SlideShare ist ein Scribd-Unternehmen logo
1 von 3
Downloaden Sie, um offline zu lesen
A Consoada – Carlos Malheiro Dias 
- As argolas, mãe? – perguntou, do catrezinho de bancos, a voz estremunhada da criança, que acordara ao rangido da porta. 
- Dorme, rapariga... Não ficas sem a consoada... Teu pai ainda não chegou da feira. 
A criança voltou-se no catre, ficou com os olhos abertos, encolhida e emudecida, fitando o fogo da caruma, quase extinto no lar, onde requentava a ceia do Natal. 
Acocorada na soleira da porta, a mãe, embrulhada num xaile, está à espreita, atenta ao menor rumor que vem da estrada. 
Já por duas vezes, com o ramalhar das carvalhas ao vento, ela cuida ouvir tropear ao longe a cavalgadura. Não se enxerga um palmo na escuridão da noite de lua nova. Nem um luzeiro de estrela trespassa agora aquele negrume denso que enche os espaços e por onde o vento anda à solta, varejando as carvalheiras das bouças e assobiando nas agulhas dos pinheiros como uma orquesra de flautas. 
- Valha-me Deus!... O que atém lá por fora aquele homem, a estas horas da noite! . murmura a mulher, sucumbida. 
- Ó mãe, não haveria argolas na feira e terá o pai ido por elas à vila... 
- Dorme, rapariga! Amanhã já tens as argolas nas orelhas...Por amor delas desandou o teu pai, sozinho na égua, por essa serra, que mete medo! 
Eram a consoada da filha. A colheita em pão e vinho fora de dar graças a Deus. Não havia a pequena de ficar sem argolas por mais tempo. Logo ao clarear da manhã, o Manuel da Eira selara a égua, entalara o varapau debaixo da coxa, lembrando da quadrilha de Redemoinhos, epusera-se a caminho para a feira de Lanhoso, prometendo estar de volta ao amortecer do sol, para consoar. 
Ainda a mulher advertira, receosa: 
- mete-te a caminho cedo. Toma tento com a ladroagem de Reemoinhos! 
E o Manuel da Eira, destemido, voltara-se no selim: 
- Hoje é o dia em que nasceu o Salvador. Os ladrões também são gente cristã! 
E picando a égua com a espora, abalara, afoito, pela estrada.
Já ao longe, na igreja da freguesia, os sinos tinham tocado para a missa do galo.rajadas mais fortes de vento enchiam os céus de um burburinho sibilante e agitavam no alpendre os sarmentos das vides ainda por podar. 
Súbito, a criança e a mãe ergueram-se no catre e no poial da porta. 
Uma voz chama, de entre o negrume da noite: 
-Ó s’Maria da Eira! 
Sobre as traves, o vento parece que arrasta as telhas. Na corte, os porcos grunhem. Uma nuvem de cinzas ergue-se e rodopia no lar, sobre a caruma. 
Sem pinga de sangue, a mulher grita, numa ansiedade, aflita, empurrando a cancela: 
- Quem me chama? 
E entre o rumor do vento distingue a tropada da égua, os passos vagarosos de dois homens. 
-Traga a candeia... – torna a voz , na estrada. 
A criança está já fora do catre, à espera das argolas, esfregando nas costas da mão os olhos foscos de sono. 
Tropeçando na saia, a mulher desengancha a candeia da parede, e à luz mortiça, saindo ao terreiro, vê o seu homem, trazido a braços, como morto. Atrás do grupo fúnebre avança a égua trôpega. 
Os homens param. O da frente, encarando com o destino da mulher, resmoneia, esbaforido: 
- Toma conta na luz! Não vamos agora ficar neste negrume! O homem vem vivo. 
Só então ela parece acordar do seu doloroso espanto e soluça, erguendo para o céu ventoso os braços, deixando fugir o xaile. 
- Nossa Senhora! Divino amor de Deus, que estou desgraçada! 
- Cale-se, mulher! Derreados vimos nós com este peso! Demos com ele numa vala, caído ao pé da égua. Foi pancada que lhe atiraram à falsa fé para o roubar. 
Em altos gritos, ela empurra a porta, ajuda a deitar o seu homem no catre. A criança soluça, refugiada a um canto, sufocada pelo medo, e enquanto a mulher rasga, com violência do terror, uma camisa de linho para ligaduras, os dois homens lavam as mãos ensanguentadas num alguidar e atiçam o lume da lareira com o graveto de tojo.
Debalde a mulher agora 
esparge de vinagre o rosto 
desfigurado do ferido. 
Com o braço pendente e as 
unhas cravadas na palma da mão 
direita, enlameado e lívido, o 
manuel da eira paree morto, 
estendido no catre. 
- Ele já não tem vida! – clama, 
num alarido de lágrimas, a viúva, 
desanimando de abrir aquela 
mão crispada de defunto. 
Os dois homens deixam de 
atiçar o braseiro, amparam-na e 
erguem-na do chão, onde ela se 
deixou cair desanimada, 
arrancando os cabelos, com um 
escarcéu de gritos e soluços. 
- Os homens não fecham as 
mãos. Isto é coisa que ele tem 
escondida. 
Então, novamente, , 
reconfortada por uma última 
esperança, mais do que em 
estancar o sangue das feridas, 
em abrir o punho 
obstinadamente fechado do seu 
homem. 
Mas desfalece depressa e de 
novo abate, com a voz 
estrangulada de soluços 
maiores. 
Por sua vez, os dois homens 
tentam, inutilmente, desunir da 
palma sangrenta os dedos 
inflexíveis. 
- Pai, abra a mão! – geme 
também a criança, aterrada e 
aflita. 
As suas mãozinhas molhadas de 
lágrimas imaginam ter a força, 
que aos outros falta, para 
despegar aquela garra. 
- Abra a mão, pai! 
E, de repente, obedecendo à 
vozita implorante, a mão abre-se 
e duas argolas de oiro, 
pequenas, aparecem, reluzem e 
tilintam no soalho. 
BIBLIOTECA ESCOLAR 
EPADD

Weitere ähnliche Inhalte

Andere mochten auch

Intertextualidade 6 contos
Intertextualidade 6 contosIntertextualidade 6 contos
Intertextualidade 6 contos
Profmaria
 
Fernando Pessoa e Heterônimos: Uma proposta intertextual para o Ensino Médio
Fernando Pessoa e Heterônimos: Uma proposta intertextual para o Ensino MédioFernando Pessoa e Heterônimos: Uma proposta intertextual para o Ensino Médio
Fernando Pessoa e Heterônimos: Uma proposta intertextual para o Ensino Médio
Felipe De Souza Costa
 
Fernando Pessoa e Heterônimos: Uma proposta intertextual para o Ensino Médio
Fernando Pessoa e Heterônimos: Uma proposta intertextual para o Ensino MédioFernando Pessoa e Heterônimos: Uma proposta intertextual para o Ensino Médio
Fernando Pessoa e Heterônimos: Uma proposta intertextual para o Ensino Médio
Felipe De Souza Costa
 
Análise de meus poemas preferidos, de manuel bandeira
Análise de meus poemas preferidos, de manuel bandeiraAnálise de meus poemas preferidos, de manuel bandeira
Análise de meus poemas preferidos, de manuel bandeira
ma.no.el.ne.ves
 

Andere mochten auch (17)

Miguel Torga
Miguel TorgaMiguel Torga
Miguel Torga
 
Geração 'Orpheu' (folheto)
Geração 'Orpheu' (folheto)Geração 'Orpheu' (folheto)
Geração 'Orpheu' (folheto)
 
Fernando Pessoa - Dia Triunfal
Fernando Pessoa - Dia TriunfalFernando Pessoa - Dia Triunfal
Fernando Pessoa - Dia Triunfal
 
Centenário de Álvaro Cunhal
 Centenário de Álvaro Cunhal  Centenário de Álvaro Cunhal
Centenário de Álvaro Cunhal
 
Fernando Pessoa (folheto)
Fernando Pessoa (folheto)Fernando Pessoa (folheto)
Fernando Pessoa (folheto)
 
Como pesquisar em dicionários
Como pesquisar em dicionáriosComo pesquisar em dicionários
Como pesquisar em dicionários
 
Intertextualidade 6 contos
Intertextualidade 6 contosIntertextualidade 6 contos
Intertextualidade 6 contos
 
Holocausto
Holocausto Holocausto
Holocausto
 
Intertextualidade na poesia de Carlos Drummond de Andrade e Adélia Prado
Intertextualidade na poesia de Carlos Drummond de Andrade e Adélia Prado Intertextualidade na poesia de Carlos Drummond de Andrade e Adélia Prado
Intertextualidade na poesia de Carlos Drummond de Andrade e Adélia Prado
 
Intertextualidade na Canção e Poesia
Intertextualidade na Canção e PoesiaIntertextualidade na Canção e Poesia
Intertextualidade na Canção e Poesia
 
Paródias com desenhos sobre a poesia "Canção do Exílio" de Gonçalves Dias. E...
Paródias com desenhos sobre a poesia  "Canção do Exílio" de Gonçalves Dias. E...Paródias com desenhos sobre a poesia  "Canção do Exílio" de Gonçalves Dias. E...
Paródias com desenhos sobre a poesia "Canção do Exílio" de Gonçalves Dias. E...
 
Fernando Pessoa e Heterônimos: Uma proposta intertextual para o Ensino Médio
Fernando Pessoa e Heterônimos: Uma proposta intertextual para o Ensino MédioFernando Pessoa e Heterônimos: Uma proposta intertextual para o Ensino Médio
Fernando Pessoa e Heterônimos: Uma proposta intertextual para o Ensino Médio
 
Fernando Pessoa e Heterônimos: Uma proposta intertextual para o Ensino Médio
Fernando Pessoa e Heterônimos: Uma proposta intertextual para o Ensino MédioFernando Pessoa e Heterônimos: Uma proposta intertextual para o Ensino Médio
Fernando Pessoa e Heterônimos: Uma proposta intertextual para o Ensino Médio
 
Dialogismo e Intertextualidade
Dialogismo e IntertextualidadeDialogismo e Intertextualidade
Dialogismo e Intertextualidade
 
Análise de meus poemas preferidos, de manuel bandeira
Análise de meus poemas preferidos, de manuel bandeiraAnálise de meus poemas preferidos, de manuel bandeira
Análise de meus poemas preferidos, de manuel bandeira
 
Intertextualidade
IntertextualidadeIntertextualidade
Intertextualidade
 
Intertextualidade
IntertextualidadeIntertextualidade
Intertextualidade
 

Ähnlich wie A consoada

O tesouro eça de queiroz (1)
O tesouro   eça de queiroz (1)O tesouro   eça de queiroz (1)
O tesouro eça de queiroz (1)
Maria Picão
 
Kafka um medico_de_aldeia
Kafka um medico_de_aldeiaKafka um medico_de_aldeia
Kafka um medico_de_aldeia
Luis Taborda
 
iracema.pdf1222222222222222222222222222222222
iracema.pdf1222222222222222222222222222222222iracema.pdf1222222222222222222222222222222222
iracema.pdf1222222222222222222222222222222222
miguelmv076
 
O inimigo
O inimigoO inimigo
O inimigo
LRede
 
Vinicius de-moraes-novos-poemas-i
Vinicius de-moraes-novos-poemas-iVinicius de-moraes-novos-poemas-i
Vinicius de-moraes-novos-poemas-i
jcmucuge
 
Vinicius de-moraes-novos-poemas-i
Vinicius de-moraes-novos-poemas-iVinicius de-moraes-novos-poemas-i
Vinicius de-moraes-novos-poemas-i
jcmucuge
 
Venha ver o por do-sol
Venha ver o por do-solVenha ver o por do-sol
Venha ver o por do-sol
11052704
 
ARES DA MINHA SERRA
ARES DA MINHA SERRAARES DA MINHA SERRA
ARES DA MINHA SERRA
tedesign2011
 
O Tesouro
O TesouroO Tesouro
O Tesouro
ESDPV
 

Ähnlich wie A consoada (20)

O tesouro eça de queiroz (1)
O tesouro   eça de queiroz (1)O tesouro   eça de queiroz (1)
O tesouro eça de queiroz (1)
 
Eca de-queiros-o-tesouro
Eca de-queiros-o-tesouroEca de-queiros-o-tesouro
Eca de-queiros-o-tesouro
 
Kafka um medico_de_aldeia
Kafka um medico_de_aldeiaKafka um medico_de_aldeia
Kafka um medico_de_aldeia
 
Poemas de Manuel Felipe de Sousa
Poemas de Manuel Felipe de SousaPoemas de Manuel Felipe de Sousa
Poemas de Manuel Felipe de Sousa
 
Nao matem os jacares
Nao matem os jacaresNao matem os jacares
Nao matem os jacares
 
Fantásticas Memórias do Exilio
Fantásticas Memórias do ExilioFantásticas Memórias do Exilio
Fantásticas Memórias do Exilio
 
iracema.pdf1222222222222222222222222222222222
iracema.pdf1222222222222222222222222222222222iracema.pdf1222222222222222222222222222222222
iracema.pdf1222222222222222222222222222222222
 
Aula 2 pdf.pdf
Aula 2 pdf.pdfAula 2 pdf.pdf
Aula 2 pdf.pdf
 
O inimigo
O inimigoO inimigo
O inimigo
 
Á BELEZA DA MIÑA TERRA
Á BELEZA DA MIÑA TERRAÁ BELEZA DA MIÑA TERRA
Á BELEZA DA MIÑA TERRA
 
RIMBAUD. Uma temporada no inferno.pdf
RIMBAUD. Uma temporada no inferno.pdfRIMBAUD. Uma temporada no inferno.pdf
RIMBAUD. Uma temporada no inferno.pdf
 
Vinicius de-moraes-novos-poemas-i
Vinicius de-moraes-novos-poemas-iVinicius de-moraes-novos-poemas-i
Vinicius de-moraes-novos-poemas-i
 
Vinicius de-moraes-novos-poemas-i
Vinicius de-moraes-novos-poemas-iVinicius de-moraes-novos-poemas-i
Vinicius de-moraes-novos-poemas-i
 
Venha ver o pôr do sol - Lygia fagundes telles
Venha ver o pôr do sol  - Lygia fagundes tellesVenha ver o pôr do sol  - Lygia fagundes telles
Venha ver o pôr do sol - Lygia fagundes telles
 
Lygiafagundestellesvenhaveropordosol 120214143309-phpapp01
Lygiafagundestellesvenhaveropordosol 120214143309-phpapp01Lygiafagundestellesvenhaveropordosol 120214143309-phpapp01
Lygiafagundestellesvenhaveropordosol 120214143309-phpapp01
 
Monteiro lobato -_Negrinha
Monteiro lobato -_NegrinhaMonteiro lobato -_Negrinha
Monteiro lobato -_Negrinha
 
Venha ver o por do-sol
Venha ver o por do-solVenha ver o por do-sol
Venha ver o por do-sol
 
As minas de_prata_segunda_parte
As minas de_prata_segunda_parteAs minas de_prata_segunda_parte
As minas de_prata_segunda_parte
 
ARES DA MINHA SERRA
ARES DA MINHA SERRAARES DA MINHA SERRA
ARES DA MINHA SERRA
 
O Tesouro
O TesouroO Tesouro
O Tesouro
 

Mehr von Maria Pereira

Mehr von Maria Pereira (20)

Sopa de letras - poesia
Sopa de letras - poesiaSopa de letras - poesia
Sopa de letras - poesia
 
Sopa de letras-2018-'Dia da Mulher'
Sopa de letras-2018-'Dia da Mulher'Sopa de letras-2018-'Dia da Mulher'
Sopa de letras-2018-'Dia da Mulher'
 
Reported speech
Reported speechReported speech
Reported speech
 
Folhas - Gedeão - Avelar Brotero
Folhas - Gedeão - Avelar BroteroFolhas - Gedeão - Avelar Brotero
Folhas - Gedeão - Avelar Brotero
 
José Luís Peixoto
José Luís PeixotoJosé Luís Peixoto
José Luís Peixoto
 
Biblioteca Escolar 2016-2017
Biblioteca Escolar 2016-2017Biblioteca Escolar 2016-2017
Biblioteca Escolar 2016-2017
 
Dia da árvore-2017
Dia da árvore-2017Dia da árvore-2017
Dia da árvore-2017
 
Utilizacao-colecao_2016-2017
Utilizacao-colecao_2016-2017Utilizacao-colecao_2016-2017
Utilizacao-colecao_2016-2017
 
Passiva
PassivaPassiva
Passiva
 
Árvore 2017
Árvore 2017Árvore 2017
Árvore 2017
 
Auschwitz
AuschwitzAuschwitz
Auschwitz
 
Reciclar transformando
Reciclar transformandoReciclar transformando
Reciclar transformando
 
'Uma estrela' - conto - Manuel Alegre
'Uma estrela' - conto - Manuel Alegre'Uma estrela' - conto - Manuel Alegre
'Uma estrela' - conto - Manuel Alegre
 
Nacionalidades
NacionalidadesNacionalidades
Nacionalidades
 
Mário de Carvalho
Mário de CarvalhoMário de Carvalho
Mário de Carvalho
 
Biblioteca escolar 2015 2016
Biblioteca escolar 2015 2016Biblioteca escolar 2015 2016
Biblioteca escolar 2015 2016
 
Luís de Sttau Monteiro
Luís de Sttau MonteiroLuís de Sttau Monteiro
Luís de Sttau Monteiro
 
3 poemas ilustrados
3 poemas ilustrados3 poemas ilustrados
3 poemas ilustrados
 
Sermão de Santo António aos Peixes
Sermão de Santo António aos PeixesSermão de Santo António aos Peixes
Sermão de Santo António aos Peixes
 
Halloween
HalloweenHalloween
Halloween
 

Kürzlich hochgeladen

Expansão Marítima- Descobrimentos Portugueses século XV
Expansão Marítima- Descobrimentos Portugueses século XVExpansão Marítima- Descobrimentos Portugueses século XV
Expansão Marítima- Descobrimentos Portugueses século XV
lenapinto
 
Slide - SAEB. língua portuguesa e matemática
Slide - SAEB. língua portuguesa e matemáticaSlide - SAEB. língua portuguesa e matemática
Slide - SAEB. língua portuguesa e matemática
sh5kpmr7w7
 
Sistema articular aula 4 (1).pdf articulações e junturas
Sistema articular aula 4 (1).pdf articulações e junturasSistema articular aula 4 (1).pdf articulações e junturas
Sistema articular aula 4 (1).pdf articulações e junturas
rfmbrandao
 
Considerando as pesquisas de Gallahue, Ozmun e Goodway (2013) os bebês até an...
Considerando as pesquisas de Gallahue, Ozmun e Goodway (2013) os bebês até an...Considerando as pesquisas de Gallahue, Ozmun e Goodway (2013) os bebês até an...
Considerando as pesquisas de Gallahue, Ozmun e Goodway (2013) os bebês até an...
azulassessoria9
 
O estudo do controle motor nada mais é do que o estudo da natureza do movimen...
O estudo do controle motor nada mais é do que o estudo da natureza do movimen...O estudo do controle motor nada mais é do que o estudo da natureza do movimen...
O estudo do controle motor nada mais é do que o estudo da natureza do movimen...
azulassessoria9
 
ATIVIDADE 2 - DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM MOTORA - 52_2024
ATIVIDADE 2 - DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM MOTORA - 52_2024ATIVIDADE 2 - DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM MOTORA - 52_2024
ATIVIDADE 2 - DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM MOTORA - 52_2024
azulassessoria9
 
Os editoriais, reportagens e entrevistas.pptx
Os editoriais, reportagens e entrevistas.pptxOs editoriais, reportagens e entrevistas.pptx
Os editoriais, reportagens e entrevistas.pptx
TailsonSantos1
 
O estudo do controle motor nada mais é do que o estudo da natureza do movimen...
O estudo do controle motor nada mais é do que o estudo da natureza do movimen...O estudo do controle motor nada mais é do que o estudo da natureza do movimen...
O estudo do controle motor nada mais é do que o estudo da natureza do movimen...
azulassessoria9
 

Kürzlich hochgeladen (20)

Pesquisa Ação René Barbier Livro acadêmico
Pesquisa Ação René Barbier Livro  acadêmicoPesquisa Ação René Barbier Livro  acadêmico
Pesquisa Ação René Barbier Livro acadêmico
 
Expansão Marítima- Descobrimentos Portugueses século XV
Expansão Marítima- Descobrimentos Portugueses século XVExpansão Marítima- Descobrimentos Portugueses século XV
Expansão Marítima- Descobrimentos Portugueses século XV
 
6ano variação linguística ensino fundamental.pptx
6ano variação linguística ensino fundamental.pptx6ano variação linguística ensino fundamental.pptx
6ano variação linguística ensino fundamental.pptx
 
Slide - SAEB. língua portuguesa e matemática
Slide - SAEB. língua portuguesa e matemáticaSlide - SAEB. língua portuguesa e matemática
Slide - SAEB. língua portuguesa e matemática
 
Educação Financeira - Cartão de crédito665933.pptx
Educação Financeira - Cartão de crédito665933.pptxEducação Financeira - Cartão de crédito665933.pptx
Educação Financeira - Cartão de crédito665933.pptx
 
Sistema articular aula 4 (1).pdf articulações e junturas
Sistema articular aula 4 (1).pdf articulações e junturasSistema articular aula 4 (1).pdf articulações e junturas
Sistema articular aula 4 (1).pdf articulações e junturas
 
3 2 - termos-integrantes-da-oracao-.pptx
3 2 - termos-integrantes-da-oracao-.pptx3 2 - termos-integrantes-da-oracao-.pptx
3 2 - termos-integrantes-da-oracao-.pptx
 
Monoteísmo, Politeísmo, Panteísmo 7 ANO2.pptx
Monoteísmo, Politeísmo, Panteísmo 7 ANO2.pptxMonoteísmo, Politeísmo, Panteísmo 7 ANO2.pptx
Monoteísmo, Politeísmo, Panteísmo 7 ANO2.pptx
 
Caderno de exercícios Revisão para o ENEM (1).pdf
Caderno de exercícios Revisão para o ENEM (1).pdfCaderno de exercícios Revisão para o ENEM (1).pdf
Caderno de exercícios Revisão para o ENEM (1).pdf
 
E a chuva ... (Livro pedagógico para ser usado na educação infantil e trabal...
E a chuva ...  (Livro pedagógico para ser usado na educação infantil e trabal...E a chuva ...  (Livro pedagógico para ser usado na educação infantil e trabal...
E a chuva ... (Livro pedagógico para ser usado na educação infantil e trabal...
 
M0 Atendimento – Definição, Importância .pptx
M0 Atendimento – Definição, Importância .pptxM0 Atendimento – Definição, Importância .pptx
M0 Atendimento – Definição, Importância .pptx
 
Apresentação | Símbolos e Valores da União Europeia
Apresentação | Símbolos e Valores da União EuropeiaApresentação | Símbolos e Valores da União Europeia
Apresentação | Símbolos e Valores da União Europeia
 
Considerando as pesquisas de Gallahue, Ozmun e Goodway (2013) os bebês até an...
Considerando as pesquisas de Gallahue, Ozmun e Goodway (2013) os bebês até an...Considerando as pesquisas de Gallahue, Ozmun e Goodway (2013) os bebês até an...
Considerando as pesquisas de Gallahue, Ozmun e Goodway (2013) os bebês até an...
 
O estudo do controle motor nada mais é do que o estudo da natureza do movimen...
O estudo do controle motor nada mais é do que o estudo da natureza do movimen...O estudo do controle motor nada mais é do que o estudo da natureza do movimen...
O estudo do controle motor nada mais é do que o estudo da natureza do movimen...
 
ATIVIDADE 2 - DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM MOTORA - 52_2024
ATIVIDADE 2 - DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM MOTORA - 52_2024ATIVIDADE 2 - DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM MOTORA - 52_2024
ATIVIDADE 2 - DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM MOTORA - 52_2024
 
Os editoriais, reportagens e entrevistas.pptx
Os editoriais, reportagens e entrevistas.pptxOs editoriais, reportagens e entrevistas.pptx
Os editoriais, reportagens e entrevistas.pptx
 
P P P 2024 - *CIEJA Santana / Tucuruvi*
P P P 2024  - *CIEJA Santana / Tucuruvi*P P P 2024  - *CIEJA Santana / Tucuruvi*
P P P 2024 - *CIEJA Santana / Tucuruvi*
 
Novena de Pentecostes com textos de São João Eudes
Novena de Pentecostes com textos de São João EudesNovena de Pentecostes com textos de São João Eudes
Novena de Pentecostes com textos de São João Eudes
 
Sopa de letras | Dia da Europa 2024 (nível 1)
Sopa de letras | Dia da Europa 2024 (nível 1)Sopa de letras | Dia da Europa 2024 (nível 1)
Sopa de letras | Dia da Europa 2024 (nível 1)
 
O estudo do controle motor nada mais é do que o estudo da natureza do movimen...
O estudo do controle motor nada mais é do que o estudo da natureza do movimen...O estudo do controle motor nada mais é do que o estudo da natureza do movimen...
O estudo do controle motor nada mais é do que o estudo da natureza do movimen...
 

A consoada

  • 1. A Consoada – Carlos Malheiro Dias - As argolas, mãe? – perguntou, do catrezinho de bancos, a voz estremunhada da criança, que acordara ao rangido da porta. - Dorme, rapariga... Não ficas sem a consoada... Teu pai ainda não chegou da feira. A criança voltou-se no catre, ficou com os olhos abertos, encolhida e emudecida, fitando o fogo da caruma, quase extinto no lar, onde requentava a ceia do Natal. Acocorada na soleira da porta, a mãe, embrulhada num xaile, está à espreita, atenta ao menor rumor que vem da estrada. Já por duas vezes, com o ramalhar das carvalhas ao vento, ela cuida ouvir tropear ao longe a cavalgadura. Não se enxerga um palmo na escuridão da noite de lua nova. Nem um luzeiro de estrela trespassa agora aquele negrume denso que enche os espaços e por onde o vento anda à solta, varejando as carvalheiras das bouças e assobiando nas agulhas dos pinheiros como uma orquesra de flautas. - Valha-me Deus!... O que atém lá por fora aquele homem, a estas horas da noite! . murmura a mulher, sucumbida. - Ó mãe, não haveria argolas na feira e terá o pai ido por elas à vila... - Dorme, rapariga! Amanhã já tens as argolas nas orelhas...Por amor delas desandou o teu pai, sozinho na égua, por essa serra, que mete medo! Eram a consoada da filha. A colheita em pão e vinho fora de dar graças a Deus. Não havia a pequena de ficar sem argolas por mais tempo. Logo ao clarear da manhã, o Manuel da Eira selara a égua, entalara o varapau debaixo da coxa, lembrando da quadrilha de Redemoinhos, epusera-se a caminho para a feira de Lanhoso, prometendo estar de volta ao amortecer do sol, para consoar. Ainda a mulher advertira, receosa: - mete-te a caminho cedo. Toma tento com a ladroagem de Reemoinhos! E o Manuel da Eira, destemido, voltara-se no selim: - Hoje é o dia em que nasceu o Salvador. Os ladrões também são gente cristã! E picando a égua com a espora, abalara, afoito, pela estrada.
  • 2. Já ao longe, na igreja da freguesia, os sinos tinham tocado para a missa do galo.rajadas mais fortes de vento enchiam os céus de um burburinho sibilante e agitavam no alpendre os sarmentos das vides ainda por podar. Súbito, a criança e a mãe ergueram-se no catre e no poial da porta. Uma voz chama, de entre o negrume da noite: -Ó s’Maria da Eira! Sobre as traves, o vento parece que arrasta as telhas. Na corte, os porcos grunhem. Uma nuvem de cinzas ergue-se e rodopia no lar, sobre a caruma. Sem pinga de sangue, a mulher grita, numa ansiedade, aflita, empurrando a cancela: - Quem me chama? E entre o rumor do vento distingue a tropada da égua, os passos vagarosos de dois homens. -Traga a candeia... – torna a voz , na estrada. A criança está já fora do catre, à espera das argolas, esfregando nas costas da mão os olhos foscos de sono. Tropeçando na saia, a mulher desengancha a candeia da parede, e à luz mortiça, saindo ao terreiro, vê o seu homem, trazido a braços, como morto. Atrás do grupo fúnebre avança a égua trôpega. Os homens param. O da frente, encarando com o destino da mulher, resmoneia, esbaforido: - Toma conta na luz! Não vamos agora ficar neste negrume! O homem vem vivo. Só então ela parece acordar do seu doloroso espanto e soluça, erguendo para o céu ventoso os braços, deixando fugir o xaile. - Nossa Senhora! Divino amor de Deus, que estou desgraçada! - Cale-se, mulher! Derreados vimos nós com este peso! Demos com ele numa vala, caído ao pé da égua. Foi pancada que lhe atiraram à falsa fé para o roubar. Em altos gritos, ela empurra a porta, ajuda a deitar o seu homem no catre. A criança soluça, refugiada a um canto, sufocada pelo medo, e enquanto a mulher rasga, com violência do terror, uma camisa de linho para ligaduras, os dois homens lavam as mãos ensanguentadas num alguidar e atiçam o lume da lareira com o graveto de tojo.
  • 3. Debalde a mulher agora esparge de vinagre o rosto desfigurado do ferido. Com o braço pendente e as unhas cravadas na palma da mão direita, enlameado e lívido, o manuel da eira paree morto, estendido no catre. - Ele já não tem vida! – clama, num alarido de lágrimas, a viúva, desanimando de abrir aquela mão crispada de defunto. Os dois homens deixam de atiçar o braseiro, amparam-na e erguem-na do chão, onde ela se deixou cair desanimada, arrancando os cabelos, com um escarcéu de gritos e soluços. - Os homens não fecham as mãos. Isto é coisa que ele tem escondida. Então, novamente, , reconfortada por uma última esperança, mais do que em estancar o sangue das feridas, em abrir o punho obstinadamente fechado do seu homem. Mas desfalece depressa e de novo abate, com a voz estrangulada de soluços maiores. Por sua vez, os dois homens tentam, inutilmente, desunir da palma sangrenta os dedos inflexíveis. - Pai, abra a mão! – geme também a criança, aterrada e aflita. As suas mãozinhas molhadas de lágrimas imaginam ter a força, que aos outros falta, para despegar aquela garra. - Abra a mão, pai! E, de repente, obedecendo à vozita implorante, a mão abre-se e duas argolas de oiro, pequenas, aparecem, reluzem e tilintam no soalho. BIBLIOTECA ESCOLAR EPADD