades em aceitar o diagnóstico, bem como os pais apresentam um compor- tamento de constante busca pela cura da deficiência. Para Brunhara, e Petean (1999), os pais experimentam a perda das expectativas e dos sonhos que haviam construído em relação ao futuro descendente. Os pais ao perderem o filho desejado, permanecem imersos em seu sofrimento e não elaboram o luto, perma- necendo impedidos de estabelecerem um vínculo com o bebê real (Amaral, 1995). De uma maneira geral, o nascimento de uma criança com deficiência provoca uma crise que atinge toda a família, abalando sua identidade, estrutura e funcionamento. A vida familiar sofre alterações frente às exigências emo- cionais e à convivência com a criança deficiente, gerando conflitos e levando a instabilidade emocional, alteração no relacionamento do casal e distanciamen- to entre seus membros (Pereira-Silva, Dessen, 2001). Nessa experiência, há famílias que conseguem elaborar saídas para este novo desafio, enquanto outras têm maior dificuldade e não conseguem se reorgani- zar. A família da criança deficiente viven- cia uma sobrecarga adicional em todos os níveis: social, psicológico, financeiro, e com relação à demanda de cuidados e reabilitação da criança, necessitando por isso acessar as redes de suporte social disponíveis na comunidade (Oliveira e cols, 2008). Ocorrências de alterações na dinâmi- ca da família com deficiente é decorrente das situações indutoras de estresse e tensão familiar devido à sobrecarga de cuidados especiais, tarefas e exigências decorrente da deficiência desta criança; efeitos estes, sentidos diretamente sobre os cuidadores diretos e sobre o funcio- namento família. Trazendo à esta família, sobrecarga emocional, física e financeira (FÁVERO e SANTOS, 2005). Pensando ainda nos efeitos que a presença desta criança tem sobre o funcionamento familiar, é importante ressaltar, que não só os cuidadores principais são afetados, mas sim, como nos mostram vários estudos, os irmãos
  • 24. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012 22 são diretamente afetados por esta nova situação a qual precisam lidar. Nos estudos realizados por Mesa e Fiamenghi Jr (2010), foi concluído que, em famílias onde há a presença de um fi- lho deficiente, os irmãos mais velhos ser- vem de modelo aos outros, compensando muitas vezes, a ausência e distância dos pais; eles apresentam a responsabilidade aumentada pelos cuidados com o irmão afetado e com a casa em geral. Além desses aspectos familiares, também é possível notar diversos outros aspectos que influenciam esses irmãos, pois muitos deles apresentam solidão e ressentimento por se sentirem negligen- ciados por pais e médicos em função da atenção requerida pelo irmão afetado; medo de não mais terem a atenção dos pais, de contraírem a doença ou de que o irmão morra. Apresentam também ciúmes por perceberem que os irmãos estão sendo favorecidos com maior atenção e presentes; culpa pela doença ou deficiência, por não serem afetados ou por terem desejado que algo de ruim acontecesse com o irmão; tristeza pela possibilidade de morte do irmão e de não compartilharem experiências do futuro (MESSA, FIAMENGHI JR, 2010) No entanto, apesar de tantos aspec- tos negativos e preocupantes percebidos em irmãos de crianças deficientes, foi possível concluir que eles também conse- guiram desenvolver aspectos importantes como lições aprendidas em relação à vida, pois nas pesquisas realizadas por Mesa e Fiamenghi Jr (2010), as crianças relataram se tornar mais pacientes, com- preensivas e caridosas; terem adquirido independência e autonomia pelo aumento das responsabilidades à eles atribuidas; altruísmo demonstrado como preocupa- ção predominante por outras pessoas, além de se tornarem mais empáticos e tolerantes a sentimentos de preocupa- ção, tornando-se mais habilidosos em estabelecer relacionamentos. Outros estudos sobre o mesmo tema também foram realizados por Nixon e Cummings (1999), um estudo compara- tivo de irmãos de crianças deficientes e irmãos de crianças não deficientes para analisar a reação dessas crianças ao stress diário de conflitos relacionados à família. Os resultados revelaram que crianças com irmãos deficientes apre- sentam maior preocupação com conflitos familiares e experimentam mais afetos negativos em resposta a esses conflitos. Essas crianças assumem mais responsabilidade, esperam maior envol- vimento e percebem mais ameaça em resposta a todos os tipos de conflitos familiares, além de demonstraram tam- bém mais problemas de ajustamento. No entanto, como também apontou o estudo anterior, esses irmãos não são acome- tidos somente por aspectos negativos, como aspectos positivos desta convivên- cia, os irmãos demonstram aumento na maturidade, responsabilidade, altruísmo, tolerância, preocupações humanitárias, senso de proximidade na família, auto- confiança e independência (Fiamenghi Jr e Mesa, 2007). No entanto, apesar de tantos aspec- tos negativos, é preciso considerar que a presença de uma criança deficiente na família não indica necessariamente um estressor para os irmãos. Outros fatores têm grande influencia e devem ser considerados, como por exemplo a qualidade das relações familiares, co-
  • 25. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012 23 municação, rede de apoio e cuidados, características individuais, estratégias de enfrentamento e características da deficiência. É certo de que essas fa- mílias representam uma população de risco, no entanto, como ressalta, Fávero e Santos (2005), estes aspectos estres- sores não são exclusivamente causas diretas da presença do deficiente, pois isso dependerá também dos recursos e possibilidades de adaptação que os membros dessa família possuem. Desta forma, o suporte social é um fator mediador do stress e das condições negativas causadas pela presença da de- ficiência, e, portanto favorece um melhor ajustamento familiar. Brunhara, e Petean (1999), tem enfatizado a necessidade de que esses pais recebam o maior número possível de informações; por perceberem que a maioria das pessoas possuem difi- culdade em compreender os mecanismos causadores da deficiência, os autores sugerem que esses pais tenham suas dúvidas esclarecidas para que possam decidir com maior segurança os recur- sos e condutas primordiais para o bom desenvolvimento de seu filho. Outro aspecto importante no trabalho de prevenção e acompanhamento dos membros das famílias com crianças defi- cientes deve estar, segundo Fiamenghi Jr e Mesa (2007), direcionado à busca pela qualidade das relações familiares e por uma comunicação satisfatória desenvol- vida pelos membros. Segundo os autores é através de uma rede de apoio satisfa- tória, além de características individuais, que estratégias de enfrentamento serão desenvolvidas e os desafios específicos do transtorno alcançarão soluções pos- síveis, viáveis e adequadas. Com este mesmo pensamento, os autores Fávero e Santos (2005), acredi- tam que se o evento estressor é continuo e o individuo não possui estratégias ade- quadas para lidar com isso, o organismo exaure suas reversas de energia, e entra em estresse crônico; então é preciso in- tervir de forma terapêutica com os pais para afim de que possam elaborar tais estratégias adequadas, pois o fator es- tressor, que é a criança com deficiência, não desaparecerá. Os recursos de enfrentamento de cada um em lidar com a deficiência irão determinar o significado da experiência e de todas as vivências dos familiares. Mas, além disso, a diminuição da ansie- dade dos pais também acontece com o aumento do conhecimento que eles adquirem sobre a deficiência, a doença ou a condição crônica de sua criança. Pensando nessas possibilidades, a ideia de que essas famílias sejam necessa- riamente abaladas em sua qualidade de vida deve ser revista. Fiamenghi Jr e Mesa (2007), concluem que os conflitos familiares não surgem em resultado di- reto da deficiência, mas em função das possibilidades de a família de se adaptar ou não a essa situação. Assim, a visão do senso comum de que uma criança deficiente irá, necessa- riamente, produzir conflitos na família, não tem comprovação em pesquisas. Famílias com crianças deficientes são uma população de risco, mas isso não significa que esse risco irá concretizar-se em todos os casos. A eficácia de um pro- grama de intervenção precoce em famílias com um filho deficiente é constatada, e fica claro que esse tipo de programa pode auxiliar significantemente a adaptação
  • 26. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012 24 dos pais nos primeiros dezoito meses da vida da criança (Fiamenghi Jr e Mesa, 2007). Portanto, considerando os resultados de pesquisas e estudos, é possível acre- ditar também que treinamento comporta- mental com pais, treinamento parental a fim de que os pais invistam mais na interação com a criança, suporte social, assistência profissional, bons programas educacionais, acesso à disponibilidade de ajudantes, como baba, enfermeiros ou acompanhantes terapêuticos, estilo de vida parental favorável à busca de orientações e apoio, são estratégias eficazes contra os altos riscos que es- tes membros estão expostos (FÁVERO e SANTOS, 2005). Deste modo, podemos também ana- lisar os benefícios que a instituição trás à estes membros, pois lá é um local em que a família encontra outras famílias que vivenciam situações semelhantes, o que permite que compartilhem sentimentos e experiências, e que por sua vez, cumpre com o papel informativo, auxiliando-os no enfrentando e na elaboração de estraté- gias eficazes. No entanto estes recursos são precá- rios, ficando evidente o quanto as famílias de crianças com deficiência encontram dificuldades quanto à integralidade e acessibilidade a serviços e ações de saúde. Esta precariedade se dá tanto em instituições privadas e principalmente àquelas disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Portanto, como concordam os diver- sos autores apresentados, é no suporte social que encontramos melhores condi- ções para lidar com este fator de risco à qual estas famílias estão expostas. Levando em conta que neste caso a concepção de normalidade não será possível, é a intervenção terapêutica na qual um dos aspectos de melhor ressultado é trabalhar para que os mem- bros elaborem outros significados, ou seja, alcancem a ressiginificação dos papeies de cada um, diante da presença deste membro com deficiência; além de tornarem-se mais realistas em relação às possibilidades de limites de suas crianças. Desta forma, será possível alcançarmos a diminuição da tensão e consequentemente o stress parental, evidenciando que o aconselhamento informativo, bem como o trabalho tera- pêutico com os membros dessas famí- lias, é um bom recurso para trabalhar em prol da boa funcionalidade familiar. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁGICAS 1. AMARAL, L. A. Conhecendo a Deficiência. Robe Editorial, São Paulo, 1995; 2. Barbosa, MAM, Balieiro, MMFG, Mandetta, MA. Cuidado centrado na família no contexto da criança com deficiência e sua família: uma análise reflexiva. Contexto Enfermagem, Florianopolis, v. 21, n.1, pp. 194-9, Jan- Mar, 2012; 3. Brunhara, F. Petean, E.B.L. Mães e filhos especiais: reações sentimentos e explicações à deficiencia da criança. Paidéia, Ribeiräo Preto, pp. 31-40, jan/ jul., 1999; 4. BUSCAGLIA, L. Os Deficientes e seus Pais. Trad. Raquel Mendes, 3ª ed. Record. Rio de Janeiro, 1997; 5. CASARIN, S. Aspectos Psicológicos na Síndrome de Down. In: J. S. Schwartzman (ed.). Síndrome de Down. São Paulo: Mackenzie, 1999;
  • 27. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012 25 6. DUARTE, Y.A.O. Família: rede de suporte ou fator estressor: a ótica dos idoso e cuidadores familiares. Universidade de São Paulo – Programa de Pós Graduação em enfermagem. São Paulo, 2001; 7. FÁVERO, M. A. B., SANTOS, M. A. Autismo infantil e Estresse familiar: uma revisão sistemática da literatura. Psicologia Reflexão e Critica, v. 18, n.3 , pp. 358 369, 2005; 8. Féres-Carneiro, T. Família e saúde mental. Psicologia: Teoria e Pesquisa, pp. 485-493, 1992; 9. FIAMENGHI JR, GA, MESA, A.A. Pais, Filhos e Deficiência: Estudos Sobre as Relações Familiares. Psicologia Ciência e Profissão, v. 27, n. 2, pp. 236-245, 2007; 10. M E S S A , A . A ,   F I A M E N G H I J R , G.A. O impacto da deficiência nos irmãos: histórias de vida. Ciência saúde coletiva [online]. v.15, n.2, pp. 529-538. ISSN 1413-8123, 2010; 11. MINUCHIN, S. Famílias: funcionamento e tratamento. Artes Médicas, Porto Alegre, 1990; 12. NIXON, C.L.; CUMMINGS, E.M. Siblings Disability and Children’s Reactivity to Conflicts Involving Family Members. American Psychological Association, v. 13, n. 2, pp. 274-285, 1999; 13. Oliveira MFS, Silva MBM, Frota MA, Pinto JMS, Frota LMCP, Sá FE. Qualidade de vida do cuidador de crianças com paralisia cerebral. Revista Brasileira Promoção Saúde. V. 21, n. 4, pp. 275- 80, 2008; 14. PRATTA, E. M. M.; SANTOS, M. A. Família e Adolescência: a influência do contexto familiar no desenvolvimento psicológico de seus membros. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 12, n. 2, p. 247-256, maio/ ago., 2007; 15. Pereira-Silva NL, Dessen MA. Deficiência mental e família: implicações para o desenvolvimento da criança. Psicologia Teoria Pesquisa, maio/agosto; 17(2):133-41. Brasilia, 2001; 16. SOUZA, M.N. A Família e seu espaço: uma proposta de terapia familiar. Agir, Rio de Janeiro, 1996. Jemima Giron, Pesquisadora no Laboratório de Distúrbios do Desenvolvimento do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.
  • 28. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012 26 Casamento e Deficiência Mental Francisco B. Assumpção Jr. - O homem é consciente do mundo de sua existência(...). O ser do homem(...) é um ser em aberto, dinâmico, é força que se projeta para além de sua condição de ente. Não está fechado em si. É acontecimento. É mani- festação. Ele revela-se nesse complexo aos entes. O homem está em constante relação com o homem, é um acontecimento histórico. (Sidekum, 1979:21) Pensar algumas das características culturais e civilizatórias significa pensar o homem naquilo que ele tem de mais característico enquanto espécie, ou seja, sua capacidade de dar significado aos seus atos, personalizando-os e dando- -lhes um valor específico. Dentro dessa ótica, o casamento mais do que simplesmente considerar aspectos biológicos destinados a preser- vação da espécie e cuidado para com a prole, envolve aspectos que estabelecem um mundo próprio, de valores individuali- zados, a partir dos quais se estabelece a relação interpessoal, intersubjetiva, uma verdadeira história humana, fundada na sua liberdade e nas suas peculiaridades. Dessa maneira, conforme referem Gui- marães (1995) e Chauí (1984), a própria sexualidade, na espécie, é construída so- cial, histórica e culturalmente e, exatamen- te por isso, o casamento é um ato social e familiar, gerido por sistemas público e privado, sofrendo ingerências das dimen- sões econômica, político-social, religiosa, educacional e legal, historicamente defini- das, bem como a expectativa e condutas de vida dos enamorados e dos cônjuges, as quais vão se tornando oficializadas pela cultura, estabelecendo um processo recur- sivo circular (Munhoz, 2000). Em nossa cultura pós moderna, ma- rido e mulher compartilham responsabili- dades iguais, com uma teórica passagem de um ideal hierárquico para um ideal igualitário que se reflete em valores e condutas familiares, conseqüentes a escolhas individuais. Isso porque, a própria escolha dos parceiros baseia-se, habitualmente, em universos comuns, caracterizados por nível social, intelectual e faixa etária uma vez que esses valores igualitários tornam a escolha mais flexível pela própria valo- rização pessoal. Munhoz, 2000). Bower (1977) refere que os indiví- duos tendem a se atrair pelo nível de diferenciação de si mesmos em que se encontram, procurando alguém com nível semelhante quanto a capacidade de dis- criminar e identificar emoções e objetivar ações e decisões. Temos então aqui um dos núcleos da questão que este texto se dispõe a pensar pois, mais do que meras repetições “po- liticamente corretas”, procuramos refletir sobre a questão do casamento (enquanto instituição) e seu significado no que se refere à pessoa com retardo mentalI e aqui I Utilizamos aqui o termo retardo mental uma vez que, mesmo sendo considerado “políticamente incorreto”ainda é o termo oficialmente adotado pelos mecanismos legais que se baseiam na CID 10ª. Avalizada pelo governo brasileiro no que se refere a classificação diagnóstica. inclusão
  • 29. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012 27 já encontramos um dos temas sobre os quais se fazem necessário refletir pois se consideramos retardo mental como “uma incapacidade caracterizada por importan- tes limitações, tanto no funcionamento intelectual quanto no comportamento adaptativo,estando expressa nas habilida- des conceituais, sociais e práticas e essa incapacidade tendo início antes dos 18 anos de idade”(APA; 2002) e se pensarmos inteligência como a “capacidade de realizar atividades caracterizadas por serem difí- ceis, complexas, abstratas, econômicas, adaptáveis a um objetivo, de valor social, carente de modelos, e para mantê-las em circunstâncias que requeiram concentra- ção de energias e resistência às forças afetivas” (Stoddar; 1943 apud Assumpção, 2005), somos obrigado a pensar que, um organismo complexo, valorativo, que busca a homeostase e que tem funções muito específicas para desempenhar, tem, obri- gatoriamente dificuldades em se manter, de maneira expontânea, nessas condições senão vejamos: Para Howels (apud Gomes, 1987) uma família tem funções específicas caracterizadas por • responsabilidade econômica uma vez que visa manter e prover suas próprias necessidades. Ora, a despeito de todos os discursos que escutamos em nosso cotidiano, vivemos em uma cultura que privilegia a especia- lização e a eficácia, desvalorizando com isso, inúmeras categorias por suas idades, falta de preparo técnico e outras questões menores. Assim, mesmo com toda a legislação de pro- teção, vemos cotidianamente que as pessoas deficientes absorvidas pelo mercado de trabalho são aquelas com déficits físicos ou sensoriais, todos passíveis de serem minoradas a partir de estruturas de suporte físicos. Isso não existe quando falamos de retardo mental, razão pela qual seus índices de absorção pelo mercado de trabalho são muito menores e limitados àque- les menos comprometidos. • satisfação afetiva através dos próprios relacionamentos. Esses relacionamen- tos são dinâmicos, com mudanças freqüentes que demandam trocas de papeis e de liderança visando a solução de problemas emergentes com percepção do feed-back ambien- tal e flexibilidade para a obtenção de estratégias eficazes. Ora, se conside- ramos que uma das características do retardo mental é exatamente o comprometimento de função execu- tiva que propicia a percepção desse feed-back ambientaL, bem como a fle- xibilidade e a capacidade de planejar soluções eficazes e rápidas, teremos aí a dificuldade na manutenção dos próprios relacionamentos conforme pudemos observar em alguns casais de indivíduos com deficiência mental que acompanhamos no decorrer do tempo (Assumpção, 2005). • satisfação das necessidades sexuais, entre elas perpetuar a espécie. Talvez esta seja a característica mais facil- mente executável uma vez que o ato procriativo é comprometido somente em muito poucas síndromes genéticas nada havendo que impeça a procriação. • socialização dos filhos, a fim de satis- fazer às necessidades da sociedade a qual pertencem. O papel familiar envol- ve a questão da educação propiciando o amadurecimento da personalidade e
  • 30. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012 28 a integração gradual dos filhos ao mun- do, funcionando os genitores como sistemas de suporte para os filhos em crescimento. Isso demanda capacida- de de prever o futuro (imagens mentais antecipatórias bem estruturadas) e projetos existenciais definidos (uma vez que para que se criem filhos se abre mão de necessidades próprias em prol de um objetivo maior), ambos característicos de pensamento abstra- to muito bem desenvolvido e elaborado a partir de valores pessoais construí- dos no decorrer da própria existência. Entretanto, o discurso politicamente correto traz a baila duas questões que não podemos deixar de considerar. Uma delas, a questão da livre expressão da sexualidade, consideramos extrema- mente oportuna e justificável embora não pensemos que o casamento deva servir de solução para um problema tão básico uma vez que, conforme falamos anteriormente, ele se constitui numa estrutura social extremamente complexa que envolve muitos mais elementos que a mera expressão da sexualidade, com- portamento mais elementar e simples. A outra, tangencia uma questão afetiva esquecendo que a idéia de amor associado a casamento é bastante recente e portan- to, não podemos considerá-la indissolúvel posto que as relações de afeto, conforme já dissemos anteriormente, a nosso ver,não demandam a ligação específica com uma estrutura social de tal maneira complexa uma vez que um contrato matrimonial esta- belece divisão de trabalho doméstico, uso de espaço habitacional, responsabilidade de cada cônjuge na educação e sociali- zação dos filhos, disposição sobre bens, dedicação a trabalho e outras coisas mais (Sussman, 1970). Assim, partindo de uma premissa heideggeriana, consideramos que o ca- samento em sifaz parte de um mundo de significados onde o homem, após a compreensão de seu “ser-no-mundo” escolhe e executa projetos segundo suas reais possibilidades. O déficit cognitivo di- ficulta esse dimensionamento do projeto existencial bem como o reconhecimento das próprias limitações. Foi exatamente essa a questão aventada, pouco tempo atrás, quando uma religião impediu o ca- samento religioso de duas pessoas com deficiência mental argumentando que, sob o ponto de vista religioso, o ato em si demandava total conhecimento do ato naquilo que se referia a direitos e deveres sendo fruto de uma atitude consciente. Entretanto, apresentarmos as dificul- dades da estrutura social casamento não significa que tenhamos que esquecer que essa população, como qualquer grupamen- to humano, apresenta vontades e desejos que reclamam satisfação embora, nem sempre esses aspectos sejam elaborados de maneira socialmente aceitável. Assim, torna-se interessante pensar- mos que ao mesmo tempo em que ad- vogamos o “direito ao trabalho” (castigo divino se nos lembrarmos da Gênesis que refere “ganharás o pão com o suor do teu rosto”) nem sequer discutimos os direitos do deficiente mental de ter uma vida com possibilidades sexuais e eróticas como se isso fosse muito bem resolvido e es- tabelecido por nossa sociedade. Fingir igualdade é algo extremamente artificial. Como diziam Balthazar e Ste- vens (1975), “uma sociedade ideal seria aquela aberta, na qual aprenderíamos a
  • 31. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012 29 tolerar e viver com indivíduos diferentes de nós quanto a capacidade intelectual, à estrutura emocional, entre outras coi- sas. A aceitação dos indivíduos pode ter um significado terapêutico importante em certos aspectos do ensino e da ins- trução; pode bem ser o principal papel das ciências sociais reforçar e fornecer a base para aceitar os outros e estabe- lecer maior tolerância em uma sociedade aberta. Uma sociedade que fosse bem- -sucedida em tais esforços não seria utópica mas ideal.” Esse talvez seja o maior paradoxo com o qual nos defrontamos. Como aceitar o diverso em uma cul- tura que privilegia o homogêneo, como aceitar o deficitário em uma sociedade que opta pela eficácia, como permitir expressões existenciais diferentes em um modelo onde todos devem ser iguais? Pensar essas questões, através da temática casamento ou através de muitas outras, talvez seja um caminho que possa ser trilhado para que tenhamos algumas soluções, práticas e não teóricas, exis- tenciais e não filosóficas. Doutor, boa tarde Estou lhe dizendo que não consegui nada com o médico da cidade. Na primeira disseram que ele não estava e na segunda disseram que ele estava de férias. Pelo amor de Deus me ajude para ver se consigo operar essa menina. Não vou aí com ela porque não posso levar as duas crianças dela e mais uma nora que ficam comigo pra que ela trabalhe. Abraço. Agradece J (carta de avó de criança de dois anos com deficiência mental profunda, com irmã de 4 anos com deficiência mental leve e mãe com 28 anos também com deficiência mental leve. Assumpção, 1987) Referências Bibliográficas 1. ASSUMPÇÃO JR. FB.; SPROVIERI, MH. Sexualidade e deficiência mental. São Paulo, Moraes, 1987 2. ASSUMPÇÃO, FB.; SPROVIERI, MH. Deficiência Mental: sexualidade e família. São Paulo; Manole; 2005 3. BALTHAZAR,EE; STEVENS, HÁ. The emotionally disturbed mentally retarded. Nova York; Prentice Hall, 1975 4. BOWER, M. Family therapy in clinical pratice. Nova York, Janson Aronson, 1977 5. CHAUÍ, M. Repressão sexual: essa nossa (des)conhecida. São Paulo, Brasiliense, 1984, 6. GOMES, JC. Manual de terapia familiar. Petrópolis, Vozes, 1987 7. GUIMARÃES, I. Educação sexual na escola:mito e realidade. Campinas, Mercado de Letras, 1995 8. MUNHOZ, MLP. Casamento:ruptura ou continuidade dos modelos familiares? São Paulo, Cabral Ed. Universitária, 2000. 9. SUSSMAN, MB. Changing families in a changing society. Forum 14 – Report to the president: White House Conference Children. Washington, US Government Printing Office. 1970 Francisco B. Assumpção Jr., Livre Docente pela FMUSP. Professor Associado do IP- -USP, membro da Academia Paulista de Psicologia (cadeira 17) e Medicina (cadeira 103).
  • 32. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012 30 A importância de estimular quem tem dificuldades de aprendizagem Por Marisa Aparecida Gimenes da Cunha de Andrade* Edição de texto: Leandra Migotto Certeza** Fotos: arquivo pessoal Neste espaço, pais e pessoas com síndromes relatam um pouco sobre suas experiências ao viver singularmente em uma sociedade ainda pouco inclusiva. São exemplos de quem que já conseguiu alcançar muitos objetivos graças à força de vontade, mas ainda enfrentam muitos desafios para realizarem seus sonhos; assim como a maioria dos seres huma- nos sem deficiências também. É uma oportunidade para os leitores conhece- rem um pouco mais sobre a diversidade. de mãe, pra mãe Leonardo (à direita) com sua família: mãe, pai e irmão
  • 33. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012 31 conhecerem o que é esta síndrome são pessoas insensíveis à dor alheia. Também tivemos muita dificuldade em acreditar que nosso menino era uma criança com necessidades específicas, pela dificuldade de encontrar profissio- nais habilitados a um preço acessível, e que soubessem trabalhar com ele. O tra- tamento indicado na época foi estímulo, terapia comportamental e processo de inclusão. Hoje os avanços dele tem sido ótimo. Mas sofremos muito preconcei- to por parte dos familiares, na escola, na igreja, e na sociedade. Por ser uma síndrome em que o indivíduo apresenta muitas dificuldades comportamentais e inflexibilidade diante das rotinas diárias, às vezes, ainda ouço pessoas que des- conhecem as características do autismo fazerem críticas considerando-os pessoas sem educação ou sem limites. Meu filho Leonardo, de 13 anos, tem TEA - Transtorno do Espectro do Autismo e Dificuldades de Aprendiza- gem. Soubermos do seu diagnóstico quando ele tinha por volta de 3 anos de idade. Ele teve atraso de fala, difi- culdade na interação social, estereo- tipias, problemas comportamentais e principalmente, problemas no processo de alfabetização. Recebemos de forma muito cruel e fria o diagnóstico: seu filho tem deficiência, dificilmente virá a falar e na adolescência provavelmente terão que mantê-lo em instituição por causa do comportamento difícil. Foi muito triste ouvir isso de um médico, pois nesta situação os pais necessitam e desejam ser acolhidos, encaminhados para algum especialista que os oriente que rumo tomar. Hoje percebo que a maioria dos profissionais além de des- Estudando no computador
  • 34. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012 32 Ele começou a frequentar a pré- -escola, por volta dos 3 anos de idade, por indicação de uma fonoaudióloga. A experiência da primeira escola foi ruim para todos nós. Ele sofreu muito, pois ainda não tinha um diagnóstico e apenas atraso de fala. A queixa da escola era que ele não acompanhava as outras crianças nas atividades, não sabia desenhar, não falava e apresentava muitas crises de choro, birra e agressão quando contraria- do. Como eu e meu marido trabalhávamos fora de casa, o Leonardo ficava sob os cuidados dos avós maternos. Por conta disso, a psicóloga da escola afirmou que nós não sabíamos educar o menino, e que os avós o deixavam sem limites. Foi muito doloroso e confuso ouvir isso naquela época, pois era nosso primeiro filho e não tínhamos um referencial. Mas apesar da dificuldade de en- contrar uma escola adequada que o aceitasse, ele sempre frequentou escola regular no processo de inclusão onde teve oportunidade de ser estimulado. Ele freqüentou também uma escola es- pecializada no contra-turno da regular, a Associação dos Amigos das Pessoas com Autismo. Lá além da estimulação que ele recebeu, eu pude fazer cursos para entender e auxiliá-lo nessa árdua e abençoada tarefa de ser mãe de uma pessoa com deficiência intelectual. Desde o início do diagnóstico ele apresentou muita evolução no aspecto intelectual, emocional e principalmente na interação com o outro. Hoje ele está alfabetizado e freqüenta o 6º ano do en- sino fundamental em uma escola da rede regular de ensino privada. Ele apresenta dificuldade nas atividades mais abstratas como matemática, interpretação de tex- to e filosofia, e nas demais atividades, ciências, geografia e inglês ele assimila melhor. Mas necessita de uma tutora que o acompanha diariamente nas rotinas escolares, auxiliando-o na parte peda- gógica e nas questões comportamental. Ele tem um bom relacionamento com os profissionais da escola e com os colegas, é uma pessoa muito querida pelo seu jei- to simples, despojado e inocente de ser. O Léo é um desenhista de mão cheia, começou a desenhar aos 5 anos de idade e a partir de então teve grande avanço sem nunca ter frequentado escola específica. Apesar das características muito peculiares da deficiência, ele está incluso em tudo que uma família pode fazer como: passeios, shoppings, cinema, teatro, igreja, escola, visitas na casa de familiares, amigos, atividades escolares inclusive baladas. Apenas necessita de alguém com um olhar mais atento, em função da ausência de malícia e medo do perigo real. E hoje nosso maior desafio é em relação às questões comportamen- tais, pois ele está mais agitado e impul- sivo por causa da adolescência. Eu gostaria que ele terminasse o en- sino médio, e ingressasse em uma facul- dade voltada para sua área de interesse o desenho. Porém, o futuro a Deus per- tence, e sei que preciso investir também em atividades de vida prática e diária, para que ele consiga ter maior autono- mia e independência, por isso também realizamos projetos de convivência social. Em casa suas atividades principais são: TV, vídeo game, computador e desenhar. Gosta muito de passear e na casa de familiares ou amigos. Faz natação e cami- nhada. Todas essas atividades são muito importantes, pois atuam como estímulos.
  • 35. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012 33 cos e muito gratificantes, pois tudo que ele consegue produzir e fazer é festejado como um obstáculo vencido e mais uma vitória. Assim a família precisa ter muita estrutura, equilíbrio e fé em Deus para suportar com amor, humildade, paciên- cia, tolerância e muita resignação todas essas provações e conseguir manter-se unidos. Tenho dois filhos, o Léo e o Felipe de 7 anos que não tem deficiência. A relação do Felipe com seu irmão às vezes é um pouco complicada, pois ele sente bastante o excesso de atenção que dispensamos ao Léo por causa de suas necessidades e peculiaridades. Algumas vezes há necessidade de terapias para que ele possa entender e aceitar as situ- Desenho de Léo A TV e o computador ajudaram no proces- so de alfabetização, e o conjunto de todas essas atividades auxilia na quebra de rotina, inflexibilidade, interação social. O inglês ele aprendeu praticamente só com o auxílio do computador e da TV através dos desenhos e vídeos. Pela experiência, digo que convi- vência com uma pessoa com TEA e Problemas de Aprendizagem não é uma tarefa fácil, exige muito de todos, e prin- cipalmente, dos irmãos. Há momentos e fases angustiantes, pois a instabilidade de humor e a inflexibilidade diante das menores coisas deixam os familiares fragilizados, cansados, estressados, deprimidos e ás vezes em pé de guerra. Mas há também os momentos fantásti-
  • 36. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012 34 ações conflitantes com seu irmão, devido à deficiência dele. Meus filhos e minha família são meu tudo. Eu os amos, sei que são presentes que Deus colocou na minha vida. E através destes presentes, Deus tem me dado a oportunidade de evoluir muito em todos os sentidos da minha vida: eu estou aprendendo a amar, a respeitar, a olhar para o meu seme- lhante sem julgá-lo pela sua aparência ou atitude, estou aprendendo a ser uma pessoa melhor e valorizar mais o ser hu- mano. Foi através do Léo que direcionei minha vida profissional, além de entender esse mundo tão complexo e tão simples ao mesmo tempo e poder auxiliar pais e profissionais. Hoje estou à frente de um projeto a fim de oportunizar a convivência de pes- soas com deficiência intelectual junto à sociedade. Pois, além de ser mãe sou pedagoga e psicopedagoga e durante 3 anos atuei em clinica e como consulto- ra no processo de inclusão escolar. E, infelizmente, vejo que ainda hoje, existe um despreparo e um preconceito muito grande, por parte dos profissionais da área educacional, em relação ao TEA, pois esta deficiência possui caracterís- ticas muito peculiares; e poucos são os profissionais que tem interesse em aprender e aprofundar-se no assunto, muitos acreditam que é falta de limites ou educação dos pais. Também acompa- nho através das redes sociais e procuro estar sempre atualizada com as notícias em busca de respostas para o autismo ou em conquistas aos nossos direitos e benefícios. Nessa jornada fiz grandes amigos, e percebi que existem muitas pessoas com bastante conhecimento se movimentando para melhorar nossa política pública de inclusão. Mas o grande problema é que ao invés de se unirem em um único ide- al, alguns ficam disputando espaço para Convivendo com a família na casa da avó Alice
  • 37. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012 35 terem seus nomes na calçada da fama e esquecem que há milhões de familiares e indivíduos com autismo sofrendo, sem recursos, e esperando desesperadamen- te por atendimento e melhor qualidade de vida. Por isso, aconselho a todos que é preciso ter muita paciência, tolerância, di- vidir suas angústias e temores com seus familiares e outras pessoas que tenham filhos com a mesma síndrome. Nunca acredite em um profissional que limite ou subestime a capacidade de seu filho. Esti- Leandra Migotto Certeza é jornalista e repórter especial da Revista Síndromes. Ela tem deficiência física (Osteogene- sis Inperfecta), é assessora de imprensa da ABSW, e con- sultora em inclusão e mantém o blog “Caleidoscópio – Uma janela para refletir sobre a diversidade da vida” - http:// leandramigottocerteza.blogspot.com/. Conheçam os modelos de palestras, oficinas, cursos e treinamentos sobre diversidade, realizados em empresas, escolas, ONGs, centros culturais e grupos de pessoas no site: https://sites.google.com/site/leandramigotto/ mule seu filho, proporcionando o máximo de autonomia e independência. Ignore as pessoas preconceituosas, pois muitas vezes será necessário engolir alguns sapos para evitar desgastes emocionais. Mas acima de tudo ame o e aceite para que vocês possam ser felizes! Brincando ao lado do seu irmão Felipe
  • 38. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012 36 O importante é dar o primeiro passo Francelene Rodrigues Entrevistadora: Leandra Migotto Certeza – jornalista* Fotos: arquivo pessoal Conte um pouco como foi o seu processo de inclusão educacional. Quais foram os maiores desafios e conquistas? Amo estudar. O processo educacional foi tranqüilo, até adquirir a deficiência físi- ca. Sempre estudei em escolas públicas e conclui o magistério. Complicado foi quando decidi voltar aos estudos, pois a minha matricula no ensino médio supletivo foi re- cusada. Precisei adquirir outros conteúdos para prestar vestibular. Mas insisti e venci, e logo depois ingressei na faculdade, com algumas barreiras que ao decorrer do curso universitário foram superadas a cada dia. Mas muitos outros obstáculos apareceram pelo caminho até eu terminar o curso este em dezembro de 2012. Sei que eles preci- sam ser sempre ultrapassados. Passou por preconceitos e discrimina- ções? Uma barreira inquebrantável sempre será o preconceito, que ainda existem em relação às pessoas com quaisquer tipos de deficiência no mundo, não só na facul- dade. Esse sentimento, muitas vezes, vem da família; e é indiscutível que esse tema ainda seja uma barreira para muita gente. O maior preconceito foi em entender que eu mesma era preconceituosa com as pessoas e não elas comigo. Sempre quis ser assistente social? Qual a importância dessa profissão em sua vida? Decidi pela profissão, devido ao en- volvimento dentro de minha própria comu- nidade na qual sou líder, e Conselheira de Saúde desde 2001. Sempre trabalhei em prol de melhorias para o bairro onde vivo. Amo a profissão que escolhi, e sei que mercado de trabalho está aberto, pela artigo do leitor Bacharel em Serviço Social, Francelene Rodrigues fala sobre a importância da participação na criação do Interconselho da Coordenadoria Regional de Saúde Leste de SP
  • 39. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012 37 amplitude em conhecimentos, desafios e competências, que a área possui. Ser as- sistente social para mim é primeiramente ser cidadã, capaz de garantir direitos ao próximo e a si mesmo. Logo que cheguei à faculdade, foram feitas adaptações para garantir a acessibilidade em quase todos os espaços. Mas hoje as pessoas com deficiência podem se sentir livre para se locomoverem, pois fizeram rampas e ins- talaram dois elevadores. Fiquei muito feliz pelas mudanças. Qual a importância da participação popular nos Movimentos Sociais, nos Conselhos Gestores das Unidades Básicas de Saú- de (UBS); e nos Conselhos Gestores de Supervisões Técnicas de Saúde (STS) da zona leste de SP, interligados direta ou in- diretamente às decisões regionalizadas do Sistema Único de Saúde (SUS), de acordo com suas especificidades? A importância desta participação popular atribui-se hoje ao envolvimento e articulação de forma organizada, que atu- almente é representado pelos Movimentos Sociais e Conselhos de Direito como me- canismos de gestão das políticas públicas na intervenção e mediação paritária junto ao Estado e ao próprio controle social, de acordo com suas especificidades e necessi- dades locais, ou seja, nas UBS´s, distritais STS´s - Conselhos Gestores de Supervisões Técnicas de Saúde Regionais (norte, sul, sudeste e centro-oeste). Esta participação vem ocorrendo com que freqüência? Esta participação acontece de acordo com as diretrizes do SUS – Sistema Único de Saúde, mensalmente em cada instância com datas e pautas já pré-agendadas junto aos representantes por segmentos. Quais os principais problemas enfrentados pela população em geral da zona lesta para conseguir participar ativamente das reuniões e ações dos Conselhos Gestores? Neste caso não vejo problemas, porque a participação local acontece nas UBS´s, que geralmente estão localizadas próximas à residência das pessoas e das STS`s. E o transporte é garantido para todos os Con- selheiros e seus representantes, através de passes livres ou de carro. Suas ações são realmente discutidas da melhor maneira, e os problemas resolvidos na medida do pos- sível em cada instância, seja local, distrital ou regional. E sempre ocorre de comum acordo com os seus representantes. Quais foram às principais especificidades e necessidades encontradas na zona leste da cidade de São Paulo que culminaram com a criação do Interconselho da Coor- denadoria Regional de Saúde Leste de SP em 2006? O Interconselho Coordenadoria Re- gional de Saúde Leste de SP teve suas discussões preliminares no Conselho Gestor de Saúde de Itaquera. Durante alguns meses, esse coletivo discutiu a importância do controle social democráti- co nas coordenadorias, entendendo que a criação desse espaço seria necessário devido à constatação que as decisões e o poder político estariam nessa instância. Além disso, a cada mandato, o Conselho deparava-se com novas políticas e ações, naquele momento PT e PSDB, ou seja, com