Política e administração: da legitimidade democrática à operacionalização das políticas públicas (David Ferraz e Miguel Rodrigues) A problemática da separação entre política e administração, presente na respectiva dicotomia, é uma questão estudada há vários séculos, estando na origem da public administration ou Ciência da Administração enquanto disciplina (cfr Wilson, 1887 em The Study of Administration). A importância do estudo da relação destes dois segmentos sociais (actores políticos e actores administrativos) advém do facto da administração ser uma estrutura determinante no processo de governação, constituindo um elemento fundamental na configuração e arquitectura do Estado. Apesar das primeiras tentativas de índole prática com vista à separação da administração da política datarem de 1854 no Reino Unido (Northcote Trevelyan Report, 1854) e 1883 nos EUA (Pendleton Act), a questão da profissionalização da A.P. nunca foi uma matéria consensual. Mesmo depois das ideias de Goodnow, do início do século XX, e da implementação do modelo de Weber, que reforça a separação entre a propriedade e a administração, idealizando uma burocracia neutral e hierarquicamente organizada (Rocha, 2000), a verdade é que a natureza política da administração sobressaiu sempre, questionando-se mesmo a necessidade e benefício de uma total separação (Waldo apud Stillman, 1997; Chevallier, 2002). Downs (apud Rocha, 2005) vai mais longe e contesta mesmo a separação entre política e Administração enquanto realidade, defendendo que uma total separação entre política e administração fomenta o desenvolvimento de forças corporativas contrárias ao interesse público. Coloca-se assim, porventura, a dificuldade, ou mesmo falhanço, da implementação de uma estrutura burocrática neutral e independente do poder político, tal como Weber havia preconizado na concepção do modelo de estruturação do aparelho governativo. Acrescenta Dowding (1995) que, de facto, parece não ser possível afirmar e garantir que a administração é politicamente neutra já que os ministros sempre quiseram parcialidade na escolha dos seus colaboradores. Se por um lado a legitimidade das políticas públicas advém do poder político, eleito por sufrágio, por outro, a legitimidade técnica das mesmas, advém dos conhecimentos e competências existentes na estrutura administrativa (Ferraz, 2008). A generalidade dos autores reconhece pois que é difícil fazer uma total separação entre política e Administração e, por conseguinte, criar sistemas de direcção pública que combinem ao mesmo tempo os ideais de confiança política e os ideais de neutralidade e independência numa mesma configuração político-administrativa (Ferraz, 2008). A questão que hoje se pode colocar, no contexto dos novos modelos de administração e em particular do modelo de Governação, sustentado em redes participadas, tem a ver com o papel a desempenhar pelos dirigentes públicos na definição e operacionalização das políticas públicas (Denhardt e Denhardt, 2000), em particular como assegurar a representatividade das mesmas e como salvaguardar a sua independência e neutralidade. Analisar a evolução das funções de direcção e perspectivar o papel do dirigente público nos novos paradigmas de administração, em respeito pelos valores referidos, será o objectivo da nossa comunicação.