Este artigo discute a visão de Charles Wright Mills sobre a emergência da sociedade de massa nos Estados Unidos no século XX. Wright Mills argumenta que a sociedade americana levou à alienação do homem através da comunicação de massa e da estrutura social, levando à apatia política. Ele também analisa o surgimento de uma nova classe média no pós-guerra. No entanto, Wright Mills não considera conceitos como ideologia e hegemonia em sua análise, que são importantes para entender a sociedade de massa capitalista segundo autores como Gramsci
1. 49
SOCIEDADE DE MASSA: UMA INTERPRETAÇÃO DA CULTURA
DOMINANTE
Eduardo Henrique Martins Lopes de Scovile*
RESUMO
Este artigo apresenta uma breve análise do surgimento da sociedade de massa norte-americana na
visão do sociólogo Charles Wright Mills e aborda também o conceito de ideologia e hegemonia,
apontado por Gramsci e Adorno. Wright Mills descreveu a sociedade norte-americana e os processos
de sua formação na segunda metade do século XX. O conteúdo de sua teoria revela uma análise
pioneira e intrigante, apresentando elementos fundamentais para uma maior compreensão da
sociedade de massa. Wright Mills destacou a importância do surgimento de classes e esclareceu
alguns aspectos fundamentais da sociedade norte-americana. No entanto, Wright Mills não analisou
os conceitos de ideologia e hegemonia em suas contribuições. Tais conceitos são primordiais para a
compreensão da sociedade de massa capitalista dos Estados Unidos.
Palavras-chave: sociedade, massa, Estados Unidos, Wright Mills, ideologia, hegemonia, Adorno.
ABSTRACT
This article presents a brief analysis of the American mass-society in its first stages of development,
based in the conceptions of the American sociologist Charles Wright Mills. It also tries to access the
concepts of hegemony and ideology as conceived by Gramsci and Adorno. Wright Mills described the
American society and its development process in the second half of the Twentieth Century. The
content of his theory reveals a pioneering and intriguing analysis, offering fundamental insights for
a better comprehension of the mass-society. Mills brought into focus the importance of the develop-
ment of the classes and cleared some fundamental aspects of the American society. Nevertheless, he
did not access the concepts of ideology and hegemony in his works. Such concepts are of utmost
importance for the comprehension of the capitalist mass-society in the United States.
Key Words: society, mass, United States, Wright Mills, ideology, hegemony, Adorno.
*
Economista e Mestrando em Sociologia, área de concentração em Sociologia das Organizaçôes (UFPR);
Professor da Business School FAE, em Curitiba (PR). E-mail: ehml@zaz.com.br
R. Spei, Curitiba, v.2, n. 2, p. 49-57, jul./dez. 2001
2. 50
1 INTRODUÇÃO 2 WRIGHT MILLS E A VISÃO DE UMA
SOCIEDADE DE MASSA.
Esse artigo pretende abordar de uma forma
geral algumas idéias do sociólogo Em uma visão contrária a autores como
norte-americano Charles Wright Mills acerca do Gramsci (1985), Adorno (1999) e Marcuse
surgimento de uma sociedade de massa e (1982), o sociólogo norte-americano Charles
como o sociólogo concebeu a sua formação, Wright Mills discordaria da idéia de ideologia e
de forma independente das formulações das contradições materiais como formadora da
expressas na escola da teoria crítica de Adorno consciência e das ações do sujeito. Mills, como
e Marcuse. apontou Fernandes (1985, p. 19), era um norte-
americano até a medula e isso certamente
No primeiro momento serão analisados
influenciou a sociologia do autor.
alguns aspectos da teoria de Mills:
a sua concepção de sociologia, o indi- No entanto, Mills (1985) ao verificar a saída
víduo como limite à noção de classe, a dos E.U.A da grande depressão que assolara o
diferença entre público e massa; estrutura país na década de 30, o New Deal, a ascensão
da elite do poder e como a comunicação de uma política militarista e de uma sociedade
de massa permitiu o surgimento de uma próspera e do bem-estar, buscou criticar o
nova classe média como ela conse- conformismo e analisar o “homem e a sua
guiu reestruturar a sociedade americana no alienação”.
pós-45.
A sociologia americana, embevecida com
Na seqüência, será abordado o conceito o american way of life ,deixou de ser crítica,
de ideologia, inserida na noção de hegemonia segundo Mills (1985). A crítica é a base do
de Gramsci e como Adorno, Benjamin e Marcuse questionamento sociológico do autor e a
trataram a questão. liberdade (no sentido jeffersoniano) e a razão
(iluminista mas não pragmática) o cerne dos seus
A inclusão dos autores mencionados no
princípios teóricos.
parágrafo anterior é justificada pelo fato de que
Mills jamais se questionou sobre a lógica do modo A sociologia de Mills, segundo Fernandes
de produção e como a ideologia dominante o (1985, p.21), buscava uma praticidade ou seja,
reproduz. a busca de um conhecimento que pudesse
intervir e modificar o processo histórico. Esse
Pode surgir a dúvida sobre a possibilidade
conhecimento deveria ser um instrumento
de um debate entre Gramsci, Adorno e Benjamin
prático de mudanças políticas e não uma mera
em relação às concepções de Mills, devido a suas
descoberta que não possui eficácia na realidade
posições metodológicas. No entanto não é nossa
social. Para isso o autor, sempre mantendo uma
intenção confrontá-los metodologicamente e sim
visão crítica, buscava compreender os grupos
ilustrar dois pontos de vista completamente
sociais que detinham o poder e suas relações
díspares.
com a sociedade.
O rigor metodológico com que Adorno, por
A racionalidade na visão de Mills (1985, P.
exemplo, trata suas categorias jamais poderia
21), está localizada no indivíduo mas ele está
ser contrastado com a sociologia de Mills, que
inserido no social, ou seja, reconhece que a
prima por uma independência metodológica
influência social atua na pessoa. Portanto a classe
(crítica ao pragmatismo) e que busca uma
social indica o meio social onde o indivíduo se
praticidade política (política da verdade).
constitui.
Talvez a independência de Mills
Os objetos de atenção, o lugar, o tempo e
metodológica, onde “o sociólogo é seu próprio
as condições sociais e culturais influem na
teórico e metodologista”, transforme em muito
racionalidade do indivíduo. Mas Mills (1985) alerta
as observações do pensador norte-americano em
também que a nação, família, escola e
discursos inflamados mas questionáveis
principalmente os meios de comunicação
cientificamente.
também são meios sociais de peso.
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Segundo Fernandes (1985, p.20), Mills por ser o mediador das mudanças sociais. Ele
acreditava que o indivíduo é o único agente de que nos afastará das arbitrariedades das
mudança histórica e o desaparecimento das necessidades imediatas, da abstração estéril (sem
classes sociais uma determinação social. Para isso praticidade) e do individualismo (Fernandes,
o fator econômico deveria ser relativizado (em 1985, p.22).
contraposição ao marxismo) e deveríamos
Quando o impulso é entorpecido, o homem
considerar a sociedade como um conjunto de
é destituído de uma de suas características. O
instituições; analisar a sociedade como uma
impulso transformador é anulado não pela
interação entre os componentes da natureza
exploração econômica e dominação como na
humana de um lado e as condições culturais de
teoria marxista, e sim pela opressão de uma
outro.
sociedade e de suas instituições. Ocorre um
A análise das instituições sociais deve recair processo de apatia e desinteresse político criado
sobre os efeitos que elas possuem nas vidas das pelo próprio meio.
pessoas. Portanto a investigação deve partir da
De forma alguma há uma aproximação de
formação da racionalidade, do estilo de vida e
Mills (1985) com o marxismo ao vislumbrar esse
do tipo de homem que o meio social produz.
desvio, pois ele próprio desconsidera a existência
O indivíduo, como já dito, é o centro da material como o único determinante da
inteligência e o único ator que buscará se libertar, consciência.
transformando as instituições sociais e com isso
Nem a noção de classe social aproxima Mills
o processo histórico. A sociedade e o indivíduo
do marxismo, pois a consciência individual
possuem uma relação tensa e, segundo
sempre foi, segundo o autor, um limite para a
Fernandes (1985, p. 21), para melhor
noção de classe. Mills (1985) recorre à apatia
compreendermos essa tensão, devemos analisar
das classes pouco privilegiadas como uma
3 categorias básicas: hábito, impulso e intelecto.
espécie de ausência de impulso para ousar. As
O autor acreditava que sempre haveria forças
classes pouco privilegiadas, assim como toda
que tentariam se libertar mas que seriam
classe, geram homens de determinado tipo e os
algumas vezes sufocadas pelo meio social:
das classes mais baixas são homens que “nunca
É a tensão entre o indivíduo e meio social
tentaram” Fernandes (1985, p. 23).
(hábito) que gera o impulso para a A alienação agora substituirá, segundo Mills
transformação do meio social. Mas o mero (1985, p. 143), a exploração de classes. Não
impulso é tão irracional quanto o hábito. A haveria mais o conflito entre pessoas de classes
inteligência é a calibradora do impulso
diferentes, como o marxismo apregoa e sim um
transformador. Cabe-lhe observar, buscar,
pesquisar e permitir a deliberação entre os
processo de congelamento do impulso humano.
possíveis (Fernandes, 1985, p.21). Criaria-se uma elite que deteria o poder, a
cultura e os bens materiais, que se manteria
através da destituição da capacidade de visão do
As tensões entre o indivíduo e o meio homem e sua racionalidade. Esse homem que
podem deter inúmeras facetas e possibilidades. detinha a capacidade crítica agora se dissolve
O homem naturalmente possui o impulso mas na massa e a comunicação de massa teria um
ele pode ser descontrolado ou simplesmente importante papel como formadora da consciência
reprimido. Ou seja, o impulso é inerente á desse homem.
natureza humana, no entanto ele pode tomar
rumos independentes do intelecto ou A formação da estrutura social norte-
simplesmente pode ficar detido ou entorpecido. americana está condicionada aos efeitos da
O impulso deve estar relacionado ao intelecto. A comunicação de massa. A comunicação
ação do indivíduo deve ser regida pelo intelecto proporcionou condições de apatia política devido
e esse deve ser norteado pela ciência. Novamente ao seu próprio conteúdo não político. Os
recaímos na ciência prática membros da elite são os que ocupam os postos
ou na ação política. O intelecto acaba de chefia das instituições, no caso dos
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EUA, o exército, o estado burocrático e as Além dos fatores econômicos e do alto
instituições financeiras, e eles se perpetuarão padrão de vida, outro elemento analisado pelo
através de um sistema construído a partir do autor foi a mobilidade e diversificação de um
desinteresse pela política (Mills, 1981). O autor mercado de prestígio em plena expansão. A
constata esse fenômeno a partir do surgimento imigração teve um papel fundamental nesse
de uma nova classe média no pós-45 composta estágio, pois os imigrantes vinham de países que
por trabalhadores assalariados – white collars. possuíam um padrão de vida menor do o do
norte-americano. Esses imigrantes tinham
A sociedade americana, segundo Mills
religiões, culturas e línguas diferentes.
(1976, p. 345), a partir da segunda metade do
século XX, apresenta um número crescente de Ocorre nesse processo, uma crescente
indivíduos indiferentes à política que superam tentativa de adaptação, ou leia-se americanização
aos leais ao sistema (liberais) e aos revoltosos por parte dos imigrantes, de sua cultura. Essa
(no sentido marxista). Observa também um tentativa buscava uma melhor forma de se
afastamento desses indivíduos das fidelidades adaptarem a um país geograficamente imenso e
políticas dominantes, sem que esses adquiram ainda por ser ocupado e também para facilitar a
novas. entrada em um mercado com um número de
indústrias e profissões cada vez maiores. Assim,
O desinteresse é acompanhado, segundo
a ocupação lenta e esparsa do território, a
o autor, de um descontentamento e
diversidade cultural dos imigrantes e a não
simultaneamente de otimismo esperançoso por
fixação profissional e comunitária permitiu uma
parte dos indivíduos. Esse otimismo e
menor integração dos indivíduos.
descontentamento nunca são de caráter político,
e sim voltado para situações cotidianas Portanto, segundo Mills (1976, p. 358), as
irrelevantes. Essa “despolitização” da socie-dade tendências históricas criaram uma mentalidade
foi promovida não somente pela comunicação indiferente à consciência política.
de massa como pela própria estrutura social e
política e pelas instituições americanas. A rapidez da mudança, criada pelo progresso
tecnológico, num território aberto, contribuiu
A estrutura social americana foi para a extrema mobilidade, expansão e
fundamental para o processo de despolitização diversidade. Os homens não estiveram
pois a sociedade americana possui uma enraizados ou fixados em uma tradição e
receptividade fantástica e entusiasta com relação portanto estiveram alienados desde o seu
ao conteúdo que a comunicação de massa aparecimento na estrutura social. A corrida, o
proporciona (Mills, 1976, p. 357). Ou seja, a prestígio e a égide do bom vendedor sem
estrutura social cria e mantém sistematicamente dúvida alguma aumentaram esse processo de
fixação e afastaram ainda mais o indivíduo das
a alienação.
demandas e ações políticas, assim como de si
A alienação e a receptividade são mesmos (Mills, 1976, p. 359).
decorrentes de um aumento progressivo e real
da renda, estimulada pelo desenvolvimento da Outro fator inerente à sociedade norte-
indústria e de sua prosperidade econômica americana é que suas instituições econômicas
provinda de um crescimento acelerado de estiveram sempre à frente das instituições
extensão dos mercados internos e externos. políticas. A política interliga-se com a economia
a fim de obter vantagens e garantir práticas
Os longos períodos de paz e abundância, econômicas. Essa ligação é tão forte que, perante
com satisfações materiais crescentes e a sociedade norte-americana, as instituições
ininterruptas, não criaram descontentamentos políticas e econômicas não se alinham mas elas
econômicos. se tornam uma única coisa. A satisfação material
O período de crise dos 30 serviu para é o objetivo a ser alcançado, e o que torna isso
reforçar tal perfil pois, almejar e recuperar uma possível é o melhor instrumento a ser utilizado.
prosperidade já vivida e com um amparo das Raramente a política americana tem sido
instituições políticas, torna-se muito mais fácil. autônoma. Sempre esteve ancorada no setor
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setor econômico, e os meios políticos são comunicação. Torna-se uma comunidade
empregados para obter e garantir fins abstrata onde as opiniões individuais são diluídas
econômicos limitados. Assim, se ela chegou a e a opinião da mídia é regulada pelas instituições.
despertar interesse, raramente esse interesse O total controle dos meios de comunicação fazem
convergiu para fins políticos, quase sempre não
com que a massa não tenha autonomia frente
ultrapassava os lucros e as perdas materiais
(Mills, 1976, p. 360).
às instituições e reduz qualquer possibilidade de
formação de opinião.
Assim, Mills (1985, p. 140), associa o A ascensão da sociedade de massa em
surgimento de uma nova classe média, diferente detrimento do público é explicada pela
da sociedade clássica, pois se abstem de seu centralização do poder pelas instituições e pela
poder crítico, com uma estrutura de poder estrutura burocrática que assume as esferas
baseado em uma elite que detém o comando políticas, econômicas e militares. Essas esferas
das instituições e que acaba por transformar a perderam suas funções originais, inclusive
sociedade pública em sociedade de massa. 1 políticas e se tornaram mais administrativas.
Primeiramente, devemos esclarecer, O poder individual e comunitário também
segundo a visão do autor o que seja público e sofreria modificações em grande escala e é cada
que é massa. A distinção dos dois termos está vez mais subordinado a associações organizadas
intimamente relacionada com a comunicação que em partidos de massa. Esses partidos, sempre
também é uma formadora de consciência. Alguns divididos em dois (no caso E.U.A)
problemas são apontados pelo autor monopolizariam a opinião e relegariam a um
principalmente no que diz respeito à estrutura segundo plano uma argumentação racional e
do poder e da emissão de opinião. Quando há prática (Mills, 1985, p.140). O processo eleitoral
um número proporcional de emissores e seria regido por um populismo e por técnicas de
receptores de opinião há a possibilidade de propaganda. Nesse ponto, os meios de
debate e de manifestação (Mills, 1985, p. 135). comunicação atuam de forma a desviar a atenção
Quando há uma desproporção entre emissores do indivíduo da realidade social e
e receptores, no caso um número reduzido de conseqüentemente da sua.
emissores, o processo democrático, que para
Mills (1985) é a idéia central da vida comunitária, A comunicação seria na opinião de Mills
torna-se impossível. Na organização da (1985, p. 142) o veículo transformador do público
comunicação a opinião é emitida por um número em massa. Os meios de comunicação retiraram
deduzido de emissores e normalmente não há a discussão e a tensão entre o indivíduo e a
represálias. Esses emissores são condicionados sociedade em favor de uma distração; de uma
pela própria estrutura do poder que regula o que alienação que suspende a atenção do indivíduo.
pode ser “dito” ou não. Assim, a organização da A tensão existiria apenas em caráter puramente
comunicação e seu processo de difusão são mercadológico: ter ou não um produto. O
institucionalizados com os auspícios da mídia indivíduo é desabilitado de uma visão de mundo
pacificados ou impedidos de omitirem suas e é simultaneamente desconectado de sua
opiniões. própria realidade. Portanto, o indivíduo não se
vincula ao que acontece a sua volta pois não
Assim, Mills (1985, p. 136) definiu que a relaciona o que acontece consigo mesmo; não
sociedade pública possui tantos emissores quanto se desprende do seu estreito cotidiano. 2 As
receptores de opinião. Na sociedade de massa, pessoas acabam por optar por meios de
as pessoas expressam muito pouco e recebem comunicação que reflitam os seus gostos e suas
muito mais opiniões dos meios de rotinas além de selecionarem opiniões que sejam
1
A concepção de opinião pública clássica se 2
Mills define esse espaço e essa rotina como
assemelha a de iluministas como Rosseau, mas com milieux.. Nestes milieux as pessoas ficam separadas sem
algumas sérias modificações. possuir um conhecimento da estrutura da sociedade.
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delas. Opiniões diferentes acabam por ser liderança moral e intelectual. O conceito de classe
tratadas com menosprezo, pois estão imersas em dominante refere-se a uma classe que dispõe
suas rotinas, cada vez mais estreitas e confinadas dos meios de produção material e intelectual.
(MILLS, 1985, p. 145). Essa classe para manter e reproduzir o modo de
produção, deve exercer o poder político, ou seja,
O indivíduo agora se relaciona por
deve pertencer ao Estado.
estereótipos e por pseudomundos que a
comunicação de massa pode criar ou mesmo Marx (1989) atribuiu à burguesia a classe
destruir. que detém esse domínio e o Estado como o meio
de administrar os seus interesses. No entanto,
Passa a ter o indivíduo pré-noções da
Gramsci (1985, p. 117-129) visualizou no domínio
realidade e das coisas que presume que estão
da sociedade civil e da política os dois níveis
certas e que devem ser seguidas. Ele acaba por
principais da hegemonia
perder a sua autonomia e, conseqüentemente
sua autoconfiança. Torna-se impotente perante A sociedade civil é um conjunto de
as estruturas burocráticas; anônimo nas organismos privados que se combinam com
megalópoles (típicas das sociedades de massa) o Estado a fim de exercerem o domínio sobre
e ausente nas decisões políticas (Mills, 1985, p. a sociedade. Portanto, a função da hegemonia
146). é a reprodução da dominação de classe.
Essa classe economicamente dominante
Mills busca em suas análises, se abster dos
faz concessões dentro de certos limites com
conceitos de ideologia e hegemonia, presentes
aliados que juntos, formam um bloco de forças
nas formulações teóricas de Marx, Gramsci e da
ou bloco histórico como definiu Gramsci (1985,
escola de Frankfurt (Adorno, Horkheimer et al).
p.19-24).
A estrutura social norte-americana seria
Esses blocos organizam a sociedade
construída a partir de um desinteresse político e
através de suas instituições sociais e produtivas
de uma comunicação de massa extremamente
nas quais a ideologia da classe dominante é
eficaz. O modo de produção e a carga ideológica
criada e recriada através dos intelectuais e dos
que ele carrega não são objetos da análise de
aparelhos ideológicos. Gramsci atribui aos
Mills (1985). Cabe aqui uma breve análise do
intelectuais não realizadores, ou seja, os que não
conceito de ideologia e hegemonia para maiores
voltam suas atenções para a sociedade como
esclarecimentos.
reprodutores da hegemonia da classe dominante.
Acreditava o autor que somente os intelectuais
2 A IDEOLOGIA COMO FORMADORA DA vindos de uma classe menos abastada são os
CONSCIÊNCIA “edificadores práticos da sociedade”. Através dos
aparelhos ideológicos, caracterizados por Gramsci
É comum afirmar que os Estados Unidos, na educação e nos meios de comunicação, os
no período pós-guerra, apresentou uma intelectuais reafirmam a dominação de classe
hegemonia que atingiu o seu ápice na década (Gramsci, 1985, p.117).
de 60. Cabe ressaltar que essa hegemonia é O Estado portanto, constitui um
caracterizada pelo domínio e liderança política e instrumento de dominação e o autor constata
econômica. que a hegemonia é exercida através da ideologia
Inúmeras vezes o conceito de hegemonia e pela ideologia. O conceito de “ideologia” de
foi utilizado para descrever o poder político, Gramsci (1985) parte da concepção de Marx
cultural e econômico dos E.U.A . na década de (1989).
50 e 60. No entanto, o conceito é utilizado sem Constitui ideologia, na visão de Marx
o devido rigor. O desenvolvimento do conceito é (1989), as representações que um grupo social
atribuído por inúmeros críticos a GRAMSCI dá a si mesmo em relação a outros grupos na
(1985). Segundo o autor, uma classe mantém o sociedade. Através da ideologia, uma
seu domínio não somente através da classe exprime os seu interesse. Em
organização de forças mas inclusive na contrapartida, a ideologia oculta e deforma
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iguais às relações sociais e as contradições Os interesses, conflitos e contradições
do modo de produção. Por fim, deduz sociais se reproduzem em um sistema de
que a representação ideológica dominante manipulação e sua análise permite romper com
é a da classe dominante e esta, dissimula as ideologias e com isso abrir o caminho para
as relações de dominação (Marx, 1989). novas transformações no campo social (Assoun,
1991, p.35).
Resumindo, a ideologia constituía uma falsa
consciência ou uma falsa representação Para Benjamin, como afirma Kothe (1976),
que as classes sociais possuem de sua própria em uma visão ainda mais próxima de Marx de
condição. “falsa consciência”, a ideologia pode ser um
instrumento utilizado nos conflitos entre as
Para Gramsci (1985, p.119), a ideologia
camadas sociais.
é uma concepção do mundo e está relacio-
nada com as idéias e atitudes Como Kothe (1976, p. 109) afirmou: “(...)
e, fundamentalmente, em orientar e conduzir um termo que não guarda apenas o sentido
através de regras. básico de falsa consciência...podia ter um sentido
positivo (...) como parte da luta de classes (...)
A ideologia se manifesta nas artes, nas
Ao dizer o outro “, a literatura tinha o seu
relações políticas e econômicas e sobretudo nas
momento de verdade, mas sendo espólio
manifestações coletivas e individuais. Através da
arrastado no cortejo dos vencedores e
ideologia que os homens atuam e adquirem
dominadores da história, assumia o caráter
consciência.
negativo da ideologia. Combatendo-o, assumia
A ideologia “hegemônica” não somente o caráter positivo desta.”
reflete os interesses econômicos como propicia
Cabe ressaltar que a teoria crítica de
uma visão sistemática que influencia a sociedade
Adorno (1978) e Marcuse (1982) foi além do
servindo como princípio de organização das
ponto central das concepções de Gramsci (1985)
instituições sociais e econômicas.
pois o alvo das observações desses autores
Conclui-se que a ideologia é o ponto central sempre foi a racionalidade instrumental ou seja,
da hegemonia e é nela em que se fundamenta abrigava uma subjetividade não encontrada no
todo o processo de organização social e produtiva autor italiano.
e é a partir dela que a estrutura da sociedade
A razão instrumental transformaria a
capitalista e as supremacias econômicas,
sociedade e os meios técnicos acabaram por
notadamente a norte-americana, baseiam-se.
impedir o desenvolvimento da capacidade
Adorno, como aponta Cohn (1986, p.12), criadora humana.
ao analisar as práticas sociais através da realidade
O progresso técnico vindo da racionalidade
distorcida, em que as relações de poder e as
instrumental, herança da era das luzes, atenderia
contradições do modo de produção se escondem,
a lógica do capital e não às necessidades
recorreram também à análise da ideologia com
humanas. A emancipação política e a reflexão
base nas concepções de Marx.
estariam paralisadas e a racionalidade científica
A teoria crítica basicamente se tornou uma seria vítima dos seus próprios métodos,tornando-
crítica à ideologia. A ideologia, não é algo que é se irracional.
imposto a um sujeito passivo pois ela não
Marcuse (1982) atribui ao progresso
somente submete ou o ilude e sim o coloca aos
técnico a “chave” da ideologia da sociedade
seus serviços segundo Adorno (1999).
industrial. O progresso técnico permitiu o
A indústria cultural permitiria que todos os surgimento de um sistema de dominação e
setores, principalmente a comunicação, coordenação que reconcilia qualquer sistema
reproduzissem a ideologia dominante. Tanto
Adorno (1978) como Mills (1985) atribuem um
papel fundamental da comunicação de massa na 3
Maiores detalhes sobre o conceito de indústria
formação da sociedade.3 cultural ver: Adorno, 1978
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de força que se opõe à ideologia (Marcuse, 1982, E novamente devemos atentar que tanto Adorno
p. 23-37). Não nos prolongaremos nessa quanto Mills, observaram a importância da
discussão pois para os frankfurtianos a base seria comunicação de massa como instrumento de
a própria racionalidade que aprisionaria o formação de consciência e de classe.
desenvolvimento e “libertação” como Marcuse
No que concerne à análise das classes
(1982) argumenta. Mas a argumentação de
sociais (e a questão do indivíduo), Mills é
Gramsci (1985) acerca da hegemonia e
notadamente um sociólogo que admitiu a sua
supremacia de uma classe em relação a outra
influência norte-americana e todos os seus mitos
ou a formação de blocos econômicos retém uma
de liberdade. Claramente um entusiasta do
lógica interessante, sendo oposta a de Mills
iluminismo, buscou questionar autores como
(1985). As noções de classe e de movimento
Gramsci, pela existência do estado totalitário
históricas são díspares entre Adorno e Gramsci.
stalinista. Os frankfurtianos (Adorno e Marcuse)
O sujeito torna-se a figura central de análise para
também questionaram os estados totalitários, a
Adorno (1999) e Marcuse (1982), enquanto a
noção de classe e, principalmente buscaram
classe social seria a base para o pensamento de
verificar se o iluminismo cumpriu sua promessa.
Gramsci (1985).
Contudo, a teoria de Mills constitui um
arcabouço fundamental na análise do
CONCLUSÃO surgimento do Estado normatizador norte-
americano. A associação entre a sociedade de
Segundo Mills, a formação da consciência consumo de massa e o intervencionismo baseado
na sociedade ficou independente do conflito de nas concepções keynesianas (Estado
interesses entre as camadas sociais, da ideologia normatizador) permitiu a consolidação de uma
e do modo de produção. Ocorre, segundo o autor sociedade de bem-estar social e, parale-lamente,
norte-americano, um processo de enrijecimento a hegemonia dos E.U.A no período que se segue
de um estado burocrático cada vez mais ao término da Segunda Grande Guerra.
administrado (concepção teórica notadamente
Apesar das críticas que apontam para
vinda de Max Weber) e uma estratificação social
uma fragilidade metodológica e da ausência em
que gerou uma elite e uma classe média que
suas análises dos conceitos de ideologia e
sofre mas nunca reage. Surge uma sociedade
hegemonia, Mills é o primeiro sociólogo crítico
de massa que é homogênea, apática, sem um
norte-americano e sua contribuição para uma
debate lógico e que “navega” em problemas
análise da sociedade de massa norte-americana
imaginários. A comunicação de massa produziu
permanece como um instrumento eficaz na
um indivíduo ausente politicamente e limitado
análise da formação da classe média norte-
em seus horizontes.
americana.
No entanto, Mills não releva que a ideologia
da camada econômica dominante, presente em
Gramsci e Adorno, reproduz o modo de produção. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
A rigor, a relevância de Mills recai sobre seus
apontamentos a cerca da sociedade norte- ADORNO, T.W. A indústria cultural. In: COHN,
americana do pós-45 e o papel que a G. (Org.). Comunicação e indústria cultural. São
comunicação de massa possui como Paulo: Companhia Editora Nacional, 1978.
“desmobilizadora” das atividades políticas e da
opinião pública. _____. Mensagens numa garrafa. In: ZIZEK,
Slavoj (Org.). Um mapa da ideologia. Rio de
A busca de Mills por uma “verdade” que Janeiro: Contraponto, 1999.
possa ser praticada como instrumento para
solidificação de uma sociedade puramente ADORNO, T.W. e HORKHEIMER M. A dialética do
democrática e a sua análise das estruturas do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
poder e sua elite acabam por ser 1986.
simultaneamente instigantes e intrigantes.
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