O documento descreve a experiência de Laura Miguel Ries, uma advogada insatisfeita que decidiu fazer um sabático. Ela viajou para a Índia e Nepal, onde estudou ioga e trabalhou como voluntária em um abrigo para crianças. Após um ano fora, Laura descobriu sua paixão pela ioga e abriu uma escola em Porto Alegre quando retornou. Sua história ilustra como um período sabático pode levar alguém a uma jornada de autoconhecimento e reinvenção profissional.
1. 6 ZERO HORA, SÁBADO,
ZERO HORA, SÁBADO, 7
18 DE MAIO DE 2013
18 DE MAIO DE 2013
MOMENTO PARA SE DESCOBRIR
VOCÊ ESTÁ ANGUSTIADO
COM OS RUMOS DA
SUA VIDA? CONHEÇA
GENTE QUE LARGOU
TUDO PARA MERGULHAR
EM UMA JORNADA
DE REDESCOBERTA
E REINVENÇÃO, NO
CHAMADO PERÍODO
SABÁTICO
LAURA
MIGUEL RIES,
33 ANOS
O que fazia
Trabalhava como
advogada, em
escritórios
O sabático
Insatisfeita, pediu
demissão e viajou para
o Oriente em 2007,
aos 26 anos. Durante
mais de um ano,
estudou ioga na Índia,
ensinou inglês para
refugiados tibetanos e
montou um abrigo para
crianças que sofriam
maus-tratos no Nepal
Itamar Melo
itamar.melo@zerohora.com.br
N
É CULTIVAR O
ESPÍRITO, PARA
QUE ALGO
DE NOVO
FLORESÇA
A mudança
Descobriu que queria
ser professora de ioga
e abriu uma escola
dedicada à prática
em Porto Alegre
TADEU VILANI
META
o mundo judaico antigo,um de
cada sete anos era destinado por
lei ao repouso compulsório.A
terra não podia ser cultivada,as dívidas
se extinguiam,os escravos conquistavam
a liberdade.Não era permitido sequer
colher os frutos das árvores.Terminado
esse período,conhecido como ano sabático,
tinha início um novo ciclo de vida.
Nos dias atuais,o sabático está de
novo em evidência,mas agora com um
novo significado,de caráter pessoal.A
ideia básica ainda é realizar uma pausa
prolongada antes de uma nova etapa.Mas
já não se trata apenas de deixar a terra
inculta.A meta agora é cultivar o espírito,
para que algo novo floresça.
Os“sabatistas”de hoje dão uma resposta
radical a angústias que são de quase todo
mundo: de sentir-se esmagado por uma
rotina que deixou de fazer sentido,de
ser prisioneiro de decisões tomadas em
um passado com qual já não é possível
identificar-se,de ter a sensação de que
todo novo dia é sempre o mesmo dia,
sem conduzir a nada.Diante disso,os
adeptos do sabático abandonam afazeres
e responsabilidades para mergulhar
dentro de si mesmos,em uma jornada de
redescoberta e reinvenção.
A dica
“É importante planejar
o lado financeiro e
quanto tempo vai durar
o sabático, mas o
planejamento não deve
ter muita rigidez, tem
de ser flexível. É preciso
ter uma ideia do que
se busca. Sempre digo:
vai e não julga. Uma
pessoa pode ir à Índia
e só enxergar miséria,
ou pode ver sabedoria,
ética e respeito”
Nessa nova encarnação,o ano sabático
deixou de ser uma obrigação religiosa para
virar um sonho acalentado por muitos,ainda
que realizado por poucos – bem poucos.
Mesmo assim,virou um fenômeno pop,
alimentado pelo exemplo de celebridades
como a ex-apresentadora do Fantástico Glória
Maria e o ex-técnico do Barcelona Josep
Guardiola,que renunciaram a suas posições
para sair em busca de seu verdadeiro eu.
O dado animador para quem está
buscando coragem de também largar tudo
para se encontrar é que existem exemplos
concretos fora do mundo das celebridades
e dos muito ricos.Nesse sentido,vale a pena
relatar a experiência transformadora vivida
pela porto-alegrense Laura Miguel Ries.
Até 2007,a vida de Laura seguia o script
previsível: formou-se em Direito na PUCRS,
fez pós-graduação na área tributária,
empregou-se em um grande escritório
de advocacia.Como quase todo mundo,
trabalhava horas sem fim para vencer prazos.
– Comecei a ver que aquilo não tinha
nada a ver comigo – conta ela.
A insatisfação chegou ao limite seis anos
atrás,quando Laura trabalhava em um
escritório de Florianópolis.Mas,duas vezes
por semana,tinha um desafogo: dava aulas
de ioga,que começara a praticar anos antes,
como forma de estar serena para a prova
da OAB,após duas reprovações.A cada
dia,via-se mais como professora de ioga e
menos como advogada.
– Eu estava dividida.Comecei a me sentir
muito longe da advocacia.Pensava assim:
“Estou com 26 anos e faço uma coisa de que
eu não gosto.Mas como vou viver de ioga?”.
Até que finalmente decidi:“Sabe de uma
coisa?Vou para a Índia e vou repensar tudo”.
Para bancar a empreitada, Laura raspou
o fundo de garantia e vendeu o carro. Os
amigos achavam que estava louca. O pai
ficou inconformado. Na bagagem, levou
uma mochila quase vazia, não queria
sequer usar as roupas da antiga Laura.
– Queria me desligar das referências
que tinha e ir despida e aberta para o que
viesse,sem pensar na volta – conta.
Laura foi para Mysore,no sul da Índia,
com a ideia de se aprofundar na ashtanga
yoga.Lá funcionava o centro mantido por
Pattabhi Jois,responsável por desenvolver
o método.Ela estava tão determinada a
prolongar ao máximo seu período sabático
que economizava cada centavo.Chegava a
cortar o próprio cabelo,para poupar.
Depois de dois meses,achou que lhe
faltava devolver o que tinha recebido,na
forma de trabalho voluntário.Seguiu para
Boudhnat,no Nepal,e começou a ensinar
inglês a refugiados tibetanos.Uma noite,
depois de comunicar-se com a família via
Skype em uma lan house,foi abordada por
um português.Ele contou-lhe que estava no
país para montar uma ONG em benefício
de meninas prostitutas de Katmandu.
– Posso ajudar.Tenho tempo livre
– entusiasmou-se Laura.
Voluntariado levou
Laura até o Nepal
O projeto sofreria uma reviravolta.Laura
e o português encontraram uma finlandesa
que visitava o Nepal para conhecer o
abrigo para crianças para o qual contribuía
financeiramente.O trio foi ao local e teve um
choque: a entidade era uma fraude.As 34
crianças,com idade entre dois e nove anos,
viviam em condições subumanas e tinham
nos corpos marcas de espancamento.O dono
estava envolvido em tráfico de menores para
prostituição e transplante de órgãos.
Laura e o amigo resgataram as crianças e,
em lugar da ONG,montaram uma entidade
para cuidar delas.Os 30 dias que a jovem
gaúcha planejara no Nepal acabaram por
virar seis meses de trabalho voluntário.
– Foi um período muito pesado.Chorei
inúmeras vezes com as histórias de maus
tratos.Vivi coisas muito fortes.Mas estava
apaixonada por aquilo e não queria voltar.
O retorno a Porto Alegre ocorreu depois de
11 meses,em 2008,por insistência do hoje
marido,mas durou poucos dias.Ela voltou
ao Oriente para ensinar ioga na Tailândia e
percorrer a Índia.O retorno definitivo foi em
2009 – se é que se pode falar em retorno:
– Acho que continuo lá.Sou outra pessoa,
muito distante do que eu era.Voltei sabendo
com clareza o que quero.
Quando montou uma escola de ioga
na Capital,Laura sentia-se tão longe da
advogada que não foi capaz de preparar os
contratos do empreendimento – pareciam
escritos em um idioma estranho.Aos
33 anos,ela recomenda que outras pessoas
façam como ela,mas com precauções:
– Se a pessoa está feliz com seu mundo,eu
digo: não vai.Conheço gente que largou tudo
e não se encontrou.Mas acho importante
sair do seu ambiente para se reestruturar.
Como fazer
Algumas dicas para você
preparar o seu próprio
período sabático
Faça um planejamento
Por mais vontade que
tenha de jogar tudo para o
alto, opte pelo planejamento.
Guarde o dinheiro necessário
para ficar tranquilo durante
o período de afastamento
de suas atividades. Mas não
planeje demais. No sabático,
você deve ter margem para
seguir os instintos e promover
súbitas mudanças de rumo.
O SABATISTA
MODERNO
dá uma
resposta radical
a angústias que
são de quase
todos, como
a de sentir-se
esmagado por
uma rotina
que não faz
mais sentido
Sabático não é férias
Abandonar a rotina
estressante apenas para
descansar e se divertir não é
sabático, é férias. A parada
prolongada faz diferença
quando envolve uma reflexão
sobre as coisas que são
importantes para a pessoa
e uma reavaliação do
caminho a seguir.
Saia da rotina
Um princípio básico do
sabático é se afastar do
estilo e do ambiente de vida
anterior. A ideia é sair do piloto
automático e lançar um novo
olhar sobre si. Quem não larga
a rotina não consegue pensar
diferente. Por isso, as viagens
costumam ajudar. Elas tiram a
pessoa do ambiente ao qual
estão acostumadas.
Tenha um plano B
Caso seu sabático não resulte
em alguma iluminação sobre o
que fazer da vida, é prudente
ter algo engatilhado para o
retorno ao mundo do trabalho.
Na medida do possível, tenha
uma saída de emergência
para esse momento. Uma
possibilidade é negociar de
antemão uma possível volta ao
velho emprego, por exemplo.
SEGUE >