2. Das comidas simples do passado, a
preferida de Ginão era o conhecido angu
doce; na rica e deliciosa cozinha mineira
os pratos são cada um melhor que o outro,
os sabores se misturam de maneira
maravilhosa, tudo parece planejado pelos
deuses para satisfazer aos mais exigentes
paladares; quem não se encanta com uma
panela cheia de frango com quiabo, um
suculento galopé, um tutu de feijão com
torresmos e principalmente uma leitoa a
pururuca e um pão de queijo crocante.
3. Além desses pratos citados, a velha culinária
das Gerais possui uma lista gigantesca de
delicias, é só escolher e se fartar, mas
preferências não se discute e discutir com o
destrambelhado Ginão além de ser uma total
perda de tempo, era coisa perigosa porque o
homem era uma anta: grosseiro, atrevido,
desbocado e metido a valente; era uma pessoa
perigosa e sempre pronto a violentas explosões,
o mais sensato era se manter longe dele e de
suas manias.
4. Solteirão rabugento, mal amado e sempre vestido
de roupas pretas, era uma figura assustadora
para as crianças e também para os adultos que
se mantinham o mais longe dele que fosse
possível; suas rendas eram mínimas, só tinha a
casa onde morava e um barracão modesto que
ele alugava por pouco mais que nada, trabalhava
de funileiro, mas as coisas que produzia eram
mal acabadas: canecas tortas, chaleiras de
formatos estranhos e por isso tinha poucos
clientes.
5. Ginão ganhava pouco, mas gastava menos ainda
porque suas roupas eram de tecidos duráveis e
resistiam anos a fio, porque raramente eram
lavadas e a sujeira aumentava sua resistência, um
par de botinas agüentava por muito tempo e para
comer ele simplesmente fazia visitas aos parentes
no horário das refeições, almoçava com um,
tomava o café da tarde com outro, jantava com
outro mais e o café da manhã era sempre com sua
irmã e vizinha dona Ana e sua sobrinha Doca.
6. Não era por acaso que ele filava o desjejum de
sua irmã e não era por gostar mais dela que dos
outros, porque de mal com a vida e com tudo que
o cercava, ele não gostava de ninguém incluindo
ele próprio, o motivo da assiduidade era o divino
angu doce que dona Ana preparava todas as
manhãs; era um angu de fubá muito fino, muito
açucarado e recheado com infindáveis pedaços
de queijo de Minas que derretiam com o calor,
era o sonho de um apreciador.
7. Esse arranjo foi mantido por anos e anos e para
Ginão estava de bom tamanho, mas como
perfeição não existe, apareceu um entrave: era
Doca a sobrinha solteirona e mal humorada como
ele, a vitalina detestava o rabugento tio e não
queria que sua mãe o recebesse para o café da
manhã; todos os dias ela atormentava dona Ana
para se livrar do fila bóia, mas a bondosa senhora
dizia: Doca ele é meu irmão, vive só e não me
custa nada fazer o angu doce para ele.
8. A maldosa encalhada começou a inventar planos
para se livrar daquele encostado, mas nada dava
certo; ela xingava para ele ouvir, ele xingava de
volta e continuava a aparecer todos os dias, ela
colocava fios de cabelos no angu, ele retirava o
corpo estranho e comia o delicioso angu com
gosto fingindo não ver a maldade da sobrinha,
desesperada ela teve uma idéia: quando sua mãe
colocou o angu fervendo no prato, ela virou a
iguaria no pé de Ginão.
9. A botina do coitado estava rasgada e o
fervente angu se espalhou por seu interior, ele
pulava e gritava tentando retirar o calçado,
mas desorientado pela dor demorou a
conseguir e o pé se queimou todo, dona Ana
limpou e fez curativos, mas as queimaduras
eram graves e ele ficou muito tempo sem
poder andar, ai além do café da manhã ela
passou a levar todas as refeições para o
irmão; Doca quase morreu de raiva com o
resultado de sua maldade, porque agora ele
era comensal de todas as refeições, com
direito a angu doce de sobremesa e uma dose
extra de Queijo de Minas.
10. CRÉDITOS
TEXTO DE VÓ FIA
FORMATADO POR VÓ DIA
MÚSICA-CAPRICHO ARABE
CORTAZAR
TEXTO REGISTRADO NO EDA
NEPOMUCENO MG
15/12/08