1. miúdos
Não é fácil
ilustrar o Natal
Os livros de Natal parecem todos iguais, mas não são. Alguns
distinguem-se. O vencedor do Prémio Bissaya Barreto 2010
foi um deles: O Cavalinho de Pau do Menino Jesus, escrito por
Manuel António Pina. Mas ser original a ilustrar o tema não
é fácil. Duas ilustradoras contam-nos como foi.
Texto Rita Pimenta Ilustração Inês do Carmo
2. Quando se pensa em Natal, reforçar o ambiente ‘das computador. Gostava de fazer
imediatamente se começa arábias’, das texturas, dos livros a preto e branco, a
a “processar” uma série padrões e criar um ambiente grafite ou tinta-da-china (sobre
de imagens, ambientes e caloroso e afectivo”, conta scratchboard).”
personagens. Encontrar a Inês do Carmo. Antes, tinha Neste momento está a
latitude certa entre inovação conversado com a Pública preparar dois livros de uma
e tradição exige pensamento sobre a dificuldade de nova colecção de
e criatividade, mas ter como representação: “Não é fácil. A poesia para crianças,
ponto de partida bons textos e ‘iconografia’ de Natal é muito de Teresa Maia
bons autores ajuda muito. Foi específica e já se deve ter Gonzalez (Nova
essa a sorte de Inês do Carmo e experimentado quase tudo. Gaia).
de Madalena Matoso. A primeira Nem sei se será possível ser Até chegar ao
desenhou sobre as palavras muito original neste tema.” trabalho final,
de Manuel António Pina (O o caminho que
Cavalinho de Pau do Menino “Fugir” do Pai Natal percorre é mais ou
Jesus e Outros Contos de Natal, A ilustradora dá exemplos menos este: “Leio o
Porto Editora, 2009) e a segunda concretos do trabalho para O texto (várias vezes),
ilustrou uma narrativa de Ana Cavalinho de Pau, onde “fugiu” sublinho descrições
Saldanha (Ninguém Dá Prendas do Pai Natal: “Numa das e passagens que me parecem
ao Pai Natal, Caminho, 2008). ilustrações, em que a acção se fulcrais, tomo notas escritas e muita coisa fluir e não me
“Tentei focar-me no texto centra no Pai Natal e na Mãe desenhadas e faço um monte de preocupar tanto.”
— que não tem, de todo, uma Natal, essa fuga é evidente: esboços.” Em síntese: “A designer versus
abordagem tradicional ao optei por não representar essas Ao contrário de outros a ilustradora!” Duas facetas que
tema — e fugir às imagens personagens, dando mais ênfase ilustradores, não faz um Inês gosta de explorar na sua
tradicionais. Optei por aos presentes (e aos papéis de storyboard para submeter vida profissional: “Adoro fazer
embrulho).” às editoras: “É uma espécie design e preciso de o alternar
O livro recebeu o Prémio de compromisso que não com a ilustração. E preciso de
Bissaya Barreto 2010, que, gosto de assumir porque, na alternar o tipo de ilustração.
embora literário, não deixa de maioria dos livros, muitas Não me vejo a apertar parafusos
ser partilhado por ambos os vezes volto atrás (a ilustrações só para a direita...”
autores: de texto e de imagem. supostamente terminadas) E se fosse convidada, de
Está certo. Afinal, a “porta e altero coisas.” Como novo, para ilustrar o Natal?
de entrada” das crianças entretanto lhe vão surgindo “Provavelmente teria a mesma
na leitura é quase sempre novas ideias para as imagens dificuldade que tive neste
a ilustração. “Dá um certo seguintes, fica com a sensação livro. Com outro autor e outro
conforto saber que o Cavalinho de que o livro “nunca está texto, iria pegar no trabalho
foi o escolhido de entre pronto”. Antes deste processo de uma forma diferente,
duzentos e tal livros”, diz, de ida e volta, “há a escolha mudando certamente de técnica
satisfeita, a também designer da técnica, do estilo e da linha e de género de ilustração,
da Câmara de Lisboa. de composição. Depois, [o mas encarando as mesmas
A técnica usada para este trabalho] vai andando”. dificuldades.”
livro foi sobretudo digital. “A Nos primeiros livros que
base é pintura, que depois ilustrou tentava libertar- “Espírito de plástico”
é recortada e trabalhada em se das ideias iniciais que Para outra ilustradora,
computador.” No entanto, Inês os textos lhe suscitavam, Madalena Matoso (Prémio
do Carmo não faz sempre assim: “como se fossem demasiado Nacional de Ilustração em
“Uso muitas técnicas e gostaria primárias”. Com a 2008), o tema, à partida, não a
de experimentar muitas mais. experiência, tem vindo entusiasmava muito. E explica:
Acrílico, guache, aguarela, a mudar de atitude: “Por “Aquele ‘espírito de Natal’ de
colagens e, ultimamente, a muito que eu tente que as plástico (anúncios, decorações,
sempre elucidativa ‘técnica escolhas sejam racionais, já luzes, centros comerciais,
mista’ com recurso ao percebi que tenho de deixar presentes, neve artificial) dá- c
Madalena
Matoso gostou
de ilustrar o
Inês do Carmo livro de Ana
quis “reforçar
o ambiente ‘das Saldanha
arábias’, das
texturas, dos porque pôde
padrões” nas
histórias de Manuel
fugir a imagens
António Pina estereotipadas
3. O Que É o Natal? me vontade de fugir.”
José Luís Borga e Patrícia No entanto, depois de ler a
Furtado; Oficina do Livro. história de Ana Saldanha que
€12,50 lhe cabia ilustrar, o ânimo foi
O Rapto do Pai Natal crescendo. “Gostei do texto,
L. Frank Baum e Maria tem uma estrutura gira, em que
Ferrand; Porto Editora. as personagens VIP do mundo
€16,64 das histórias (Capuchinho
A Oficina do Pai Natal Vermelho, Gata Borralheira,
Cristina Quental, Mariana João Ratão, etc.) vão chegando,
Magalhães e Sandra Serra; cada uma com um presente e a
Gailivro. €8,90 precisar de companhia.”
Dar Sentido ao Natal A ilustradora, fundadora do
Ted O’Neal e R. W. Alley; Planeta Tangerina, sublinha
Paulinas. €4,20 a importância da atitude do
Os Dez Desejos de Natal editor e da escritora perante
Claire Freedman e Gail o risco da inovação: “Houve
Yerrill; Educação Nacional. abertura por parte de José
€13,93 Oliveira [Editorial Caminho]
O Natal dos Ratos Ratolas e da autora a que se fugisse
Jack Tickle; Booksmile. de representações mais
€12,99 estereotipadas sobre o tema.
Sonho de Neve Se não tivesse havido essa
Eric Carle; Kalandraka. €17 abertura, não teria conseguido
Quem Dá Prenda fazer o livro.”
ao Pai Natal?
Alexandre Honrado e Raquel Medo de afastar leitores
Pinheiro; Gradiva. €13,12 Inicialmente, Ana Saldanha
Novo Dicionário do Pai Natal estranhou um bocadinho a
Luísa Ducla Soares e Rita figura do Pai Natal que Madalena
Madeira; Calendário das Matoso criou. “É natural. Somos
Letras. €13,78 tão inundados de imagens
que, inevitavelmente, a figura
se vai construindo na nossa
cabeça e pode ser estranho
ver representações um pouco
diferentes. Também seria natural
que as pessoas envolvidas no
projecto tivessem medo de que
essa representação afastasse
alguns leitores. Mas, a partir do
momento em que concordámos
que íamos dar oportunidade
‘àquele’ Pai Natal, o livro
foi sendo feito com poucos
sobressaltos.” E resultou.
Por isso, a ilustradora
não tem dúvidas de que “a
O Cavalinho de Pau facilidade ou dificuldade em
do Menino Jesus fazer um livro sobre o tema
e Outros Contos está muito relacionada com as
de Natal pessoas que estão envolvidas
Manuel António no projecto”. E, confiante no
Pina e Inês do seu trabalho, conclui: “É no
Carmo; Porto início do projecto que tudo se
Editora. €9,90 define. Não fazia sentido autora
e editor quererem fazer um
livro assumidamente comercial,
com uma representação do
Pai Natal ‘à Coca-Cola’ e terem
vindo falar comigo para fazer as
ilustrações.” Tem razão. a
Ninguém Dá Prendas
ao Pai Natal rpimenta@publico.pt
Ana Saldanha e
Madalena Matoso;
Caminho. €10,10