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                        Desenvolvimento Sustentável:
                        a politização da economia física*
                        Sustainable Development:
                        the political dimension of material economy



                        MARCIO HENRIQUE MONTEIRO DE CASTRO | mhmcrj@hotmail.com
                        Universidad de Buenos Aires, Argentina.




                        Não é exagero falar que Desenvolvimento Sustentável é nos
dias atuais uma noção que “já desfruta de uma unanimidade só comparável,
talvez, à felicidade e ao amor materno” (Veiga, 2005,196). “Surgiu, no início
da década de 1970”, como “uma resposta à polarização exacerbada pela pu-
blicação do relatório do Clube de Roma, que opunha partidários de duas vi-
sões opostas sobre as relações entre crescimento econômico e meio ambiente.
De um lado, aqueles genericamente classificados de possibilistas culturais (ou
‘tecnocêntricos’ radicais), para os quais os limites ambientais ao crescimento
econômico são mais que relativos diante da capacidade da inventiva da Hu-
manidade... Do outro lado, os chamados deterministas geográficos (ou ‘eco-
cêntricos’ radicais ), para os quais o meio ambiente apresenta limites absolutos
ao crescimento econômico...” (Romeiro, 1999, 76).
       O conceito de Desenvolvimento Sustentável buscou uma posição inter-
mediária. Aceita que existem limites ambientais, mas também acredita que o
progresso técnico pode superar ou atenuar essas restrições. É fácil ver que a
conciliação é construída com muita imprecisão e malabarismos ideológicos,
usando o artifício de elidir o horizonte temporal da questão da sustentabilida-



*   Algumas partes dessa comunicação, ainda inédita, foram publicadas em AMAZÔNIA, Soberania e Desenvolvimento
    Sustentável. Brasília: CONFEA, 2007.


OIKOS | Rio de Janeiro | Volume 9, n. 1 • 2010 | ISSN 1808-0235 | www.revistaoikos.org | pgs 165-176
166              Marcio Henrique Monteiro de Castro


de, pois quanto menor o horizonte menor a importância dos limites da natureza
ao processo de desenvolvimento.
      Na atualidade, entretanto, a importância do Desenvolvimento Sustentável é
capital. Apesar de ser um conceito cercado de controvérsias, é impossível pensar-
mos o futuro da Humanidade sem ele. Mas como não existe consenso sobre sua
definição, devemos, para situar o leitor, desenhar um esboço do que entendemos
ser desenvolvimento sustentável.
      E vamos tentar realizar essa difícil tarefa começando pelo fim, ou seja, por
uma definição que cada vez mais é aceita. Na sua forma mais pragmática e sim-
ples, uma corruptela da que encontramos no “Relatório Brundtland”, Desenvol-
vimento Sustentável pode ser entendido como um padrão de desenvolvimento
que evita ou minimiza o desperdício de recursos renováveis e, principalmente,
não-renováveis. Desta maneira o desenvolvimento do presente não compromete o
desenvolvimento do futuro e as gerações vindouras terão suas condições de vida
garantidas.
      Mas não nos enganemos, a aceitação do conceito baseia-se em sua imprecisão.
Como veremos não é nem simples nem prático. Por ser normativo, prescritivo, e
estar situado no plano do dever ser, pode tão somente existir como meta utópica,
um padrão ideal a servir de norte para os processos de desenvolvimento reais e his-
tóricos. Além disso, é mais fácil de ser enunciado do que ser praticado ou alcançado.
Evitar desperdício é muito diferente de não consumir recursos escassos.
      Para entendermos melhor essa problemática, vamos voltar a um ponto cen-
tral que foi formulado por Georgescu-Roegen no início dos anos 70. Para este
economista, o desenvolvimento sustentável pensado num horizonte temporal di-
latado, de longuíssimo prazo, seria uma impossibilidade. Para ele, a segunda lei
da termodinâmica garante a existência de uma limitação física na base do proces-
so econômico.
      As atividades econômicas estão transformando e desperdiçando uma par-
cela da energia contida nos hidrocarbonetos. A transformação de energia em tra-
balho se dá com um desperdício de uma parcela do calor e esse processo tem
uma irreversibilidade no que se refere à energia dissipada. Portanto, existe em
longuíssimo prazo limite intransponível ao crescimento econômico. A utilização
direta da energia solar, que supostamente seria um fluxo inesgotável, pressupõe
alguma forma de concentração para posterior utilização, e essas formas de cap-
tação de energia são limitadas, finitas. A fotossíntese, o ciclo da chuva e outros
fenômenos similares podem capturar, apenas, uma quantidade dada da energia
COMUNICAÇÃO | Desenvolvimento Sustentável: a politização da economia física   167


solar. Segundo o biólogo britânico Stuart Pimm, cerca de 45% da fotossíntese das
plantas já é apropriada direta ou indiretamente pela espécie humana (Pimm, S.;
pp XIV,124-125; 2005).
     A questão da entropia explorada por Georgescu é tão positiva, no longo
prazo, como a da certeza da morte ou do fim do Sol ou da Terra, em prazo lon-
guíssimo. Mas se concordarmos que o problema é inexorável nesse horizonte
extraordinário, o que dizer em horizontes mais curtos? É evidente que os ciclos
humanos tem dimensão infinitamente menor do que os cósmicos. Isto seria argu-
mento suficientemente forte para construir a compatibilidade entre o crescimento
econômico e os limites ambientais. A ausência de certeza não deve inibir a busca
de estilos de desenvolvimento que privilegie a máxima sustentabilidade. Assim
como a certeza da morte não nos impede de viver uma vida possível, o desen-
volvimento sustentável é um projeto a ser perseguido para o longo período que
antecede ao final absoluto.
     Devemos para tanto voltar nossa atenção para o processo concreto, histórico,
de desenvolvimento para atingirmos o objetivo proposto. Mas, ao invés de aden-
trarmos nos complexos espaços terrestres, na Amazônia, por exemplo, com sua geo-
logia, hidrografia, flora e fauna, convido o leitor para um ligeiro passeio filosófico.
     A Natureza é a base da vida humana, da vida em geral. O Homem, ser origi-
nal, se define ontologicamente e historicamente através de sua diferenciação com a
natureza. Através do trabalho se opõe a ela, a nega estabelecendo uma relação dia-
lética. Portanto em um sentido profundo o processo de desenvolvimento do mundo
humano é fruto da combinação do trabalho com a Natureza. A própria Natureza
também é fruto da ação humana, não é um dado exterior a práxis e sua conceitua-
ção, também a visão sobre ela, é indiscutivelmente uma construção humana.
     A Natureza não é estática. Não existe nela um equilíbrio que perdure através
dos tempos. Ela está sempre evoluindo, transformando-se, modificando-se. Não
existe uma teleologia, um ponto desejável de chegada. Aquele ponto que existin-
do sublinharia a idéia de evolução com estágios superiores substituindo inferiores
como a realização de um único projeto inequívoco. As espécies mais adaptadas
(vitoriosas) ao longo da evolução o foram por circunstâncias aleatórias e exóge-
nas. O choque de um asteróide, segundo uma das teorias aceitas, provocou o tér-
mino dos dinossauros. Glaciações, secas e vulcões modificam o meio-ambiente e
interferem na especiação.
     Apesar da produção humana ocorrer com e sobre a Natureza, usando os
recursos naturais, (como por exemplo o ar que respiramos), seu caráter é funda-
168              Marcio Henrique Monteiro de Castro


mentalmente simbólico, toda a produção humana é simbólica. As necessidades,
os padrões de consumo, o conceito de riqueza são criações humanas. O fato de a
Natureza ser base da riqueza humana, da riqueza ser uma forma de apropriação
da Natureza, não enfraquece o caráter humano, social, do processo econômico e
da produção humana da Natureza.
      Por outro lado essa dimensão humana da produção não suprime as deter-
minações da relação dialética que estabelecemos com a Natureza, seu caráter, em
vários aspectos, exógeno e independente ao processo de produção humana. O
Iluminismo difundiu a idéia, exageradamente otimista, de que o Homem pode
superar os problemas gerados pelo desenvolvimento. Todo o problema criado te-
ria solução positiva.
      A ciência econômica, nas suas principais correntes de pensamento, trata a
natureza com este pressuposto. Trata a própria economia com um otimismo me-
todológico ao entender que há equilíbrio e mecanismos de correção automática.
A ciência econômica também não teoriza bem a riqueza. Nem mesmo a produção
da riqueza. Estuda, apenas, as relações e motivações humanas no processo de
produção. Não mede nem consegue precificar, e se o conseguisse o preço não
teria sentido, a incorporação da natureza ao processo econômico. As teorias clás-
sicas da renda da terra descrevem a repartição do excedente e não a contribuição
do “fator” para a produção. As teorias de desenvolvimento de todos os matizes,
dos modelos de crescimento Harrod-Domar, dos de reprodução ampliada aos de
Solow etc relacionam valores, preços, mercadorias. Mas o quinhão, o quantum,
da natureza que é incorporado ao processo de produção não é (nem pode ser) cor-
retamente valorizado. Se valor é trabalho ou subjetivamente determinado por al-
gum mecanismo de mercado e a natureza é não trabalho ou não pode ser ofertada,
produzida, como é que poderá ser valorizada? Nenhuma teoria de preço poderá
regular a natureza, o não trabalho. Qual é o custo da poluição? E do esgotamento
dos recursos hoje utilizados? Qual é o preço da última árvore?



                 Algumas questões sobre
                 desenvolvimento e natureza

                 O desenvolvimento é essencialmente produção e acumulação de
riqueza. Ocorre com a incorporação de riquezas naturais (florestas, solos, minas,
fontes energéticas), e artificiais (indústria, técnica, construções). O trabalho é a
COMUNICAÇÃO | Desenvolvimento Sustentável: a politização da economia física   169


atividade que incorpora e gera riqueza que pode ser acumulada, portanto pro-
duz desenvolvimento. O trabalho é a transformação da energia em coisas úteis. A
energia é o que está por trás do trabalho e do desenvolvimento. A técnica aumenta
a eficiência do trabalho e o estoque de riqueza a ser explorado. Esta ampliação
fruto da evolução técnica é uma questão central. Transforma itens da Natureza
em recursos produtivos e bens que atendem às necessidades humanas. Cria novos
bens econômicos a partir dos recursos disponíveis aumentando a possibilidade de
acumulação. A aquisição ou conquista de riquezas é outra forma de acumulação.
Conquistas de recursos, de territórios etc. Descobertas de jazidas, de novos vege-
tais, seres vivos etc, tudo que pode ser incorporado ao processo de produção.
     A relação da população com a riqueza está no centro da questão do desen-
volvimento. Por ser produto desse complexo processo de produção que envolve
trabalho humano e Natureza construída, a distribuição da riqueza não é um re-
sultado natural. Reflete instituições e distribuições assimétricas de poder entre
as pessoas, classes sociais, povos e nações. Por isso mesmo a idéia de desenvolvi-
mento está associada a juízos de valor. Não só no que se refere à distribuição da
riqueza entre os Homens como também à relação com a Natureza.
     O investimento, aquele que faz parte do que os economistas chamam de
demanda efetiva, para gerar desenvolvimento tem que ampliar a riqueza, criar ou
incorporar novas fontes de riqueza. Nem todo gasto que gera demanda efetiva é
gerador de desenvolvimento. É necessária a criação de riqueza com possibilida-
de de acumulação ou de futura produção de serviços. A relação entre riqueza e
renda está no centro da questão do desenvolvimento. Usar a riqueza, natural ou
artificial, de forma predatória é transformar em renda a destruição da riqueza e
comprometer o futuro. Gastos equivocados são estéreis e essa esterilidade não é
fruto de julgamento de valor. Pontes que caem, máquinas que não funcionam, es-
tradas com vida útil de efemérides, obras faraônicas que esterilizam recurso, nada
disso, enfim, é capaz de gerar desenvolvimento. Antes dilapidam recursos e não
prestam nenhuma contribuição futura. Não dão origem a produtos ou serviços
adicionais.
     Todas as comunidades humanas geraram e geram pressões sobre a Natu-
reza. A civilização industrial não inovou nesse aspecto, apenas amplificou essa
pressão e revelou a tensão entre a produção e a preservação da base material.
     Independentemente dos problemas distributivos – onde dentro de cada país
uma minoria consome muitos recursos –, partindo-se do consumo médio atual –
do que é utilizado e do que é estragado, do que gera poluição – as projeções da ex-
170                      Marcio Henrique Monteiro de Castro


pansão do modelo de consumo sobre os recursos são assustadoras. Apenas como
uma imprecisa especulação, vamos olhar os seguintes números para vermos se o
padrão de consumo dos países desenvolvidos – o “american way of life” – poderá
ser generalizado.
         Tomemos para um primeiro exercício os dados referentes ao PIB dos países
desenvolvidos, subdesenvolvidos e do Mundo.


                               PIB, população e PIB per capita do ano de 1998


                                              PIB                POPULAÇÃO
                                                                                       PIB PER CAPITA
                                      US$ BILHÃO (1990)            MILHÃO

 Países Desenvolvidos                        17998                   838                   21477

 Países Subdesenvolvidos                     15727                  5069                    3103

 Mundo                                       33725                  5907                    5709
Fonte: Maddison, 2001.


         Com base nos dados acima podemos estimar que se generalizarmos o pa-
drão de consumo dos países desenvolvidos, e nunca é demais repetir que estamos
trabalhando com os dados médios, o produto mundial deverá ser multiplicado
por quase quatro vezes.
         Qual seria o impacto ambiental associado a essa produção?
         O quadro abaixo mostra outras informações que apontam para o mesmo
problema.


               Consumo de metais per capita, países selecionados, 2003 (kilogramas per capita)


          Países              Alumínio               Cobre              Níquel                   Aço

 China                          4,0                   2,4                  0,1              197,9

 Índia                          0,7                  0,3                 0,0                 33,4

 Japão                          15,8                 9,4                 1,4                603,2

 Coréia                         20,6                 18,9                2,4                984,6

 USA                            19,3                 7,8                   0,4              349,3
Fonte: Trade and Development Report, 2005.
COMUNICAÇÃO | Desenvolvimento Sustentável: a politização da economia física   171


     A relação entre as médias de consumo dos dois primeiros países, reconheci-
damente em desenvolvimento, e dos outros três países já industrializados varia de
5,5 vezes para o aço até 28 vezes para o níquel.
     Para finalizar tomemos o petróleo como último exemplo. Em 2002, o consu-
mo anual per capita de petróleo dos USA era de 25,2 barris. Dá para imaginar a
população mundial com o padrão de consumo de petróleo dos americanos? So-
mos pouco mais do que 6,5 bilhões de pessoas. Com o nível de consumo america-
no chegaríamos à extraordinária cifra de 163,8 bilhões de barris, aproximadamen-
te 5,6 vezes o consumo de petróleo mundial em 2002.
     Os dados acima servem para sintetizar as duas questões que coexistem no
mundo atual: as tensões geopolíticas e a necessidade de desenvolvimento susten-
tável. Vamos ver como elas se entrelaçam.
     Que existe limite ao crescimento é indiscutível. Existe uma questão ambien-
tal emergente e, no longo prazo, uma oferta limitada de recursos não-renováveis
e, até, de seus substitutos renováveis. Mas, devemos reconhecer, essa problemáti-
ca aparece de maneira distinta para os países desenvolvidos e subdesenvolvidos.
     Uma das questões centrais em torno da discussão do desenvolvimento susten-
tável se refere à base técnica e ao padrão de consumo das sociedades modernas.
     No período que sucedeu a Segunda Grande Guerra, a aspiração dos povos
subdesenvolvidos era reproduzir o nível de vida dos países ricos. Esse era um
dos mais fortes sentidos da noção de desenvolvimento econômico. Ter acesso à
tecnologia moderna e aos modernos bens e serviços. A questão do limite ao cresci-
mento só ganhou notoriedade a partir dos anos 70. Nesse momento, junto com as
frustrações de um desenvolvimento problemático e, aparentemente, inalcançável,
surgem, ainda, as teses dos limites naturais de oferta de recursos em termos glo-
bais. Vale repetir, porque o ponto é muito importante, que os limites são pensados
em termos globais e não em relação à disponibilidade de recursos para um deter-
minado país.
     Para os países ricos o problema tinha outra configuração. A questão a ser
resolvida era a da manutenção dos elevados níveis de consumo já alcançados e
de como mitigar os efeitos ambientais desse estilo de vida e reservar para si os
recursos não-renováveis existentes, “pensados em termos globais”.
     É por isso que no bojo de uma questão ambiental real e verdadeira surge o
“ambientalismo” ou “ecologismo” como uma ideologia neocolonialista. A manu-
tenção do padrão de consumo para aqueles povos desenvolvidos está ligada ao
“veto” ambientalista ao desenvolvimento em regiões ainda inexploradas, como é
172              Marcio Henrique Monteiro de Castro


o notável exemplo da Amazônia. A pressão dos países hegemônicos para reservar
os recursos mundiais para seu desfrute ganha a forma de uma cruzada pela pre-
servação do meio-ambiente a nível global. A confusão em torno da idéia de desen-
volvimento sustentável em boa parte é explicada pela ideologia ambientalista que
termina postulando uma sustentabilidade não desenvolvimentista.
      Nessa captura ideológica, as idéias de desenvolvimento e interesse nacional
são transformadas por uma idéia de preservação global numa acentuada inflexão
do processo político vivido pelo Terceiro Mundo no pós-guerra. Vale a pena visitar
e grifar alguns trechos da citação de um artigo não publicado de Carlos Lessa.
      “Neste fim de século a politização da natureza é uma invenção contraposta
à da politização da economia, que prosperou nas três décadas seguintes à Segun-
da Guerra Mundial. A descolonização e a idéia de desenvolvimento colocavam
no centro da discussão mundial a soberania do Estado nacional coordenando
o esforço de construção de seu respectivo futuro. A solidariedade internacional
existente deveria reforçar a instituição nacional. Hoje a anterior centralidade do
desenvolvimento foi substituída nos foros internacionais pela preocupação com o
meio ambiente. O clássico princípio da soberania dos Estados nacionais em rela-
ção aos recursos naturais do respectivo território, consagrado pelo direito interna-
cional, admite que cada Estado seja proprietário de seu território. Este princípio
está sendo erodido. A politização da natureza assume que o traçado histórico das
fronteiras e a garantia jurídica da soberania sobre os recursos naturais aumen-
tam a desigualdade entre as nações. Porém a politização vai além: assume que a
irresponsabilidade de um Estado Nacional em relação ao meio ambiente põe sob
risco a sobrevivência da Humanidade. Uma variante é a obrigação de preservar ao
máximo os seus ecossistemas intactos” (Lessa, 2001, 6).



                 Idéias para um desenvolvimento
                 sustentável possível

                 É bom deixar claro por mais paradoxal que possa parecer, mas a
essa altura do trabalho acreditamos que o leitor irá concordar plenamente, que o
primeiro passo para pensarmos em um projeto de desenvolvimento sustentável é
o abandono da ideologia ambientalista. A inversão maniqueísta que postula que a
Natureza é vítima e o Desenvolvimento Humano o algoz deve ser substituída por
um projeto que busque a sustentabilidade dentro de uma perspectiva desenvolvi-
COMUNICAÇÃO | Desenvolvimento Sustentável: a politização da economia física   173


mentista. Outra escolha que deve ser abandonada é a proposta assimétrica – algo
como um ambientalismo de conveniência – que diz que os pobres preservam e os
ricos consomem os recursos naturais.
     Os limites naturais existem e não podem ser ignorados. A produção humana
deve levá-los em conta com a consciência de não existir técnica que não afete de
alguma forma a natureza. O progresso técnico pode dilatar nosso horizonte, mas
não elimina de forma absoluta os limites. Este é um problema insolúvel. Podemos
conviver com ele de forma melhor ou pior, mas não podemos deixar de conviver.
     O desenvolvimento sustentável, portanto, deverá ser um alvo, uma meta
a ser perseguida. Um projeto definido com valores explícitos de conservação de
recursos, da qualidade ambiental e do bem-estar humano. Entretanto, isso é fácil
de falar e muitíssimo mais difícil de fazer. Os obstáculos que se opõem ao Desen-
volvimento Sustentável em escala global são quase intransponíveis.
     Começando pelo padrão de consumo do primeiro mundo que é desejado
por todos os povos. O fato de que existe uma impossibilidade de generalização
por toda a Humanidade do padrão de consumo moderno não elide o fato de que
o desejo se faz presente e atua criando demanda por bens intensivos em recursos
não renováveis.
     O segundo, que também deriva da estrutura da sociedade contemporânea,
se refere à reprodução do padrão concentrado de distribuição de renda e riqueza.
Essa sociedade global em que a renda é concentrada reproduz necessidades su-
pérfluas por bens intensivos em recursos escassos. Como parte significativa desses
bens estão localizados em países subdesenvolvidos e a maior parte dos consumi-
dores de alta renda estão localizados nos países ricos, a irracionalidade econômica
e ambiental virá pelas mãos de alguma forma de política imperialista.
     Uma outra maneira de abordar a questão é pensarmos que para aquela fra-
ção da sociedade mundial que consome a maior parte dos recursos naturais o
pesadelo futuro vem embalado por prazeres presentes. Se agregarmos o fato já
observado por Furtado (1974, 21) que “as elucubrações sobre o destino de nossa
civilização, por fascinantes que ocasionalmente pareçam são de reduzido impacto
sobre o espírito do homem comum”, podemos concluir que até mesmo as condi-
ções políticas para uma mudança estrutural a partir de uma posição espontânea
da população estão além do nosso horizonte.
     Apenas instituições que pensem a coletividade no longo prazo poderão ter
iniciativa para enfrentar esse problema que está situado em um horizonte tempo-
ral da espécie e não do indivíduo. Como fazer que a solidariedade, sem reciproci-
174              Marcio Henrique Monteiro de Castro


dade entre gerações distantes, prive as gerações atuais de usufruir imediatamente
os recursos que deverão ser guardados para o futuro distante?
      A construção dessas entidades e dessa mentalidade está na ordem do dia.
A própria ideologia ambientalista tão equivocada nas propostas de preservação
absoluta é um elemento importante na difusão da problemática ambiental. Mas
é apenas o primeiro passo. Existe a necessidade de uma nova ética que assuma o
compromisso com a vida humana e com o meio-ambiente. A partir desse compro-
misso devemos fundar uma nova lógica econômica. Tudo muito distante da ética
individualista que funda o capitalismo.
      Mas não nos enganemos, o Desenvolvimento Sustentável só poderá ser im-
plementado com planejamento. Alguns de seus elementos podem ser enunciados.
Consumo comedido, racionalidade na produção e transporte. Progresso técnico
que poupe recursos e não aquele que gere obsolescência tecnológica para estimu-
lar o consumo supérfluo. Controle demográfico e intensificação do uso do intelec-
to humano. Processos democráticos de tomada de decisão e aperfeiçoamento de
mecanismos de democracia participativa.
      O uso do território deverá ser cuidadosamente estudado para que se iden-
tifiquem as atividades que pode suportar. E não estamos falando apenas em ati-
vidades envolvendo recursos não-renováveis. Existem ambientes frágeis para a
agricultura. Existem terrenos aptos a produzir determinados vegetais e deficien-
tes para produzir outros produtos. A mundialização criou um padrão alimentar
mais homogêneo, baseado em uma cesta de produtos que está associada a deter-
minadas regiões e não pode ser produzida em qualquer ecossistema.
      Ambientes frágeis para a agricultura podem ser apropriados para a silvi-
cultura ou outras atividades, mas poderão suportar a ação humana? O desenvol-
vimento sustentável deve reconhecer as potencialidades locais e adaptar a vida
econômica sem generalização de padrões de consumo.
      Gostaria de terminar esta comunicação com dois grandes parágrafos. O pri-
meiro reúne algumas perplexidades que só aumentaram na medida em que es-
crevia esse trabalho. O segundo parágrafo traz uma estória e uma piada que me
vinham à mente insistentemente quando escrevia algumas passagens do texto.
      A questão ambiental é mais séria do que o ambientalismo “new age” alar-
deou. Poucas atividades são sustentáveis, pesca, manejo florestal, agrofloresta-
mento – todas se realizadas sem superintensidade. Portanto o conceito de desen-
volvimento sustentável é relativo, e, na prática, está relacionado com minimizar
desperdícios. Isto nos remete ao padrão de consumo. O desperdício não pode ser
COMUNICAÇÃO | Desenvolvimento Sustentável: a politização da economia física   175


enfrentado apenas na produção; o consumo deve ser redefinido, revolucionado e
racionalizado. Tudo isto nos afasta da forma capitalista em que a sociedade indus-
trial foi desenvolvida. O “american way of life” não só não pode ser generalizado
em escala mundial como só pode ser mantido nos USA com crescentes custos am-
bientais e importação de recursos não renováveis. Chamemos do que quisermos,
socialismo, comunismo ecológico, utopias etc, mas uma nova forma racional de
organizar a produção e o consumo humano deverá ser desenvolvida. O controle
populacional, mesmo através de formas genocidas, a apropriação imperialista de
recursos em escala mundial e a exclusão dos povos dos modernos padrões de con-
sumo podem postergar esta transformação, mas não impedi-la. Se a racionalidade
for barrada, o “Colapso” virá. Infelizmente as experiências de planificação socia-
lista não enfrentaram essa questão. O socialismo surgiu nos países atrasados com
desigualdades. No mundo capitalista o processo de desenvolvimento resolveu, à
inglesa, com uma divisão do trabalho internacional, ou com emigração, a miséria.
O imperialismo ajudou a aumentar os salários reais para os trabalhadores das
metrópoles. O socialismo, na guerra-fria, não pôde “produzir manteiga”, apenas
“canhões”. E, o pior, sucumbiu e o comunismo entregou-se ao consumismo. Não
temos, portanto, muitas heranças para começar nossa tarefa. Mas ela não pode ser
postergada.
     Li algures, quando menino, que um filósofo que estava aprendendo a tocar
flauta foi questionado por um discípulo: – Mestre, por que aprender a tocar flauta
se morreremos um dia? – Para tocarmos enquanto vivos, respondeu. Este é mais
ou menos o mesmo caso do desenvolvimento sustentável. Vamos agora a uma
piada geopolítica. Um teco-teco levava duas pessoas e caiu na savana africana. Os
dois viajantes saíram ilesos do acidente. Mas, quando foram abandonar o avião
perceberam que estavam cercados por leões. O piloto experiente e previdente
abriu sua mochila, tirou um par de tênis e, calmamente, começou a calçá-los. O
passageiro, provavelmente um economista acostumado a projetar situações futu-
ras a partir de poucas e distorcidas informações, começou a zombar do piloto e,
arrogantemente, questionou: – você acha que com o tênis você vai conseguir cor-
rer mais do que um leão? – Não. Vou correr mais do que você, respondeu o piloto.
O que essa piada nos ensina é que, nesse mundo, não precisamos ser o mais forte,
mas não podemos ser o mais fraco.
176                  Marcio Henrique Monteiro de Castro



Referências bibliográficas
FURTADO, Celso. O Mito do Desenvolvimento Econômico. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974.
DIAMOND, Jared. Colapso. Record, 2005.
LESSA, Carlos. Texto apresentado no Seminário CEE/ESG-BNDES, 2001.
MADDISON, Angus. The World Economy, a millennial perspective. OECD, 2001.
PIMM, Stuart. Terras da Terra. Editora Planta, 2005.
RIVERO, Oswaldo de. O Mito do Desenvolvimento: os países inviáveis do século XXI. Petrópolis:
      Vozes, 2000.
ROMEIRO, Ademar. Desenvolvimento sustentável e mudança institucional: notas preliminares.
      ECONÔMICA – UFF, 1999.
TRADE AND DEVELOPMENT REPORT. UN, 2005.
VEIGA, José Eli. Desenvolvimento Sustentável: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Gara-
      mond, 2005.




Cronologia do processo editorial

Recebimento da comunicação: 04-dez-2009 | Aceite: 12-dez-2009.

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Desenvolvimento Sustentável e os limites da natureza

  • 1. comunicação Desenvolvimento Sustentável: a politização da economia física* Sustainable Development: the political dimension of material economy MARCIO HENRIQUE MONTEIRO DE CASTRO | mhmcrj@hotmail.com Universidad de Buenos Aires, Argentina. Não é exagero falar que Desenvolvimento Sustentável é nos dias atuais uma noção que “já desfruta de uma unanimidade só comparável, talvez, à felicidade e ao amor materno” (Veiga, 2005,196). “Surgiu, no início da década de 1970”, como “uma resposta à polarização exacerbada pela pu- blicação do relatório do Clube de Roma, que opunha partidários de duas vi- sões opostas sobre as relações entre crescimento econômico e meio ambiente. De um lado, aqueles genericamente classificados de possibilistas culturais (ou ‘tecnocêntricos’ radicais), para os quais os limites ambientais ao crescimento econômico são mais que relativos diante da capacidade da inventiva da Hu- manidade... Do outro lado, os chamados deterministas geográficos (ou ‘eco- cêntricos’ radicais ), para os quais o meio ambiente apresenta limites absolutos ao crescimento econômico...” (Romeiro, 1999, 76). O conceito de Desenvolvimento Sustentável buscou uma posição inter- mediária. Aceita que existem limites ambientais, mas também acredita que o progresso técnico pode superar ou atenuar essas restrições. É fácil ver que a conciliação é construída com muita imprecisão e malabarismos ideológicos, usando o artifício de elidir o horizonte temporal da questão da sustentabilida- * Algumas partes dessa comunicação, ainda inédita, foram publicadas em AMAZÔNIA, Soberania e Desenvolvimento Sustentável. Brasília: CONFEA, 2007. OIKOS | Rio de Janeiro | Volume 9, n. 1 • 2010 | ISSN 1808-0235 | www.revistaoikos.org | pgs 165-176
  • 2. 166 Marcio Henrique Monteiro de Castro de, pois quanto menor o horizonte menor a importância dos limites da natureza ao processo de desenvolvimento. Na atualidade, entretanto, a importância do Desenvolvimento Sustentável é capital. Apesar de ser um conceito cercado de controvérsias, é impossível pensar- mos o futuro da Humanidade sem ele. Mas como não existe consenso sobre sua definição, devemos, para situar o leitor, desenhar um esboço do que entendemos ser desenvolvimento sustentável. E vamos tentar realizar essa difícil tarefa começando pelo fim, ou seja, por uma definição que cada vez mais é aceita. Na sua forma mais pragmática e sim- ples, uma corruptela da que encontramos no “Relatório Brundtland”, Desenvol- vimento Sustentável pode ser entendido como um padrão de desenvolvimento que evita ou minimiza o desperdício de recursos renováveis e, principalmente, não-renováveis. Desta maneira o desenvolvimento do presente não compromete o desenvolvimento do futuro e as gerações vindouras terão suas condições de vida garantidas. Mas não nos enganemos, a aceitação do conceito baseia-se em sua imprecisão. Como veremos não é nem simples nem prático. Por ser normativo, prescritivo, e estar situado no plano do dever ser, pode tão somente existir como meta utópica, um padrão ideal a servir de norte para os processos de desenvolvimento reais e his- tóricos. Além disso, é mais fácil de ser enunciado do que ser praticado ou alcançado. Evitar desperdício é muito diferente de não consumir recursos escassos. Para entendermos melhor essa problemática, vamos voltar a um ponto cen- tral que foi formulado por Georgescu-Roegen no início dos anos 70. Para este economista, o desenvolvimento sustentável pensado num horizonte temporal di- latado, de longuíssimo prazo, seria uma impossibilidade. Para ele, a segunda lei da termodinâmica garante a existência de uma limitação física na base do proces- so econômico. As atividades econômicas estão transformando e desperdiçando uma par- cela da energia contida nos hidrocarbonetos. A transformação de energia em tra- balho se dá com um desperdício de uma parcela do calor e esse processo tem uma irreversibilidade no que se refere à energia dissipada. Portanto, existe em longuíssimo prazo limite intransponível ao crescimento econômico. A utilização direta da energia solar, que supostamente seria um fluxo inesgotável, pressupõe alguma forma de concentração para posterior utilização, e essas formas de cap- tação de energia são limitadas, finitas. A fotossíntese, o ciclo da chuva e outros fenômenos similares podem capturar, apenas, uma quantidade dada da energia
  • 3. COMUNICAÇÃO | Desenvolvimento Sustentável: a politização da economia física 167 solar. Segundo o biólogo britânico Stuart Pimm, cerca de 45% da fotossíntese das plantas já é apropriada direta ou indiretamente pela espécie humana (Pimm, S.; pp XIV,124-125; 2005). A questão da entropia explorada por Georgescu é tão positiva, no longo prazo, como a da certeza da morte ou do fim do Sol ou da Terra, em prazo lon- guíssimo. Mas se concordarmos que o problema é inexorável nesse horizonte extraordinário, o que dizer em horizontes mais curtos? É evidente que os ciclos humanos tem dimensão infinitamente menor do que os cósmicos. Isto seria argu- mento suficientemente forte para construir a compatibilidade entre o crescimento econômico e os limites ambientais. A ausência de certeza não deve inibir a busca de estilos de desenvolvimento que privilegie a máxima sustentabilidade. Assim como a certeza da morte não nos impede de viver uma vida possível, o desen- volvimento sustentável é um projeto a ser perseguido para o longo período que antecede ao final absoluto. Devemos para tanto voltar nossa atenção para o processo concreto, histórico, de desenvolvimento para atingirmos o objetivo proposto. Mas, ao invés de aden- trarmos nos complexos espaços terrestres, na Amazônia, por exemplo, com sua geo- logia, hidrografia, flora e fauna, convido o leitor para um ligeiro passeio filosófico. A Natureza é a base da vida humana, da vida em geral. O Homem, ser origi- nal, se define ontologicamente e historicamente através de sua diferenciação com a natureza. Através do trabalho se opõe a ela, a nega estabelecendo uma relação dia- lética. Portanto em um sentido profundo o processo de desenvolvimento do mundo humano é fruto da combinação do trabalho com a Natureza. A própria Natureza também é fruto da ação humana, não é um dado exterior a práxis e sua conceitua- ção, também a visão sobre ela, é indiscutivelmente uma construção humana. A Natureza não é estática. Não existe nela um equilíbrio que perdure através dos tempos. Ela está sempre evoluindo, transformando-se, modificando-se. Não existe uma teleologia, um ponto desejável de chegada. Aquele ponto que existin- do sublinharia a idéia de evolução com estágios superiores substituindo inferiores como a realização de um único projeto inequívoco. As espécies mais adaptadas (vitoriosas) ao longo da evolução o foram por circunstâncias aleatórias e exóge- nas. O choque de um asteróide, segundo uma das teorias aceitas, provocou o tér- mino dos dinossauros. Glaciações, secas e vulcões modificam o meio-ambiente e interferem na especiação. Apesar da produção humana ocorrer com e sobre a Natureza, usando os recursos naturais, (como por exemplo o ar que respiramos), seu caráter é funda-
  • 4. 168 Marcio Henrique Monteiro de Castro mentalmente simbólico, toda a produção humana é simbólica. As necessidades, os padrões de consumo, o conceito de riqueza são criações humanas. O fato de a Natureza ser base da riqueza humana, da riqueza ser uma forma de apropriação da Natureza, não enfraquece o caráter humano, social, do processo econômico e da produção humana da Natureza. Por outro lado essa dimensão humana da produção não suprime as deter- minações da relação dialética que estabelecemos com a Natureza, seu caráter, em vários aspectos, exógeno e independente ao processo de produção humana. O Iluminismo difundiu a idéia, exageradamente otimista, de que o Homem pode superar os problemas gerados pelo desenvolvimento. Todo o problema criado te- ria solução positiva. A ciência econômica, nas suas principais correntes de pensamento, trata a natureza com este pressuposto. Trata a própria economia com um otimismo me- todológico ao entender que há equilíbrio e mecanismos de correção automática. A ciência econômica também não teoriza bem a riqueza. Nem mesmo a produção da riqueza. Estuda, apenas, as relações e motivações humanas no processo de produção. Não mede nem consegue precificar, e se o conseguisse o preço não teria sentido, a incorporação da natureza ao processo econômico. As teorias clás- sicas da renda da terra descrevem a repartição do excedente e não a contribuição do “fator” para a produção. As teorias de desenvolvimento de todos os matizes, dos modelos de crescimento Harrod-Domar, dos de reprodução ampliada aos de Solow etc relacionam valores, preços, mercadorias. Mas o quinhão, o quantum, da natureza que é incorporado ao processo de produção não é (nem pode ser) cor- retamente valorizado. Se valor é trabalho ou subjetivamente determinado por al- gum mecanismo de mercado e a natureza é não trabalho ou não pode ser ofertada, produzida, como é que poderá ser valorizada? Nenhuma teoria de preço poderá regular a natureza, o não trabalho. Qual é o custo da poluição? E do esgotamento dos recursos hoje utilizados? Qual é o preço da última árvore? Algumas questões sobre desenvolvimento e natureza O desenvolvimento é essencialmente produção e acumulação de riqueza. Ocorre com a incorporação de riquezas naturais (florestas, solos, minas, fontes energéticas), e artificiais (indústria, técnica, construções). O trabalho é a
  • 5. COMUNICAÇÃO | Desenvolvimento Sustentável: a politização da economia física 169 atividade que incorpora e gera riqueza que pode ser acumulada, portanto pro- duz desenvolvimento. O trabalho é a transformação da energia em coisas úteis. A energia é o que está por trás do trabalho e do desenvolvimento. A técnica aumenta a eficiência do trabalho e o estoque de riqueza a ser explorado. Esta ampliação fruto da evolução técnica é uma questão central. Transforma itens da Natureza em recursos produtivos e bens que atendem às necessidades humanas. Cria novos bens econômicos a partir dos recursos disponíveis aumentando a possibilidade de acumulação. A aquisição ou conquista de riquezas é outra forma de acumulação. Conquistas de recursos, de territórios etc. Descobertas de jazidas, de novos vege- tais, seres vivos etc, tudo que pode ser incorporado ao processo de produção. A relação da população com a riqueza está no centro da questão do desen- volvimento. Por ser produto desse complexo processo de produção que envolve trabalho humano e Natureza construída, a distribuição da riqueza não é um re- sultado natural. Reflete instituições e distribuições assimétricas de poder entre as pessoas, classes sociais, povos e nações. Por isso mesmo a idéia de desenvolvi- mento está associada a juízos de valor. Não só no que se refere à distribuição da riqueza entre os Homens como também à relação com a Natureza. O investimento, aquele que faz parte do que os economistas chamam de demanda efetiva, para gerar desenvolvimento tem que ampliar a riqueza, criar ou incorporar novas fontes de riqueza. Nem todo gasto que gera demanda efetiva é gerador de desenvolvimento. É necessária a criação de riqueza com possibilida- de de acumulação ou de futura produção de serviços. A relação entre riqueza e renda está no centro da questão do desenvolvimento. Usar a riqueza, natural ou artificial, de forma predatória é transformar em renda a destruição da riqueza e comprometer o futuro. Gastos equivocados são estéreis e essa esterilidade não é fruto de julgamento de valor. Pontes que caem, máquinas que não funcionam, es- tradas com vida útil de efemérides, obras faraônicas que esterilizam recurso, nada disso, enfim, é capaz de gerar desenvolvimento. Antes dilapidam recursos e não prestam nenhuma contribuição futura. Não dão origem a produtos ou serviços adicionais. Todas as comunidades humanas geraram e geram pressões sobre a Natu- reza. A civilização industrial não inovou nesse aspecto, apenas amplificou essa pressão e revelou a tensão entre a produção e a preservação da base material. Independentemente dos problemas distributivos – onde dentro de cada país uma minoria consome muitos recursos –, partindo-se do consumo médio atual – do que é utilizado e do que é estragado, do que gera poluição – as projeções da ex-
  • 6. 170 Marcio Henrique Monteiro de Castro pansão do modelo de consumo sobre os recursos são assustadoras. Apenas como uma imprecisa especulação, vamos olhar os seguintes números para vermos se o padrão de consumo dos países desenvolvidos – o “american way of life” – poderá ser generalizado. Tomemos para um primeiro exercício os dados referentes ao PIB dos países desenvolvidos, subdesenvolvidos e do Mundo. PIB, população e PIB per capita do ano de 1998 PIB POPULAÇÃO PIB PER CAPITA US$ BILHÃO (1990) MILHÃO Países Desenvolvidos 17998 838 21477 Países Subdesenvolvidos 15727 5069 3103 Mundo 33725 5907 5709 Fonte: Maddison, 2001. Com base nos dados acima podemos estimar que se generalizarmos o pa- drão de consumo dos países desenvolvidos, e nunca é demais repetir que estamos trabalhando com os dados médios, o produto mundial deverá ser multiplicado por quase quatro vezes. Qual seria o impacto ambiental associado a essa produção? O quadro abaixo mostra outras informações que apontam para o mesmo problema. Consumo de metais per capita, países selecionados, 2003 (kilogramas per capita) Países Alumínio Cobre Níquel Aço China 4,0 2,4 0,1 197,9 Índia 0,7 0,3 0,0 33,4 Japão 15,8 9,4 1,4 603,2 Coréia 20,6 18,9 2,4 984,6 USA 19,3 7,8 0,4 349,3 Fonte: Trade and Development Report, 2005.
  • 7. COMUNICAÇÃO | Desenvolvimento Sustentável: a politização da economia física 171 A relação entre as médias de consumo dos dois primeiros países, reconheci- damente em desenvolvimento, e dos outros três países já industrializados varia de 5,5 vezes para o aço até 28 vezes para o níquel. Para finalizar tomemos o petróleo como último exemplo. Em 2002, o consu- mo anual per capita de petróleo dos USA era de 25,2 barris. Dá para imaginar a população mundial com o padrão de consumo de petróleo dos americanos? So- mos pouco mais do que 6,5 bilhões de pessoas. Com o nível de consumo america- no chegaríamos à extraordinária cifra de 163,8 bilhões de barris, aproximadamen- te 5,6 vezes o consumo de petróleo mundial em 2002. Os dados acima servem para sintetizar as duas questões que coexistem no mundo atual: as tensões geopolíticas e a necessidade de desenvolvimento susten- tável. Vamos ver como elas se entrelaçam. Que existe limite ao crescimento é indiscutível. Existe uma questão ambien- tal emergente e, no longo prazo, uma oferta limitada de recursos não-renováveis e, até, de seus substitutos renováveis. Mas, devemos reconhecer, essa problemáti- ca aparece de maneira distinta para os países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Uma das questões centrais em torno da discussão do desenvolvimento susten- tável se refere à base técnica e ao padrão de consumo das sociedades modernas. No período que sucedeu a Segunda Grande Guerra, a aspiração dos povos subdesenvolvidos era reproduzir o nível de vida dos países ricos. Esse era um dos mais fortes sentidos da noção de desenvolvimento econômico. Ter acesso à tecnologia moderna e aos modernos bens e serviços. A questão do limite ao cresci- mento só ganhou notoriedade a partir dos anos 70. Nesse momento, junto com as frustrações de um desenvolvimento problemático e, aparentemente, inalcançável, surgem, ainda, as teses dos limites naturais de oferta de recursos em termos glo- bais. Vale repetir, porque o ponto é muito importante, que os limites são pensados em termos globais e não em relação à disponibilidade de recursos para um deter- minado país. Para os países ricos o problema tinha outra configuração. A questão a ser resolvida era a da manutenção dos elevados níveis de consumo já alcançados e de como mitigar os efeitos ambientais desse estilo de vida e reservar para si os recursos não-renováveis existentes, “pensados em termos globais”. É por isso que no bojo de uma questão ambiental real e verdadeira surge o “ambientalismo” ou “ecologismo” como uma ideologia neocolonialista. A manu- tenção do padrão de consumo para aqueles povos desenvolvidos está ligada ao “veto” ambientalista ao desenvolvimento em regiões ainda inexploradas, como é
  • 8. 172 Marcio Henrique Monteiro de Castro o notável exemplo da Amazônia. A pressão dos países hegemônicos para reservar os recursos mundiais para seu desfrute ganha a forma de uma cruzada pela pre- servação do meio-ambiente a nível global. A confusão em torno da idéia de desen- volvimento sustentável em boa parte é explicada pela ideologia ambientalista que termina postulando uma sustentabilidade não desenvolvimentista. Nessa captura ideológica, as idéias de desenvolvimento e interesse nacional são transformadas por uma idéia de preservação global numa acentuada inflexão do processo político vivido pelo Terceiro Mundo no pós-guerra. Vale a pena visitar e grifar alguns trechos da citação de um artigo não publicado de Carlos Lessa. “Neste fim de século a politização da natureza é uma invenção contraposta à da politização da economia, que prosperou nas três décadas seguintes à Segun- da Guerra Mundial. A descolonização e a idéia de desenvolvimento colocavam no centro da discussão mundial a soberania do Estado nacional coordenando o esforço de construção de seu respectivo futuro. A solidariedade internacional existente deveria reforçar a instituição nacional. Hoje a anterior centralidade do desenvolvimento foi substituída nos foros internacionais pela preocupação com o meio ambiente. O clássico princípio da soberania dos Estados nacionais em rela- ção aos recursos naturais do respectivo território, consagrado pelo direito interna- cional, admite que cada Estado seja proprietário de seu território. Este princípio está sendo erodido. A politização da natureza assume que o traçado histórico das fronteiras e a garantia jurídica da soberania sobre os recursos naturais aumen- tam a desigualdade entre as nações. Porém a politização vai além: assume que a irresponsabilidade de um Estado Nacional em relação ao meio ambiente põe sob risco a sobrevivência da Humanidade. Uma variante é a obrigação de preservar ao máximo os seus ecossistemas intactos” (Lessa, 2001, 6). Idéias para um desenvolvimento sustentável possível É bom deixar claro por mais paradoxal que possa parecer, mas a essa altura do trabalho acreditamos que o leitor irá concordar plenamente, que o primeiro passo para pensarmos em um projeto de desenvolvimento sustentável é o abandono da ideologia ambientalista. A inversão maniqueísta que postula que a Natureza é vítima e o Desenvolvimento Humano o algoz deve ser substituída por um projeto que busque a sustentabilidade dentro de uma perspectiva desenvolvi-
  • 9. COMUNICAÇÃO | Desenvolvimento Sustentável: a politização da economia física 173 mentista. Outra escolha que deve ser abandonada é a proposta assimétrica – algo como um ambientalismo de conveniência – que diz que os pobres preservam e os ricos consomem os recursos naturais. Os limites naturais existem e não podem ser ignorados. A produção humana deve levá-los em conta com a consciência de não existir técnica que não afete de alguma forma a natureza. O progresso técnico pode dilatar nosso horizonte, mas não elimina de forma absoluta os limites. Este é um problema insolúvel. Podemos conviver com ele de forma melhor ou pior, mas não podemos deixar de conviver. O desenvolvimento sustentável, portanto, deverá ser um alvo, uma meta a ser perseguida. Um projeto definido com valores explícitos de conservação de recursos, da qualidade ambiental e do bem-estar humano. Entretanto, isso é fácil de falar e muitíssimo mais difícil de fazer. Os obstáculos que se opõem ao Desen- volvimento Sustentável em escala global são quase intransponíveis. Começando pelo padrão de consumo do primeiro mundo que é desejado por todos os povos. O fato de que existe uma impossibilidade de generalização por toda a Humanidade do padrão de consumo moderno não elide o fato de que o desejo se faz presente e atua criando demanda por bens intensivos em recursos não renováveis. O segundo, que também deriva da estrutura da sociedade contemporânea, se refere à reprodução do padrão concentrado de distribuição de renda e riqueza. Essa sociedade global em que a renda é concentrada reproduz necessidades su- pérfluas por bens intensivos em recursos escassos. Como parte significativa desses bens estão localizados em países subdesenvolvidos e a maior parte dos consumi- dores de alta renda estão localizados nos países ricos, a irracionalidade econômica e ambiental virá pelas mãos de alguma forma de política imperialista. Uma outra maneira de abordar a questão é pensarmos que para aquela fra- ção da sociedade mundial que consome a maior parte dos recursos naturais o pesadelo futuro vem embalado por prazeres presentes. Se agregarmos o fato já observado por Furtado (1974, 21) que “as elucubrações sobre o destino de nossa civilização, por fascinantes que ocasionalmente pareçam são de reduzido impacto sobre o espírito do homem comum”, podemos concluir que até mesmo as condi- ções políticas para uma mudança estrutural a partir de uma posição espontânea da população estão além do nosso horizonte. Apenas instituições que pensem a coletividade no longo prazo poderão ter iniciativa para enfrentar esse problema que está situado em um horizonte tempo- ral da espécie e não do indivíduo. Como fazer que a solidariedade, sem reciproci-
  • 10. 174 Marcio Henrique Monteiro de Castro dade entre gerações distantes, prive as gerações atuais de usufruir imediatamente os recursos que deverão ser guardados para o futuro distante? A construção dessas entidades e dessa mentalidade está na ordem do dia. A própria ideologia ambientalista tão equivocada nas propostas de preservação absoluta é um elemento importante na difusão da problemática ambiental. Mas é apenas o primeiro passo. Existe a necessidade de uma nova ética que assuma o compromisso com a vida humana e com o meio-ambiente. A partir desse compro- misso devemos fundar uma nova lógica econômica. Tudo muito distante da ética individualista que funda o capitalismo. Mas não nos enganemos, o Desenvolvimento Sustentável só poderá ser im- plementado com planejamento. Alguns de seus elementos podem ser enunciados. Consumo comedido, racionalidade na produção e transporte. Progresso técnico que poupe recursos e não aquele que gere obsolescência tecnológica para estimu- lar o consumo supérfluo. Controle demográfico e intensificação do uso do intelec- to humano. Processos democráticos de tomada de decisão e aperfeiçoamento de mecanismos de democracia participativa. O uso do território deverá ser cuidadosamente estudado para que se iden- tifiquem as atividades que pode suportar. E não estamos falando apenas em ati- vidades envolvendo recursos não-renováveis. Existem ambientes frágeis para a agricultura. Existem terrenos aptos a produzir determinados vegetais e deficien- tes para produzir outros produtos. A mundialização criou um padrão alimentar mais homogêneo, baseado em uma cesta de produtos que está associada a deter- minadas regiões e não pode ser produzida em qualquer ecossistema. Ambientes frágeis para a agricultura podem ser apropriados para a silvi- cultura ou outras atividades, mas poderão suportar a ação humana? O desenvol- vimento sustentável deve reconhecer as potencialidades locais e adaptar a vida econômica sem generalização de padrões de consumo. Gostaria de terminar esta comunicação com dois grandes parágrafos. O pri- meiro reúne algumas perplexidades que só aumentaram na medida em que es- crevia esse trabalho. O segundo parágrafo traz uma estória e uma piada que me vinham à mente insistentemente quando escrevia algumas passagens do texto. A questão ambiental é mais séria do que o ambientalismo “new age” alar- deou. Poucas atividades são sustentáveis, pesca, manejo florestal, agrofloresta- mento – todas se realizadas sem superintensidade. Portanto o conceito de desen- volvimento sustentável é relativo, e, na prática, está relacionado com minimizar desperdícios. Isto nos remete ao padrão de consumo. O desperdício não pode ser
  • 11. COMUNICAÇÃO | Desenvolvimento Sustentável: a politização da economia física 175 enfrentado apenas na produção; o consumo deve ser redefinido, revolucionado e racionalizado. Tudo isto nos afasta da forma capitalista em que a sociedade indus- trial foi desenvolvida. O “american way of life” não só não pode ser generalizado em escala mundial como só pode ser mantido nos USA com crescentes custos am- bientais e importação de recursos não renováveis. Chamemos do que quisermos, socialismo, comunismo ecológico, utopias etc, mas uma nova forma racional de organizar a produção e o consumo humano deverá ser desenvolvida. O controle populacional, mesmo através de formas genocidas, a apropriação imperialista de recursos em escala mundial e a exclusão dos povos dos modernos padrões de con- sumo podem postergar esta transformação, mas não impedi-la. Se a racionalidade for barrada, o “Colapso” virá. Infelizmente as experiências de planificação socia- lista não enfrentaram essa questão. O socialismo surgiu nos países atrasados com desigualdades. No mundo capitalista o processo de desenvolvimento resolveu, à inglesa, com uma divisão do trabalho internacional, ou com emigração, a miséria. O imperialismo ajudou a aumentar os salários reais para os trabalhadores das metrópoles. O socialismo, na guerra-fria, não pôde “produzir manteiga”, apenas “canhões”. E, o pior, sucumbiu e o comunismo entregou-se ao consumismo. Não temos, portanto, muitas heranças para começar nossa tarefa. Mas ela não pode ser postergada. Li algures, quando menino, que um filósofo que estava aprendendo a tocar flauta foi questionado por um discípulo: – Mestre, por que aprender a tocar flauta se morreremos um dia? – Para tocarmos enquanto vivos, respondeu. Este é mais ou menos o mesmo caso do desenvolvimento sustentável. Vamos agora a uma piada geopolítica. Um teco-teco levava duas pessoas e caiu na savana africana. Os dois viajantes saíram ilesos do acidente. Mas, quando foram abandonar o avião perceberam que estavam cercados por leões. O piloto experiente e previdente abriu sua mochila, tirou um par de tênis e, calmamente, começou a calçá-los. O passageiro, provavelmente um economista acostumado a projetar situações futu- ras a partir de poucas e distorcidas informações, começou a zombar do piloto e, arrogantemente, questionou: – você acha que com o tênis você vai conseguir cor- rer mais do que um leão? – Não. Vou correr mais do que você, respondeu o piloto. O que essa piada nos ensina é que, nesse mundo, não precisamos ser o mais forte, mas não podemos ser o mais fraco.
  • 12. 176 Marcio Henrique Monteiro de Castro Referências bibliográficas FURTADO, Celso. O Mito do Desenvolvimento Econômico. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974. DIAMOND, Jared. Colapso. Record, 2005. LESSA, Carlos. Texto apresentado no Seminário CEE/ESG-BNDES, 2001. MADDISON, Angus. The World Economy, a millennial perspective. OECD, 2001. PIMM, Stuart. Terras da Terra. Editora Planta, 2005. RIVERO, Oswaldo de. O Mito do Desenvolvimento: os países inviáveis do século XXI. Petrópolis: Vozes, 2000. ROMEIRO, Ademar. Desenvolvimento sustentável e mudança institucional: notas preliminares. ECONÔMICA – UFF, 1999. TRADE AND DEVELOPMENT REPORT. UN, 2005. VEIGA, José Eli. Desenvolvimento Sustentável: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Gara- mond, 2005. Cronologia do processo editorial Recebimento da comunicação: 04-dez-2009 | Aceite: 12-dez-2009.