O documento descreve como as palavras podem ser poderosas para machucar ou curar, e como a Torá proíbe o uso de "Onaat Devarim" - palavras que causam dor ou sofrimento a outra pessoa. Ele fornece exemplos de como piadas e comentários aparentemente inofensivos podem ferir alguém, e alerta sobre as graves consequências de usar a fala para magoar os outros.
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O nome Yissocher Frand tem se tornado sinônimo de eloquência, humor, paixão,
sensibilidade e sabedoria da Torá. Suas palestras e CDs são entusiasticamente
aguardados e bem-vindos em todo o mundo, de Melbourne (Austrália) a
Johanesburgo (África do Sul), de São Paulo a Jerusalém, passando por incontáveis
outros pontos.
Nascido em Seattle (EUA) e ensinando na Yeshivá Ner Israel, em Baltimore, EUA, o
rabino Frand transmite ensinamentos incisivos e relevantes, grande sabedoria e um
entendimento intuitivo e claro para analisarmos o nosso dia-a-dia e nossas aspirações
através do prisma da Torá. Todos querem viver vidas com significado e conteúdo. O
rabino Frand nos inspira a nos elevarmos e nos aperfeiçoarmos como pessoas. Se ele
tem sucesso? Pergunte a algum dos milhares de pessoas que comparecem às suas
palestras ou que fazem de seus CDs e MP3 (www.yadyechiel.org) parte indispensável de
suas vidas.
Raramente uma pessoa consegue capturar a atenção de tantos tipos diferentes de
audiência. Nesta tradução vocês terão a oportunidade de conhecer seu estilo,
balanceando a vida moderna contemporânea com os eternos valores da Torá. Como
uma sinfonia nas mãos de um virtuoso, estes temas, tão banais e ao mesmo tempo
básicos em nossa complexa sociedade, tomam forma e se tornam claros através da
mente e da caneta do rabino Frand.
Boa leitura!
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EM MEMÓRIA DE:
Admór Rebe Yoel ben Yaacov Shlomo Z”TL (Admor de Ratsfert)
Admór Rebe Eliezer ben Admór Rebe Yehoshua Horwitz Z”TL (Admor de Mélitz) Zeêv ben Ytschak
Yaacov Z”L
Guedale ben Haim Yehuda Z”L
Ytschak Yaacov ben Haim Yehuda Z”L
Zeev ben Haim Yehuda Z”L
Haim Shaul ben Sara Z”L
Yaacov ben Nahum Z”L
Reuven ben Yaacov Z”L
Yaacov Leib ben Mordechai Z”L
Kalman ben Yaacov Leib Z”L
Mordechai ben Leibe Z”L
Mordechai ben Moshe Z”L
Hershel Halevi ben Manes Z”L
Moshe Leib ben Isser Z"L
Yehuda ben Shlomo Z"L
Avraham Abadi ben Bahie Z”L
Itzchak Yaacov ben Kalman Z”L
Shmuel ben Olga Z”L
Natan ben Mercada Z”L
Haim Yehoshua Hacoen ben Arie Levi Z”L
Yaacov ben Rivka Z”L
Hana bat Mordechai Z”L
Guita bat Haim Z”L
Sara bat Mordechai Z”L
Ite bat Nahum Z”L
Carmela bat Shmuel Z”L
Henia Lea bat Shmuel Z”L
Sara bat Shie Z”L
Mirionas bat Mordechai Z”L
Alexander Shulamit bat Yossef Z"L
Haia Alexandra bat Shmuel Z"L
Blima Haia bat Shlomo Z"L
Blima bat Moshe Z”L
Regina Malca bat Adele Z”L
Sara Malka bat Israel Z”L
Sara bat Corinne Chaya Z”L
Zoui bat Louli Z”L
Tsipora bat Levana Z”L
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Certa vez o Rabino Avraham Pam Z”TL (EUA, 1913-2001) comentou sobre todo
o incrível trabalho que está sendo feito pela Hafetz Haim Heritage Foundation
(https://powerofspeech.org/) sobre os terríveis efeitos do Lashon Hará (fala difamatória),
oferecendo dezenas e dezenas de diferentes programas e campanhas de
conscientização internacionais para nos ensinar como não falar Lashon Hará – e
com extremo sucesso. Todavia uma fala positiva engloba mais do que apenas
evitar o Lashon Hará. Há outro aspecto da fala que pode ser tão prejudicial e –
em certos casos – até pior do que o Lashon Hará, e que carregam consigo os
terríveis sofrimentos que as palavras podem infligir. Em hebraico isto é chamado
de Onaat Devarim – traduzido livremente como ‘palavras dolorosas’.
Se buscarmos em nossas memórias de infância, provavelmente nos
lembraremos de pelo menos um caso em que alguém nos insultou e nossas
mães (ou algum outro adulto) nos responderam com o poema:
Paus e pedras,
Podem quebrar meus ossos
Mas as palavras nunca podem me machucar.
Odeio refutar um mito que muitas pessoas carregam consigo há tanto
tempo, mas essa rima contém a mesma veracidade que os contos de fada. A
Torá ensina que as palavras têm poder e infligem danos muito grandes. São
mais dolorosas, mais destrutivas e mais difíceis de reparar do que paus e pedras
em ossos quebrados.
Palavras podem machucar e palavras podem curar. Muitas pessoas dizem:
“Palavras são ‘apenas palavras’. Que diferença já podem fazer?” Isto não é
verdade. As palavras são enormemente poderosas. Podem machucar e podem
curar. Podem encorajar e podem destruir. E precisamente por serem tão
poderosas é que há uma proibição na Torá contra o ato de falar palavras
ofensivas – umas das 365 proibições da Torá, assim como as proibições de
roubar ou comer alimentos não-casher.
Em Parashat Behar, a Torá declara: “Velo tonu ish et amito veyareta
me'Elokeha, ki ani Hashem Elokehem - Cada um de vocês não deve afligir nem
atormentar seu companheiro, e tema o seu D’us; pois eu sou Hashem, seu D’us”
(Vaikrá 25:17).
O livro Sefer HaChinuch (Mitsvá 338) define essa proibição da seguinte forma:
“Há uma proibição de dizer coisas que irritem e /ou façam sofrer outra pessoa –
ou seja: não se deve dizer palavras que magoem, causem dor e deixem a pessoa
desamparada, sem reação”.
Poderíamos pensar que para ser considerado um transgressor de Onaat
Devarim a pessoa teria de dizer algo excessivamente ofensivo ou totalmente
degradante. Para a nossa surpresa, entretanto, o Talmud (Baba Metsia 58b) lista
vários exemplos de Onaat Devarim que poderíamos ter considerado como formas
perfeitamente normais de expressão. Vejamos:
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• Não se deve dizer a um baal teshuvá: “Lembre-se de seu passado”.
Um baal teshuvá (ou uma baalat teshuvá) é uma pessoa que não seguia no
caminho da Torá e que agora está seguindo. Não é permitido lembrar-lhe de seu
passado. Um exemplo: o seu colega de assento na sinagoga é um baal teshuvá
que pronuncia cada sílaba da reza com sentimento e se balança com tanta
concentração e inspiração, que você começa a ficar irritado com todo o seu
entusiasmo (que talvez nós próprios não sintamos). Então você diz a ele: “Ouça!
Por que você não vai mais devagar com toda essa empolgação? Há apenas três
meses você estava comendo salada de camarão...”. Tais palavras ‘acertam’ num
ponto muito sensível e delicado da pessoa e, portanto, constituem Onaat
Devarim.
• Piadas de mau gosto podem ser Onaat Devarim.
O Talmud diz: “Se uma pessoa vê puxadores de burros que chegaram à
cidade e estão procurando feno para alimentar seus animais, ela não deve
encaminhá-los a alguém que não tenha alimento para eles. Quando batem na
porta e pedem feno, descobrem que a pessoa, por exemplo, é vendedora de
bebidas – e ela ficará muito envergonhada por não ter como ajudar”. O
brincalhão provavelmente deu boas risadas à custa do outro – porém transgrediu
a proibição da Torá de Onaat Devarim.
Caso você pense que isso é um exagero, considere a seguinte resolução
rabínica que aparece no livro Shut Hatam Sofer (Hoshen Mishpat 176):
Havia um shohet (pessoa que faz o abate de animais segundo as leis da cashrut) em certa
aldeia que teve uma filha. Ele quis pregar uma peça num conhecido seu de
outra cidade. Este conhecido era um mohel (pessoa que faz brit milá nos bebês)
que sempre aceitava viajar grandes distâncias pelo privilégio de cumprir a
mitsvá de brit milá. Ele o chamou à sua aldeia para que fizesse o brit milá
de seu filho na 4ª feira seguinte. O mohel ficou feliz com a oportunidade
de fazer esta grande mitsvá e viajou quatro horas até a aldeia. Ele entrou
na sinagoga na manhã de 4ª feira e perguntou: “Onde está o bebê?”
Todos riram. “Menino? Ele teve uma filha!”. Todos na aldeia deram boas
risadas à custa do mohel, que voltou para casa humilhado.
Grande piada! Mas custosa. O Hatam Sofer (Rabino Moshe Sofer, Hungria, 1762-1839)
determinou que este shohet fosse suspenso de seu trabalho até que pedisse e
recebesse perdão do mohel. Ele tornou-se um shohet passul (desqualificado) por ter
violado a proibição de Onaat Devarim.
Claramente, Onaat Devarim não é motivo de riso. Há aqui uma severidade
que não encontramos em muitas outras proibições e que traz a fúria do Todo-
Poderoso sobre a pessoa como poucas outras proibições da Torá o trazem.
Em Parashat Mishpatim a Torá nos exorta: “Kol almaná veyatom lo te'anun
- não aflijam viúvas e órfãos” (Shemot 22:21). Poder-se-ia pensar que essa proibição
se aplica apenas a viúvas e órfãos, mas Rashi (Rabino Shlomo ben Ytschak (França, 1040-
1104)) ensina o contrário. Ele explica que a Torá escolheu viúvas e órfãos apenas
como exemplos de membros da sociedade que, por não terem ninguém para
defendê-los, atribuem qualquer insulto que recebam à sua vulnerabilidade. Na
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verdade, no entanto, a proibição se aplica igualmente a qualquer um que sofrer
como resultado de nossas ações.
A Torá continua nos alertando sobre as terríveis consequências que
afligirão aqueles que causarem dor a outra pessoa: “Pois se ela clamar a Mim, Eu
certamente ouvirei seu clamor. O Meu furor se inflamará e Eu os castigarei pela
espada. As vossas mulheres ficarão viúvas e os vossos filhos órfãos”(Ibid vs. 22-
23).
Enquanto a proibição de infligir dor não se limita apenas à variedade
verbal, é evidente que aqueles que usam palavras para ferir os outros correm o
risco de incorrer na ira de Hashem e em sofrer consequências desagradáveis.
O Talmud (Baba Metsia 59a) ensina que há casos em que os Portões Celestiais
que recebem as nossas orações podem estar fechados, porém sha'arei ona'ah lo
ninalu - os Portões da Onaat Devarim nunca se fecham. A angústia que a pessoa
sente quando é agredida por um ataque verbal é tão aguda e dolorosa que,
quando ela clama, seu grito atravessa esses portões e D’us a atende.
Meu bom amigo Yaacov Luben me mostrou algo fascinante. Há um livro
intitulado Amudei Or escrito por um brilhante sábio, o Rabino Yehiel Heller
(Lituânia 1814-1862). Ele era um dos maiores gênios de sua época. Curiosamente,
cada responsa em seu livro é assinada com “He’aluv Yehiel Heller”. He’aluv
significa “O humilhado”. Por que Rav Yehiel Heller assinava suas responsas com
essa estranha denominação?
Seu avô materno tinha uma loja de bebidas. Quando viajava a negócios,
sua filha Rivka cuidava da loja para ele. De alguma forma, rumores começaram
a se espalhar que Rivka se comportou de uma maneira inadequada para uma Bat
Israel. Em pouco tempo, as calúnias infundadas danificaram a sua reputação e
ela não conseguia encontrar um shiduch (uma pessoa para se casar). Percebendo que a
filha não conseguiria mais encontrar um pretendente entre as famílias
conhecidas da sociedade, seu pai chegou à conclusão de que não tinham escolha
a não ser considerar propostas que até então não haviam considerado. Sua
busca o levou a um jovem apelidado de Aharon der Shmeisser, o assistente do
motorista de carroça da cidade. O cocheiro se sentava na carroça e controlava as
rédeas. Como assistente, Aharon corria ao lado da carroça e chicoteava os
cavalos - daí o apelido de shmeisser (aquele que bate). Este era um trabalho ainda
menos nobre do que o de carroceiro.
Rivka, uma garota maravilhosa e perfeitamente virtuosa que se tornou
alvo de mexericos e insinuações cruéis e insensíveis, não teve outra opção a não
ser se casar com Aharon der Shmeisser.
Sob a hupá (pálio nupcial), Rivka orou: “Mestre do Universo, o Senhor sabe
perfeitamente que esses rumores são infundados. O Senhor sabe que eu sou
uma moça refinada. Devido à maledicência das pessoas não posso mais me
casar com um talmid hacham (um estudioso da Torá) como eu desejava”.
Ela então invocou as palavras da berachá (benção) que recitamos após a
leitura da haftará (palavras que na verdade se referem sobre a cidade de
Jerusalém): “Vela'aluvat nefesh toshia” - para aquela que foi profundamente
humilhada traga a salvação rapidamente.
“Apesar do fato de que não posso me casar com um talmid hacham”, ela
chorou, “por favor, ouça as minhas preces e me dê filhos que sejam talmidei
hachamim”.
Fiel às palavras do Talmud, os Portões da Onaa foram acolheram as suas
orações e Aharon e Rivka mereceram trazer quatro filhos ao mundo que não
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eram apenas talmidei hachamim – mas cada um foi um Gadol b'Israel (um líder
do Povo de Israel). Os autores dos livros Amudei Or e Hoshen Yehoshua, e
outros dois grandes Rabanim nasceram de uma união que começou com esta
penetrante tefilá, a prece de uma moça angustiada e com sofrimentos.
Em homenagem à dor e ao sofrimento de sua mãe e ao mérito espiritual
que ele e seus irmãos receberam como resultado de sua oração, Rav Yehiel
Heller assinava cada carta com a denominação He’aluv, o humilhado.
O Talmud continua: “Todas as más consequências por transgredir erros
prescritos pela Torá são aplicadas por mensageiros de Hashem, menos as de um
único pecado: Onaat Devarim. Quando se trata de pessoas que causam
sofrimento aos outros usando palavras, Hashem diz: ‘Eu vou punir você. Eu
próprio’”.
UM ATAQUE AO PROTETORADO DE HASHEM
O que há em Onaat Devarim que irrita tanto Hashem a tal ponto que Ele
sempre ouvirá os que foram prejudicados através de palavras e punirá o
perpetrador Ele próprio?
O Maharal de Praga, Rabino Yehuda Loew (República Tcheca, 1525-1609) em seu
livro Netivot Olam (Nesit Ahavat Hareia 2) explica que, ao contrário de um ataque
físico que afeta o corpo, o insulto verbal é um ataque à nefesh da pessoa, seu
espírito, sua alma, e a nefesh é o protetorado de Hashem. Quando se ofende
uma alma, está se ofendendo algo extremamente importante para o Todo-
Poderoso, algo que está nas ‘Mãos’ de Hashem.
Escreveu o Maharal: “Saibam que as almas podem ser feridas, agredidas e
danificadas. Há uma vasta diferença entre alguém bater numa pessoa ou fazer
algo que magoe seus sentimentos. Ao ferir seus sentimentos, a pessoa está
atingindo o nefesh, a alma de sua vítima. E uma vez que a alma está nas ‘Mãos’
de Hashem, a resposta é muito severa”.
Não há como insultar um animal. Uma vaca não fica insultada se você a
chamar de gorda, pois ela não tem nefesh. Porém, seres humanos têm
sentimentos e estes sentimentos são funcionais por causa da nefesh, da alma, e
esta alma é propriedade do Todo-Poderoso! Ele entende melhor que qualquer um
de nós o quanto uma alma pode sofrer, o quanto ela é afetada por insultos.
Qual a parte mais sensível do corpo humano? Os olhos. Se alguém me bate
no estômago, dói. Porém, se alguém bate em meus olhos, isto realmente dói
muito. Um cisco irrita a pupila do olho. Que outra parte do corpo é afetada por
um grão de pó, por uma sujeirinha?
Quando o oftalmologista examina os olhos, automaticamente o paciente se
retrai – “ele vai mexer em meus olhos”.
A alma é assim. Supersensível. E o Todo-Poderoso sabe disso. Ele sabe
como uma pessoa está afetando a outra. Por isso o versículo a respeito de Onaat
Devarim termina com as palavras: “Veyareita me'Elokecha, ki ani Hashem
Elokechem - e tema o seu D’us, pois Eu sou Hashem, seu D’us”.
Comer carne de porco não vem com a advertência de Veyareta
me'Elokecha nem vestir roupas com fibras de lã e linho (shaatnez) ou comer pão
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em Pessach. Mas Onaat Devarim sim, porque Hashem prometeu pessoalmente
retribuir ao ataque frontal sofrido por qualquer nefesh, que são consideradas
muito preciosas por Ele.
Considerando a gravidade do Onaat Devarim, por que é tão comum as
pessoas se engajarem em falas ofensivas? Eu sugeriria que existem três tipos de
Onaat Devarim: a intencional, a não proposital (não consciente) e a insensível e
estúpida.
ONAAT DEVARIM INTENCIONAL
Há casos em que uma pessoa intencionalmente insulta a outra. Às vezes é
devido ao ciúme. Ou pode ser um jeito de intimidar. Em outros casos, a pessoa
está tentando construir a sua própria autoimagem colocando os outros para
baixo e se sentindo bem à custa deles/as.
Há uma história terrível, citada em várias obras, em que uma comunidade
na Europa contratou um novo rabino. Como era habitual, no dia em que ele
chegou, fizeram um grande kabalat panim (cerimônia de boas-vindas). O Rav foi
escoltado até a sinagoga por toda a comunidade, e a sinagoga estava decorada
com uma grande faixa que dizia: “Baruch ata bevoecha” (Bendito seja você
quando entrar [Devarim 28: 6]). O Rabino foi convidado a fazer a sua primeira
derashá (prédica) como Rav da cidade. Entre as pessoas presentes estava um
brilhante jovem recém-casado com a filha de um dos congregantes. O Rav deu
um profundo shiur em um tópico talmúdico e o jovem, aparentemente tentando
impressionar o seu sogro, interrompia o discurso com uma pergunta atrás da
outra. Cada resposta do Rav trazia uma enxurrada de novas perguntas, até que
o jovem finalmente fez uma pergunta que deixou o Rav desconcertado.
Quando percebeu que havia vencido o debate, o jovem levantou-se e
disse: “Efsher iz es shoin der tzeit tzu zuggen 'Baruch ata b'tzeteha' - Talvez seja
hora de dizer: 'Bendito você será quando sair’ (Ibid). Adeus!”
Grande observação! ‘Genial’! Mas no judaísmo chamamos ditos
espirituosos como esse de “Onaat Devarim”. Sem entrar em detalhes, basta
dizer que esse jovem não teve uma vida feliz depois desse insulto.
A Onaat Devarim intencional também pode ser uma tentativa de exercer
controle ou intimidar outra pessoa. Por exemplo: todos sabem que o calcanhar
de Aquiles de um baal teshuvá é o seu passado. E há aqueles que focam neste
ponto a fim de controlá-lo.
O Rabino Samson Raphael Hirsch (Alemanha, 1808-1888) define a proibição de
“lo tonu ish et amito” da seguinte forma: “Abusar ou tirar vantagem de um
ponto fraco em outra pessoa”. Ele sugere que a raiz gramatical de “tonu” está
conectada à da palavra “kano”, que significa adquirir, se apropriar de algo. Uma
pessoa dominadora que quer controlar outra pessoa irá humilhá-la
repetidamente até que esta se sinta intimidada e subconscientemente comece a
se prostrar diante de seu opressor para evitar mais constrangimento.
Rav Yaacov Weinberg Z”TL (EUA 1923-1999), Rosh Yeshivá da Yeshivat Ner
Israel (em Baltimore, EUA), sugeriu que a razão pela qual o trecho de Onaat Devarim
foi colocado – aparentemente de forma dissonante – na Porção Semanal que
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trata sobre o yovel (o ano do jubileu) é porque ela compartilha a mesma mensagem
fundamental que o yovel. Hashem ordenou que as terras que adquirimos
retornem aos seus proprietários originais no yovel como um lembrete de que, na
verdade, tudo pertence a Ele.
“Se realmente acreditamos que Hashem está no controle de tudo”,
explicou Rav Weinberg, “não ‘da boca para fora’, então não há espaço para o
ciúme ou a intimidação que levam as pessoas a se engajarem em Onaat
Devarim. D’us provê tudo o que precisamos para funcionar. Sendo assim, não há
razão para colocar os outros para baixo ou para dominá-los”.
ONAAT DEVARIM NÃO PROPOSITAL
A segunda forma de Onaat Devarim é aquela que muitas vezes não é
notada por ninguém, incluindo o perpetrador – como ocorre quando as pessoas
tendem a relaxar, quando não precisam manter a formalidade.
É um tipo de Onaat Devarim que é praticado na privacidade de nossos
próprios lares. Não é um cenário incomum. Há pessoas que quando estão em
público fazem de tudo para serem extremamente gentis e falar com o maior
respeito a fim de evitar ferir os sentimentos de alguém. Porém, quando cruzam a
porta de sua casa, algo acontece. A fala, o modo de conversar com os membros
da família, as palavras subitamente se tornam mais duras e mais exigentes. E se
as palavras não mudam, muitas vezes o tom muda. Os cavalheiros mais
educados e as mulheres mais gentis e refinadas transformam-se, mesmo sem
querer, em maridos, esposas e pais impacientes, tiranos e insensíveis. Em
particular, entre quatro paredes, muitas vezes falamos com nossos cônjuges e
filhos de uma maneira que nunca sonharíamos de falar em público.
O irônico é que o Talmud ensina que este ponto é especialmente
importante para os homens: “Leolam yehei adam zahir beonaat ishto” – o
marido deve ser extrema cuidadoso em relação a magoar sua esposa,
“shemitoch shedimata metzuya, onaata kerova” – pois uma vez que suas
lágrimas vêm prontamente, ela tende a se sentir magoada e ofendida, muito
mais do que os homens.
O Maharal (Ibid.) explica que as mulheres naturalmente esperam proteção
de seus maridos. Quando a proteção é substituída por ataques ofensivos, isto é
particularmente doloroso para elas.
É importante que os maridos se lembrem que assinaram um contrato
nupcial (ketubá) manifestando que tratarão suas esposas com respeito. Entre as
cláusulas da ketubá está: “Vou honrá-la, apoiá-la, mantê-la e trabalhar para
sustentá-la à maneira dos homens judeus”. Alguém uma vez me contou que foi
ed (testemunha haláchico) em uma ketubá em que o Rav Avraham Pam presidia como
messader kidushin (a pessoa que dirige a cerimônia do casamento). Enquanto preparava a
ketubá, Rav Pam leu-a para o noivo, explicando-a linha por linha. Quando
chegou a este item, ele disse: “E o principal é: ‘Eu vou honrar você’”.
Outra área em que Onaat Devarim é frequentemente ignorada é aquela em
que pode ser mais dolorosa e desastrosa. O Sefer HaChinuch alude a isso ao
afirmar que devemos evitar ofender as crianças com palavras. Eu diria que isso
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se aplica principalmente às crianças que mais amamos – a saber: as nossas.
Devemos perceber que os nossos filhos nos procuram por aprovação, não
importa a idade e em que estágio da vida estão. Um comentário mordaz ou
resposta impertinente dos pais é extremamente doloroso e pode causar danos
permanentes. Não estou sugerindo que não devemos repreender nossos filhos
quando necessário, mas devemos ser muito cuidadosos de que os estamos
construindo com palavras, não quebrando-os.
Certa vez o Rabino Moshe Feinstein (Rússia e EUA, 1895-1986) estava voltando
para casa e seus netos pequenos estavam brincando com outras crianças. Seus
netos vieram correndo, ele se abaixou e deu um beijo neles. Mas as outras
crianças vieram junto. O que fez o Rabino? Deu um beijo também nas outras
crianças porque não queria magoar seus sentimentos. Este é um pequeno
exemplo da famosa sensibilidade de Rav Moshe de nunca entristecer outra
pessoa, mesmo uma criança.
Rav Pam sugeriu outra explicação para a admoestação de “veyareta
me'Elokecha” no versículo de “lo tonu”: Ela vem nos lembrar que, mesmo
quando na privacidade de nossas próprias casas, sem pessoas de fora ouvindo
nossa maneira de falar, devemos falar com respeito, porque Hashem está lá. Ele
está escutando e ouvindo a maneira como falamos com nosso cônjuge, com
nossas crianças. Não pense que quando não está em público, ninguém está
ouvindo. “Eu ouço!”
Quando o Gaon de Vilna (Lituânia, 1720-1797) partiu para Eretz Israel, ele
escreveu uma carta para a sua esposa na qual a instruiu – entre outras coisas –
a ter cuidado com sua fala, porque há “baalei gadfin” (anjos) que registram cada
palavra proferida em nossas casas. Depois de nossos 120 anos, estes anjos
reproduzirão as nossas falas. Como nos sentiremos quando ouvirmos essas
palavras e esses tons?
Imagine como seríamos cuidadosos se soubéssemos que existe um sistema
de alta tecnologia em nossas casas que registra cada palavra que dizemos aos
membros da nossa família. Quão cuidadosos seríamos com as palavras que
pronunciamos!
O quanto precisamos ser cuidadosos no modo como falamos com as nossas
crianças. As crianças às vezes fazem erros, fazem coisas tolas e bagunçam
mesmo. Quando precisarem ser admoestadas, tome cuidado para não ser
abusivo, não rotulá-las ou fazê-las sentirem-se inúteis.
Algum tempo atrás ouvi um programa de rádio que consistia em
entrevistas curtas com pessoas comuns que tiveram um incidente interessante
em suas vidas para relatar. Uma das pessoas entrevistadas disse que, quando
estava crescendo, ele era o maior trapalhão que havia. Porém havia uma coisa
que ele conseguia fazer melhor do que qualquer outro: ele era um bom comedor.
Um dia ele viu um anúncio no jornal de um concurso de comer kneidales (bolinhos
feitos com farinha de matsá). Ele se inscreveu e venceu todos os concorrentes comendo
dez bolas de matsá – que ele descreveu como sendo tão grandes quanto bolas
de beisebol – em 2 minutos e 56 segundos.
“No recebimento do prêmio”, ele contou orgulhosamente ao entrevistador,
“o prefeito Rudolph Giuliani me presenteou com o prêmio de 'Melhor comedor de
kneidales da cidade de Nova York'“.
“Meu único arrependimento”, concluiu tristemente, “é que meu pai não
estava mais vivo para me ver receber o prêmio. Ele sempre me disse que eu era
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um perdedor. Mas não sou um perdedor. Ganhei o concurso e consegui apertar a
mão de Giuliani”.
Você pode imaginar? Essa pessoa passou a vida com o rótulo de ‘perdedor’
dado por seu pai soando em seus ouvidos, e não conseguiu afastar essa imagem
até ganhar a dúbia distinção de ser nomeado o melhor comedor de kneidales de
Nova York.
Tenhamos cuidado em relação a como falamos com os nossos filhos.
Nossas palavras significam muito para eles!
Leia a abordagem de um líder do Povo de Israel sobre como repreender
uma criança:
Quando o Rav Eliahu Lopian (Polônia e Israel, 1876-1970) estava na casa
dos 90 anos, um rapaz o acompanhava ida e volta todas as manhãs até a
sinagoga. Rav Lopian era o Mashguiach (orientador espiritual) da Yeshivá
Knesset Hizkiahu, em Kfar Hassidim. Este menino – que agora é um
especialista em Chinuch (educação) em Eretz Israel – descreveu como ele
era uma criança hiperativa e irrequieta e às vezes ficava enfadado
enquanto escoltava o Rabino nonagenário. Para liberar um pouco do seu
excesso de energia, ele chutava pedras na rua ou puxava folhas de
arbustos e as mastigava.
Um dia, quando se aproximavam da casa do Rav Lopian, este se virou
para o menino e perguntou-lhe se gostava de doces. O menino respondeu
que sim. “Você poderia entrar e fazer uma berachá em um doce?” o
Mashguiach perguntou.
A criança aceitou entusiasticamente a oferta. Subiram ao
apartamento e o Mashguiach entregou-lhe um cubo de açúcar e esperou
que ele recitasse um shehakol. Quando terminou o cubo de açúcar, o
Mashguiach começou a fazer um monte de elogios ao garoto. “Você
percebe que é um menino muito importante?” ele perguntou. “Você ajuda
um idoso a ir e voltar da sinagoga todos os dias...”.
Rav Eliahu continuou falando sobre como esse menino era hashuv
(importante). Quando sentiu que havia convencido o menino, ele disse:
“Você quer ser ainda mais hashuv?”
O especialista em Chinuch disse que se lembrava de ter pensado que
o Mashguiach já havia feito um ótimo trabalho convencendo-o de seu
valor – e que ele não precisava necessariamente sentir-se ainda mais
hashuv, mas mesmo assim escutou.
“Às vezes, quando os meninos andam na rua”, disse o Mashguiach,
“eles ficam um pouco entediados e tiram folhas de arbustos e as colocam
na boca. É preferível não fazer isso, porque a pessoa que é dona dos
arbustos pode não ficar satisfeita”.
“Mas aprendemos na Yeshivá”, retrucou o menino, “que os ramos de
uma árvore que se estendem para o domínio público (reshut harabim) não
pertencem ao proprietário”.
Outra pessoa poderia ficar tentada a responder: “Ouça, garoto. Eu
terminei o Talmud quatro vezes antes de seu avô nascer. Não me
desafie”. Mas Rav Eliahu Lopian disse: “Você está levantando um bom
ponto. Contudo eu não disse que é considerado roubo. Eu disse que isso
poderia incomodar o dono, e não vale a pena incomodar ninguém –
mesmo que você tenha o direito de fazê-lo”.
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“Mais importante,” continuou o Mashguiach, “as folhas tendem a ter
pequenos insetos nelas, e a cada vez que uma pessoa engole um inseto
ela transgride cinco proibições da Torá. Um menino que quer ser
extremamente hashuv não colocaria folhas em sua boca”.
Rav Eliahu então agradeceu o menino profusamente novamente por o
acompanhar, levando-o para casa, e o garoto voltou para a Yeshivá.
É espantoso pensar até onde foi esse Gadol B’Israel para evitar ferir os
sentimentos de um menino que merecia uma repreensão. Em vez de gritar-lhe
uma ordem assim que o viu arrancar uma folha e colocá-la na boca, ofereceu-lhe
doces, convenceu-o de que era hashuv e depois lhe disse como ser ainda mais
hashuv.
Este mesmo especialista em Chinuch certa vez foi instruído pelo Rav Haim
Kanievski shelita (Israel, contemporâneo) a ensinar às pessoas que todas as mitsvót
ben adam le'havero (mitsvót vigentes entre uma pessoa e outra) se aplicam também
quando se trata dos próprios filhos.
Isso pode parecer óbvio, mas realmente tratamos nossos filhos da mesma
forma que tratamos nossos conhecidos do trabalho, sinagoga, kolel? Ou
tendemos a relaxar quando lidamos com nossos familiares e deixamos a nossa
repreensão e crítica fluírem livremente?
ONAAT DEVARIM INSENSÍVEIS
A terceira forma de Onaat Devarim consiste em observações feitas sem
malícia contra alguém em específico, mas são ditas por falta de sensibilidade ou
– pior ainda – por pura estupidez ou falta de consideração.
Há alguns anos minha esposa quebrou o tornozelo em três lugares.
Cirurgia, placas, parafusos – todo o procedimento. Ela ficou de cama por alguns
meses. Graças a D’us nossas crianças, amigos e vizinhos foram maravilhosos e
ajudaram muito. No processo de recuperação, visitas vinham constantemente
desejar-lhe uma pronta recuperação, algumas das quais também tiveram um
tornozelo quebrado. Ela me contou que as observações que ouviu se encaixavam
em duas categorias gerais. Havia quem lhe dissesse: “Eu também quebrei meu
tornozelo e prometo que você vai dançar de salto alto em casamentos. Eu sarei e
você também vai sarar!”.
Porém havia pessoas que diziam: “Você sentirá dor toda vez que chover”.
Mesmo que seja verdade, qual o sentido em dizer isso?
Este é um exemplo relativamente brando. Ouvi histórias de pessoas que
foram hospitalizadas com doenças sérias e foram visitadas por algum amigo
‘brilhante’ que disse: “Meu tio tinha o que você tem. Você não sabe o que ele
passou”.
Mas o prêmio por insensibilidade e estupidez pertence àqueles que vão
consolar pais enlutados que estão sentados de shivá (luto) por uma criança, D’us
não o permita, e dizem: “Com certeza deve ser uma punição por algo que vocês
fizeram!”.
Eu gostaria de estar inventando esses exemplos, mas não estou. Essas
coisas acontecem. E quando acontecem, todos questionam: “O que aquela
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pessoa estava pensando?” A resposta, é claro, “Não estava”. Infelizmente há
pessoas que deixam escapar o que vem à sua mente.
Uma vez li uma frase lamentável que resume os nossos sentimentos
quando ouvimos pessoas engajadas em Onaat Devarim Insensíveis: “É uma
pena que mais pessoas sejam descuidadas e imprudentes (thoughtless) do que
mudas (speechless)”.
Rav Haim Ozer Grodzenski (Lituânia, 1863-1940) era conhecido por sua mente
extremamente afiada. Não há como fazer justiça à sua grandeza em menos de
alguns volumes, mas basta dizer que ele foi chamado de “raban shel kol benei
hagolá - o líder de toda a Diáspora”, e que sua influência e orientação se
espalhou de Vilna para toda comunidade judaica da Europa. Conta-se que ele
conseguia escrever duas respostas haláchicas simultaneamente, uma com a mão
direita e outra com a esquerda. Por mais perspicaz e genial que fosse o seu
raciocínio, Rav Haim Ozer certa vez fez uma Cabalá (tomou uma decisão) antes de
Yom Kipur: “Lachshov kodem kol dibur - pensar antes de falar”.
Se Rav Haim Ozer precisava pensar antes de falar, provavelmente nos
levaria uma semana para soltar uma palavra.
OS TELEGRAMAS CUSTAM
A fala é muito preciosa, um dos maiores presentes que Hashem nos deu.
Devemos começar a tratar as palavras como dinheiro. Antes de gastar dinheiro,
pensamos duas vezes se a despesa é justificada ou não. As palavras também
devem ser assim tão preciosas.
Aqueles que têm idade suficiente para se lembrar dos telegramas sabem
que, ao enviar um telegrama, se paga por palavra. Ninguém chegava ao balcão
do correio e começava a divagar, porque não queria pagar demais. Antes de
enviar um telegrama a pessoa sentava-se com caneta e papel e escrevia a
mensagem o mais breve e eficaz possível. O Hafetz Haim, Rabino Israel Meir
Kagan (Polônia, 1839-1933), disse que deveríamos falar como se estivéssemos
compondo um telegrama.
Precisamos nos tornar mais sensíveis aos sentimentos dos outros e refletir
sobre as implicações e ramificações de nossas palavras. Não vá a um serviço de
bufê e diga ao dono: “Sabe, uma vez eu comi em tal e tal salão, e a comida
daquele bufê estava magnífica. Eu nunca provei algo tão delicioso”. Como ele vai
se sentir?
Se você for a um noivado e vir uma pessoa mais velha ainda solteira, não
diga “Nuuuu ?!” Você acha que ele ou ela não está tentando?
De fato, uma vez que um rapaz ou moça chega a certa idade, fiz uma
política rígida para mim mesmo de nem mesmo dizer: “Se D’us quiser, em breve
com você”. Eu apenas penso isso. Você pode imaginar como essa pessoa deve
sofrer e ficar infeliz por ouvir “Se D’us quiser, com você” centenas de vezes?
Sensibilidade. Isso é tudo que é preciso.
A casa do Rabino Yossef Haim Sonnenfeld, o Rav de Jerusalém, era um
verdadeiro ‘domínio público’. As pessoas vinham pedir berachot (bênçãos) e etzot
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(conselhos) todos os dias. Isso acontecia o ano todo, mas em Hol HaMoed uma
multidão de pessoas o visitava. Quase todos os judeus de Jerusalém vinham lhe
desejar ‘a Gut Yom Tov’ e receber sua bênção.
Certo Hol HaMoed o Lubliner Rav, Rabino Eliahu Kletzkin (Lituania e Israel,
1852-1932), estava visitando Rav Yossef Haim enquanto o desfile de pessoas
passava por sua casa. De repente, Rav Yossef Haim começou a fazer algo que
nunca havia feito antes. Ele dizia a cada pessoa que chegava: “Mistame geit ihr
tzum Kosel” (Você provavelmente está no seu caminho para o Kotel) ou “Mistamee kumpt
ihr tzurik fun Kosel” (Você provavelmente está a caminho de casa vindo do Kotel). Durante
o restante do dia ele disse essas palavras para cada pessoa que entrava em sua
casa.
Naquela noite, alguém lhe perguntou por que de repente ele começou a
fazer essa declaração estranha a cada pessoa. “O senhor nunca fez isto?!”
“Eu pensei comigo mesmo”, explicou Rav Yossef Chaim, “que quando o
Rav Kletzkin visse tantas pessoas vindo à minha casa, ele talvez não se sentisse
confortável. Ele também é um talmid chacham muito grande e talvez sua casa
não fique tão cheia em Hol HaMoed. Ao sugerir a cada pessoa que ela estava
vindo me ver apenas porque estava a caminho do Kotel Hamaaravi, deixei Rav
Kletzkin com a impressão de que, se ele também residisse a poucos minutos do
Kotel, ele também teria tantos visitantes”.
Este é o polo oposto de Onaat Devarim. É a isto que o Rei Salomão se
referiu com “u'leshon hahamim marpê - a língua dos Sábios cura” (Mishlei 12:18).
Suas palavras são terapêuticas.
O PRÓXIMO PASSO
Não é suficiente, no entanto, evitar magoar as pessoas. Devemos mudar o
nosso comportamento e aprender a falar palavras que auxiliam, que curam.
Um metsorá (pessoa atingida por uma doença espiritual chamada tzaraat, semelhante à lepra,
geralmente como punição por falar Lashon Hará) deveria trazer dois pássaros para expiar
seus pecados. O Zohar, o livro básico da Cabalá, explica que um pássaro
perdoava pela fala imprópria (por Lashon Hará, por Onaat Devarim) e o outro
perdoava por falas apropriadas (ou seja, positivas). Por que uma metsorá era
obrigada a trazer uma oferenda por falar boas palavras?
A resposta é que quando chegarmos à corte celestial, além de sermos
responsabilizados por todas as coisas desagradáveis que dissemos, também
teremos que dar contas por não usarmos nossas bocas para elogiar as pessoas,
incentivá-las e fazê-las sentir-se bem sobre si mesmas.
Todos temos uma coisa em comum. Como se diz em inglês, estamos no
“business de palavras” e no “business de pessoas”. Nós constantemente
conversamos. Podemos melhorar a vida das pessoas ao nosso redor – nossos
cônjuges, nossos filhos, nossos colegas de trabalho, nossos funcionários, nossos
alunos, nossas alunas – com palavras! Palavras que não nos custam um centavo!
Falar uma palavra agradável, fazer um cumprimento podem fazer a diferença na
vida de outra pessoa.
Recentemente minha esposa precisou comprar um medicamento. O
farmacêutico ligou para dizer que não tinha o remédio em estoque e que iria
encomendá-lo. Ele ligou uma segunda vez para dizer que havia encomendado,
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mas a empresa enviou-o com a dose errada. Ele ligou de volta uma terceira vez
para dizer que desta vez eles enviaram a dose correta, mas a potência errada.
“Eu vou à outra loja da nossa cadeia para ver se eles têm o item correto”, disse
ele. A propósito, este farmacêutico trabalha para a maior cadeia farmacêutica de
Maryland e não para uma farmácia local. Mas ele fez o que disse e ligaram da
farmácia para dizer que minha esposa poderia vir buscar seu medicamento.
Minha esposa queria agradecer ao farmacêutico, mas ele não estava. Ela
escreveu um pequeno bilhete agradecendo-lhe por seus esforços. Da próxima
vez que fui a essa farmácia, o homem me disse: “Recebi o bilhete de sua
esposa. É tão bom receber uma palavra gentil de vez em quando”.
Como vocês acham que foi o dia nessa farmácia depois que o farmacêutico
recebeu essa nota? Tenho certeza que os seus funcionários notaram uma
mudança na atitude do chefe. Tenho certeza de que ele ficaria menos nervoso se
algo desse errado, porque estava de bom humor. E aqueles funcionários
voltaram para casa de melhor humor e foram mais gentis com suas famílias,
porque seu chefe foi mais gentil com eles. Há um efeito propagador na boa fala.
Meu ponto aqui não é defender a causa dos farmacêuticos e seus
funcionários, mas defender a causa de nossos próprios cônjuges, filhos e amigos.
Nossas palavras podem criar uma diferença incrível em suas vidas – se fizermos
apenas o mínimo esforço para encontrar algo agradável para dizer.
Nenhum homem é tão pobre que não possa dar-se ao luxo de dar um
elogio. E nenhum homem está acima de precisar de um elogio e palavras de
encorajamento. Não importa quão bem sucedido, quão proeminente ou talentosa
seja a pessoa.
Quando os cidadãos americanos em Eretz Israel têm filhos, eles precisam ir
ao Consulado Americano registrá-los para receber um Relatório Consular de
Nascimento no Exterior (no lugar da certidão de nascimento) e, se desejarem
viajar com seus filhos, também podem solicitar um passaporte.
Um conhecido meu, um jovem que estuda em um kolel, certa vez
apresentou todos os papéis necessários para registrar o seu filho. Porém, de
repente, teve que viajar para os EUA para uma emergência médica. A fim de
levar seu filho com ele, teve que mudar seu requerimento de um pedido de
passaporte regular para um pedido de emergência. Ele ligou para o consulado
em pânico, o vice-cônsul atendeu ao telefone e disse ao rapaz que ele cuidaria
para que as solicitações fossem alteradas.
Quando o jovem foi buscar o passaporte de emergência alguns dias depois,
ele escreveu um bilhete de agradecimento ao vice- cônsul e sua equipe por
ajudá-lo.
A família foi para a América, cuidou da questão médica e voltou para Eretz
Israel. Alguns meses depois, este jovem voltou ao consulado para solicitar um
cartão de Seguro Social para o seu bebê. Quando a pessoa atrás do balcão viu o
nome no requerimento, ela disse: “Ficamos gratos por seu bilhete. Ainda está
pendurado no quadro de avisos em nosso escritório”.
Aparentemente, os farmacêuticos não são os únicos que apreciam palavras
gentis. Os burocratas também. Todas as pessoas e até mesmo grandes rabanim
precisam de um discurso atencioso e gentil. Mas mesmo isso ainda não é tudo.
Gostaria de compartilhar com vocês uma incrível explicação de um trecho
do Talmud que ouvi em nome do Rabino Shlomo Freifeld Z”TL (EUA, 1925-1990). O
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Talmud (Shabat 89a) relata que quando Moshe Rabbeinu subiu aos céus, viu
Hashem amarrando coroas às letras da Torá.
Hashem disse a Moshe: “Não é costume em sua cidade dizer 'Shalom'
quando você encontra alguém?”
Moshe respondeu: “Um servo precede seu mestre ao desejar 'Shalom'?. O
protocolo é que o Mestre fale primeiro e não vice-versa”.
“Você deveria ter Me ajudado”, respondeu Hashem.
O que isso significa? O Todo-Poderoso precisa da ajuda de um mortal?
Rashi explicou que Moshe deveria ter dito: “Titzlach melachtecha - Que o Senhor
possa ter sucesso em Seu empreendimento”. Ele viu o Todo-Poderoso fazendo
algo e deveria ter-Lhe desejado sucesso em Seus afazeres.
Quando Moshe ouviu isso, continua o Talmud, ele disse: “Ve'ata, yigdal na
koach Hashem - E agora, que a força do meu Senhor seja engrandecida” (Bamidbar
14:17). Moshe deu um cumprimento ao Criador!
Eu lhes pergunto: como entendemos essa passagem? Será que o Todo-
Poderoso, o Onipotente, precisa de palavras de elogios, de palavras de
encorajamento?
A resposta, disse o Rabino Shlomo Freifeld, é que o Mestre do Universo
queria nos ensinar uma lição: não importa quão grande seja a pessoa, todas
precisam de um ‘tapinha nas costas’, um elogio, um hizuk. Ninguém está além
da necessidade de encorajamento.
Não é o suficiente acabarmos com a Onaat Devarim em nosso meio, evitar
as observações maliciosas e os abusos verbais. Devemos também nos esforçar
para chegar ao próximo nível: encontrar palavras de grande auxílio, que curem e
sejam gentis - palavras que aumentem o Shalom no mundo, que promovam
bons sentimentos entre as pessoas e que unam as pessoas dispersas.
Esta é a única maneira pela qual seremos merecedores de receber a vinda
de Mashiach, em breve, em nossos dias, Amén!
Que possamos ter uma ketivá vehatimá tová, um ano com muitos nachat
(alegrias) com nossos familiares, saúde e presenciar a tão longamente
aguardada gueulá (salvação) deste longo e amargo exílio.
SHANÁ TOVÁ A TODOS!