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Ensaio Sobre as Vírgulas de P.P.F. Simões
“Uma reflexão sobre a obra saramaguiana num contexto contemporâneo.”




    José de Sousa Saramago, nascido em 16 de Novembro de 1922, o único
escritor de língua portuguesa a ser contemplado com o prêmio Nobel de
Literatura, teve sim, uma vida completamente diferente de tantos outros
escritores. Eram oras escritores que freqüentavam círculos acadêmicos ou
artísticos, oras outros que trabalhavam com tradução ou eram editores,
pertenciam exclusivamente a classes bem vividas, ou jovens escritores que
queriam viver financeiramente de literatura. Para ilustrar esta circunstância,
teríamos uma infinidade de exemplos (Marcel Proust, Milton Hatoum, Machado
de Assis, Gabriel Garcia Marques entre outros). Não obstante, este diferencial
na vida de José Saramago, netos de avós analfabetos, que passou a sua
infância inteira no campo de terras portuguesas em Azinhaga, escutando o
cuinchar dos porcos, não seria de se dizer que não houve influência deste
passado, como diria mais tarde em As Pequenas Memórias, na epígrafe,
“Deixa-te levar pela criança que foste”. A vivência cultural de Saramago era
nem um pouco abrangente ainda quando atingia a fase adulta de vida, quando
freqüentava as bibliotecas e vasculhava os livros sem algum mediador ou
professor ao lado, chegando ao ponto de imaginar que Ricardo Reis, realmente
tivesse vivido e sido um poeta melhor do que o outro, e o “outro” era Fernando
Pessoa; (está ai, talvez uma premissa ou pressuposto, se é que Saramago
entedia a literatura como desta maneira mais conceitual, assunto que será
abordado mais tarde); outrossim, eram estes devaneios que resultaram num de
seus melhores livros, quando se diz sobretudo pela forma espontânea,
aprofundada e arguta de como usa os léxicos, o corpo e a estruturação do
texto e cria um relato definitivamente cativante que é o livro O Ano da Morte de
Ricardo Reis, o livro que lhe fez conhecer Pilar, sua esposa até o leito de
morte; que por ventura também o mudou como escritor.
    Neste quinto livro de Saramago, anteriores seriam Terra do Pecado (A
viúva); Manual de Pintura e Caligrafia (reeditado em 1984); Levantando do
Chão (o romance que lhe dá notoriedade nacional) e; Memorial do Convento, o
romance que lhe dá notoriedade internacional como um exímio escritor (E
Claraboia, na visão do autor, o segundo romance, mas nunca foi publicado,
apenas póstumo no ano de 2011). Mas é em Ano da Morte de Ricardo Reis
que o escritor demonstra um texto não apenas vibrante. Mas sim, ficcional, de
autoria, com uma voz bem conhecida literariamente, com um estilo
aprofundado. E eis, que em toda a história da literatura, existem dois tipos de
escritores, àqueles que são dominados por um estilo, e os que dominam o
estilo que criaram. Saramago, obviamente, com este livro já demonstrava o
quanto era capaz de dar vida, mesmo sem precisar dos “travessões”, com as
vírgulas recriava um mundo, dava imaginação intrínseca num texto que
hibridamente   transpassava    uma    linha   tênue   entre   o   clássico   e   o
contemporâneo. Pelo contemporâneo, o estilo pós-modernista, que criava
raízes numa história da literatura como priori, dialogava com o social,
intercalava e dialogava com estilos, e pelo clássico, por aprimorar um estilo
barroco, de vírgulas, textos fortes, com referências ao teatro grego (Por
exemplo, quando não intitula seus personagens: Soldado, mulher do médico,
etecetera) e das poesias ditas em praças públicas, que o discurso era a
soberania de um texto, o jogo de palavras líricas. Saramago fez um texto de
diálogo, sua narrativa passa a idéia de um escritor dizendo para o leitor em voz
alta, o que tem total relação com os textos líricos (Mas no caso a língua
portuguesa como trabalho fonético de leitura).
    Outra constante que demonstra isto, é o fato de como Saramago opta
várias vezes por recriar uma história, ou aprimorar algo que não é
completamente contato. Temos alguns exemplos, História do Cerco de Lisboa,
ao refletir sobre pormenores históricos referentes a história-cultural de seu
país, demonstrando a tantas leitores o quanto amava Portugal (E não como
fora acusado inúmeras vezes, indo se refugiar em Lanzarote), ademais
demonstrando o quanto um simples “Não”, poderia mudar a história de um
país, dar uma nova visão ou sobretudo, estimular a uma reflexão. Um “Não”,
que também pode ser entendido metaforicamente, como se dissesse para nós,
Diga Não para aquilo que sempre fora dito Sim; A Caverna, refletindo sobre a
Alegoria da Caverna de Platão numa nuança, com uma atmosfera
contemporânea, numa crítica voraz ao capitalismo, talvez este uma das
maiores preocupações do autor; temos também Caim, recriando uma versão
própria sobre como enxergava a bíblia, dando uma voz ao primeiro assassino
bíblico e acusado, réu sem nenhuma defesa contra o assassinato de Abel,
humanizando a figura do primeiro assassino com o disser “Que diabos de deus
é este que para enaltecer um filho despreza o outro.” (Talvez este, de todos os
romances, o mais fraco); e, o bem mais desenvolvido O Evangelho Segundo
Jesus Cristo, uma perfeita alusão aos outros Evangelhos: Mateus, Marcos,
João e Lucas, como se no fundo, faltasse algo, algo contado pela própria
persona que sempre fora narrada, Jesus Cristo. Sobretudo pertinência
hermenêutica ao autor que também reflete acirradamente em Ricardo Reis.
    Este heterônimo de Fernando Pessoa, assim como Álvaro Campos, não há
registro de Fernando Pessoa sobre as mortes destes dois heterônimos. O “IL
sommo poeta” Pessoa morreu sem dar cabo a este assunto sem qualquer
explicação, talvez cansara, nem dera tempo, restaram as suposições que para
Saramago fizeram o maior sentido e então, com homenagem a sua falta de
conhecimento daquele época em que imaginava ser Ricardo Reis uma pessoa
de fato, como homenagem a um de seus preferidos escritores, (leitor assíduo
de Pessoa, assim como de Joyce, Proust, Tolstoi e, Almeida Garrett um
escritor do romantismo português), resolveu parabenizar com um relato e o ano
em que Ricardo supostamente morreria, que logo dito, é a grande metáfora de
todo o livro. Não é o poeta que morre, e sim, como dizia na epígrafe deste
memorável livro “Sábio é aquele que se contenta com o espetáculo do mundo”,
e Ricardo vem do Brasil à Lisboa justamente anos antecessores ao fascismo
que assolaria Portugal, Espanha e se desencadearia em tantos outros países,
como na Itália.
    O poeta, a pessoa de Ricardo Reis, não consegue mais compreender
aquele mundo. Não sente nenhuma vontade em voltar a ter sua própria clínica
hospitalar, o desejo de exercer a profissão foi embora junto com a capacidade
de voltar e se reconhecer como um cidadão Português, paradoxalmente, sente
vontade de conhecer melhor uma senhorita maneta que freqüenta o mesmo
hotel em que ele se hospeda mas há o temor para isto, e tem conversas com
Fernando Pessoa que surge em momentos inesperados, mesmo depois que o
legitimo poeta morrera, aprofundando conceitos de meta-texto e meta-
linguagem.
    “O tempo tem melhorado, o mundo é que vai a pior” (pag. 262), Ricardo
não sente mais a poesia ganhar vida ao explicar o mundo, o mundo já não é
mais explicado, é incompreendido. As razões deste talvez, o poeta mais
clássico de Fernando Pessoa, não surtem o menor efeito e nem as emoções
conseguem ir de encontro aos problemas da sociedade.
   “O Autor da Mensagem (poesia nacionalista de Fernando Pessoa) morrera
no dia trinta de Novembro próximo, de cólica hepática, talvez fosse ao médico
e deixasse de beber, talvez desmarcasse a consulta e passasse a beber o
dobro, para poder morrer antes. Ricardo Reis baixa o jornal” (pag. 49);
ambiguidade capaz de explicar ou exemplificar a crise existencialista que paíra
sobre o poeta mais clássico de Pessoa.
   A vida que o texto ganha, adquirindo inclusive nos diálogos entre Fernando
Pessoa e Ricardo Reis, demonstra o quanto o autor conhecia este, o maior
poeta português desde Camões. Sem ter nenhuma mediação, nenhum
professor e ninguém que lhe auxilia-se, apenas uma única pessoa que
dissesse a Saramago, Vê àquele livro, ao lado de Fernando Pessoa na estante,
é o próprio, Ricardo Reis é um heterônimo; mudaria tudo, mudaria como cada
persona neste livro parece ter sua própria personalidade. Não que Saramago
tenha dado vida a Ricardo Reis, ele já tinha, para isto o Poeta já tinha lhe
criado quando escrevia seus versos, o fato é que a visão saramaguiana faz
uma releitura, um trabalho de arqueologia com as letras.
   Se O Ano da Morte de Ricardo Reis foi então, um livro homenagem que o
autor   Saramago    elucidou   com    enorme    precisão,   arquitetando   uma
personalidade em cada persona, então, o seu livro pós-Ensaio Sobre a
Cegueira, o livro Todos os Nomes, é, algo que a priori o remetia a infância que
tivera em que, estava barrada numa burocracia já por assim dizer, arcaica,
contra a humanização do homem.
   Definitivamente muitos escritores passaram por um período de inatividade
após serem contemplados com o prêmio Nobel, outros escreviam mas em
menos quantidade; os motivos seriam então preenchidos pelas suposições;
mas um fato é claro em Saramago, até a sua morte sempre floresceu uma
impetuosa vontade veemente de continuar a escrever, com um vigor de
adolescente, lança livro atrás de livro (Quase como um Woddy Allen, lançando
material anos após ano), Saramago não cessa e no ano de 1997, um ano após
o Ensaio Sobre a Cegueira, um ano antes de ser contemplado com o prêmio
Nobel, é então lançado um de seus mais brilhantes livros quando se diz em
caráter psicológico com um personagem cativante e uma alusão perfeita ao
labirinto borgiano, com o fio de Ariadne dentro dum escritório público em lidar
com os nomes dos mortos, em que o ser humano, se perde, não se encontra,
resultando numa exímia reflexão de quão estamos vivendo e construindo para
nossos próprios labirintos contemporâneos e a partir disto, a cuidar destes
nomes sem fim, sem solução, nomes esquecidos que um certo rapaz,
simplesmente sem motivos cabíveis, contempla o nome de uma simples
mulher. O seu hobbie?, colecionar fotos de pessoas famosas que logo perdem
vez por um fascínio aflorado, um fascínio hermético. E começa numa busca
intangível e quase doente de uma pessoa desconhecida simplesmente porque
se interessara pelo seu nome. Para isto comete delitos, invadindo escolas,
repartições públicas, o humano vai se revelando ao próprio humano e com a
epígrafe "Conheces o nome que te deram, não conheces o nome que tens",
encabexa a grande metáfora de todo o livro.
   Ademais, deve ser dito também, que pela maneira aprofundada que o
protagonista é encurralado neste relato, há sim, uma demasiada influencia de
sua própria vida. Ainda na infância, quando seu irmão menor falecera e não
souberam o dia exato de sua morte ou de seu enterro. Quando mais tarde
Saramago se interessou pelo assunto, coube a ele a tarefa de buscar nas
bibliotecas e repartições por este “Nome”, tentando decifrar o que acontecera
de fato, com todo este processo burocrático que se torna o nosso labirinto
contemporâneo.
   Assim com a infância, Saramago mudou como escritor, intelectualizou o
que já estava intelectualizado, amadureceu algo já praticamente completo,
provando que a arte, a literatura nunca tem um fim, ad infinitum continuamente.
Foi um antes e outro depois de Pilar del Rio. Os seus livros começam a surgir,
isto depois de O Ano da Morte de Ricardo Reis, com personagens femininas
muito bem tratadas, argutas, talvez uma versão da própria esposa, são
personagens abnegadas, idealistas, que não poupam esforços para manter
acima de tudo, aquilo que acreditam, em prol dum objetivo maior. Vide A
mulher do médico, as mulheres de Jangada de Pedra, as mulheres de Todos
os Nomes, as mulheres de Ensaio Sobre a Lucidez, as mulheres de a Caverna
e assim por diante; não que devam ser consideradas personas feministas
porque de fato não são. Mas talvez a maior mudança, dita até no filme José &
Pilar, é quando os dois estão conversando e ele diz para Pilar, “Vem cá Pilar,
tenho algo bonito a dizer, o que é mais importante a literatura ou a vida,
responde Pilar sem dar tempo a resposta, “A vida”. Saramago não seria o
escritor que se tornou sem Pilar, sua companheira, amiga, esposa e colega de
trabalho.




     Não é nenhuma mentira, especialmente neste mundo literário atual,
rodeado por regras de editores, consultores e ghost writer, de que Saramago
quis optar por ser um escritor seguindo pelo caminho mais difícil. Se outrora
Dostoievsky levava o homem as suas últimas consequências dentro da
sociedade, Saramago faz o mesmo com as metáforas, criando histórias fora
dos padrões atuais mercadológicos. Exemplificando, cria metáforas indo até as
últimas consequências, metáforas que não são fáceis de serem entendíveis e
muito menos o escritor se faz para ser compreendido, como praxe e discurso
Saramaguiano, ele dizia, Nunca um escritor deve mudar sua literatura para ser
mais facilmente entendido pelo público, o público que se esforço em entender,
se   quiser (Em    entrevista   ao   Correio   da   Manhã). Obviamente      este
amadurecimento literário só ocorreu depois de tantas frustrações em escrever
e publicar. Com o primeiro livro viera a frustração e ter que mudar o título, com
o segundo (Claraboia), nunca publicado, viera a frustração em saber que seu
livro foi esquecido num departamento da editoria em que, fora-lhe prometido
publicar, e isto aos trinta anos de idade, o que o fez afastar-se da literatura;
Mas não parar de escrever, para a nossa sorte.
     Talvez a maior crítica a ser feita sobre Saramago, e talvez não as suas
obras, é o fato de ele não seguir um dito tupiniquim de uma escritora chamada
Clarice Lispector que disse em sua única entrevista “A função do escritor é falar
pouco” (Clarice nunca disse isto a ninguém ou a alguém, disse a si própria). De
fato, Clarice com um contexto de vida completamente diferente, autora de um
dos romances mais importantes da literatura contemporânea brasileira, A Hora
da Estrela e Maça no Escuro, tinha seus porquês ao mencionar isto, além do
fato de ser uma persona hermética. Só que Saramago ficou conhecido mais
pelos seus discursos e entrevistas do que seus livros, por assim dizer.
Infelizmente, especificando, muitas pessoas o conheceram por seus discursos
ateus e comunistas, se estivesse ao ouvido dos pensamentos de Clarice,
embora ao viés é sim um pensamento subjetivo, talvez as pessoas, o público
em geral, não teria jamais associado o escritor as estas questões. Até porque é
um escritor de fato amadurecido consigo próprio e com sua literatura,
obviamente seus livros não se resumem ou apenas englobam assuntos ateus
ou comunistas, o que leva ao grande público assimilá-lo de uma maneira
diferenciada antes de conhecê-lo, isto é, adquirem um preconceito. Fato que
jamais também, por outro lado, descaracterizava a sua literatura, Saramago
não fazia questão de ser, ou de aparecer, apenas demonstrava suas opiniões
e, sua literatura, sem dúvida, é muito mais rica do que seus discursos, como já
pensava seu grande amigo-irmão Gabriel Garcia Marques que recusava-se a
dar entrevistas ou proferir palestras por dois motivos, a timidez que sempre o
acompanhara ou, temendo que as palestras não fossem congruentes aos seus
romances.
    Mas para Saramago a função do escritor é escrever, e como cidadão se via
no direito de intervir na sociedade assim que achava pertinente, a própria
fundação de Saramago, com o intuito de divulgar literatura do escritor pelo
mundo visava questões de estrema importância social, tanto dentro de Portugal
como    fora;   com   um    conceito   extremamente     pertinente     as   artes
contemporâneas que é, a literatura não tem mais poder sobre as mudanças da
sociedade, como se acreditava durante séculos, de que com a literatura, a
música, o teatro, as artes em geral, eram cabíveis de mudanças sociais (Vide a
peça de teatro grega, As Troianas), o que a literatura faz, na concepção
saramaguiana, é refletir e dá reflexão quem sabe mudar, pelo menos eu que
estou a refletir, assim pensava Saramago que ressaltava, não haver objetivo na
literatura. Livros não serviriam para absolutamente nada.
    Reflexões que surgem em então o seu último grande romance Viagem do
Elefante (Caim é o último, mas é um texto fraco, sem o melhor da narrativa do
autor), um livro que resgata não apenas um paralelo histórico do autor e sim,
um poder de narrativa tão impressionante quanto os primeiros livros.
    Primeiro de tudo, há de sabermos que este livro possui duas interpretações
pertinentes que estariam corretas. A primeira, o Elefante é o próprio Saramago,
que se vê no dilema de interesses, conflitos sociais e políticas, interesses do
mercado literário, sendo levada a uma viagem que não pertencia, e ao final,
ainda consegue voltar para onde veio, isto é, ser quem deveria ser.
    A segunda, simples, é uma fábula de fato, e como tal, o elefante é o próprio
homem contemporâneo, carregado por interesses políticos, religiosos, um
homem então como o elefante, que não pensa, não fala, não age, apenas está
sucumbido a viagem que no caminho haverá a guerra, a fome, as desgraça,
haverá um padre usando o elefante para ludibriar um povo, dizendo que há
milagre de deus. O elefante estará no meio do conflito entre os cristãos e os
hindus. O elefante será considerada um encosto na vida daqueles que o
cercam. E será, ademais, usado como um presente dum rei ao outro.
    Certamente as duas visões estão corretas. O elefante é um resgate do
próprio autor consigo próprio e com o mundo que lho cerca, não seriamos
capazes de fazer nada além do que pensar e até mesmo a nossa maneira de
pensar estaria corrompida.
    Metáforas não faltariam na literatura saramaguiana. Em intermitências da
Morte, vemos a morte se apaixonando pela vida e a vida pela morte, em
Jangada de Pedra o choque cultural dum mundo que não consegue viver aos
entendimentos, em Ensaio Sobre a Lucidez, o voto nulo branco como ponto de
partida para se criar a democracia.


    Saramago, além disto, era um exímio leitor voraz. Partia da máxima, fale
um escritor e Saramago conhecerá. Desde literatura portuguesa até as mais
distantes de seu país natal, fato comprovado quando se olha o acervo deixado
por ele na biblioteca em Lanzarote aberta ainda hoje para visitas.
    O seu legado é indiscutível e pode-se dizer talvez o mais importante
escritor, no mundo, das últimas décadas, escritor dito como “polêmico”, xingado
acirradamente pelos próprios portugueses várias vezes, mesmo depois de seu
óbito quando as pessoas mandavam cartas para Pilar dizendo, Foi tarde, Vai
queimar no inferno.
    Entrementes foi um escritor que só escrevia no que de fato acreditava, vivia
e pensava sobre literatura com o seu comentário que fecha este ensaio, talvez
o comentário mais reflexivo congruente a literatura saramaguiana, “Eu escrevo
para entender o meu pensamento”.
                                                         P.P.F.S.     06/10/2011

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Ensaio sobre as vírgulas de Saramago

  • 1. Ensaio Sobre as Vírgulas de P.P.F. Simões “Uma reflexão sobre a obra saramaguiana num contexto contemporâneo.” José de Sousa Saramago, nascido em 16 de Novembro de 1922, o único escritor de língua portuguesa a ser contemplado com o prêmio Nobel de Literatura, teve sim, uma vida completamente diferente de tantos outros escritores. Eram oras escritores que freqüentavam círculos acadêmicos ou artísticos, oras outros que trabalhavam com tradução ou eram editores, pertenciam exclusivamente a classes bem vividas, ou jovens escritores que queriam viver financeiramente de literatura. Para ilustrar esta circunstância, teríamos uma infinidade de exemplos (Marcel Proust, Milton Hatoum, Machado de Assis, Gabriel Garcia Marques entre outros). Não obstante, este diferencial na vida de José Saramago, netos de avós analfabetos, que passou a sua infância inteira no campo de terras portuguesas em Azinhaga, escutando o cuinchar dos porcos, não seria de se dizer que não houve influência deste passado, como diria mais tarde em As Pequenas Memórias, na epígrafe, “Deixa-te levar pela criança que foste”. A vivência cultural de Saramago era nem um pouco abrangente ainda quando atingia a fase adulta de vida, quando freqüentava as bibliotecas e vasculhava os livros sem algum mediador ou professor ao lado, chegando ao ponto de imaginar que Ricardo Reis, realmente tivesse vivido e sido um poeta melhor do que o outro, e o “outro” era Fernando Pessoa; (está ai, talvez uma premissa ou pressuposto, se é que Saramago entedia a literatura como desta maneira mais conceitual, assunto que será abordado mais tarde); outrossim, eram estes devaneios que resultaram num de seus melhores livros, quando se diz sobretudo pela forma espontânea, aprofundada e arguta de como usa os léxicos, o corpo e a estruturação do texto e cria um relato definitivamente cativante que é o livro O Ano da Morte de Ricardo Reis, o livro que lhe fez conhecer Pilar, sua esposa até o leito de morte; que por ventura também o mudou como escritor. Neste quinto livro de Saramago, anteriores seriam Terra do Pecado (A viúva); Manual de Pintura e Caligrafia (reeditado em 1984); Levantando do Chão (o romance que lhe dá notoriedade nacional) e; Memorial do Convento, o romance que lhe dá notoriedade internacional como um exímio escritor (E
  • 2. Claraboia, na visão do autor, o segundo romance, mas nunca foi publicado, apenas póstumo no ano de 2011). Mas é em Ano da Morte de Ricardo Reis que o escritor demonstra um texto não apenas vibrante. Mas sim, ficcional, de autoria, com uma voz bem conhecida literariamente, com um estilo aprofundado. E eis, que em toda a história da literatura, existem dois tipos de escritores, àqueles que são dominados por um estilo, e os que dominam o estilo que criaram. Saramago, obviamente, com este livro já demonstrava o quanto era capaz de dar vida, mesmo sem precisar dos “travessões”, com as vírgulas recriava um mundo, dava imaginação intrínseca num texto que hibridamente transpassava uma linha tênue entre o clássico e o contemporâneo. Pelo contemporâneo, o estilo pós-modernista, que criava raízes numa história da literatura como priori, dialogava com o social, intercalava e dialogava com estilos, e pelo clássico, por aprimorar um estilo barroco, de vírgulas, textos fortes, com referências ao teatro grego (Por exemplo, quando não intitula seus personagens: Soldado, mulher do médico, etecetera) e das poesias ditas em praças públicas, que o discurso era a soberania de um texto, o jogo de palavras líricas. Saramago fez um texto de diálogo, sua narrativa passa a idéia de um escritor dizendo para o leitor em voz alta, o que tem total relação com os textos líricos (Mas no caso a língua portuguesa como trabalho fonético de leitura). Outra constante que demonstra isto, é o fato de como Saramago opta várias vezes por recriar uma história, ou aprimorar algo que não é completamente contato. Temos alguns exemplos, História do Cerco de Lisboa, ao refletir sobre pormenores históricos referentes a história-cultural de seu país, demonstrando a tantas leitores o quanto amava Portugal (E não como fora acusado inúmeras vezes, indo se refugiar em Lanzarote), ademais demonstrando o quanto um simples “Não”, poderia mudar a história de um país, dar uma nova visão ou sobretudo, estimular a uma reflexão. Um “Não”, que também pode ser entendido metaforicamente, como se dissesse para nós, Diga Não para aquilo que sempre fora dito Sim; A Caverna, refletindo sobre a Alegoria da Caverna de Platão numa nuança, com uma atmosfera contemporânea, numa crítica voraz ao capitalismo, talvez este uma das maiores preocupações do autor; temos também Caim, recriando uma versão própria sobre como enxergava a bíblia, dando uma voz ao primeiro assassino
  • 3. bíblico e acusado, réu sem nenhuma defesa contra o assassinato de Abel, humanizando a figura do primeiro assassino com o disser “Que diabos de deus é este que para enaltecer um filho despreza o outro.” (Talvez este, de todos os romances, o mais fraco); e, o bem mais desenvolvido O Evangelho Segundo Jesus Cristo, uma perfeita alusão aos outros Evangelhos: Mateus, Marcos, João e Lucas, como se no fundo, faltasse algo, algo contado pela própria persona que sempre fora narrada, Jesus Cristo. Sobretudo pertinência hermenêutica ao autor que também reflete acirradamente em Ricardo Reis. Este heterônimo de Fernando Pessoa, assim como Álvaro Campos, não há registro de Fernando Pessoa sobre as mortes destes dois heterônimos. O “IL sommo poeta” Pessoa morreu sem dar cabo a este assunto sem qualquer explicação, talvez cansara, nem dera tempo, restaram as suposições que para Saramago fizeram o maior sentido e então, com homenagem a sua falta de conhecimento daquele época em que imaginava ser Ricardo Reis uma pessoa de fato, como homenagem a um de seus preferidos escritores, (leitor assíduo de Pessoa, assim como de Joyce, Proust, Tolstoi e, Almeida Garrett um escritor do romantismo português), resolveu parabenizar com um relato e o ano em que Ricardo supostamente morreria, que logo dito, é a grande metáfora de todo o livro. Não é o poeta que morre, e sim, como dizia na epígrafe deste memorável livro “Sábio é aquele que se contenta com o espetáculo do mundo”, e Ricardo vem do Brasil à Lisboa justamente anos antecessores ao fascismo que assolaria Portugal, Espanha e se desencadearia em tantos outros países, como na Itália. O poeta, a pessoa de Ricardo Reis, não consegue mais compreender aquele mundo. Não sente nenhuma vontade em voltar a ter sua própria clínica hospitalar, o desejo de exercer a profissão foi embora junto com a capacidade de voltar e se reconhecer como um cidadão Português, paradoxalmente, sente vontade de conhecer melhor uma senhorita maneta que freqüenta o mesmo hotel em que ele se hospeda mas há o temor para isto, e tem conversas com Fernando Pessoa que surge em momentos inesperados, mesmo depois que o legitimo poeta morrera, aprofundando conceitos de meta-texto e meta- linguagem. “O tempo tem melhorado, o mundo é que vai a pior” (pag. 262), Ricardo não sente mais a poesia ganhar vida ao explicar o mundo, o mundo já não é
  • 4. mais explicado, é incompreendido. As razões deste talvez, o poeta mais clássico de Fernando Pessoa, não surtem o menor efeito e nem as emoções conseguem ir de encontro aos problemas da sociedade. “O Autor da Mensagem (poesia nacionalista de Fernando Pessoa) morrera no dia trinta de Novembro próximo, de cólica hepática, talvez fosse ao médico e deixasse de beber, talvez desmarcasse a consulta e passasse a beber o dobro, para poder morrer antes. Ricardo Reis baixa o jornal” (pag. 49); ambiguidade capaz de explicar ou exemplificar a crise existencialista que paíra sobre o poeta mais clássico de Pessoa. A vida que o texto ganha, adquirindo inclusive nos diálogos entre Fernando Pessoa e Ricardo Reis, demonstra o quanto o autor conhecia este, o maior poeta português desde Camões. Sem ter nenhuma mediação, nenhum professor e ninguém que lhe auxilia-se, apenas uma única pessoa que dissesse a Saramago, Vê àquele livro, ao lado de Fernando Pessoa na estante, é o próprio, Ricardo Reis é um heterônimo; mudaria tudo, mudaria como cada persona neste livro parece ter sua própria personalidade. Não que Saramago tenha dado vida a Ricardo Reis, ele já tinha, para isto o Poeta já tinha lhe criado quando escrevia seus versos, o fato é que a visão saramaguiana faz uma releitura, um trabalho de arqueologia com as letras. Se O Ano da Morte de Ricardo Reis foi então, um livro homenagem que o autor Saramago elucidou com enorme precisão, arquitetando uma personalidade em cada persona, então, o seu livro pós-Ensaio Sobre a Cegueira, o livro Todos os Nomes, é, algo que a priori o remetia a infância que tivera em que, estava barrada numa burocracia já por assim dizer, arcaica, contra a humanização do homem. Definitivamente muitos escritores passaram por um período de inatividade após serem contemplados com o prêmio Nobel, outros escreviam mas em menos quantidade; os motivos seriam então preenchidos pelas suposições; mas um fato é claro em Saramago, até a sua morte sempre floresceu uma impetuosa vontade veemente de continuar a escrever, com um vigor de adolescente, lança livro atrás de livro (Quase como um Woddy Allen, lançando material anos após ano), Saramago não cessa e no ano de 1997, um ano após o Ensaio Sobre a Cegueira, um ano antes de ser contemplado com o prêmio Nobel, é então lançado um de seus mais brilhantes livros quando se diz em
  • 5. caráter psicológico com um personagem cativante e uma alusão perfeita ao labirinto borgiano, com o fio de Ariadne dentro dum escritório público em lidar com os nomes dos mortos, em que o ser humano, se perde, não se encontra, resultando numa exímia reflexão de quão estamos vivendo e construindo para nossos próprios labirintos contemporâneos e a partir disto, a cuidar destes nomes sem fim, sem solução, nomes esquecidos que um certo rapaz, simplesmente sem motivos cabíveis, contempla o nome de uma simples mulher. O seu hobbie?, colecionar fotos de pessoas famosas que logo perdem vez por um fascínio aflorado, um fascínio hermético. E começa numa busca intangível e quase doente de uma pessoa desconhecida simplesmente porque se interessara pelo seu nome. Para isto comete delitos, invadindo escolas, repartições públicas, o humano vai se revelando ao próprio humano e com a epígrafe "Conheces o nome que te deram, não conheces o nome que tens", encabexa a grande metáfora de todo o livro. Ademais, deve ser dito também, que pela maneira aprofundada que o protagonista é encurralado neste relato, há sim, uma demasiada influencia de sua própria vida. Ainda na infância, quando seu irmão menor falecera e não souberam o dia exato de sua morte ou de seu enterro. Quando mais tarde Saramago se interessou pelo assunto, coube a ele a tarefa de buscar nas bibliotecas e repartições por este “Nome”, tentando decifrar o que acontecera de fato, com todo este processo burocrático que se torna o nosso labirinto contemporâneo. Assim com a infância, Saramago mudou como escritor, intelectualizou o que já estava intelectualizado, amadureceu algo já praticamente completo, provando que a arte, a literatura nunca tem um fim, ad infinitum continuamente. Foi um antes e outro depois de Pilar del Rio. Os seus livros começam a surgir, isto depois de O Ano da Morte de Ricardo Reis, com personagens femininas muito bem tratadas, argutas, talvez uma versão da própria esposa, são personagens abnegadas, idealistas, que não poupam esforços para manter acima de tudo, aquilo que acreditam, em prol dum objetivo maior. Vide A mulher do médico, as mulheres de Jangada de Pedra, as mulheres de Todos os Nomes, as mulheres de Ensaio Sobre a Lucidez, as mulheres de a Caverna e assim por diante; não que devam ser consideradas personas feministas porque de fato não são. Mas talvez a maior mudança, dita até no filme José &
  • 6. Pilar, é quando os dois estão conversando e ele diz para Pilar, “Vem cá Pilar, tenho algo bonito a dizer, o que é mais importante a literatura ou a vida, responde Pilar sem dar tempo a resposta, “A vida”. Saramago não seria o escritor que se tornou sem Pilar, sua companheira, amiga, esposa e colega de trabalho. Não é nenhuma mentira, especialmente neste mundo literário atual, rodeado por regras de editores, consultores e ghost writer, de que Saramago quis optar por ser um escritor seguindo pelo caminho mais difícil. Se outrora Dostoievsky levava o homem as suas últimas consequências dentro da sociedade, Saramago faz o mesmo com as metáforas, criando histórias fora dos padrões atuais mercadológicos. Exemplificando, cria metáforas indo até as últimas consequências, metáforas que não são fáceis de serem entendíveis e muito menos o escritor se faz para ser compreendido, como praxe e discurso Saramaguiano, ele dizia, Nunca um escritor deve mudar sua literatura para ser mais facilmente entendido pelo público, o público que se esforço em entender, se quiser (Em entrevista ao Correio da Manhã). Obviamente este amadurecimento literário só ocorreu depois de tantas frustrações em escrever e publicar. Com o primeiro livro viera a frustração e ter que mudar o título, com o segundo (Claraboia), nunca publicado, viera a frustração em saber que seu livro foi esquecido num departamento da editoria em que, fora-lhe prometido publicar, e isto aos trinta anos de idade, o que o fez afastar-se da literatura; Mas não parar de escrever, para a nossa sorte. Talvez a maior crítica a ser feita sobre Saramago, e talvez não as suas obras, é o fato de ele não seguir um dito tupiniquim de uma escritora chamada Clarice Lispector que disse em sua única entrevista “A função do escritor é falar pouco” (Clarice nunca disse isto a ninguém ou a alguém, disse a si própria). De fato, Clarice com um contexto de vida completamente diferente, autora de um dos romances mais importantes da literatura contemporânea brasileira, A Hora da Estrela e Maça no Escuro, tinha seus porquês ao mencionar isto, além do fato de ser uma persona hermética. Só que Saramago ficou conhecido mais pelos seus discursos e entrevistas do que seus livros, por assim dizer. Infelizmente, especificando, muitas pessoas o conheceram por seus discursos
  • 7. ateus e comunistas, se estivesse ao ouvido dos pensamentos de Clarice, embora ao viés é sim um pensamento subjetivo, talvez as pessoas, o público em geral, não teria jamais associado o escritor as estas questões. Até porque é um escritor de fato amadurecido consigo próprio e com sua literatura, obviamente seus livros não se resumem ou apenas englobam assuntos ateus ou comunistas, o que leva ao grande público assimilá-lo de uma maneira diferenciada antes de conhecê-lo, isto é, adquirem um preconceito. Fato que jamais também, por outro lado, descaracterizava a sua literatura, Saramago não fazia questão de ser, ou de aparecer, apenas demonstrava suas opiniões e, sua literatura, sem dúvida, é muito mais rica do que seus discursos, como já pensava seu grande amigo-irmão Gabriel Garcia Marques que recusava-se a dar entrevistas ou proferir palestras por dois motivos, a timidez que sempre o acompanhara ou, temendo que as palestras não fossem congruentes aos seus romances. Mas para Saramago a função do escritor é escrever, e como cidadão se via no direito de intervir na sociedade assim que achava pertinente, a própria fundação de Saramago, com o intuito de divulgar literatura do escritor pelo mundo visava questões de estrema importância social, tanto dentro de Portugal como fora; com um conceito extremamente pertinente as artes contemporâneas que é, a literatura não tem mais poder sobre as mudanças da sociedade, como se acreditava durante séculos, de que com a literatura, a música, o teatro, as artes em geral, eram cabíveis de mudanças sociais (Vide a peça de teatro grega, As Troianas), o que a literatura faz, na concepção saramaguiana, é refletir e dá reflexão quem sabe mudar, pelo menos eu que estou a refletir, assim pensava Saramago que ressaltava, não haver objetivo na literatura. Livros não serviriam para absolutamente nada. Reflexões que surgem em então o seu último grande romance Viagem do Elefante (Caim é o último, mas é um texto fraco, sem o melhor da narrativa do autor), um livro que resgata não apenas um paralelo histórico do autor e sim, um poder de narrativa tão impressionante quanto os primeiros livros. Primeiro de tudo, há de sabermos que este livro possui duas interpretações pertinentes que estariam corretas. A primeira, o Elefante é o próprio Saramago, que se vê no dilema de interesses, conflitos sociais e políticas, interesses do
  • 8. mercado literário, sendo levada a uma viagem que não pertencia, e ao final, ainda consegue voltar para onde veio, isto é, ser quem deveria ser. A segunda, simples, é uma fábula de fato, e como tal, o elefante é o próprio homem contemporâneo, carregado por interesses políticos, religiosos, um homem então como o elefante, que não pensa, não fala, não age, apenas está sucumbido a viagem que no caminho haverá a guerra, a fome, as desgraça, haverá um padre usando o elefante para ludibriar um povo, dizendo que há milagre de deus. O elefante estará no meio do conflito entre os cristãos e os hindus. O elefante será considerada um encosto na vida daqueles que o cercam. E será, ademais, usado como um presente dum rei ao outro. Certamente as duas visões estão corretas. O elefante é um resgate do próprio autor consigo próprio e com o mundo que lho cerca, não seriamos capazes de fazer nada além do que pensar e até mesmo a nossa maneira de pensar estaria corrompida. Metáforas não faltariam na literatura saramaguiana. Em intermitências da Morte, vemos a morte se apaixonando pela vida e a vida pela morte, em Jangada de Pedra o choque cultural dum mundo que não consegue viver aos entendimentos, em Ensaio Sobre a Lucidez, o voto nulo branco como ponto de partida para se criar a democracia. Saramago, além disto, era um exímio leitor voraz. Partia da máxima, fale um escritor e Saramago conhecerá. Desde literatura portuguesa até as mais distantes de seu país natal, fato comprovado quando se olha o acervo deixado por ele na biblioteca em Lanzarote aberta ainda hoje para visitas. O seu legado é indiscutível e pode-se dizer talvez o mais importante escritor, no mundo, das últimas décadas, escritor dito como “polêmico”, xingado acirradamente pelos próprios portugueses várias vezes, mesmo depois de seu óbito quando as pessoas mandavam cartas para Pilar dizendo, Foi tarde, Vai queimar no inferno. Entrementes foi um escritor que só escrevia no que de fato acreditava, vivia e pensava sobre literatura com o seu comentário que fecha este ensaio, talvez o comentário mais reflexivo congruente a literatura saramaguiana, “Eu escrevo para entender o meu pensamento”. P.P.F.S. 06/10/2011