O documento relata o caso de uma paciente de 54 anos submetida a cistectomia radical para tratamento de carcinoma de bexiga. O resumo destaca: a paciente apresentava hematúria há mais de um ano e era diabética e hipertensa; a cirurgia durou cerca de 735 minutos e requereu monitorização intensa da glicemia e da hemodinâmica; a paciente teve boa evolução no pós-operatório.
2. Relato de Caso
ID: M.G.N.M, 54 anos, sexo feminino, natural do RJ;
QP: Hematúria há mais de um ano;
AMP: Diabética tipo 2 há mais de 5 anos, em uso de metformina
850 mg/dia. HPC: HTA e correção de fratura em tornozelo E.
Tabagista por mais de 40 anos, abstêmia há cerca de 5 anos.
3. Exame Físico
ECT: Estado geral regular, LOTE, astenia, 50 kg, 160 cm, hipocorada (2+/4+),
hipohidratada, eupnéica, afebril, PA: 100 X 70 mmHg, FC: 104 bpm;
VVAA: Prótese dentária móvel, Mallampati I, boa extensão/flexão cervical, sem outros
critérios para VAD;
ACV: RCR em 2T, BCNF; CF: baixa;
AR: MUVA, sem RA;
ABD: RHA +, sem VMG, apresentando solução de continuidade (orifício fistuloso),
mostrando comprometimento cutâneo em decorrência da tumoração.
5. APA
HD: Carcinoma de bexiga;
Cirurgia proposta: cistectomia radical + linfadenectomia + Bricker + fechamento
cutâneo pela cirurgia plástica;
Classificação ASA: III; Parecer clínico: risco moderado para procedimento;
Anestesia proposta: Geral Combinada;
Pós-operatório: Unidade fechada (CTI adulto).
6.
7. Sala Cirúrgica
Entrada: 08:00. Monitorização + venóclise MSD J14/MSE
J16 + O2 100% sob Hudson 8L/min; Enfaixamento de
MMII com crepom;
Midazolam 4 mg IV;
Cat. a. radial E por Seldinger para monit. PI;
Punção peridural: L1/L2, ag. Tuohy 16G, via mediana,
Dogliotti +, colocação CPD 16G;
Fentanil 350 µg IV + Lidocaína 80 mg IV + Propofol 120 mg
+ Rocurônio 70 mg IV;
8. Sala Cirúrgica
IOT com TOT nº 7,5 + cuff + fixação + prot. Ocular.
VM volume-controlada com FiO2 de 0,5. Manutenção da
hipnose com sevoflurano entre 1- 2,5%;
Manta térmica, Sondagem nasogástrica e nasoenteral
(Dobhoff);
Acesso venoso central (subclávia D) por Seldinger;
Cefazolina 2g IV (10:30); Dexametasona 4 mg IV;
Omeprazol 40 mg IV.
9. Sala Cirúrgica
09:45: Rocurônio 30 mg IV; 10:00: MgSO4- 2g IV + Efedrina 10 mg
IV; 10:30: Cetamina 5 mg/mL em BI a 7,5 mL/hora IV;
11:45: Fentanil 100 mcg IV; 12:00: MgSO4- 2g IV + Rocurônio 10
mg IV;
12:30: Insulina 1 U/mL a 4 U/hora IV;
Sangramento importante; Efedrina 10 mg IV em doses
sequenciais;
Gluconato de Ca+2 2g IV; Cefazolina 1g IV a cada 4 horas;
15:00: Morfina 1,5 mg pelo CPD; Efedrina 20 mg IV;
10. Sala Cirúrgica
17:00: Ropivacaína 0,3% 10 mL pelo CPD;
17:30: Fenilefrina 100 mcg/mL em BIC a 0,3 mcg/kg/min,
com ajuste ACM.
18:15: Rocurônio 10 mg IV; 19:00: Ropivacaína 0,3% 5 mL
pelo CPD;
19:30: Cetamina encerrada + Dipirona 3 g IV +
Ondansetrona 8 mg IV;
20:00: AVAS + Sugammadex 200 mg IV + EOT Enc. Ao
CTI (20:15).
16. Sala Cirúrgica
Tempo anestésico-cirúrgico: cerca de 735 min;
Hidratação: 5500 mL de SF 0,9%; 3000 mL de RL;
Sangue: 4 CH;
Final da cirurgia: Aldrete 9, SpO2 = 98%;
Encaminhada ao CTI Adulto: Internada por 3 dias, ropivacaína 0,2% - 8 mL +
morfina 2 mg pelo CPD a cada dia;
Enfermaria: ropivacaína 0,2% - 8 mL + morfina 2 mg pelo CPD a cada dia até o
7º dia, quando foi retirado o CPD;
Alta no 8º DPO sem queixas, nenhuma intercorrência.
17. Glicemia X Resposta Inflamatória
Regulação da glicemia:
Sistema Hormonal: Insulina X Contra-reguladores (glucagon,
epinefrina, cortisol);
Mecanismo Neural: sensores de glicose em vários órgãos;
Translocação dos transportadores de glicose (GLUTs):
modulação do transporte da glicose através da
membrana celular.
GLUT 1: predominante para captação de glicose não mediada pela
insulina;
GLUT 2: regula o fluxo no fígado;
GLUT 1 e 3: regulam o fluxo no cérebro;
GLUT 4: captação de glicose mediada por insulina no tecido
adiposo, músculos cardíaco e esqueléticos.
18. Glicemia X Resposta Inflamatória
Estresse cirúrgico Hiperglicemia associada ao Estresse:
Interações entre citocinas, mediadores pró-inflamatórios, hormônios
contra-reguladores, hipóxia;
Sobrecarga maciça de glicose nos tecidos onde a captação de glicose
não é insulino-mediada (inibição de GLUT1);
Aumento da gliconeogênese/glicogenólise: cada vez menos
contrabalançada pela glicose já circulante e pela insulina;
Aumento da resistência periférica à insulina: incapacidade dos
adipócitos e dos mm. esqueléticos de absorverem glicose;
Aumento da reabsorção e depuração diminuída da glicose renal.
Resistência Insulínica:
Relaciona-se com a magnitude e com a duração do estresse cirúrgico;
Associada ao aumento do risco de complicações pós-operatórias;
19.
20. Glicemia X Resposta Inflamatória
Sobrecarga aguda de glicose:
Diminuição da vasodilatação;
Comprometimento da geração de NO endotelial;
Diminuição da ativação do complemento;
Aumento da expressão de moléculas de adesão;
Aumento na produção de citocinas;
Diminuição na quimiotaxia e fagocitose de neutrófilos;
Aumento da resposta inflamatória; atividade pró-
coagulante e disfunção endotelial;
Vulnerabilidade para infecções e disfunção orgânica.
21. Glicemia X Resposta Inflamatória
Insulina X Resposta inflamatória:
Aumento da produção de NO pelo endotélio:
vasodilatação, aumento do fluxo sanguineo (melhor
oxigenação tecidual);
Aumento da captação de glicose pela musculatura
esquelética (via aumento da produção de GLUT 4);
Inibição de TNF-alfa, redução da PCR e citocinas
inflamatórias;
Diminuição da produção de espécies reativas de
oxigênio.
24. 1548 pacientes em VM na UTI;
Controle intensivo (insulina + glicose contínuos, mantendo glicemia entre 80 e 110
mg/dL);
Controle convencional (insulina + glicose apenas quando glicemia > 215 mg/dL
para manter entre 180-200 mg/dL);
Redução de 34% na mortalidade intra-hospitalar no grupo de controle intensivo;
Redução na morbidade: menor frequência de DMO, septicemia, IRA, transfusões,
tempo de VM, tempo de internação;
Grupo intensivo: mais episódios de hipoglicemia (< 40 mg/dL).
Sub-análise (4 anos após): mortalidade após a alta hospitalar foi similar nos dois
grupos (INGELS et al, 2006).
25. 834 pacientes com HSA; 735 sobreviveram;
Implementação de protocolo rígido de controle glicêmico (glicemia alvo de 90-120
mg/dL);
O uso do protocolo diminuiu a média glicêmica dos pacientes, diminuiu a
incidência de hiperglicemia;
Pacientes que sobreviveram: menor média glicêmica antes e durante a internação;
Mortalidade geral intra-hospitalar foi similar quando comparada ao grupo controle;
Aumento da incidência de hipoglicemia relacionada ao aumento da
mortalidade.
26. Ano 2007. Pacientes com DM submetidos a RVM;
Grupo Protocolo (400 pcts): alvo intra-operatório de 150 a 200 mg/dL e pós-
operatório de 140 mg/dL;
Grupo Controle (400 pcts): não submetidos ao protocolo;
Mortalidade avaliada pelo EuroSCORE;
O uso do protocolo reduziu a mortalidade em 72%, principalmente nos de risco
moderado a alto.
27. Ano de 2007; 371 pacientes submetidos a cirurgia de RVM;
Controle intensivo (mantendo glicemia entre 80 e 100 mg/dL);
Controle convencional (insulina apenas quando glicemia ≥ 200 mg/dL para manter
menor que 180 mg/dL);
Não houve melhora nos resultados com controle intensivo. Não houve redução na
morbidade e mortalidade perioperatória;
Grupo intensivo apresentou maior mortalidade e maior incidência de AVE.
28. Pontos de Discussão
Hipoglicemia:
Determinação do alvo glicêmico:
Variabilidade glicêmica:
EGI et al (2006): desvio padrão das glicemias foi o fator
independente mais significante para mortalidade
hospitalar;
29. Recomendações para o Controle da
Glicemia
Evitar hiperglicemia
severa (> 180 mg/dL);
Evitar grandes variações
na glicemia;
Evitar controle agressivo
em situações
emergenciais;
Minimizar a resistência
pós-operatória à insulina;
Evitar hipotermia;
Evitar transfusões de
sangue e derivados;
Administrar líquidos
claros contendo 50-100 g
de carboidratos até 2
horas antes da cirurgia;
Monitorizar a glicemia
transoperatória a cada
30-60 minutos;
Detecção e tratamento
precoces da hipoglicemia.