1. www.atlanticaeditora.com.br
13 anos
A Formação do
Indivíduo
Carolina Rabello Padovani
A importância
de estimular
quem tem
dificuldades de
aprendizagem
Por Marisa Aparecida Gimenes
da Cunha de Andrade*
Edição de texto:
Leandra Migotto Certeza**
Transtornos do
Aprendizado EscolarFrancisco Baptista Assumpção Júnior
Evelyn Kuczynski
revistamultidisciplinardodesenvolvimentohumano
Síndromes
Novembro•Dezembrode2012•Ano2•Nº6•R$25,00
Síndromes-Ano2-Número5-Setembro/Outubrode2012
Dificuldades de
aprendizagem
Entrevistado: Antônio
Eugênio Cunha
Jornalista responsável:
Leandra Migotto Certeza
A Família e
a Criança
Deficiente
Jemima Giron
Casamento
e Deficiência
Mental
Francisco B. Assumpção Jr.
ISSN2237-8677
Nesta edição
Curso Autismo
Módulo VI
2.
3. EDITORIAL
Dr. Francisco Assumpção Junior
artigo do mês
Transtornos do Aprendizado Escolar
Francisco Baptista Assumpção Júnior
Evelyn Kuczynski
Entrevista
Dificuldades de aprendizagem
Entrevistado: Antônio Eugênio Cunha
Jornalista responsável: Leandra
Migotto Certeza
desenvolvimento
A Formação do Indivíduo
Carolina Rabello Padovani
reabilitação
A Família e a Criança Deficiente
Jemima Giron
inclusão
Casamento e Deficiência Mental
Francisco B. Assumpção Jr.
de mãe, pra mãe
A importância de estimular quem tem
dificuldades de aprendizagem
Por Marisa Aparecida Gimenes da Cunha
de Andrade*
Edição de texto: Leandra Migotto Certeza**
artigo do leitor
O importante é dar o primeiro passo
Francelene Rodrigues
Entrevistadora: Leandra Migotto Certeza
reportagem
CRIA - Centro de Referência da Infância e Ado-
lescência desenvolve pesquisa e assistência
em saúde mental
Por Leandra Migotto Certeza
Curso Autismo
Módulo VI
2
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46
49
revista multidisciplinar do desenvolvimento humano
Síndromes
Novembro • Dezembro de 2012 • Ano 2 • Nº 6
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Carolina Rabello Padovani
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Simone Nascimento Fagundes
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4. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
2
Chegamos ao décimo número desta
revista.
Isto significa muito, uma vez que é
uma publicação destinada a um público
segmentado, e dedicada a uma parcela
da população que vem sendo, sistema-
ticamente, negligenciada e mal cuidada
pelo poder público.
A despeito dos discursos pomposos
e “politicamente corretos” que pregam
igualdade e direitos, a realidade com a
qual convivemos cotidianamente é exata-
mente oposta predominando a carência, o
descaso, a negligência e a omissão sem-
pre mascaradas pelo hipócrita discurso
da inexistência de diferenças.
Ao contrário, pensamos que admitir
as diferenças é o primeiro passo para que
as aceitemos; pois um mundo de iguais
é intolerante com o diferente. Assim, o
primeiro passo é identificá-las (ou, se
quisermos ser incorretos”, diagnosticá-
-las) para que, num segundo momento,
possamos fornecer sistemas de cuidados
e suportes adequados para que possam
viver com maior dignidade e qualidade.
“Não basta somente acolher.
Precisamos conhecer e cuidar.”
O momento histórico no qual vivemos
demanda mais do que simplesmente “ser
afetivo”. Ele demanda afeto sim, porém
ele demanda cuidados, proteção, siste-
mas de suporte e tratamento em todos
os níveis, médico, psicológico, social,
familiar, funcional, pedagógico, enfim, to-
das as possibilidades que a modernidade
(e pós modernidade inclusive) trouxeram
ao mundo.
Isso é muito mais do que falar aos
professores que “com criatividade” os
problemas serão resolvidos.
Claro que a criatividade e a boa vonta-
de são importantes mas é indispensável
o conhecimento técnico. São indispensá-
veis os recursos materiais e, fundamental
ainda são os modelos populacionais que
devem permitir que esse conhecimento
técnico seja usufruído e desfrutado por
todos os que dele necessitam e não
somente por aqueles que por possuírem
melhores condições econômicas tem
acesso a ele.
Enfim, este décimo número represen-
ta uma vitória.
Vitória sobre a negligência, sobre
o obscurantismo, sobre as idéias rea-
cionárias travestidas no ”politicamente
correto”.
Esperamos que o projeto continue e
que outras vozes se levantem, de formas
diferentes para que uma nova possibili-
dade seja viável.
Boa leitura!
Francisco B. Assumpção Jr.
editorial
Dr. Francisco Assumpção Junior
Francisco B. Assumpção Jr.
5. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
3
Transtornos do Aprendizado
Escolar
Francisco Baptista Assumpção Júnior
Evelyn Kuczynski
“Física e mentalmente, cada um de nós é
único. Qualquer cultura que, no interesse da
eficiência ou em nome de qualquer dogma
político ou religioso, procura estandartizar o
indivíduo humano, comete um ultraje contra a
natureza biológica do homem.”I
A alteração crítica e essencial do
processo evolutivo humano que desen-
cadeou sua revolução “copérnica” (pelo
deslocamento de sua posição e valência
dentro da hierarquia gravitacional da
esfera etológica) foi o desenvolvimento
de estruturas cerebrais que passaram a
lhe permitir rapidamente processar todo
tipo de informações, passando o Homem
a ser capaz de resolver todo tipo de pro-
blema (independente de sua presença)
manipulando símbolos mentalmente, de
forma tal que a velocidade deste proces-
samento passou a ser o principal fator
implicado na sua eficácia adaptativa e
de sobrevivência.
No entanto, paga-se um alto preço
por este salto. As características que
lhe proporcionaram esta fantástica ma-
leabilidade e (consequente) adaptabili-
dade geraram tamanha complexidade
que, após o nascimento, durante muitos
anos o filhote humano é obrigado a viver
sob proteção, uma vez que grande é sua
I Huxley A. Regresso ao admirável mundo novo.
Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 2000.
dependência, bem como extrema a sua
fragilidade. É maior a sua vulnerabili-
dade quanto mais jovem se apresenta.
Entretanto, esse “animal” conseguiu se
adaptar ao meio ambiente biológico e,
como animal gregário e social, passa a
se agrupar em bandos cada vez maiores.
A adaptação, que inicialmente era bioló-
gica, passa cada vez mais a ser social.
Considerando a seguir alguns aspec-
tos básicos:
• todas as espécies animais são mu-
táveis, o que caracteriza uma teoria
básica da evolução;
• todos os organismos descendem de
um ancestral comum, definindo-se
uma teoria de evolução ramificada;
• a evolução é gradual, sem grandes
saltos ou descontinuidades;
• as espécies tendem a se multiplicar,
origem daquilo que denominamos
diversidade;
• finalmente, os indivíduos de uma es-
pécie estão sempre sujeitos à seleção
natural.
De acordo com estes aspectos (refe-
rentes a uma construção teórica evolucio-
nista), temos de admitir que:
as populações são tão fecundas que
tendem a aumentar exponencialmente,
na ausência de restrições. Entretanto,
na maioria das espécies, essas restri-
ções se encontram presentes, na forma
artigo do mês
6. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
4
de ausência ou diminuição do aporte
de alimentos, aumento do número de
predadores, ou de doenças. Temos que
reconhecer que, na espécie humana,
estes fatores limitantes foram, grosso
modo, gradualmente minimizados;
o tamanho de uma população, exceto
por flutuações sazonais, tende a perma-
necer estável, ocasionando uma estabi-
lidade a longo prazo. Com o controle dos
fatores acima discriminados, a espécie
humana tendeu a aumentar o número
de seus elementos de forma intensa e,
assim, considerando-se que
os recursos disponíveis para uma
espécie (e a espécie humana não é imune
a esta máxima) são sempre limitados,
podemos deduzir que
...existe uma extrema competição na forma
de luta pela sobrevivência, entre os membros
de uma mesma espécie, mesmo que essa
espécie tenha características tão marcantes
como a humana...
(apud DARWIN, 2004)
Assim, conclui-se que não existem
dois indivíduos iguais em uma população!
Chegamos a uma nova dedução, que
podemos expressar dizendo que
...não existem dois indivíduos em uma mesma
população que tenham as mesmas probabi-
lidades de sobrevivência, o que caracteriza o
próprio processo de seleção.
(apud DARWIN, 2004)
Qualquer comportamento que impli-
que numa vantagem evolutiva é reforçado
pela própria seleção de determinantes
genéticos de tal comportamento, o me-
lhor denominado “efeito Baldwin”. Certos
indivíduos tem vantagens em virtude da
presença de características distintas
em relação a outros do mesmo sexo e
espécie, refletidas no que diz respeito a
reprodução (e ao consequente processo
de seleção). Tais características depen-
dem de vários fatores que (por analogia
a outras espécies) estão relacionadas
à conquista e manutenção de melhores
territórios (leia-se com mais recursos
alimentares), cuidado com a prole, in-
terações com a família e a população,
entre outros.
Contudo, a espécie humana é sujeita
a uma extrema vulnerabilidade, decorren-
te da imaturidade apresentada ao nasci-
mento (e dada a sua intensa plasticida-
de). Para que possa alterar seu ambiente
(e ser por ele alterado), o ser humano
nasce incompleto e é deveras frágil. No
que diz respeito ao comportamento pós-
-natal, o filhote humano só pode contar
com as informações contidas em seu
ácido desoxirribonucleico (ADN), informa-
ções estas bastante restritas, dada a sua
especificidade, e que lhe proporcionam
poucas possibilidades adaptativas. É só
lembrar quanto tempo após nascerem os
filhotes de outros mamíferos são conside-
rados adultos e aptos a sobreviver sem
proteção, a lutar por sua sobrevivência,
a produzir prole (um cão ou um gato, a
partir dos 12 meses de vida...).
O que um filhote aprende em sua
curta vida é limitado e só se transmite
a prole naquelas espécies em que pais
mantem contato prolongado com os filho-
tes, como usualmente se processa (ou
se processava?...) na espécie humana.
Essas informações seriam passadas
transgeneracionalmente, de forma que
7. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
5
a herança genética se acrescenta tudo
aquilo que se aprende na convivência
com os pais. Em função do desenvolvi-
mento da linguagem, essa transmissão
de informações é sofisticada na espécie
humana, estabelecendo a variabilidade
cultural. Além disso, a transmissão de
informações se processa através do tem-
po, de forma a somar o conhecimento,
criticando-o e modificando-o.
A medida que os grupos humanos se
tornam mais complexos e sofisticados,
a questão da transmissão de conhe-
cimentos (formais e informais) passa
a ser de fundamental importância no
processo adaptativo, o que leva a que,
atualmente, crianças e adolescentes
passem grande parte de seu tempo em
uma situação de aprendizado formal (que
caracteriza o processo de escolarização).
Entretanto, adaptada às exigências do
ambiente, e considerando-se as carac-
terísticas adaptativas que descrevemos
acima (e que são aplicáveis a qualquer
grupamento de indivíduos), a exigência
do ensino formal vai colocar parte das
crianças na situação frequentemente
denominada “fracasso escolar”, uma
vez que apresentam dificuldades para
ler, escrever e/ou calcular, mesmo sem
comprometimento de suas capacidades
intelectuais e/ou sociais.
Como a espécie humana apresenta,
entre outras características, um padrão
de conduta antisseletivo, a preocupação
com estas dificuldades existe. Assim,
quando essas dificuldades persistem
(apesar do emprego de recursos didáti-
cos e de um meio apoiador, o que nem
sempre é garantido a estas crianças...),
somos levados a diagnosticar um “Trans-
torno de Aprendizagem”.
Muitos são os conceitos de transtor-
no de aprendizagem que podem ser pin-
çados da literatura. Vamos nos ater aos
que consideramos mais interessantes
no processo de compreensão do fenô-
meno, apresentados abaixo, em ordem
cronológica.
“Dificuldade de aprendizagem refere-se a um
retardamento, transtorno, ou desenvolvimento
lento em um ou mais processos da fala, lin-
guagem, leitura, escrita, aritmética ou outras
áreas escolares, resultantes de um handicap
(incapacidade) causado por uma possível
disfunção cerebral e/ou alteração emocional
ou de conduta.”
(KIRK, 1963)
“...manifestam discrepância educativa signifi-
cativa entre seu potencial intelectual estima-
do e o nível de execução relacionado com os
processos básicos de aprendizagem, que po-
dem ou não vir acompanhados por disfunções
demonstráveis do Sistema Nervoso Central
e que não são secundárias a retardo mental,
privação cultural ou educativa, alteração emo-
cional ou perda sensorial.”
(BATEMAN, 1965)
“...aquela com habilidade mental, processos
sensoriais e estabilidade emocional adequa-
dos, que apresenta déficits específicos nos
processos perceptivos, integrativos ou expres-
sivos os quais alteram a eficiência da aprendi-
zagem. Isso inclui crianças com disfunção do
Sistema Nervoso Central que se expressam
primariamente com deficiência.”
(SIEGEL; GOLD, 1982)
“...centram-se em dificuldades nos processos
implicados na linguagem e nos rendimentos
acadêmicos independentemente da idade das
8. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
6
pessoas e cuja causa seria uma disfunção
cerebral ou uma alteração emocional ou de
conduta.”
(SILVER, 1988)
“...grupo heterogêneo de transtornos que se
manifestam por dificuldades significativas
na aquisição e uso de escuta, fala, leitura,
escrita, raciocínio ou habilidades matemáti-
cas. São intrínsecos ao indivíduo, supondo-se
à disfunção do Sistema Nervoso Central e
podem ocorrer ao longo do ciclo vital.”
(GARCIA, 1998)
“...funcionamento acadêmico substancialmen-
te abaixo do esperado, tendo em vista a idade
cronológica, medidas de inteligência e educa-
ção apropriadas à idade.”
(ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE, 1993)
Podemos observar que os concei-
tos foram evoluindo de forma ampla,
embora relacionada, paulatina e mar-
cadamente, a disfunções no aparato
neurobiológico, avaliados comparati-
vamente à faixa etária e às oportuni-
dades educacionais, desvinculados de
alterações ligadas especificamente aos
conceitos de inteligência global. Entre-
tanto, duas perspectivas de abordagem
do fenômeno continuam a ter um grande
peso. Uma criança com dificuldades na
escola é uma criança desviante (ou do-
ente), ou a estrutura escolar (inadequa-
da à criança) seria a responsável pelas
dificuldades apresentadas. Ambas as
visões nos parecem lineares e redu-
cionistas. Considerando os conceitos
apresentados anteriormente, temos a
ideia de que Transtorno de Aprendizado
limita-se somente à questão das difi-
culdades da criança enquanto conjunto
de déficits operacionais que dificultam
o processo adaptativo, naquilo que se
exige para um indivíduo no que se refere
a sua sobrevivência em um ambiente
complexo e sofisticado (como anterior-
mente descrito).
Assim sendo, deveríamos observar,
no processo referente à sua avaliação,
um algoritmo como o que segue (Figura
1):
Figura 1 - Rastreamento dos problemas
escolares na infância.
meio educacional
adequado inadequado
oportunidade
educacional
inadequada
adequada
programas
compensatórios
funcionamento
sensorial
adequado inadequado
funcionamento
cognitivo
sistemas de
suporte
inadequado adequado
sistemas
educacionais
de suporte
(educação especial?)
funcionamento
neuropsiquiátrico e
neuropsicológico
Os eventuais problemas escolares
são avaliados a partir da verificação
da adequação (ou não) da instituição
escolar à criança considerada e, a partir
de então, estabelecem-se estratégias
diagnósticas, sempre da mais simples
a caminho da mais complexa. Somente
a partir desse rastreamento é que se
pode considerar a questão Transtorno de
Aprendizado. Concomitantemente, há que
ser lembrado de que todo o processo de
9. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
7
aprendizado é extremamente complexo,
sendo dependente da própria criança,
que precisa apresentar a possibilidade de
aprender. Assim, é essencial um exame
cuidadoso de suas capacidades físicas,
cognitivas, sensoriais e psíquicas, ou
seja, todo o seu equipamento neuropsi-
cológico. Sempre sem deixar de observar
seu desejo de aprender, que possui uma
origem individual, que se manifesta pelo
próprio prazer em aprender e que tem
uma base familiar, através de estímulo
parental (no próprio hábito de leitura...),
e uma base social, através da valorização
social do conhecimento (dificultada em
nosso meio, uma vez que hoje o dinheiro,
enquanto meio mais marcante de reforço,
não é necessariamente consequência do
processo de conhecimento ou de apren-
dizado).
Devemos ainda considerar que o
processo de motivação evolui com a
idade, passando de exterior à interior.
Assim, o processo que numa criança
menor vem dos pais que a estimulam
(muitas vezes o motivo de estudo da
criança), deve passar (no adolescente)
a ser de moto próprio, dependente de
um projeto existencial, e dos valores
que irão caracterizar sua existência. Por
outro lado, dinâmicas familiares que
permitem o afastamento da criança da
escola, bem como um nível cultural mais
distante dos professores, assim como
um padrão de trocas linguísticas ou uma
motivação familiar com hipo- (descaso)
ou hiperinvestimento (expectativa muito
elevada), pode ser motivo de problemas
escolares.
A questão referente à nossa escola
também é de suma importância, uma
vez que o processo capitalista de nossa
sociedade a fez se desenvolver como ou-
tro aspecto da indústria de produção de
bens, que se preocupa muito pouco com
as especificidades de populações restri-
tas, procurando simplesmente suprir uma
demanda populacional e (principalmente)
de consumo das populações envolvidas.
Nossa escola frequentemente não res-
peita os ritmos próprios da criança, uma
vez que sua preocupação é mais com a
demanda social (na maior parte das vezes
com a preocupação de uma aparência
politicamente correta) e familiar (de pais
que querem um filho “vencedor”, mais do
que “educado”).
Agrupando sempre um grande núme-
ro de crianças por classe, despreocupa-se
com a motivação e evolução do professor.
Também os modelos de progressão es-
colar são (frequentemente) manipulados
para que, estatisticamente, resultados
mais alentadores sejam apresentados
com objetivos políticos e ideológicos,
posto que a escola se configura como um
dos mais efetivos aparelhos ideológicos
do Estado (parafraseando alguns autores
clássicos, como Althusser). Assim, seus
objetivos e a competência daqueles
que nela ensinam são frequentemente
desconsiderados, ou, simplesmente,
“maquiados”.
A terapêutica dos Transtornos de
Aprendizagem é pouco influenciada pela
utilização de drogas devendo, na maior
parte das vezes, se implementar através
de abordagens ambientais ou do treino
de habilidades específicas. A estratégia
de atendimento à criança é sempre repre-
sentada por uma sequência, a partir da
estruturação do diagnóstico:
1. Terapia farmacológica dirigida, com
10. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
8
prescrição de droga específica, de for-
ma clara e direta (utilizável em muito
poucos casos em Psiquiatria Infantil);
2. Terapia farmacológica primária, asso-
ciada a psicoterapia e/ou programas
de reabilitação (o TDAH talvez possa
ser considerado o principal transtor-
no passível de ser abordado dessa
forma);
3. Psicoterapia e/ou programas de rea-
bilitação primariamente associados à
terapia farmacológica (os Transtornos
Específicos são paradigmáticos desta
proposta). Teríamos, para a sua abor-
dagem, a necessidade de:
• organização do ambiente escolar:
de fundamental importância quando
consideramos a tendência atual de
inclusão de crianças com dificulda-
des em ambientes sem qualquer
adaptação;
• organização das atividades em classe,
também de fundamental importância
se consideramos que nossas escolas
tem pequena organização, com profes-
sores habitualmente desmotivados e
pouco preparados;
• organização das atividades em casa,
uma vez que a abordagem da discal-
culia (uma reeducação psicomotora
centrada na organização do esquema
corporal e na abordagem dos transtor-
nos de aprendizado) prevê uma abor-
dagem global, exigindo a participação
da família de maneira intensa;
• reeducação, representada por ati-
vidades específicas (num exemplo
de discalculia, a diferenciação das
gnosias digitais com posteriores mo-
vimentos de contagem, manipulação
de seriações, agrupamento, corres-
pondências ponto a ponto a partir
de material concreto, que permitem
gradualmente que se atinja as opera-
ções abstratas).
Considerando que a medicação é
acessória e utilizada somente em algu-
mas situações muito específicas, não
devemos nos esquecer de comunicar à
família que (a curto prazo) os benefícios
esperados e decorrentes do uso de dro-
gas tendem a ser somente a melhoria
do comportamento, com diminuição dos
conflitos e da agressividade e a conse-
qüente melhoria nas respostas sociais
e familiares, esperando-se, em decor-
rência, alguma melhoria no desempenho
escolar ou extra-escolar, bem como da
auto-estima. A longo prazo, deve-se
esperar uma menor exposição a compli-
cações posteriores, com a limitação dos
riscos de “automedicação” (exposição
precoce a uso de substâncias psicoati-
vas ilícitas).
As drogas que podem ser utilizadas
não são destinadas a todas as crian-
ças agitadas nem tem a finalidade de
as transformarem em “estudiosas” ou
“tranqüilas”, não se constituindo em um
tratamento para dificuldades escolares
ou para que ela se torne “o primeiro da
classe” ou para que “aprendam a fazer
as lições”. Espera-se, muitas vezes, por
melhorias cognitivas referentes à manu-
tenção da atenção (atenção seletiva e
espaçotemporal), diminuição da impul-
sividade, aumento do tempo de reação
e da memória de curto prazo, com a
conseqüente melhoria da aprendizagem
verbal e não-verbal.
Por fim, é preciso lembrar que algu-
mas dessas crianças, por suas dificul-
dades instrumentais, não aprendem com
11. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
9
seus erros, apresentando uma atenção
muito breve e memorização parcial das
instruções, com uma conseqüente maior
sensibilidade a recompensas imediatas.
Paralelamente, tem controle falho nos
comportamentos indesejáveis, sendo
hiperemotivos, hipervisuais, hiperdis-
traídos e hiperssensoriais. Isso nos
leva, entretanto, ao fato de que tais
Evelyn Kuczynski
Pediatra. Psiquiatra da Infância
e Adolescência. Doutora
em Psiquiatria pela FMUSP.
Pesquisadora voluntária do
PDD-IP-USP.
Francisco Baptista
Assumpção Júnior
Psiquiatra da Infância e
Adolescência. Mestre e
Doutor em Psicologia Clínica
pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo
(PUC-SP). Livre Docente em Psiquiatria pela Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
Professor Associado do Departamento de Psicologia
Clínica do Instituto de Psicologia da Universidade de
São Paulo, fundador e responsável pelo Laboratório
Distúrbios do Desenvolvimento (PDD-IP-USP).
manifestações podem ser agravadas por
atitudes educativas inadaptadas, e que
condições educativas habituais muitas
vezes são inadequadas para uma criança
assim. Concluindo, a abordagem dos
transtornos da aprendizagem é multifa-
torial, complexa, demandando grande
maleabilidade e compreensão por parte
do avaliador.
12. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
10
Dificuldades de aprendizagem
Entrevistado: Antônio Eugênio Cunha*
Jornalista responsável: Leandra Migotto Certeza**
1. Explique como ocorrem as dificuldades
de aprendizagem quando a capacidade do
cérebro em receber e processar a informa-
ção pode ser um problema?
São inúmeros fatores que podem acar-
retar as dificuldades. No caso específico de
sua pergunta a cognição ajusta-se a cada
nova informação, gerando conhecimento.
Não é um processo estável, mas ativo,
como a aprendizagem, que requer um
constante dinamismo nas funções cogni-
tivas. Todavia, fatores emocionais, lesões
e transtornos podem prejudicar esse pro-
cesso. No caso, por exemplo, do autismo,
há uma relação diferente entre o cérebro e
os sentidos e as informações nem sempre
geram conhecimento. Os objetos muitas
vezes não exercem atração em razão da
sua função, mas por causa do estímulo
que promovem. Um lápis poderá se tornar
apenas um objeto de contato sensorial,
perdendo sua função social.
Quais são as principais diferenças
entre as dificuldades de aprendizagem:
autismo, dislexia, afasia, disfunção cerebral
mínima, disostografia, discalculia entre
outras?
• Autismo: compreende um conjunto de
comportamentos agrupados numa tríade
principal: comprometimentos na comuni-
cação, dificuldades na interação social
e atividades restrito-repetitivas. Trata-
-se de uma síndrome tão complexa que
pode resultar em diagnósticos médicos
abarcando quadros comportamentais
diferentes. Isto porque o autismo pode
variar em grau de intensidade e de
incidência dos sintomas. Todavia, há
algumas características mais comuns:
dificuldades para manter contato visual,
birras, não aceitar mudanças de rotina,
hiperatividade física, apego e manuseio
inapropriado de objetos, hipersensibi-
lidade, dificuldades para simbolizar,
ecolalias e estereotipias.
• Dislexia: antes de qualquer definição,
precisamos compreender que a dislexia
abarca, também, um jeito diferente de
aprender e de ser. A dislexia é um trans-
torno presente em aproximadamente
10% da população mundial. Às vezes, é
confundida com déficit de atenção, pro-
blemas psicológicos, ou mesmo desin-
teresse. Caracteriza-se pela dificuldade
do indivíduo em decodificar símbolos,
ler, escrever, soletrar, compreender
um texto, reconhecer fonemas, exercer
tarefas relacionadas à coordenação
motora; e pelo hábito de trocar, inverter,
omitir ou acrescentar letras ou palavras
ao escrever.
• Afasia: afasia é um problema na função
da linguagem, depois de adquirida de
maneira normal. Traz alguns sintomas
semelhantes aos da dislexia, porém,
normalmente decorre de acidente vas-
cular cerebral, acidentes com trauma-
entrevista
13. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
11
tismo, doenças infecciosas ou outros
motivadores externos que possam afetar
a linguagem.
• Disfunção cerebral mínima: pessoas
com disfunção cerebral mínima apre-
sentam dificuldades de aprendizagem
motivadas por problemas nas funções
do sistema nervoso central. Podem se
originar de diversos fatores, tais como:
problemas genéticos, bioquímicos, no
parto, doenças, acidentes ocorridos no
início do desenvolvimento do sistema
nervoso. A criança tem dificuldades para
ler, para escrever, problemas na coor-
denação visório-motora e espacial. Às
vezes, apresenta mudanças de humor,
irritabilidade, dentre outros sintomas
comportamentais.
• Disortografia: diferentemente da dis-
grafia, não está ligada diretamente a
dificuldades motoras e espaciais, mas
sim ao atraso do pleno domínio da
linguagem. Dessa forma, o aprendente
confunde as letras, as sílabas ou efe-
tua trocas ortográficas, o que ocasiona
inversões, aglutinações, omissões e
desordem na estruturação da frase em
conteúdos já trabalhados pelo professor
ou professora.
• Discalculia: trata-se de um transtorno
relacionado à identificação e classi-
ficação dos números e à realização
de cálculos mentalmente e no papel.
É uma dificuldade para compreender
e aprender matemática que não está
associada a dificuldades gerais da
aprendizagem, pois é específica. Nor-
malmente, os estudantes com discalcu-
lia não possuem compreensão intuitiva
e não conseguem entender conceitos
numéricos simples.
2. Dificuldades de aprendizagem envolvem
muitas áreas de percepção. Quais são
elas?
Quando falamos de aprendizagem,
entendemos que se trata de um processo
complexo que, a partir de ocorrências e mu-
danças no interior do indivíduo, manifesta-
-se exteriormente, expressando-se por meio
de ações cognitivas, emocionais e compor-
tamentais. Já as dificuldades de aprendi-
zagem expressam um grupo heterogêneo
de desordens que impedem a percepção,
a compreensão e a aquisição de saberes.
Essas percepções podem estar em áreas
distintas, como a área motora, cognitiva,
sensorial, espacial e afetiva.
3. Quais são as possíveis causas das difi-
culdades de aprendizagem?
Podem ter, por exemplo, origem cog-
nitiva, neurológica, motora, emocional,
social ou em razão de uma deficiência ou
transtorno no desenvolvimento do aluno.
Mas o que se percebe na escola, na maio-
ria das vezes, são dificuldades de origem
emocional.
Uma pessoa com dificuldades de
aprendizagem não apresenta necessaria-
mente baixo ou alto QI? Por quê?
Não apresenta, porque as dificuldades
não estão ligadas obrigatoriamente ao QI.
Por exemplo, há muitos alunos com nítidas
habilidades cognitivas, mas que têm pro-
blemas emocionais severos que impedem
o pleno desenvolvimento escolar.
Uma pessoa pode ter TDAH – Trans-
torno de Déficit de Atenção, mas não
possuir dificuldades de aprendizagem, ou
ter dificuldades de aprendizagem, mas não
apresentar TDAH? Explique o motivo.
14. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
12
O TDAH é uma dificuldade, porque traz
alguns sintomas que interferem na aprendi-
zagem, dentre os quais a hiperatividade e a
desatenção, que dão nome ao transtorno.
Evidentemente, que nem todas as dificulda-
des de aprendizagem trazem os sintomas
mais marcantes do TDAH. Por exemplo, o
aluno pode ter transtorno afetivo bipolar e
não ser hiperativo.
4. Quais as diferenças entre as dificulda-
des de aprendizagem e as necessidades
educativas especiais?
Primeiramente, temos que entender
o conceito que subjaz à expressão “ne-
cessidades educativas especiais”. Toda
a dificuldade na escola que demande um
atendimento diferenciado, especializado
tona-se uma necessidade educativa es-
pecial. Assim, podemos colocar debaixo
desse guarda-chuva, desde os alunos com
deficiência e com transtorno global do de-
senvolvimento, ao aluno com problemas
emocionais, com problemas familiares,
com dificuldades na interação social. Por
isso, deverá haver um olhar mais cuidoso,
de maior atenção e, muitas vezes, haverá
a necessidade de um especialista (psico-
pedagogo, por exemplo) para a superação
das dificuldades. Esta ideia coloca todos
nós dentro da perspectiva da educação in-
clusiva, pois todos nós temos dificuldades.
Somos todos iguais e educar verdadeira-
mente é incluir de fato. Todavia, o mais
comum é usar a expressão “necessidades
educativas especiais” para os alunos
da educação especial e “dificuldades de
aprendizagem” para os demais alunos que
não são da educação especial, mas que
enfrentam problemas no seu processo de
aprendizagem.
5. Quando é necessário procurar um
médico especialista para realizar um
diagnóstico?
Sempre que o aluno apresentar alguma
mudança no comportamento que preju-
dique o desempenho escolar. Às vezes,
basta apenas o apoio de um psicólogo ou
psicopedagogo.
6. Qual a importância das políticas públi-
cas de inclusão de alunos na rede regular
de ensino público e particular?
As políticas visam atender ao crescen-
te movimento em direção à organização
dos espaços educativos para a inclusão
escolar. São importantes e indispensáveis,
pois fornecem a base para alicerçarmos
nosso trabalho. Sabemos que há muitos
progressos. Porém, as políticas não têm
sido suficientes. É preciso transpô-las
dos textos legais para as salas de aula. É
preciso preparar melhor a escola. É preci-
so preparar melhor o professor; é preciso
remunerar melhor o professor. É preciso dar
apoio à família do aluno da educação espe-
cial. É preciso universalizar o ingresso e a
permanência do aluno na escola. Bem, há
muitas coisas que precisamos fazer ainda,
por isso não perdemos a esperança. Todo
educador deve ser um pouco utópico, pois
ele nunca ficará parado, sempre caminhará
em busca de um alvo. Decerto, mesmo que
o alvo não seja alcançado completamente,
o educador terá aberto muitos caminhos.
As dificuldades de aprendizagem po-
dem ser tratadas com uma variedade de
métodos. Quais são eles?
Não existe receita de bolo na educa-
ção. No entanto, há a possibilidade de uma
formação, considerando a função social e
15. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
13
construtivista da escola. Para tanto, o en-
sino dos conteúdos escolares não precisa
estar centrado nas funções formais e nos
limites pré-estabelecidos pelo currículo es-
colar. A escola necessita aprender a lidar
com a realidade do aprendente. Nessa re-
lação, quem primeiro aprende é o professor
e quem primeiro ensina é o aluno. É a partir
do aluno, com base na formação do profes-
sor, que forjamos as práticas de ensino.
7. Qual a importância dos tratamentos
psiquiátricos e psicológicos para quem
tem dificuldades de aprendizagem? Con-
te os principais resultados dos trabalhos
desenvolvidos pelo senhor.
Cada dia fica mais evidente que a
escola não educa sozinha. Há tempos
já sabemos disso, porém, hoje isto se
torna mais claro por causa dos avanços
na ciência. Por exemplo, eu trabalho com
crianças autistas, com síndrome de Down,
hiperativas e outros transtornos e observo
que o educando desenvolve melhor suas
*Leandra Migotto Certeza é
jornalista e repórter especial
da Revista Síndromes. Ela tem
deficiência física (Osteoge-
nesis Inperfecta), é asses-
sora de imprensa voluntária
da ABSW, consultora em
inclusão e mantém o blog
“Caleidoscópio – Uma janela para refletir sobre a diver-
sidade da vida” - http://leandramigottocerteza.blogspot.
com/. Conheçam os modelos de palestras, oficinas,
cursos e treinamentos sobre diversidade, realizados em
empresas, escolas, ONGs, centros culturais e grupos de
pessoas no site: https://sites.google.com/site/leandra-
migotto/
habilidades, seu potencial aprendente
quando tem um suporte multidisciplinar,
que envolve outros profissionais, tais como:
terapeutas, nutricionistas, psicólogos, neu-
ropediatras, dentre outros. Ademais, esse
acompanhamento precisa ser estendido á
família do aluno. Então, formar-se-ia uma
tríade: a escola, a família e uma equipe de
apoio multidisciplinar.
8. Qual a mensagem que o senhor deixa
aos leitores da Revista Síndromes?
Vou deixar uma citação do meu livro
“Práticas pedagógicas para inclusão e
diversidade”:
“A educação não é uma questão ins-
titucional. É uma questão humana. Não
aprendemos pelo rigor das regras, mas por
uma condição biológica. Nascemos para
aprender. Restringir esse direito é violar a
coerência da natureza; é tentar cercear a
inteligência humana”.
*Antônio Eugênio Cunha, 52
anos é Jornalista, professor
professor do ensino supe-
rior e da educação básica,
psicopedagogo, mestre e
doutorando em educação.
Autor dos livros “Afetividade
na prática pedagógica”, “Afeto
e aprendizagem” “Autismo e inclusão”, e “Práticas
pedagógicas para inclusão e diversidade”, publicados
pela WAK Editora.
16. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
14
A Formação do Indivíduo
Carolina Rabello Padovani
Introdução
Como o indivíduo se forma ou como
ele é formado? Quais fatores estão
envolvidos? Certamente há um vasto
campo constituído por distintas linhas
de pensamento inclinadas a entender a
formação do indivíduo. Variedade esta,
cerne da própria complexidade humana,
sobre a qual nenhuma teoria consegue
efetivamente dar conta de todos os seus
aspectos, matizes e nuances.
Se pensamos, hoje, no desenvolvi-
mento da criança ao adulto, em um per-
curso de relações e inter-relações, isso se
deve a mudanças importantes do ponto
de vista histórico. No bojo da psicologia
do desenvolvimento, encontramos três
grandes movimentos:
1. Maturacionismo: Ramo da ciência
que entende o desenvolvimento
como fruto da maturação biológica,
cujos efeitos, ao longo do tempo,
têm impacto no desenvolvimento
psicológico. Exemplos dessa vertente
podem ser encontrados na história
de estruturação dos primeiros testes
psicológicos, mais especificamente os
testes de inteligência, que levaram ao
estabelecimento de uma razão entre
idade mental e idade cronológica como
forma de compreender e dimensionar
as dificuldades de aprendizagem.
2. Ambientalismo (Behaviorismo): Pers-
pectiva dualista que surge como
reação à produção maturacionista.
Watson, um dos seus principais re-
presentantes (e a quem se refere a
paternidade teórica), entende o desen-
volvimento como sinônimo de apren-
dizagem, ou seja, a aprendizagem de
comportamentos é que constitui o
desenvolvimento. Sob essa perspec-
tiva, o ambiente é importante para o
desenvolvimento das capacidades e
habilidades de um sujeito.
3. Interacionismo: Proposta herdeira do
darwinismo, o interacionismo esta-
belece uma maneira não dicotômica
de pensar o desenvolvimento. Piaget,
principal expoente teórico, propõe
que o desenvolvimento depende da
interação de elementos biológicos e
ambientais. Outros campos teóricos
irão se filiar ao interacionismo e, em
certa medida, a psicanálise tal qual
proposta por Freud, pode ser encaixa-
da dentro desta vertente.
A superação dessa dicotomia indiví-
duo-ambiente que marcou os primeiros
estudos da psicologia do desenvolvi-
mento trouxe importantes contribuições
à compreensão da formação da criança
em adulto e, consequentemente, da
formação do indivíduo. Passou-se a en-
tender que “(...) cada idade se marca
por uma maneira intelectual e afetiva de
desenvolvimento
17. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
15
reagir às coisas, há um desenrolar com-
plexo e cheio de vicissitudes que leva às
competências do adulto” (Ades, Bussab,
2012).
Sob a perspectiva da Psicologia
Evolutiva, entende-se que a criança será
formada por um “equipamento” genético
constitucional, sobre o qual o “investi-
mento” ambiental inscreverá suas ca-
racterísticas, fazendo que ela cresça não
somente mantendo um padrão de desen-
volvimento característico da espécie, mas
também com características singulares
que a farão um ser único e irreprodutível
(Ajuriaguerra, 1977 apud Assumpção Jr.).
Genética/
Aspectos
Biológicos
Meio
Ambiente
Aspectos
pessoais/
psicológicos
Grosso modo, ao entender a criança
como um ser que se desenvolve, ampa-
rada por um substrato genético, em um
determinado meio ambiente e que tem
participação ativa mediante seus aspec-
tos pessoais, estamos dividindo a nossa
compreensão, de maneira didática, entre
três grandes áreas: biológica, ambiental
e pessoal.
Esta divisão (didática) tem sido
utilizada na compreensão dos casos
de desajustamentos. Os fenômenos
patológicos, especialmente na área da
Saúde Mental, passam, sobremaneira,
por questionamentos acerca da etiologia
das diferentes enfermidades, embora
um diagnóstico não seja a busca pela
causa. Tais questionamentos irão per-
mear o dimensionamento das condutas
terapêuticas, da estruturação do trata-
mento, da estimativa do prognóstico e
da evolução do quadro. Assim, pensa-
-se em responder (ou tentar responder)
questões como: por que este indivíduo
está deprimido? Por que este tem au-
tismo? Por que este tem um transtorno
de adaptação? A própria delimitação do
diagnóstico (e do diagnóstico diferencial
e suas potenciais comorbidades) passa
por importantes diferenciações: o pa-
ciente está assim ou é assim? Ele tem
dificuldade por causa do meio ou suas
dificuldades é que moldaram o meio?
Ele reage dessa maneira porque ele quer
ou porque não consegue agir de outra
forma? Sim, são perguntas aparente-
mente simples, mas que guardam em
si a complexidade dos comportamentos
humanos e a tentativa de compreensão
das razões pelas quais eles se desen-
volvem e porque alguns não, porque uns
se mantém e outros não. Obviamente, a
própria estruturação dessas perguntas
está calcada em determinados padrões
de pensamento, conforme cada visão de
homem e de mundo.
O que temos, então, é um vasto
panorama de teorias e de autores que
lançam diferentes olhares e conjectu-
ram variáveis compreensões acerca da
formação do indivíduo. Impossível, pois,
esgotar todas as formas de pensamento
neste artigo. Optamos por apresentar
algumas teorias utilizadas na área do
desenvolvimento infantil e alguns de seus
aspectos envolvidos.
18. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
16
Evolução e comportamento social
As características dos organismos
decorrem de sua história evolucionária.
Com a teoria proposta por Darwin, passa-
mos a pensar a noção de evolução a partir
da ideia de indivíduos adaptados como
aqueles cuja sobrevivência e sucesso
reprodutivo seriam decorrentes de me-
canismos seletivos. Assim, entendemos
a influência da seleção natural sobre os
seres mais adaptados a determinados
ambientes. Pensando dessa maneira,
há uma relação de via-dupla: o ambiente
favorece um traço do organismo e um tra-
ço do organismo o adapta a determinado
ambiente. No caso do homem, que tem a
capacidade de alterar esse ambiente, a
interação hábitat-organismo é ainda mais
presente e indiscutível.
O homem, enquanto ser social,
vivendo em bandos, precisou construir
sistemas de regras que lhe permitissem
sobreviver como indivíduo, perpetuar a es-
pécie e marcar, de maneira particular, seu
próprio status diante do grupo (Assump-
ção Jr., 2008). A possibilidade de valer-
-se de habilidades mentais específicas,
das quais depende seu comportamento
social, permitiu-lhe o conhecimento social
do outro (quem é amigo e quem não é) e
a capacidade de inferir estados mentais
dos outros indivíduos.
Fatores Genéticos
A própria maneira como o homem se
reproduz permite novas possibilidades de
recombinação de genes. Com a reprodu-
ção sexuada, seu genótipo será constitu-
ído pelas cargas genéticas provenientes
de ambos os genitores e, a cada nova
geração, outras e novas possibilidade
de combinação estarão disponíveis. Tais
combinações aumentam a probabilidade
de ocorrência de novas mutações (em
virtude da variabilidade e vulnerabilidade
de nosso material genético) que impli-
cam na diversificação de características
genéticas e fenotípicas sobre as quais a
seleção irá atuar.
A epigênese, caminho do genótipo ao
fenótipo, ou seja, a modulação da ação
dos genes, é embasada pela hipótese de
que determinados genes são “ligados” ou
“desligados”, em geral por fatores am-
bientais (gatilhos). Essa modulação seria
responsável pela expressão de diferentes
fenótipos. “Entre o sistema genético e o
comportamento, está o próprio desenvol-
vimento” (Ades, Bussab, 2012).
Quando acompanhamos o desenvol-
vimento neurológico humano, podemos
observar que nosso desenvolvimento
neuropsicomotor reflete o desenvol-
vimento de nosso Sistema Nervoso
(Gherpelli, Restiffe, 2012). Obviamente,
não é nossa intenção discutir os porme-
nores da constituição genética humana,
do processo de maturação neuronal ou
organização morfofuncional do Sistema
Nervoso. Por ora, apenas queremos
apresentar a influência de fatores ge-
néticos nos comportamentos humanos
e atentar para o fato de que a predis-
posição genética é fator indiscutível
para o aparecimento de determinadas
condições. Inclusive, do ponto de vista
clínico, vale a máxima: ninguém fica
doente porque quer, mas porque pode.
Isso, claro, graças ao seu material gené-
tico, suas interações com o meio e suas
características pessoais.
19. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
17
Fatores Ambientais
Apesar de não entrarmos com minú-
cia nas questões genéticas e neurológi-
cas do desenvolvimento humano, pensar
e falar sobre os fatores internos é relativa-
mente fácil quando nos deparamos com
a variabilidade de experiências vividas
por um indivíduo desde sua concepção.
Compreender ou descrever as formas
pelas quais o ambiente influencia uma
criança é uma das tarefas mais difíceis. O
entendimento de que o trajeto do desen-
volvimento passa por fatores da natureza
do indivíduo (fatores que predispõem e
fatores que dificultam o desempenho),
mas que sempre atuam em função do
contexto presente, ao longo do tempo,
está presente em várias linhas teóricas.
Assim, coloca-se ênfase na experiência
e na aprendizagem.
Para a psicologia comportamental,
seja o condicionamento clássico de Pa-
vlov ou o condicionamento operante de
Skinner, há a associação entre estímulos
e respostas. No caso do condicionamento
clássico, repetidas apresentações a um
estímulo, podem fazer o indivíduo asso-
ciá-lo a uma resposta e emiti-la diante
desse estímulo. Seu exemplo clássico:
depois de repetidas vezes em que toca
um sinal e o cachorro recebe a comida,
ele passa a salivar quando ouve o sinal,
mesmo sem receber a comida. Segundo
o condicionamento operante de Skinner,
as relações entre estímulo e resposta
são alteradas ou mantidas em virtude
da qualidade da interação: por sua con-
sequência gratificante ou desagradável.
Grosso modo, um comportamento pode
ser mantido por sua consequência posi-
tiva (gratificação) ou pode ser evitado (ou
extinto) por sua consequência negativa
(punição).
A psicologia do desenvolvimento, ou-
tra vertente teórica, irá entender o desen-
volvimento cognitivo como uma série de
mudanças que ocorrem na organização,
lógica e pensamento da criança (Scheuer,
Stivanin, Oliveira, 2012). Piaget, expoente
dessa linha, observará, no desenvolvi-
mento da criança, uma passagem de um
ser extremamente dependente e heterô-
nomo a um ser independente e autôno-
mo, por meio de uma constituição gradual
a partir de suas próprias potencialidades
(o crescimento mental indissociável do
crescimento físico) e características, bem
como das influências ambientais a qual
é submetida. Segundo Piaget (1980), “a
criança explica o homem tanto quanto o
homem explica a criança, e não raro ainda
mais, pois se o homem educa a criança
por meio de múltiplas transformações
sociais, todo o adulto, embora criador,
começou, sem embargo, sendo criança:
e isso tanto nos tempos pré-históricos
quanto hoje em dia”.
Fatores Pessoais
Acredita-se que no homem há uma
predisposição para o vínculo afetivo.
Segundo Bowlby, o apego é uma ne-
cessidade primária e estilos diferentes
de apego terão influência significativa
sobre o comportamento amoroso e as
estratégias reprodutivas na idade adulta.
Para o autor, os laços se formam por
meio de trocas interacionais ajustadas e
contingentes, não por condicionamento
(recompensas convencionais não o ga-
rantem, punições não o impedem) nem
como impulso secundário associado à
20. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
18
satisfação de outras necessidades, como
postulavam, respectivamente, as teorias
da aprendizagem e a psicanálise da épo-
ca (Ades, Bussab, 2012).
Na ala psicodinâmica, Freud, precur-
sor da psicanálise, não teve como foco
o estudo da criança, mas retomava na
infância as respostas para as patologias
no adulto.
Sobre os estados mentais primitivos,
Freud considera o Id como instância psí-
quica que contém tudo o que é herdado,
portanto, os instintos. Sob a influência do
mundo externo, uma porção do Id sofre
um desenvolvimento especial e temos
a formação do Ego, instância psíquica
que se interpõem entre a vida instintual
(princípio do prazer) e suas limitações
(princípio de realidade), como peça-chave
na inserção adaptada do indivíduo no
mundo. A estruturação do Superego,
diferenciando-se do ego, constitui uma
terceira força, constituída sob a influên-
cia parental e ambiental. Assim, entende
que “o id e o superego possuem algo em
comum: ambos representam as influên-
cias do passado – o id, a influência da
hereditariedade; o superego, a influência,
essencialmente, do que é retirado de
outras pessoas, enquanto que o ego é
principalmente determinado pela pró-
pria experiência do indivíduo, isto é, por
eventos acidentais e contemporâneos”
(Freud, 1980).
Os estudiosos do desenvolvimento
da personalidade consideram que a inte-
ração pessoa-ambiente teria por bases
características temperamentais e gené-
ticas. Sob esse viés, haveria três tipos
que atuam na conservação e manutenção
de traços de personalidade ao longo do
tempo e das circunstâncias: as inte-
rações evocativas (o indivíduo suscita
reações peculiares nas outras pessoas),
as interações reativas (diferentes pes-
soas interpretam e reagem de maneira
diferente a uma mesma situação) e as
interações proativas (indivíduo cria ou
busca situações compatíveis com seu
estilo de personalidade e com seu estilo
interacional).
Haveria, ainda, variáveis no desenvol-
vimento da personalidade: temperamento
(disposição biológica), identidade (cons-
trução mental interna), gênero (expec-
tativas comportamentais), transtornos
evolutivos do desenvolvimento (déficits
no funcionamento cognitivo e emocional),
afeto (reações emocionais) e mecanis-
mos de defesa (modo de enfrentamento
e adaptação).
Considerações Finais
Iniciamos este texto com as seguin-
tes perguntas: como o indivíduo se forma
ou como ele é formado? Quais fatores
estão envolvidos? Exploramos, assim,
uma variabilidade de vertentes teóricas,
desde as maturacionistas, as ambien-
talistas até as interacionistas (que se
alguns poderiam dizer como as teorias
“em cima do murro”, nem cá, nem lá).
Estamos, no panorama atual, inclinados
a uma compreensão interacionista, que
abarca aspectos biológicos, ambientais
e pessoais. Assim, nem cá, nem lá, mas
tudo junto e misturado. Sabemos, hoje,
que as características dos organismos
decorrem de sua história evolucionária
e que nosso comportamento social é
fruto de habilidades mentais específicas
que nos permitem interagir com o outro.
Frente à nossa existência em bandos,
21. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
19
Carolina Rabello Padovani
a sobrevivência do bicho-homem está
diretamente ligada à estruturação de
sistemas de regras e de determinados
padrões de relação.
Sem termos entrado com minúcias
nas questões biológicas do desenvolvi-
mento humano, pensar e falar sobre elas
se mostra relativamente fácil quando nos
deparamos com a variabilidade de fatores
externos que irão influenciar um indivíduo
desde a sua concepção. Indiscutivelmen-
te, alteramos o ambiente e somos altera-
dos por ele, mas também fatores internos
(pessoais) estão envolvidos.
Não menosprezamos as vertentes
filosóficas e humanistas. Tivemos que
fazer um recorte e acabamos limitados
(como todo recorte) pelo caminho que
estipulamos para nossa perambulação
por entre algumas linhas de pensamento
sem claro, esgotar todas as possibilida-
des. Mas esperamos suscitar a dúvida
e a busca por diferentes caminhos e
conhecimentos.
O que queremos mostrar, sem dúvi-
da, é que diversas teorias estão disponí-
veis, cada qual embasada sob diferentes
visões de homem e de mundo. Isso nos
coloca o quão pertinente é considerar que
a compreensão da formação do indivíduo
só irá alcançar um entendimento mais
adequado quando estudamos a pessoa
em sua totalidade. Tarefa árdua, não?
Referências Bibliográficas
1. ASSUMPÇÃO JR., F.B.; KUCZYNSKI,
E. Tratado de Psiquiatria da Infância
e da Adolescência. São Paulo: Editora
Atheneu, 2012.
2. ASSUMPÇÃO JR., F.B. Psicopatologia
Evolutiva. Porto Alegre: Artmed, 2008.
3. BEE, H. A criança em desenvolvimento.
São Paulo: Harper & Row do Brasil,
1977.
4. HALL, G.S.; LINDZEY, G.; CAMPBELL,
J.B. Teorias da Personalidade. Porto
Alegre: Artmed, 2000.
5. FREUD, S. Esboço de Psicanálise. Rio de
Janeiro: Imago, 1980.
6. KERNBERG, P.F.; WEINER, A.S.;
BARDENSTEIN, K.K. Transtornos
da Personalidade em Crianças e
Adolescentes. Porto Alegre: Artmed,
2003
7. PIAGET, J. A Psicologia da Criança. São
Paulo: Difusão Editorial, 1980.
22. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
20
A Família e a Criança Deficiente
Jemima Giron
Quando pensamos no ser humano e
em suas características mais especificas
e únicas, certamente não podemos deixar
de pensar na família, que é, sem duvida, a
estrutura mais especificamente humana
e insubstituível que podemos mencionar
(LUKAS, 1983, apud DUARTE, 2001). Ela,
enquanto grupo social é uma formação
humana universal dentro da qual cada
membro tem uma função repleta de sen-
tido (SOUZA, 1996).
Ao longo dos últimos 30 anos, a
literatura vem mostrando as grandes
mudanças que a família, em sua estru-
tura, vem enfrentando. Com o distan-
ciamento do modelo nuclear original,
pai/mãe/filhos, cada vez mais fazem
parte da nossa realidade diferentes
arranjos familiares, como as famílias
recasadas ou reconstituídas. No entan-
to, independente de sua configuração,
a sua funcionalidade e a qualidade do
relacionamento que seus membros
estabelecem entre si, devem ser man-
tidas. (Féres-Carneiro, 1992)
Muito se tem falado a respeito da
grande importância que os aspectos am-
bientais têm para o desenvolvimento das
crianças, e principalmente, como ressalta
Fiamenghi Jr e Mesa (2007), o papel da
família é fundamental, pois ela é o primei-
ro grupo no qual o indivíduo é inserido;
sendo, portanto uma força social que
tem influência direta na determinação do
comportamento humano e na formação
da personalidade (BUSCAGLIA, 1997).
Segundo Minuchin (1990), cabem às
famílias as funções de proteção e sociali-
zação de seus membros mais novos, bem
como a transmissão da cultura na qual
estão inseridos. Desta forma, a família
também tem papel fundamental na consti-
tuição do individuo, uma vez que, segundo
Prata & Santos (2007), é ela quem dá o
suporte para o desenvolvimento e amadu-
recimento de seus membros nas esferas
biológica, psicológica e social.
Neste sentido, o tipo de funcionamen-
to familiar é um aspecto extremamente
importante, e que exerce influência direta
sobre as crianças e adolescentes inse-
ridos nela, nos fazendo pensar então o
quanto a qualidade do relacionamento
familiar é importante para a formação de
seus membros, tenham eles deficiências
ou não.
Pensando então em casos mais
específicos, nas famílias onde há a pre-
sença de um ou mais filhos deficientes, a
influência das relações familiares, nessas
famílias, é de certa forma diferenciada,
pois se trata de uma experiência inespe-
rada, de mudança de planos e expecta-
tivas dos pais.
Segundo Fiamenghi Jr e Mesa (2007),
quando uma criança nasce, toda a rede
de relacionamentos familiares é modifi-
cada, pois o lugar que a criança ocupa na
reabilitação
23. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
21
família é determinado pelas expectativas
que os progenitores têm sobre ela, e
sendo ela deficiente estas expectativas
precisam ser reformuladas para com-
portar agora as limitações desta criança
recém-nascida.
O nascimento desta criança com
deficiência, sendo esta deficiência de
qualquer tipo ou nível, podendo ser físi-
ca, mental, ou ambas; confronta toda a
expectativa dos pais, e a família é acome-
tida por uma situação inesperada. Como
ressalta Buscaglia (2007), a presença
de uma criança deficiente exige que o
sistema se organize para atender suas
necessidades excepcionais.
Pensando na chegada dessa criança,
ou quando a família fica sabendo do seu
diagnostico, segundo Casarin (1999), é
neste momento que é desencadeado um
processo semelhante ao luto. Trata-se de
um luto pela perda da fantasia do filho
perfeito, da criança sadia, que seguiria
um desenvolvimento normal e que em
algum tempo traria grandes realizações
aos seus pais, mas que agora vai exigir
deles uma reorganização dos seus pa-
péis, valores, objetivos e expectativas
de vida, para este filho, e para todos os
membros da família.
Observa-se, portanto grandes difi-
culdades em aceitar o diagnóstico, bem
como os pais apresentam um compor-
tamento de constante busca pela cura
da deficiência. Para Brunhara, e Petean
(1999), os pais experimentam a perda
das expectativas e dos sonhos que
haviam construído em relação ao futuro
descendente. Os pais ao perderem o filho
desejado, permanecem imersos em seu
sofrimento e não elaboram o luto, perma-
necendo impedidos de estabelecerem um
vínculo com o bebê real (Amaral, 1995).
De uma maneira geral, o nascimento
de uma criança com deficiência provoca
uma crise que atinge toda a família,
abalando sua identidade, estrutura e
funcionamento. A vida familiar sofre
alterações frente às exigências emo-
cionais e à convivência com a criança
deficiente, gerando conflitos e levando
a instabilidade emocional, alteração no
relacionamento do casal e distanciamen-
to entre seus membros (Pereira-Silva,
Dessen, 2001).
Nessa experiência, há famílias que
conseguem elaborar saídas para este
novo desafio, enquanto outras têm maior
dificuldade e não conseguem se reorgani-
zar. A família da criança deficiente viven-
cia uma sobrecarga adicional em todos
os níveis: social, psicológico, financeiro,
e com relação à demanda de cuidados e
reabilitação da criança, necessitando por
isso acessar as redes de suporte social
disponíveis na comunidade (Oliveira e
cols, 2008).
Ocorrências de alterações na dinâmi-
ca da família com deficiente é decorrente
das situações indutoras de estresse e
tensão familiar devido à sobrecarga de
cuidados especiais, tarefas e exigências
decorrente da deficiência desta criança;
efeitos estes, sentidos diretamente sobre
os cuidadores diretos e sobre o funcio-
namento família. Trazendo à esta família,
sobrecarga emocional, física e financeira
(FÁVERO e SANTOS, 2005).
Pensando ainda nos efeitos que
a presença desta criança tem sobre o
funcionamento familiar, é importante
ressaltar, que não só os cuidadores
principais são afetados, mas sim, como
nos mostram vários estudos, os irmãos
24. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
22
são diretamente afetados por esta nova
situação a qual precisam lidar.
Nos estudos realizados por Mesa e
Fiamenghi Jr (2010), foi concluído que,
em famílias onde há a presença de um fi-
lho deficiente, os irmãos mais velhos ser-
vem de modelo aos outros, compensando
muitas vezes, a ausência e distância dos
pais; eles apresentam a responsabilidade
aumentada pelos cuidados com o irmão
afetado e com a casa em geral.
Além desses aspectos familiares,
também é possível notar diversos outros
aspectos que influenciam esses irmãos,
pois muitos deles apresentam solidão e
ressentimento por se sentirem negligen-
ciados por pais e médicos em função da
atenção requerida pelo irmão afetado;
medo de não mais terem a atenção dos
pais, de contraírem a doença ou de que
o irmão morra. Apresentam também
ciúmes por perceberem que os irmãos
estão sendo favorecidos com maior
atenção e presentes; culpa pela doença
ou deficiência, por não serem afetados
ou por terem desejado que algo de ruim
acontecesse com o irmão; tristeza pela
possibilidade de morte do irmão e de não
compartilharem experiências do futuro
(MESSA, FIAMENGHI JR, 2010)
No entanto, apesar de tantos aspec-
tos negativos e preocupantes percebidos
em irmãos de crianças deficientes, foi
possível concluir que eles também conse-
guiram desenvolver aspectos importantes
como lições aprendidas em relação à
vida, pois nas pesquisas realizadas por
Mesa e Fiamenghi Jr (2010), as crianças
relataram se tornar mais pacientes, com-
preensivas e caridosas; terem adquirido
independência e autonomia pelo aumento
das responsabilidades à eles atribuidas;
altruísmo demonstrado como preocupa-
ção predominante por outras pessoas,
além de se tornarem mais empáticos e
tolerantes a sentimentos de preocupa-
ção, tornando-se mais habilidosos em
estabelecer relacionamentos.
Outros estudos sobre o mesmo tema
também foram realizados por Nixon e
Cummings (1999), um estudo compara-
tivo de irmãos de crianças deficientes e
irmãos de crianças não deficientes para
analisar a reação dessas crianças ao
stress diário de conflitos relacionados
à família. Os resultados revelaram que
crianças com irmãos deficientes apre-
sentam maior preocupação com conflitos
familiares e experimentam mais afetos
negativos em resposta a esses conflitos.
Essas crianças assumem mais
responsabilidade, esperam maior envol-
vimento e percebem mais ameaça em
resposta a todos os tipos de conflitos
familiares, além de demonstraram tam-
bém mais problemas de ajustamento. No
entanto, como também apontou o estudo
anterior, esses irmãos não são acome-
tidos somente por aspectos negativos,
como aspectos positivos desta convivên-
cia, os irmãos demonstram aumento na
maturidade, responsabilidade, altruísmo,
tolerância, preocupações humanitárias,
senso de proximidade na família, auto-
confiança e independência (Fiamenghi
Jr e Mesa, 2007).
No entanto, apesar de tantos aspec-
tos negativos, é preciso considerar que
a presença de uma criança deficiente
na família não indica necessariamente
um estressor para os irmãos. Outros
fatores têm grande influencia e devem
ser considerados, como por exemplo a
qualidade das relações familiares, co-
25. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
23
municação, rede de apoio e cuidados,
características individuais, estratégias
de enfrentamento e características da
deficiência. É certo de que essas fa-
mílias representam uma população de
risco, no entanto, como ressalta, Fávero
e Santos (2005), estes aspectos estres-
sores não são exclusivamente causas
diretas da presença do deficiente, pois
isso dependerá também dos recursos
e possibilidades de adaptação que os
membros dessa família possuem.
Desta forma, o suporte social é um
fator mediador do stress e das condições
negativas causadas pela presença da de-
ficiência, e, portanto favorece um melhor
ajustamento familiar. Brunhara, e Petean
(1999), tem enfatizado a necessidade de
que esses pais recebam o maior número
possível de informações; por perceberem
que a maioria das pessoas possuem difi-
culdade em compreender os mecanismos
causadores da deficiência, os autores
sugerem que esses pais tenham suas
dúvidas esclarecidas para que possam
decidir com maior segurança os recur-
sos e condutas primordiais para o bom
desenvolvimento de seu filho.
Outro aspecto importante no trabalho
de prevenção e acompanhamento dos
membros das famílias com crianças defi-
cientes deve estar, segundo Fiamenghi Jr
e Mesa (2007), direcionado à busca pela
qualidade das relações familiares e por
uma comunicação satisfatória desenvol-
vida pelos membros. Segundo os autores
é através de uma rede de apoio satisfa-
tória, além de características individuais,
que estratégias de enfrentamento serão
desenvolvidas e os desafios específicos
do transtorno alcançarão soluções pos-
síveis, viáveis e adequadas.
Com este mesmo pensamento, os
autores Fávero e Santos (2005), acredi-
tam que se o evento estressor é continuo
e o individuo não possui estratégias ade-
quadas para lidar com isso, o organismo
exaure suas reversas de energia, e entra
em estresse crônico; então é preciso in-
tervir de forma terapêutica com os pais
para afim de que possam elaborar tais
estratégias adequadas, pois o fator es-
tressor, que é a criança com deficiência,
não desaparecerá.
Os recursos de enfrentamento de
cada um em lidar com a deficiência irão
determinar o significado da experiência
e de todas as vivências dos familiares.
Mas, além disso, a diminuição da ansie-
dade dos pais também acontece com
o aumento do conhecimento que eles
adquirem sobre a deficiência, a doença
ou a condição crônica de sua criança.
Pensando nessas possibilidades, a ideia
de que essas famílias sejam necessa-
riamente abaladas em sua qualidade
de vida deve ser revista. Fiamenghi Jr e
Mesa (2007), concluem que os conflitos
familiares não surgem em resultado di-
reto da deficiência, mas em função das
possibilidades de a família de se adaptar
ou não a essa situação.
Assim, a visão do senso comum de
que uma criança deficiente irá, necessa-
riamente, produzir conflitos na família,
não tem comprovação em pesquisas.
Famílias com crianças deficientes são
uma população de risco, mas isso não
significa que esse risco irá concretizar-se
em todos os casos. A eficácia de um pro-
grama de intervenção precoce em famílias
com um filho deficiente é constatada, e
fica claro que esse tipo de programa pode
auxiliar significantemente a adaptação
26. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
24
dos pais nos primeiros dezoito meses da
vida da criança (Fiamenghi Jr e Mesa,
2007).
Portanto, considerando os resultados
de pesquisas e estudos, é possível acre-
ditar também que treinamento comporta-
mental com pais, treinamento parental
a fim de que os pais invistam mais na
interação com a criança, suporte social,
assistência profissional, bons programas
educacionais, acesso à disponibilidade
de ajudantes, como baba, enfermeiros
ou acompanhantes terapêuticos, estilo
de vida parental favorável à busca de
orientações e apoio, são estratégias
eficazes contra os altos riscos que es-
tes membros estão expostos (FÁVERO e
SANTOS, 2005).
Deste modo, podemos também ana-
lisar os benefícios que a instituição trás
à estes membros, pois lá é um local em
que a família encontra outras famílias que
vivenciam situações semelhantes, o que
permite que compartilhem sentimentos e
experiências, e que por sua vez, cumpre
com o papel informativo, auxiliando-os no
enfrentando e na elaboração de estraté-
gias eficazes.
No entanto estes recursos são precá-
rios, ficando evidente o quanto as famílias
de crianças com deficiência encontram
dificuldades quanto à integralidade e
acessibilidade a serviços e ações de
saúde. Esta precariedade se dá tanto
em instituições privadas e principalmente
àquelas disponibilizados pelo Sistema
Único de Saúde (SUS).
Portanto, como concordam os diver-
sos autores apresentados, é no suporte
social que encontramos melhores condi-
ções para lidar com este fator de risco
à qual estas famílias estão expostas.
Levando em conta que neste caso a
concepção de normalidade não será
possível, é a intervenção terapêutica
na qual um dos aspectos de melhor
ressultado é trabalhar para que os mem-
bros elaborem outros significados, ou
seja, alcancem a ressiginificação dos
papeies de cada um, diante da presença
deste membro com deficiência; além de
tornarem-se mais realistas em relação
às possibilidades de limites de suas
crianças. Desta forma, será possível
alcançarmos a diminuição da tensão e
consequentemente o stress parental,
evidenciando que o aconselhamento
informativo, bem como o trabalho tera-
pêutico com os membros dessas famí-
lias, é um bom recurso para trabalhar
em prol da boa funcionalidade familiar.
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Universidade de São Paulo.
28. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
26
Casamento e Deficiência Mental
Francisco B. Assumpção Jr.
- O homem é consciente do mundo de sua
existência(...). O ser do homem(...) é um ser
em aberto, dinâmico, é força que se projeta
para além de sua condição de ente. Não está
fechado em si. É acontecimento. É mani-
festação. Ele revela-se nesse complexo aos
entes. O homem está em constante relação
com o homem, é um acontecimento histórico.
(Sidekum, 1979:21)
Pensar algumas das características
culturais e civilizatórias significa pensar
o homem naquilo que ele tem de mais
característico enquanto espécie, ou seja,
sua capacidade de dar significado aos
seus atos, personalizando-os e dando-
-lhes um valor específico.
Dentro dessa ótica, o casamento
mais do que simplesmente considerar
aspectos biológicos destinados a preser-
vação da espécie e cuidado para com a
prole, envolve aspectos que estabelecem
um mundo próprio, de valores individuali-
zados, a partir dos quais se estabelece a
relação interpessoal, intersubjetiva, uma
verdadeira história humana, fundada na
sua liberdade e nas suas peculiaridades.
Dessa maneira, conforme referem Gui-
marães (1995) e Chauí (1984), a própria
sexualidade, na espécie, é construída so-
cial, histórica e culturalmente e, exatamen-
te por isso, o casamento é um ato social
e familiar, gerido por sistemas público e
privado, sofrendo ingerências das dimen-
sões econômica, político-social, religiosa,
educacional e legal, historicamente defini-
das, bem como a expectativa e condutas
de vida dos enamorados e dos cônjuges,
as quais vão se tornando oficializadas pela
cultura, estabelecendo um processo recur-
sivo circular (Munhoz, 2000).
Em nossa cultura pós moderna, ma-
rido e mulher compartilham responsabili-
dades iguais, com uma teórica passagem
de um ideal hierárquico para um ideal
igualitário que se reflete em valores e
condutas familiares, conseqüentes a
escolhas individuais.
Isso porque, a própria escolha dos
parceiros baseia-se, habitualmente, em
universos comuns, caracterizados por
nível social, intelectual e faixa etária uma
vez que esses valores igualitários tornam
a escolha mais flexível pela própria valo-
rização pessoal. Munhoz, 2000).
Bower (1977) refere que os indiví-
duos tendem a se atrair pelo nível de
diferenciação de si mesmos em que se
encontram, procurando alguém com nível
semelhante quanto a capacidade de dis-
criminar e identificar emoções e objetivar
ações e decisões.
Temos então aqui um dos núcleos da
questão que este texto se dispõe a pensar
pois, mais do que meras repetições “po-
liticamente corretas”, procuramos refletir
sobre a questão do casamento (enquanto
instituição) e seu significado no que se
refere à pessoa com retardo mentalI e aqui
I Utilizamos aqui o termo retardo mental uma vez
que, mesmo sendo considerado “políticamente
incorreto”ainda é o termo oficialmente adotado
pelos mecanismos legais que se baseiam na CID
10ª. Avalizada pelo governo brasileiro no que se
refere a classificação diagnóstica.
inclusão
29. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
27
já encontramos um dos temas sobre os
quais se fazem necessário refletir pois se
consideramos retardo mental como “uma
incapacidade caracterizada por importan-
tes limitações, tanto no funcionamento
intelectual quanto no comportamento
adaptativo,estando expressa nas habilida-
des conceituais, sociais e práticas e essa
incapacidade tendo início antes dos 18
anos de idade”(APA; 2002) e se pensarmos
inteligência como a “capacidade de realizar
atividades caracterizadas por serem difí-
ceis, complexas, abstratas, econômicas,
adaptáveis a um objetivo, de valor social,
carente de modelos, e para mantê-las em
circunstâncias que requeiram concentra-
ção de energias e resistência às forças
afetivas” (Stoddar; 1943 apud Assumpção,
2005), somos obrigado a pensar que, um
organismo complexo, valorativo, que busca
a homeostase e que tem funções muito
específicas para desempenhar, tem, obri-
gatoriamente dificuldades em se manter,
de maneira expontânea, nessas condições
senão vejamos:
Para Howels (apud Gomes, 1987)
uma família tem funções específicas
caracterizadas por
• responsabilidade econômica uma vez
que visa manter e prover suas próprias
necessidades. Ora, a despeito de
todos os discursos que escutamos
em nosso cotidiano, vivemos em
uma cultura que privilegia a especia-
lização e a eficácia, desvalorizando
com isso, inúmeras categorias por
suas idades, falta de preparo técnico
e outras questões menores. Assim,
mesmo com toda a legislação de pro-
teção, vemos cotidianamente que as
pessoas deficientes absorvidas pelo
mercado de trabalho são aquelas com
déficits físicos ou sensoriais, todos
passíveis de serem minoradas a partir
de estruturas de suporte físicos. Isso
não existe quando falamos de retardo
mental, razão pela qual seus índices
de absorção pelo mercado de trabalho
são muito menores e limitados àque-
les menos comprometidos.
• satisfação afetiva através dos próprios
relacionamentos. Esses relacionamen-
tos são dinâmicos, com mudanças
freqüentes que demandam trocas
de papeis e de liderança visando a
solução de problemas emergentes
com percepção do feed-back ambien-
tal e flexibilidade para a obtenção de
estratégias eficazes. Ora, se conside-
ramos que uma das características
do retardo mental é exatamente o
comprometimento de função execu-
tiva que propicia a percepção desse
feed-back ambientaL, bem como a fle-
xibilidade e a capacidade de planejar
soluções eficazes e rápidas, teremos
aí a dificuldade na manutenção dos
próprios relacionamentos conforme
pudemos observar em alguns casais
de indivíduos com deficiência mental
que acompanhamos no decorrer do
tempo (Assumpção, 2005).
• satisfação das necessidades sexuais,
entre elas perpetuar a espécie. Talvez
esta seja a característica mais facil-
mente executável uma vez que o ato
procriativo é comprometido somente
em muito poucas síndromes genéticas
nada havendo que impeça a procriação.
• socialização dos filhos, a fim de satis-
fazer às necessidades da sociedade a
qual pertencem. O papel familiar envol-
ve a questão da educação propiciando
o amadurecimento da personalidade e
30. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
28
a integração gradual dos filhos ao mun-
do, funcionando os genitores como
sistemas de suporte para os filhos em
crescimento. Isso demanda capacida-
de de prever o futuro (imagens mentais
antecipatórias bem estruturadas) e
projetos existenciais definidos (uma
vez que para que se criem filhos se
abre mão de necessidades próprias
em prol de um objetivo maior), ambos
característicos de pensamento abstra-
to muito bem desenvolvido e elaborado
a partir de valores pessoais construí-
dos no decorrer da própria existência.
Entretanto, o discurso politicamente
correto traz a baila duas questões que
não podemos deixar de considerar. Uma
delas, a questão da livre expressão da
sexualidade, consideramos extrema-
mente oportuna e justificável embora
não pensemos que o casamento deva
servir de solução para um problema tão
básico uma vez que, conforme falamos
anteriormente, ele se constitui numa
estrutura social extremamente complexa
que envolve muitos mais elementos que
a mera expressão da sexualidade, com-
portamento mais elementar e simples.
A outra, tangencia uma questão afetiva
esquecendo que a idéia de amor associado
a casamento é bastante recente e portan-
to, não podemos considerá-la indissolúvel
posto que as relações de afeto, conforme
já dissemos anteriormente, a nosso ver,não
demandam a ligação específica com uma
estrutura social de tal maneira complexa
uma vez que um contrato matrimonial esta-
belece divisão de trabalho doméstico, uso
de espaço habitacional, responsabilidade
de cada cônjuge na educação e sociali-
zação dos filhos, disposição sobre bens,
dedicação a trabalho e outras coisas mais
(Sussman, 1970).
Assim, partindo de uma premissa
heideggeriana, consideramos que o ca-
samento em sifaz parte de um mundo
de significados onde o homem, após a
compreensão de seu “ser-no-mundo”
escolhe e executa projetos segundo suas
reais possibilidades. O déficit cognitivo di-
ficulta esse dimensionamento do projeto
existencial bem como o reconhecimento
das próprias limitações. Foi exatamente
essa a questão aventada, pouco tempo
atrás, quando uma religião impediu o ca-
samento religioso de duas pessoas com
deficiência mental argumentando que,
sob o ponto de vista religioso, o ato em
si demandava total conhecimento do ato
naquilo que se referia a direitos e deveres
sendo fruto de uma atitude consciente.
Entretanto, apresentarmos as dificul-
dades da estrutura social casamento não
significa que tenhamos que esquecer que
essa população, como qualquer grupamen-
to humano, apresenta vontades e desejos
que reclamam satisfação embora, nem
sempre esses aspectos sejam elaborados
de maneira socialmente aceitável.
Assim, torna-se interessante pensar-
mos que ao mesmo tempo em que ad-
vogamos o “direito ao trabalho” (castigo
divino se nos lembrarmos da Gênesis que
refere “ganharás o pão com o suor do teu
rosto”) nem sequer discutimos os direitos
do deficiente mental de ter uma vida com
possibilidades sexuais e eróticas como
se isso fosse muito bem resolvido e es-
tabelecido por nossa sociedade.
Fingir igualdade é algo extremamente
artificial. Como diziam Balthazar e Ste-
vens (1975), “uma sociedade ideal seria
aquela aberta, na qual aprenderíamos a
31. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
29
tolerar e viver com indivíduos diferentes
de nós quanto a capacidade intelectual,
à estrutura emocional, entre outras coi-
sas. A aceitação dos indivíduos pode ter
um significado terapêutico importante
em certos aspectos do ensino e da ins-
trução; pode bem ser o principal papel
das ciências sociais reforçar e fornecer
a base para aceitar os outros e estabe-
lecer maior tolerância em uma sociedade
aberta. Uma sociedade que fosse bem-
-sucedida em tais esforços não seria
utópica mas ideal.”
Esse talvez seja o maior paradoxo
com o qual nos defrontamos.
Como aceitar o diverso em uma cul-
tura que privilegia o homogêneo, como
aceitar o deficitário em uma sociedade
que opta pela eficácia, como permitir
expressões existenciais diferentes em
um modelo onde todos devem ser iguais?
Pensar essas questões, através da
temática casamento ou através de muitas
outras, talvez seja um caminho que possa
ser trilhado para que tenhamos algumas
soluções, práticas e não teóricas, exis-
tenciais e não filosóficas.
Doutor, boa tarde
Estou lhe dizendo que não consegui
nada com o médico da cidade. Na primeira
disseram que ele não estava e na segunda
disseram que ele estava de férias.
Pelo amor de Deus me ajude para ver se
consigo operar essa menina. Não vou aí com
ela porque não posso levar as duas crianças
dela e mais uma nora que ficam comigo pra
que ela trabalhe.
Abraço.
Agradece
J (carta de avó de criança de dois anos
com deficiência mental profunda, com irmã
de 4 anos com deficiência mental leve e mãe
com 28 anos também com deficiência mental
leve. Assumpção, 1987)
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Printing Office. 1970
Francisco B. Assumpção Jr.,
Livre Docente pela FMUSP.
Professor Associado do IP-
-USP, membro da Academia
Paulista de Psicologia (cadeira
17) e Medicina (cadeira 103).
32. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
30
A importância de estimular
quem tem dificuldades
de aprendizagem
Por Marisa Aparecida Gimenes da Cunha de Andrade*
Edição de texto: Leandra Migotto Certeza**
Fotos: arquivo pessoal
Neste espaço, pais e pessoas com
síndromes relatam um pouco sobre suas
experiências ao viver singularmente em
uma sociedade ainda pouco inclusiva.
São exemplos de quem que já conseguiu
alcançar muitos objetivos graças à força
de vontade, mas ainda enfrentam muitos
desafios para realizarem seus sonhos;
assim como a maioria dos seres huma-
nos sem deficiências também. É uma
oportunidade para os leitores conhece-
rem um pouco mais sobre a diversidade.
de mãe, pra mãe
Leonardo (à direita) com sua família: mãe, pai e irmão
33. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
31
conhecerem o que é esta síndrome são
pessoas insensíveis à dor alheia.
Também tivemos muita dificuldade
em acreditar que nosso menino era uma
criança com necessidades específicas,
pela dificuldade de encontrar profissio-
nais habilitados a um preço acessível, e
que soubessem trabalhar com ele. O tra-
tamento indicado na época foi estímulo,
terapia comportamental e processo de
inclusão. Hoje os avanços dele tem sido
ótimo. Mas sofremos muito preconcei-
to por parte dos familiares, na escola,
na igreja, e na sociedade. Por ser uma
síndrome em que o indivíduo apresenta
muitas dificuldades comportamentais e
inflexibilidade diante das rotinas diárias,
às vezes, ainda ouço pessoas que des-
conhecem as características do autismo
fazerem críticas considerando-os pessoas
sem educação ou sem limites.
Meu filho Leonardo, de 13 anos,
tem TEA - Transtorno do Espectro do
Autismo e Dificuldades de Aprendiza-
gem. Soubermos do seu diagnóstico
quando ele tinha por volta de 3 anos
de idade. Ele teve atraso de fala, difi-
culdade na interação social, estereo-
tipias, problemas comportamentais e
principalmente, problemas no processo
de alfabetização. Recebemos de forma
muito cruel e fria o diagnóstico: seu
filho tem deficiência, dificilmente virá a
falar e na adolescência provavelmente
terão que mantê-lo em instituição por
causa do comportamento difícil. Foi
muito triste ouvir isso de um médico,
pois nesta situação os pais necessitam
e desejam ser acolhidos, encaminhados
para algum especialista que os oriente
que rumo tomar. Hoje percebo que a
maioria dos profissionais além de des-
Estudando no computador
34. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
32
Ele começou a frequentar a pré-
-escola, por volta dos 3 anos de idade,
por indicação de uma fonoaudióloga. A
experiência da primeira escola foi ruim
para todos nós. Ele sofreu muito, pois
ainda não tinha um diagnóstico e apenas
atraso de fala. A queixa da escola era que
ele não acompanhava as outras crianças
nas atividades, não sabia desenhar, não
falava e apresentava muitas crises de
choro, birra e agressão quando contraria-
do. Como eu e meu marido trabalhávamos
fora de casa, o Leonardo ficava sob os
cuidados dos avós maternos. Por conta
disso, a psicóloga da escola afirmou
que nós não sabíamos educar o menino,
e que os avós o deixavam sem limites.
Foi muito doloroso e confuso ouvir isso
naquela época, pois era nosso primeiro
filho e não tínhamos um referencial.
Mas apesar da dificuldade de en-
contrar uma escola adequada que o
aceitasse, ele sempre frequentou escola
regular no processo de inclusão onde
teve oportunidade de ser estimulado.
Ele freqüentou também uma escola es-
pecializada no contra-turno da regular,
a Associação dos Amigos das Pessoas
com Autismo. Lá além da estimulação
que ele recebeu, eu pude fazer cursos
para entender e auxiliá-lo nessa árdua
e abençoada tarefa de ser mãe de uma
pessoa com deficiência intelectual.
Desde o início do diagnóstico ele
apresentou muita evolução no aspecto
intelectual, emocional e principalmente
na interação com o outro. Hoje ele está
alfabetizado e freqüenta o 6º ano do en-
sino fundamental em uma escola da rede
regular de ensino privada. Ele apresenta
dificuldade nas atividades mais abstratas
como matemática, interpretação de tex-
to e filosofia, e nas demais atividades,
ciências, geografia e inglês ele assimila
melhor. Mas necessita de uma tutora que
o acompanha diariamente nas rotinas
escolares, auxiliando-o na parte peda-
gógica e nas questões comportamental.
Ele tem um bom relacionamento com os
profissionais da escola e com os colegas,
é uma pessoa muito querida pelo seu jei-
to simples, despojado e inocente de ser.
O Léo é um desenhista de mão
cheia, começou a desenhar aos 5 anos
de idade e a partir de então teve grande
avanço sem nunca ter frequentado escola
específica. Apesar das características
muito peculiares da deficiência, ele está
incluso em tudo que uma família pode
fazer como: passeios, shoppings, cinema,
teatro, igreja, escola, visitas na casa de
familiares, amigos, atividades escolares
inclusive baladas. Apenas necessita de
alguém com um olhar mais atento, em
função da ausência de malícia e medo do
perigo real. E hoje nosso maior desafio
é em relação às questões comportamen-
tais, pois ele está mais agitado e impul-
sivo por causa da adolescência.
Eu gostaria que ele terminasse o en-
sino médio, e ingressasse em uma facul-
dade voltada para sua área de interesse
o desenho. Porém, o futuro a Deus per-
tence, e sei que preciso investir também
em atividades de vida prática e diária,
para que ele consiga ter maior autono-
mia e independência, por isso também
realizamos projetos de convivência social.
Em casa suas atividades principais são:
TV, vídeo game, computador e desenhar.
Gosta muito de passear e na casa de
familiares ou amigos. Faz natação e cami-
nhada. Todas essas atividades são muito
importantes, pois atuam como estímulos.
35. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
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cos e muito gratificantes, pois tudo que
ele consegue produzir e fazer é festejado
como um obstáculo vencido e mais uma
vitória. Assim a família precisa ter muita
estrutura, equilíbrio e fé em Deus para
suportar com amor, humildade, paciên-
cia, tolerância e muita resignação todas
essas provações e conseguir manter-se
unidos.
Tenho dois filhos, o Léo e o Felipe
de 7 anos que não tem deficiência. A
relação do Felipe com seu irmão às
vezes é um pouco complicada, pois ele
sente bastante o excesso de atenção que
dispensamos ao Léo por causa de suas
necessidades e peculiaridades. Algumas
vezes há necessidade de terapias para
que ele possa entender e aceitar as situ-
Desenho de Léo
A TV e o computador ajudaram no proces-
so de alfabetização, e o conjunto de todas
essas atividades auxilia na quebra de
rotina, inflexibilidade, interação social. O
inglês ele aprendeu praticamente só com
o auxílio do computador e da TV através
dos desenhos e vídeos.
Pela experiência, digo que convi-
vência com uma pessoa com TEA e
Problemas de Aprendizagem não é uma
tarefa fácil, exige muito de todos, e prin-
cipalmente, dos irmãos. Há momentos e
fases angustiantes, pois a instabilidade
de humor e a inflexibilidade diante das
menores coisas deixam os familiares
fragilizados, cansados, estressados,
deprimidos e ás vezes em pé de guerra.
Mas há também os momentos fantásti-
36. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
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ações conflitantes com seu irmão, devido
à deficiência dele. Meus filhos e minha
família são meu tudo. Eu os amos, sei
que são presentes que Deus colocou na
minha vida. E através destes presentes,
Deus tem me dado a oportunidade de
evoluir muito em todos os sentidos da
minha vida: eu estou aprendendo a amar,
a respeitar, a olhar para o meu seme-
lhante sem julgá-lo pela sua aparência
ou atitude, estou aprendendo a ser uma
pessoa melhor e valorizar mais o ser hu-
mano. Foi através do Léo que direcionei
minha vida profissional, além de entender
esse mundo tão complexo e tão simples
ao mesmo tempo e poder auxiliar pais e
profissionais.
Hoje estou à frente de um projeto a
fim de oportunizar a convivência de pes-
soas com deficiência intelectual junto à
sociedade. Pois, além de ser mãe sou
pedagoga e psicopedagoga e durante 3
anos atuei em clinica e como consulto-
ra no processo de inclusão escolar. E,
infelizmente, vejo que ainda hoje, existe
um despreparo e um preconceito muito
grande, por parte dos profissionais da
área educacional, em relação ao TEA,
pois esta deficiência possui caracterís-
ticas muito peculiares; e poucos são
os profissionais que tem interesse em
aprender e aprofundar-se no assunto,
muitos acreditam que é falta de limites
ou educação dos pais. Também acompa-
nho através das redes sociais e procuro
estar sempre atualizada com as notícias
em busca de respostas para o autismo
ou em conquistas aos nossos direitos e
benefícios.
Nessa jornada fiz grandes amigos, e
percebi que existem muitas pessoas com
bastante conhecimento se movimentando
para melhorar nossa política pública de
inclusão. Mas o grande problema é que
ao invés de se unirem em um único ide-
al, alguns ficam disputando espaço para
Convivendo com a família na casa da avó Alice
37. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
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terem seus nomes na calçada da fama e
esquecem que há milhões de familiares
e indivíduos com autismo sofrendo, sem
recursos, e esperando desesperadamen-
te por atendimento e melhor qualidade de
vida. Por isso, aconselho a todos que é
preciso ter muita paciência, tolerância, di-
vidir suas angústias e temores com seus
familiares e outras pessoas que tenham
filhos com a mesma síndrome. Nunca
acredite em um profissional que limite ou
subestime a capacidade de seu filho. Esti-
Leandra Migotto Certeza é
jornalista e repórter especial
da Revista Síndromes. Ela tem
deficiência física (Osteogene-
sis Inperfecta), é assessora
de imprensa da ABSW, e con-
sultora em inclusão e mantém
o blog “Caleidoscópio – Uma
janela para refletir sobre a diversidade da vida” - http://
leandramigottocerteza.blogspot.com/. Conheçam os
modelos de palestras, oficinas, cursos e treinamentos
sobre diversidade, realizados em empresas, escolas,
ONGs, centros culturais e grupos de pessoas no site:
https://sites.google.com/site/leandramigotto/
mule seu filho, proporcionando o máximo
de autonomia e independência. Ignore as
pessoas preconceituosas, pois muitas
vezes será necessário engolir alguns
sapos para evitar desgastes emocionais.
Mas acima de tudo ame o e aceite para
que vocês possam ser felizes!
Brincando ao lado do seu irmão Felipe
38. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
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O importante é dar
o primeiro passo
Francelene Rodrigues
Entrevistadora: Leandra Migotto Certeza – jornalista*
Fotos: arquivo pessoal
Conte um pouco como foi o seu processo
de inclusão educacional. Quais foram os
maiores desafios e conquistas?
Amo estudar. O processo educacional
foi tranqüilo, até adquirir a deficiência físi-
ca. Sempre estudei em escolas públicas e
conclui o magistério. Complicado foi quando
decidi voltar aos estudos, pois a minha
matricula no ensino médio supletivo foi re-
cusada. Precisei adquirir outros conteúdos
para prestar vestibular. Mas insisti e venci,
e logo depois ingressei na faculdade, com
algumas barreiras que ao decorrer do curso
universitário foram superadas a cada dia.
Mas muitos outros obstáculos apareceram
pelo caminho até eu terminar o curso este
em dezembro de 2012. Sei que eles preci-
sam ser sempre ultrapassados.
Passou por preconceitos e discrimina-
ções?
Uma barreira inquebrantável sempre
será o preconceito, que ainda existem em
relação às pessoas com quaisquer tipos
de deficiência no mundo, não só na facul-
dade. Esse sentimento, muitas vezes, vem
da família; e é indiscutível que esse tema
ainda seja uma barreira para muita gente.
O maior preconceito foi em entender que eu
mesma era preconceituosa com as pessoas
e não elas comigo.
Sempre quis ser assistente social? Qual a
importância dessa profissão em sua vida?
Decidi pela profissão, devido ao en-
volvimento dentro de minha própria comu-
nidade na qual sou líder, e Conselheira
de Saúde desde 2001. Sempre trabalhei
em prol de melhorias para o bairro onde
vivo. Amo a profissão que escolhi, e sei
que mercado de trabalho está aberto, pela
artigo do leitor
Bacharel em Serviço Social, Francelene Rodrigues fala sobre
a importância da participação na criação do Interconselho da
Coordenadoria Regional de Saúde Leste de SP
39. SÍNDROMES•Ano2•Nº6•Novembro•Dezembrode2012
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amplitude em conhecimentos, desafios e
competências, que a área possui. Ser as-
sistente social para mim é primeiramente
ser cidadã, capaz de garantir direitos ao
próximo e a si mesmo. Logo que cheguei
à faculdade, foram feitas adaptações para
garantir a acessibilidade em quase todos
os espaços. Mas hoje as pessoas com
deficiência podem se sentir livre para se
locomoverem, pois fizeram rampas e ins-
talaram dois elevadores. Fiquei muito feliz
pelas mudanças.
Qual a importância da participação popular
nos Movimentos Sociais, nos Conselhos
Gestores das Unidades Básicas de Saú-
de (UBS); e nos Conselhos Gestores de
Supervisões Técnicas de Saúde (STS) da
zona leste de SP, interligados direta ou in-
diretamente às decisões regionalizadas do
Sistema Único de Saúde (SUS), de acordo
com suas especificidades?
A importância desta participação
popular atribui-se hoje ao envolvimento e
articulação de forma organizada, que atu-
almente é representado pelos Movimentos
Sociais e Conselhos de Direito como me-
canismos de gestão das políticas públicas
na intervenção e mediação paritária junto
ao Estado e ao próprio controle social, de
acordo com suas especificidades e necessi-
dades locais, ou seja, nas UBS´s, distritais
STS´s - Conselhos Gestores de Supervisões
Técnicas de Saúde Regionais (norte, sul,
sudeste e centro-oeste).
Esta participação vem ocorrendo com que
freqüência?
Esta participação acontece de acordo
com as diretrizes do SUS – Sistema Único
de Saúde, mensalmente em cada instância
com datas e pautas já pré-agendadas junto
aos representantes por segmentos.
Quais os principais problemas enfrentados
pela população em geral da zona lesta
para conseguir participar ativamente das
reuniões e ações dos Conselhos Gestores?
Neste caso não vejo problemas, porque
a participação local acontece nas UBS´s,
que geralmente estão localizadas próximas
à residência das pessoas e das STS`s. E o
transporte é garantido para todos os Con-
selheiros e seus representantes, através de
passes livres ou de carro. Suas ações são
realmente discutidas da melhor maneira, e
os problemas resolvidos na medida do pos-
sível em cada instância, seja local, distrital
ou regional. E sempre ocorre de comum
acordo com os seus representantes.
Quais foram às principais especificidades
e necessidades encontradas na zona leste
da cidade de São Paulo que culminaram
com a criação do Interconselho da Coor-
denadoria Regional de Saúde Leste de SP
em 2006?
O Interconselho Coordenadoria Re-
gional de Saúde Leste de SP teve suas
discussões preliminares no Conselho
Gestor de Saúde de Itaquera. Durante
alguns meses, esse coletivo discutiu a
importância do controle social democráti-
co nas coordenadorias, entendendo que
a criação desse espaço seria necessário
devido à constatação que as decisões e
o poder político estariam nessa instância.
Além disso, a cada mandato, o Conselho
deparava-se com novas políticas e ações,
naquele momento PT e PSDB, ou seja, com