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Wagner B. de Almeida e Hélio F. dos Santos

                          A matéria é constituída de sub-partículas (prótons, elétrons e nêutrons) cujo comportamento deve ser descrito
                       pela teoria quântica. No presente artigo apresentamos os principais aspectos relacionados ao conceito e ao
                       formalismo da química quântica

                                                 modelos teóricos, estrutura da matéria, química quântica




6
    Observações experimentais e modelos            Todas estas superficialmente diferen-                    ros inteiros que assumem valores ca-
    teóricos                                       tes formas de radiação viajam no                         racterísticos nas diferentes regiões do
                                                   vácuo a mesma velocidade, c = 2,998                      espectro eletromagnético.


    I
        nformações importantes a respeito
                                                   x 108 m.s-1. Uma onda luminosa pode                          Considerando as relações entre ra-
        da natureza de átomos e moléculas
                                                   ser caracterizada por sua freqüência,                    diação, energia e matéria, pode-se
        têm sido obtidas através do estudo
                                                   ν, ou comprimento de onda, λ (ν = c/λ)                   observar que quando gases são ex-
    da interação da radiação com a ma-
                                                   como mostrado na Figura 1.                               postos a uma descarga elétrica ou
    téria. Muitas evidências experimentais,
                                                       A espectroscopia tem como funda-                     aquecidos a temperaturas altas, uma
    desde a metade do século XIX, suge-
                                                   mento básico revelar o efeito da inte-                   emissão característica de luz é obser-
    riam que a luz deveria ser descrita
                                                   ração da radiação com a matéria, es-                     vada. Esta consiste de uma série de
    como um movimento ondulatório. Esta
                                                   tando esta no estado gasoso, líquido                     linhas distintas, chamadas bandas de
    evidência incluía o fato de que a luz exi-
                                                   ou sólido. Desde o século XIX traba-                     radiação, distribuídas em várias fre-
    be fenômenos de interferência e difra-
                                                   lhos experimentais na área de espec-                     qüências, com pouca ou nenhuma ra-
    ção. Naquela época, em 1864, a teo-
                                                   troscopia, mais especificamente                          diação em freqüências intermediárias
    ria eletromagnética ondulatória foi de-
                                                   espectroscopia atômica, proporciona-                     (Figura 2). Um sólido aquecido, por um
    senvolvida em uma forma bastante
                                                   ram um conjunto de informações rele-                     outro lado, produz um espectro que
    satisfatória por J.C. Maxwell. Suas fa-
                                                                vantes que levaram cien-                    parece ser uma função contínua do
    mosas equações
                                A espectroscopia tem            tistas a buscarem mo-                       comprimento de onda. Um espectro
    diferenciais en-
                              como fundamento básico            delos e teorias mais ade-                   como este é chamado de espectro de
    volvendo os cam-
    pos elétricos e               revelar o efeito da           quadas para a descrição
    magnéticos des-             interação da radiação           da interação da radiação
    crevem a radia-                 com a matéria               com a matéria. No caso
    ção luminosa on-                                            do átomo de hidrogênio,
    dulatória e suas propriedades, em uma          várias equações empíricas foram
    forma similar na qual as equações do           propostas para descrever seu espec-
    movimento são aplicáveis às ondas              tro atômico (Figura 2 e Tabela 1).
    sonoras. Utilizando a teoria eletromag-            O padrão de espaçamento entre as
    nética ondulatória, podemos correla-           linhas do espectro pode ser reprodu-
                                                                                                            Figura 1: Espectro de radiação eletromag-
    cionar a inteira gama de comprimentos          zido com o auxílio da equação empí-                      nética. O comprimento de onda (λ) é defini-
    de onda, λ, desde raios X (λ ≈ 10-10 m)        rica mostrada na Tabela 1, sendo RH a                    do como sendo a distância entre dois máxi-
    até ondas de rádio ordinárias (λ ≥ 1 m).       constante de Rydberg e m e n núme-                       mos ou dois mínimos da onda.


    Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola                      Modelos teóricos                                                    N° 4 – Maio 2001
dendo da temperatura. Como pode ser
                                            visto na Figura 3, a equação clássica
                                            para a densidade de energia em
                                            função da freqüência da radiação
                                            proposta por Rayleigh-Jeans em 1900,
                                            discordou dramaticamente da curva
                                            experimental. O desenvolvimento de
                                            uma equação para reproduzir a forma
                                            experimental da dependência da ener-
                                            gia da radiação com o comprimento
                                                                                           Figura 3: Espectro de radiação do corpo
Figura 2: Espectro atômico do átomo de      de onda (ou freqüência) da luz foi um          negro.
hidrogênio em diferentes regiões do         dos problemas centrais dos físicos do
espectro eletromagnético.                   século XIX. Planck apresentou no final         uma descarga elétrica entre dois ele-
                                            de 1900 uma solução, na qual foi               trodos ocorre mais facilmente quando
corpo negro ideal ou espectro normal.       introduzida pela primeira vez a hipótese       se faz incidir sobre um deles luz
O espectro obtido para um corpo ne-         da quantização da energia (E = n.h.ν,          ultravioleta. Lenard, seguindo alguns
gro ideal não depende da natureza, ta-      sendo h a constante de Planck, 6,62 x          experimentos de Hallwachs, mostrou
manho ou forma do sólido, mas so-           10-34 J.s, e n um número inteiro). A curva     em seguida que a luz ultravioleta facilita
mente da temperatura (Figura 3). A          teórica construída utilizando a equação        a descarga ao fazer com que elétrons
radiação de corpo negro é a radiação        de Planck concorda perfeitamente com           sejam emitidos da superfície do catodo
eletromagnética em equilíbrio térmico       a curva experimental para a radiação           (M, Figura 4a). A emissão de elétrons
com o corpo negro a uma temperatura         do corpo negro. Uma discussão                  de uma superfície, devido à incidência
específica. Através da análise da           detalhada não será apresentada aqui,           de luz sobre essa superfície, é cha-
radiação do corpo negro, foi estabele-      mas podemos dizer que este foi o               mada de Efeito Fotoelétrico (Figura 4).
cido experimentalmente que a densi-         passo inicial para o nascimento da                 Os principais aspectos observados
dade de energia total, ρ, é dada pela       mecânica quântica.                             empiricamente do Efeito Fotoelétrico           7
lei de Stefan-Boltzmann.                        Apesar da teoria desenvolvida por          não podem ser explicados em termos
    ρ = σ.T4                         (1)    Planck para explicar a radiação de cor-        da teoria ondulatória clássica da
                                            po negro ter sido compatível com as            radiação. Em 1905 Albert Einstein ques-
sendo σ uma constante, 7,56 x 10-16         observações experimentais, naquela
J.m-3.K-4, e T a temperatura absoluta       época Planck se questionava quanto
(em K). Se um detector de radiação e        ao significado físico do formalismo ma-
um espectroscópio                                              temático introduzido.
são usados para deter-        No final de 1900 Planck          Com esta visão,
minar a energia para         apresentou a hipótese da          Planck buscou du-
vários comprimentos           quantização da energia:          rante um longo perío-
de onda, um gráfico                   E = n.h.ν                do explicações físicas
suave de densidade          Esse foi o passo inicial para      para o que ele consi-
de energia (ρ) vs. com-      o nascimento da mecânica          derava como um
primento de onda (ou                   quântica                “postulado limitado
freqüência) é obtido,                                          proposto a partir de
como mostrado na Figura 3. Estas            um ato de desespero”.
curvas se constituem em uma família,            No final do século XIX Heinrich Hertz
com a forma de cada curva depen-            realizou experiências e descobriu que

Tabela 1: Diferentes séries propostas empiricamente para descrever o espectro de emissão
atômico do átomo de hidrogênio (Figura 2).




Nome da série        Região do espectro eletromagnético             m            n
Lyman                        Ultravioleta                           1         2, 3, 4...
Balmer                         Visível                              2         3, 4, 5...
Paschen                     Infravermelho                           3         4, 5, 6...
Brackett                    Infravermelho                           4         5, 6, 7...
Pfund                       Infravermelho                           5         6, 7, 8...   Figura 4: Ilustração do efeito fotoelétrico


Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola               Modelos teóricos                                            N° 4 – Maio 2001
tionou o formalismo clássico utilizado na        de fótons, cada um com energia                  também se aplicava a matéria. Assim
    descrição da luz. Einstein propôs que a          E = h.ν, e que esses fótons colidiam            como um fóton tem associado a ele uma
    energia radiante fosse quantizada em             com os elétrons livres do alvo da mesma         onda luminosa que governa seu movi-
    pacotes concentrados, que mais tarde             forma que colidem duas bolas de bilhar.         mento, também uma partícula material
    vieram a ser chamados de fótons. Eins-           A natureza corpuscular da radiação foi          (por exemplo, um elétron) tem associa-
    tein supôs que a energia do pacote, ou           então confirmada. Portanto foi consta-          da a ela uma onda de matéria que
    fóton, está relacio-                                               tado que a radiação ele-      governa seu movimento. Foi proposto
    nada à sua freqüência         Compton postulou que um              tromagnética tem um           que os aspectos ondulatórios da maté-
    ν pela equação E =            feixe de raios X, incidindo          comportamento dual. A         ria fossem relacionados com seus as-
    h.ν; também foi su-              sobre uma amostra de              necessidade da hipó-          pectos corpusculares exatamente da
    posto que no efeito             grafite, não se compotra           tese do fóton, ou partí-      mesma forma quantitativa com que es-
    fotoelétrico um fóton é            como uma onda de                cula localizada, para         ses aspectos são relacionados para a
    completamente                 freqüência ν mas como um             interpretar processos         radiação. Assim, tanto para a matéria
    absorvido por um elé-           conjunto de fótons. Isso           que envolvem a inte-          quanto para a radiação, as seguintes
    tron no fotocatodo.               confirmou a natureza             ração com a matéria é         relações são válidas: E = h.ν e p = h/λ,
    Quando um elétron é             corpuscular da radiação            clara, mas ao mesmo           onde E e p são respectivamente a
    emitido da superfície                                              tempo é necessária            energia total e momento linear da
    do metal, sua energia cinética é K = h.ν         uma teoria ondulatória da radiação pa-          partícula. O comprimento de onda de
    - w, sendo o primeiro termo da direita a         ra explicar os fenômenos de interferência       De Broglie é portanto definido como:
    energia do fóton incidente e w o trabalho        e difração. É importante considerar que
    necessário para remover os elétrons do           a radiação não possui um compor-
    metal. No caso de um elétron estar fra-          tamento puramente ondulatório nem                                                    (2)
    camente ligado e não havendo perdas              meramente se comporta como um fei-              sendo m e v a massa e a velocidade
    internas, o fotoelétron vai emergir com          xe de partículas. A radiação se apresenta       da partícula respectivamente.
    energia cinética máxima, Kmax. No efeito         como uma onda em certas circuns-                                     Apesar da relação
8   fotoelétrico os elétrons podem ser               tâncias e como uma                                               de De Broglie ser
    detectados sob a forma de uma corrente           partícula em outras. A         A dualidade evidente na           aplicada a todas as
    elétrica se forem atraídos para um               dualidade evidente na         natureza onda-partícula da         substâncias físicas, o
    coletor metálico através de uma dife-            natureza onda-partí-                radiação é uma               comprimento de onda
    rença de potencial V. Invertendo o sinal         cula da radiação é               característica geral de         associado a partículas
    do potencial e tornando-o suficien-              uma característica ge-           todos os entes físicos          macroscópicas é mui-
    temente grande, podemos fazer a                  ral de todos os entes                                            to pequeno, não sen-
    corrente fotoelétrica cair a zero. Este é o      físicos. Veremos que elétrons, por exem-        do possível observar o comportamento
    chamado potencial de corte ou limite,            plo, têm a mesma natureza dual dos fó-          ondulatório (difração, interferência
    V0. Einstein relacionou o potencial de           tons. A conciliação da existência de            etc.). Alguns exemplos são apre-
    corte com a energia do fóton incidente           aspectos ondulatórios com a de aspec-           sentados na Tabela 2.
    pela equação e.V0 = h.ν - w0, onde w0 é          tos corpusculares, para qualquer ente
    chamada de função trabalho, a energia            físico, é conseguida com o auxílio da           Desenvolvimento da teoria atômica
    mínima necessária para um elétron                mecânica quântica.                                  Evidências experimentais foram
    atravessar a superfície do metal e esca-              Em 1924, Louis De Broglie propôs a         acumuladas no início do século pas-
    par às forças atrativas que ligam-no ao          existência de ondas de matéria. A hipó-         sado revelando que átomos contêm
    metal. Utilizando as equações mencio-            tese de De Broglie era de que o compor-         elétrons, e como normalmente átomos
    nadas anteriormente e a Figura 4,                tamento dual onda-partícula da radiação         são neutros, eles devem conter uma
    podemos observar que construindo um                                                              carga positiva igual em módulo à carga
    gráfico de eV0 em função da freqüência
    ν obteremos uma linha reta cuja inclina-
                                                     Tabela 2: Exemplos da aplicação da relação de De Broglie.
    ção fornece a constante de Planck, h
    (Figura 4b).                                     1. Cálculo do comprimento de onda de De Broglie (λ = h/m.v) para um elétron de massa
        Enquanto no efeito fotoelétrico a ra-        9,1 x 10-31 kg movendo-se a velocidade de 1,0 x 106 m.s-1.
    diação ultravioleta é absorvida pelo elé-
    tron, Compton mostrou, em 1923, que
    um feixe de raios X de comprimento de
    onda λ era espalhado por elétrons quan-
    do incididos sobre uma amostra de grafi-         2. Cálculo do comprimento de onda de De Broglie (λ = h/m.v) para um carro de massa
    te. Para interpretar as observações              1 x 103 kg movendo-se a 100 km.h-1 (27,8 m.s-1).
    experimentais, Compton postulou que
    o feixe de raios X incidente não era uma
    onda de freqüência ν, mas um conjunto

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negativa de seus elétrons. Portanto um         espectro contínuo da radiação que seria         cias, foi impressionante. Mas fez
átomo neutro contendo Z elétrons tem           emitido durante este processo não esta-         também acentuar a natureza misterio-
uma carga negativa -Ze, onde -e é a car-       va de acordo com o espectro atômico             sa dos postulados nos quais se ba-
ga do elétron, e também uma carga              de natureza discreta, conforme já se            seava o modelo.
positiva de mesmo valor em módulo. O           conhecia na época.                                   Em 1916 Sommerfeld propôs um
fato de que a massa do elétron é muito             Em 1913 Niels Bohr desenvolveu um           modelo no qual as órbitas permitidas
pequena se compara-                                                modelo atômico que          para o movimento dos elétrons no áto-
da com a de qualquer         O modelo de Thomson não               apresentava concor-         mo de hidrogênio seriam elípticas. Isso
átomo, implica que a         fornecia uma concordância             dância quantitativa com     foi feito na tentativa de explicar a estru-
maior parte da massa              quantitativa com os              os dados espectros-         tura fina do espectro do átomo de hi-
do átomo deve estar            espectros observados. A             cópicos obtidos para o      drogênio, a qual corresponde a uma
associada à carga po-              demonstração da                 átomo de hidrogênio.        separação das linhas espectrais. A es-
sitiva. Estas consi-         inadequação desse modelo              Um outro aspecto inte-
                                                                                               trutura fina pode ser observada so-
derações levaram na-          foi obtida por Rutherford.           ressante do modelo de
                                                                                               mente se usarmos um equipamento de
turalmente ao proble-        Ele mostrou que uma carga             Bohr é que a matemá-
                                                                                               alta resolução, já que a separação, em
ma de como seria a           positiva estava concentrada           tica envolvida era de
                                                                                               termos de número de onda (1/λ), en-
distribuição de cargas           em uma região muito               fácil compreensão. O
                                pequena (o núcleo) no                                          tre as componentes adjacentes de
positivas e negativas                                              modelo de Bohr expli-
dentro do átomo.                   centro do átomo                 cava a estabilidade do      uma única linha espectral é da ordem
    Um dos primeiros                                               átomo postulando que        de 10-4 vezes a separação entre as li-
modelos para o átomo foi proposto por          a energia total do elétron é constante          nhas adjacentes. De acordo com o
J.J. Thomson em 1910, segundo o qual           quando este encontra-se em uma das              modelo de Bohr, isto deve significar
os elétrons carregados negativamente           órbitas permitidas, caracterizadas por          que o que tínhamos pensado ser um
estariam localizados no interior de uma        números inteiros denominados números            único estado de energia do átomo de
distribuição esférica contínua de carga        quânticos (n = 1, 2, 3...). A freqüência        hidrogênio consiste na realidade em
positiva, com um raio da ordem de              da radiação emitida durante uma tran-           vários estados com energias muito
                                                                                                                                             9
grandeza do raio de um átomo, 10-10 m.         sição eletrônica entre dois níveis é            próximas.
Este modelo é conhecido também como            calculada pela equação:
“pudim de ameixas”. O modelo de                                                                          O modelo de Bohr
Thomson não fornecia uma concor-                                                         (3)        explicava a estabilidade do
dância quantitativa com os espectros                                                                 átomo postulando que a
observados experimentalmente. A                sendo Einicial e Efinal as energias dos dife-         energia total do elétron é
demonstração da inadequação do mo-             rentes estados eletrônicos, definidas, de               constante quando este
delo de Thomson foi obtida em 1911 por         acordo com o modelo de Bohr, como:                     encontra-se em uma das
Ernest Rutherford, a partir da análise de                                                                órbitas permitidas
experiências sobre o espalhamento de
partículas α por átomos. Rutherford                                                                A esta teoria desenvolvida até aqui
mostrou que em vez de estar espalha-                                                     (4)
                                                                                               nós nos referimos como ‘teoria quân-
da por todo o átomo, a carga positiva                                                          tica antiga’. Esta teoria só é aplicável a
estava concentrada em uma região                                                               átomos contendo um único elétron (H,
                                                   O raio das órbitas dos elétrons nos
muito pequena, ou núcleo, no centro do                                                         He+, Li++ etc.) além de sofrer uma crí-
                                               diferentes estados eletrônicos é ex-
átomo. Este foi um dos progressos mais                                                         tica subjetiva de que a teoria parece
                                               presso como:
importantes da física atômica e foi a                                                          de alguma forma não ter coerência,
base da física nuclear.
                                                                                         (5)   sendo intelectualmente insatisfatória. A
    A verificação experimental detalha-
                                                                                               nova teoria quântica proposta por
da das previsões do modelo nuclear de
                                                   Nas Equações (4) e (5), m refere-           Schrödinger e independentemente por
Rutherford para o átomo deixou pouco
                                               se à massa do elétron, Z ao número              Heisenberg, denominada ‘mecânica
espaço para dúvidas em relação à
                                               atômico do átomo, e à carga do elétron          quântica’, nos fornecerá um procedi-
validade desse modelo. Contudo, sur-
giram sérias questões a respeito da esta-      (e = 1,602 x 10-19 C), h = h/2π e ε0 a          mento mais geral para o tratamento de
bilidade de um átomo desse tipo. Os            permissividade do vácuo (ε0 = 8,85 x            partículas de qualquer sistema micros-
elétrons circulando em órbitas em torno        10-12 F.m-1).                                   cópico.
do núcleo, de acordo com a teoria elet-            As propriedades do espectro de
                                                                                               Fundamentos da mecânica quântica
romagnética clássica, perderiam energia        absorção dos átomos de um elétron
e mover-se-iam em espiral até atingir o        também são facilmente compreensí-                   Como descrito nas seções anterio-
núcleo. Teríamos um átomo que rapi-            veis em termos do modelo de Bohr. O             res, o final do séc. XIX foi marcado por
damente sofreria um colapso para di-           sucesso do modelo de Bohr, medido               uma série de experimentos envolvendo
mensões nucleares. Além disso, o               por sua concordância com as experiên-           a interação da radiação eletromagné-

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tica com a matéria. Dentre os mais            ceito de onda de matéria (ou função          ficos serão discutidos em maiores de-
     importantes, podem ser citados os             de onda) cuja interpretação foi dada         talhes, visando introduzir a forma dos
     estudos da radiação emitida por um            por Max Born em 1926. A análise de           principais operadores em mecânica
     corpo negro, o efeito fotoelétrico e o        Born tem como princípio os conceitos         quântica.
     espalhamento Compton. Estas inves-            clássicos da radiação eletromagnética            Inicialmente, considere uma partí-
     tigações experimentais levaram a uma          e suas propriedades corpusculares. A         cula movendo-se livre da ação de for-
     reformulação geral da teoria clássica         intensidade da luz é proporcional a A2       ças externas. A função de onda desta
     do eletromagnetismo, introduzindo             (A ≡ amplitude da onda), que por sua         partícula pode ser representada como
     conceitos como a quantização da ener-         vez é proporcional ao número de fó-             Ψ(x, t) = cos(kx - ωt) +
     gia e as propriedades corpusculares           tons (n) por unidade de volume. Por-                           ik sen(kx - ωt)    (8)
     da radiação. Os trabalhos de De Bro-          tanto, a probabilidade de encontrar um
     glie, relacionados a dualidade partí-         fóton no elemento de volume dV pode          sendo
     cula-onda, estabe-                                            ser escrita como A2dV.
     leceram um forma-                  A necessidade de           De forma análoga,
     lismo quantitativo do            introduzir conceitos         Born associou à proba-                                            (9)
     comportamento on-             ondulatórios na descrição       bilidade de encontrar
     dulatório da matéria,           do comportamento de           uma partícula no ele-
     sendo o comprimen-             partículas microscópicas       mento de volume dV a
     to de onda (λ) da ra-         levou a uma reformulação        quantidade Ψ2dV, onde           Derivando a expressão (8) em rela-
     diação associada à             da mecânica de Newton.         Ψ representa a ampli-        ção a x, mantendo t constante, temos:
     partícula de massa m          Surge assim o conceito de       tude da função de on-
     e velocidade v dado              onda de matéria (ou          da da matéria. A inter-                                          (10)
     pela Equação (2). A                função de onda)            pretação probabilística
     derivação da Equa-                                            de Max Born con-                Reescrevendo a Equação (10),
     ção (2) pode ser as-                                          trapõe-se ao determi-        obtém-se:
10   sociada aos conceitos de energia e            nismo da mecânica clássica e inicia o
     fóton introduzidos por Einstein. No           desenvolvimento de uma nova teoria
     efeito fotoelétrico, a radiação eletro-       para estudar movimentos de partículas,
                                                                                                                                    (11)
     magnética é considerada como sen-             onde as propriedades observáveis são
     do constituída de partículas movendo-         descritas como valores esperados.
     se na velocidade da luz (c = 2,998 x 108      Esta teoria recebeu o nome de mecâ-
     m.s -1), denominadas fótons, cuja             nica quântica.                                  Comparando a Equação (11) com
     energia é E = h.ν (ν ≡ freqüência da                                                       a expressão que representa o postula-
                                                   Postulado fundamental da mecânica            do fundamental da mecânica quântica
     radiação). Por outro lado, a teoria da
     relatividade estabelece que uma               quântica                                     (Equação 7), podemos escrever
     partícula nestas condições possui                 Para qualquer sistema material,
                                                                                                    Ψ = pΨ                          (12)
     energia E = m.c2, sendo m a massa             existe uma função de onda (Ψ) asso-
     relativística da partícula. Logo, as duas     ciada, a qual é função das coordena-         com p correspondendo ao momento
     equações mencionadas anteriormente            das e tempo, que contém toda infor-          linear da partícula (observável) e
     podem ser combinadas, produzindo:             mação que pode ser obtida sobre o
                                                                                                         ao operador momento linear.
                                                   sistema, e satisfaz a equação abaixo:
                                                                                                   O resultado da análise anterior
                                            (6)        ÔΨ = oΨ                           (7)    pode ser utilizado em conjunção com
                                                    sendo o uma propriedade observável          os conceitos da mecânica clássica
                                                    do sistema e Ô o operador correspon-        para derivar um outro operador funda-
                                                    dente. O conceito de operador pode          mental em mecânica quântica, o ope-
         A Equação (6), valida para um fóton
     movendo-se na velocidade c, é equi-            parecer novo para alguns leitores, mas      rador energia total ( ).
     valente a Equação (2) para uma partí-          com certeza todos já fizerem uso de            A energia total clássica pode ser
     cula de massa m movendo-se com                 algum tipo de operador em exercícios        escrita como a soma da energia
     velocidade v. O postulado de De Bro-           de cálculo. Exemplos de operadores          cinética (K) e potencial (V).
     glie (Equação 2) foi comprovado expe-          clássicos são a raiz quadrada (√) e a          E=K+V                            (13)
     rimentalmente através de estudos de            derivada (d/dx), ou seja, operador é “al-
                                                    go” que executa algum tipo de opera-           A Equação (13) pode ser escrita em
     difração de elétrons.
                                                    ção sobre uma função matemática. Em         função do momento p como
         A necessidade de introduzir concei-
     tos ondulatórios na descrição do com-          mecânica quântica, o uso de operado-
     portamento de partículas microscópi-           res constitui parte da teoria, como
     cas levou a uma reformulação da me-            descrito pelo teorema fundamental                                               (14)
     cânica de Newton. Surge assim o con-           (Equação 7). Alguns exemplos especí-

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A soma K + V representa a energia           potencial ( ) da partícula. O operador        condições de contorno, as quais a fun-
total da partícula de massa m se                 possui sempre a mesma forma des-            ção de onda deve satisfazer (Ψ deve
movendo com velocidade v sob a ação            crita na Equação (18), sendo m a              ser contínua, finita e unívoca em qual-
de forças definidas pelo potencial V           massa da partícula. Portanto, o que di-       quer ponto x). No exemplo (3c) o ope-
(F = -dV/dx). Associando o formalismo          ferencia a aplicação da equação de            rador Hamiltoniano para descrever o
clássico (Equação 14) com o conceito           Schrödinger para diferentes sistemas          movimento harmônico é apresentado.
de operadores da mecânica quântica             e processos em física e química é a           Note que a função potencial não é
(Equações 7 e 12) temos:                       função potencial ( ). Em analogia com         constante nesta situação, sendo fun-
                                               a mecânica clássica, pode ser dito que        ção da coordenada x. O estudo do os-
                                     (15)      o comportamento de uma partícula é            cilador harmônico é fundamental em
                                               determinado pelo campo de forças no           física e química e constitui o princípio
  Utilizando (15), a Equação (14)                                                            básico da descrição teórica de vibra-
                                               qual ela se move.
pode ser escrita como:                                                                       ção de moléculas. Funções potenciais
                                                   As formas do operador para
                                               alguns processos simples são apre-            como aquela representada em (3c) for-
                                     (16)                                                    mam também a base da construção
                                               sentadas na Tabela 3 para partículas
                                               movendo-se em uma dimensão. Em                de campos de força utilizados em estu-
   Utilizamos o símbolo para repre-            3a, é apresentado o exemplo mais              dos de mecânica molecular.
sentar o operador energia total do sis-        simples da aplicação da equação de                A Tabela 4 apresenta a forma do
tema (ao invés de Ê); este é chamado           Schrödinger para uma partícula mo-            operador Hamiltoniano para átomos e
o operador Hamiltoniano (ou operador                                                         moléculas. Os sistemas considerados
                                               vendo-se livre da ação de forças ex-
energia total) do sistema. Assim,                                                            nesta tabela envolvem um maior nú-
                                               ternas. Nesta situação, = 0 em
                                                                                             mero de partículas movendo-se em um
                                               qualquer posição x, sendo a energia
                                                                                             espaço de três dimensões, e portanto
                                     (17)      total (E) puramente cinética. No exem-
                                                                                             são mais complexos do que aqueles
                                               plo (b), a partícula move-se livremente;
                                                                                                           representados na Tabela
   Na Equação (17),                            entretanto, a função
                                                                                                           3. Antes de entrarmos
                                               potencial possui            O estudo do oscilador                                         11
                                                                                                           em aspectos específicos
                     operador                  valores distintos em       harmônico é fundamental          sobre as soluções da
                                     (18)      diferentes regiões            em física e química e
                  energia cinética                                                                         equação de Schrödinger
                                               de x. Nas regiões x       constitui o princípio básico      para os sistemas apre-
                                               < 0 e x > a, = 0 e          da descrição teórica de         sentados na Tabela 4, é
     ≡ operador energia              (19)      o potencial possui          vibração de moléculas
                   potencial                                                                               importante comentar so-
                                               um valor constante                                          bre a construção do ope-
                                     (20)      igual a V0 na região 0 < x < a. Nesta         rador Hamiltoniano. A energia total do
                                               situação a equação de Schrödinger             sistema é o somatório de contribuições
    Utilizando o postulado fundamen-           deve ser resolvida nas duas regiões           devido às energias cinética e potencial;
tal da mecânica quântica (Equação 7)           distintas, com a solução geral determi-       logo, o operador Hamiltoniano deve ser
e a Equação (17) podemos escrever:             nada em cada região definida por              constituído de operadores associados
    Ψ = EΨ                           (21)
                                               Tabela 3: Exemplos do operador Hamiltoniano para o movimento de uma partícula de
    A Equação (21) corresponde à               massa m em diferentes campos de força definidos pela função (operador) potencial V.
Equação de Schrödinger independen-
te do tempo. Esta é uma equação fun-                                                             Operador
damental em mecânica quântica.
    A equação de Schrödinger, escrita          (a) Partícula
                                                   livre
na forma (21), corresponde a um pro-
blema de ‘autovalor’ e ‘autovetor’,
sendo a energia total (E) o autovalor e
a função de onda (Ψ) o autovetor. De
acordo com o postulado fundamental             (b) Barreira
da mecânica quântica (Equação 7), a                de potencial
função de onda associada à partícula
contém todas as informações neces-
sárias para a determinação de suas
propriedades observáveis. O valor de           (c) Oscilador
E e a forma de Ψ dependem do ope-                  harmônico
rador Hamiltoniano ( ), o qual possui
contribuições da energia cinética ( ) e

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Tabela 4: Exemplos do operador Hamiltoniano para átomos e moléculas. Na Equação (a) a        níveis energéticos permitidos para o
     massa do elétron, m, foi utilizada em substituição à massa reduzida.                         elétron no interior do átomo. A quanti-
                                                                                                  zação da energia não é um postulado
                                                           Operador                               na teoria de Schrödinger. Esta surge
                                                                                                  naturalmente de requisitos matemáticos
     (a) Átomos                                                                                   para que a equação tenha soluções
         de um elétron
                                                                                                  aceitáveis (funções de onda ‘bem com-
                                                                                                  portadas’). Quando um elétron ocupa
                                                                                                  um desses níveis sua energia total é
                                                                                                  constante, e ele não emite e nem absor-
     (b) Átomos                                                                                   ve energia. Estes são chamados esta-
         de muitos elétrons                                                                       dos estacionários. A função de onda pa-
                                                                                                  ra o átomo de hidrogênio depende de
                                                                                                  três números quânticos (n, l e ml). Por
                                                                                                  simplicidade inserimos estes rótulos na
     (c) Moléculas
                                                                                                  função de onda, Ψn,l,ml. Podemos então
                                                                                                  escrever a equação de Schrödinger para
                                                                                                  o átomo de hidrogênio na forma abaixo
                                                                                                   Ψn,l,ml (x, y, z) = EnΨn,l,ml (z, y, z)   (23)
     a todas as formas de energias cinética         potenciais independentes do tempo.                As funções de onda Ψ n,l,ml são
     e potencial do sistema. Para átomos            Portanto estamos interessados nas             também chamadas orbitais atômicos,
     de um elétron, a função potencial é            autofunções (Ψ) e autovalores (E) do          e os designamos por símbolos em
     representada somente pelo potencial            operador Hamiltoniano, , independente         função do valor do número quântico
     de interação elétron-núcleo (Ven) . Em         do tempo. Chamaremos daqui por                secundário l: l = 0, orbital s; l = 1, or-
12   átomos de muitos elétrons, a função            diante a Equação (21) simplesmente de         bital p; l = 2, orbital d etc. Os orbitais
     potencial contém termos devido à               equação de Schrödinger.                       atômicos são na realidade as funções
     atração elétron-núcleo (Ven) e repulsão            A Equação de Schrödinger pode ser         de onda que são soluções da equação
     elétron-elétron (Vee). Em moléculas,           resolvida exatamente apenas para áto-         de Schrödinger, Ψ1s, Ψ2s, Ψ2p, Ψ3s, …
     considerando os núcleos fixos nas              mos contendo um elétron, como por             etc. Podemos ver que cada nível
     posições de equilíbrio, o operador que         exemplo o átomo de hidrogênio. Neste          energético n pode ter várias funções
     representa a energia potencial é               caso a função energia potencial possui        de onda associadas, dependendo dos
     composto de termos que descrevem               uma forma simples dependendo ape-             valores dos números quânticos l e ml.
     a atração elétron-núcleo (Ven), repulsão       nas da distância entre o próton e o           A este fenômeno chamamos ‘degene-
     elétron-elétron (Vee) e repulsão núcleo-       elétron (V(r) = -e2/r). Para o caso de áto-   rescência’. Quando a degenerescên-
     núcleo (Vnn). O operador energia ciné-         mos multieletrônicos e moléculas temos        cia é removida, temos energias distin-
     tica descrito pela Equação (18) em             de utilizar métodos matemáticos apro-         tas para os vários subníveis atômicos.
     uma dimensão é substituído pelo ope-           ximados para a resolução da equação           Concluindo: quando resolvemos a
     rador correspondente em três dimen-            de Schrödinger, pois a complexidade da        equação de Schrödinger para o átomo
     sões (∇2) denominado operador Lapla-           função energia potencial para a intera-       de hidrogênio, obtemos as energias
     ciano.                                         ção de repulsão entre os elétrons impe-       para os níveis energéticos (En) e os
                                                    de a separação das variáveis na equa-         orbitais atômicos (Ψn,l,ml). Temos então
                                                    ção de Schrödinger. Neste caso utiliza-       um diagrama de níveis energéticos no
                                          (22)
                                                    mos métodos numéricos com o auxílio           interior do átomo, isto é, dizemos que
                                                    de computadores. Para o caso do               um átomo se constitui de um sistema
        Em todos os termos do operador              átomo de hidrogênio, obtemos expres-          energético quantizado (somente al-
     aparecem somatórios (Σ) indicando a            sões analíticas (fórmulas matemáticas)        guns valores de energia são possíveis),
     contribuição de cada partícula individual.     para a função de onda e energia, cujos        como mostrado na Figura 5. À medida
        Para sistemas que não estão sob             detalhes serão omitidos aqui. Os              que n aumenta os níveis se aproximam,
     ação de forças externas que sofram alte-       números quânticos principal (n), secun-       tendendo para um contínuo de ener-
     rações em função do tempo, a energia           dário (l) e magnético (ml) surgem natu-       gia. Pelo diagrama energético repre-
     potencial (V) dependerá apenas das             ralmente durante o processo algébrico         sentado na Figura 5, obtido da resolu-
     coordenadas das partículas. Neste caso         de solução da equação de Schrödinger          ção da equação de Schrödinger, temos
     estaremos considerando a equação de            para o átomo de hidrogênio. A energia         uma compreensão clara das transições
     Schrödinger independente do tempo,             total pode ser escrita como E = -13.6/n2      eletrônicas que originam o espectro
     Equação (21). Uma grande parte dos             eV (n = 1, 2, 3…), isto é, a energia é        atômico de linhas do átomo de hi-
     problemas de interesse para a química          quantizada variando com o número              drogênio (Figura 2).
     podem ser formulados em termos de              quântico principal n. Temos então os              Para o caso de átomos multiele-

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trônicos e moléculas, a resolução da            campo potencial efetivo devido aos              elétrons separada dos núcleos, e a ener-
equação de Schrödinger utilizando mé-           núcleos e aos outros elétrons                   gia molecular total é uma soma das con-
todos aproximados nos leva à obtenção           (V = Vefetivo). Na resolução da equação         tribuições eletrônicas e nucleares. Este
de níveis de energia atômicos e molecu-         de Schrödinger utilizamos um procedi-           procedimento baseia-se na aproxi-
lares e à determinação de configurações         mento interativo, onde uma função de            mação de Born-Oppenheimer, a qual
eletrônicas. Para moléculas, a função de        onda inicial dita ‘tentativa’ é fornecida,      consiste em descorrelacionar os movi-
onda obtida como solução da equação             com a qual obtemos o potencial de               mentos de núcleos e elétrons. Nesta si-
de Schrödinger repre-                                               interação para os elé-      tuação, a equação de Schrödinger pode
senta os orbitais mole-           A mecânica quântica é             trons, o qual é utilizado   ser separada em duas equações que
culares, os quais permi-        atualmente a teoria aceita          na resolução da equa-       descrevem os movimentos de núcleos
tem uma descrição de              e válida para descrever           ção de Schrödinger,         e elétrons. A matemática utilizada na
ligações químicas em            fenômenos relacionados à            obtendo assim novas         resolução da equação de Schrödinger
termos de combina-                 estrutura da matéria.            funções de onda e           é complexa, envolvendo conhecimentos
ções de orbitais atô-              Entretanto, devido à             energias orbitais. O        das áreas de cálculo diferencial e inte-
micos.                               complexidade do                procedimento é repe-        gral e álgebra matricial. Estes aspectos
    É importante men-            formalismo matemático,             tido até que a auto-        não foram considerados no presente
cionar que na Equação              torna-se necessária a            consistência seja atin-     artigo, podendo o leitor interessado re-
(23) a função de onda          utilização de aproximações           gida (não haja mais         correr à literatura específica fornecida.
depende também das                        teóricas                  variações nas funções            Finalizando, é importante reforçar
coordenadas de spin,                                                de onda). Este méto-        que a mecânica quântica é atualmente
sendo o estado eletrônico do sistema            do é conhecido como método de                   a teoria aceita e válida para descrever
caracterizado pelos números quânticos           Hartree-Fock do campo autoconsistente           fenômenos relacionados à estrutura da
espaciais (n, l e ml) e pelo número quân-       (HF-SCF). Várias sofisticações podem            matéria. Entretanto, devido à complexi-
tico de spin (ms). A função de onda deve,       ser incorporadas no método de Hartree-          dade do formalismo matemático, torna-
portanto, ser representada com o                Fock para melhorar a qualidade das              se necessária a utilização de apro-
símbolo Ψn,l,ml,ms.                             funções de onda e energias. Estes               ximações teóricas. Neste contexto, a                    13
    Esforços têm sido continuamente             métodos são denominados Pós-                    busca de novos métodos matemáticos
empreendidos na busca de soluções               Hartree-Fock. Conhecida a função de             para resolução da equação de Schrö-
aproximadas da equação de Schrödin-             onda total Ψ, várias propriedades podem         dinger tem sido um grande desafio para
ger para sistemas de muitos elétrons            ser calculadas e posteriormente compa-          os cientistas, objetivando aplicar a teoria
(átomos e moléculas) com acuracidade            radas com valores obtidos experimen-            quântica para sistemas de interesse em
satisfatória. O procedimento utilizado pa-      talmente.                                       física e química com a exatidão deseja-
ra a resolução da Equação (23) para um              Existe uma variedade de métodos             da.
sistema contendo muitos elétrons                teóricos para a resolução da Equação
consiste em escrever a função de onda           de Schrödinger tendo como base fun-             Wagner B. de Almeida (wagner@netuno.qui.ufmg.br),
                                                                                                doutor em química pela Universidade de Manchester,
total do sistema para um dado nível             damental o procedimento de Hartree-             é professor adjunto no Departamento de Química da
energético, digamos o nível fundamen-           Fock para encontrar funções de ondas            Universidade Federal de Minas Gerais. Hélio F. dos
tal (de mais baixa energia), como um            aproximadas. O método de Hartree-               Santos (helius@quimica.ufjf.br), doutor em química, é
produto de funções dependendo das               Fock é variacional, o que implica que a         professor do Departamento de Química da Univer-
                                                                                                sidade Federal de Juiz de Fora.
coordenadas de somente um elétron,              energia total obtida é sempre um limite
além de representar a energia potencial         superior para a energia do sistema, isto
de interação como uma soma de ter-              é, está sempre acima (ou no máximo               Para saber mais
mos.                                            igual) a energia exata ou experimental.             ATKINS, P Físico-química, 6 ed. Rio
                                                                                                             .W.
    Neste procedimento supomos que              Os métodos podem ser classificados               de Janeiro: Editora LTC, v. 2, 1999.
os elétrons estão sob a ação de um              em duas classes: ab initio e semiem-                BORN, M. Física atômica, 4 ed.
                                                píricos. Nos métodos ab initio nenhum            Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
                                                parâmetro experimental é utilizado, e               EISBERG, R. e RESNICK, R. Física
                                                                                                 quântica, átomos, moléculas, sólidos,
                                                que todas as integrais presentes são
                                                                                                 núcleos e partículas 6 ed. Rio de Janeiro:
                                                avaliadas. Já nos métodos semiempí-
                                                                                                 Editora Campus, 1988.
                                                ricos vários parâmetros experimentais               FOCK, V.A. Princípios de mecânica
                                                ajustáveis são utilizados, e o método tem        quântica. Moscou: Editora MIR, 1986.
                                                um custo computacional muito mais                   LOPES, J.L. A Estrutura quântica da
                                                baixo do que os métodos ab initio. O             matéria, do átomo pré-Socrático às partí-
                                                leitor pode consultar a literatura dispo-        culas elementares, 2 ed. Rio de Janeiro:
                                                nível para maiores detalhes sobre mé-            Editora UFRJ, 1993.
                                                todos quânticos.                                    TEIXEIRA DIAS, J.J.C. Química quân-
Figura 5: Diagrama de energia para o áto-                                                        tica, fundamentos e métodos. Lisboa:
                                                    Para o caso de moléculas, resolve-
mo de hidrogênio.                                                                                Fundação Calouste Gulbenkian.
                                                mos a equação de Schrödinger para os

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Modelos teóricos para a compreensão da estrutura da matéria

  • 1. Wagner B. de Almeida e Hélio F. dos Santos A matéria é constituída de sub-partículas (prótons, elétrons e nêutrons) cujo comportamento deve ser descrito pela teoria quântica. No presente artigo apresentamos os principais aspectos relacionados ao conceito e ao formalismo da química quântica modelos teóricos, estrutura da matéria, química quântica 6 Observações experimentais e modelos Todas estas superficialmente diferen- ros inteiros que assumem valores ca- teóricos tes formas de radiação viajam no racterísticos nas diferentes regiões do vácuo a mesma velocidade, c = 2,998 espectro eletromagnético. I nformações importantes a respeito x 108 m.s-1. Uma onda luminosa pode Considerando as relações entre ra- da natureza de átomos e moléculas ser caracterizada por sua freqüência, diação, energia e matéria, pode-se têm sido obtidas através do estudo ν, ou comprimento de onda, λ (ν = c/λ) observar que quando gases são ex- da interação da radiação com a ma- como mostrado na Figura 1. postos a uma descarga elétrica ou téria. Muitas evidências experimentais, A espectroscopia tem como funda- aquecidos a temperaturas altas, uma desde a metade do século XIX, suge- mento básico revelar o efeito da inte- emissão característica de luz é obser- riam que a luz deveria ser descrita ração da radiação com a matéria, es- vada. Esta consiste de uma série de como um movimento ondulatório. Esta tando esta no estado gasoso, líquido linhas distintas, chamadas bandas de evidência incluía o fato de que a luz exi- ou sólido. Desde o século XIX traba- radiação, distribuídas em várias fre- be fenômenos de interferência e difra- lhos experimentais na área de espec- qüências, com pouca ou nenhuma ra- ção. Naquela época, em 1864, a teo- troscopia, mais especificamente diação em freqüências intermediárias ria eletromagnética ondulatória foi de- espectroscopia atômica, proporciona- (Figura 2). Um sólido aquecido, por um senvolvida em uma forma bastante ram um conjunto de informações rele- outro lado, produz um espectro que satisfatória por J.C. Maxwell. Suas fa- vantes que levaram cien- parece ser uma função contínua do mosas equações A espectroscopia tem tistas a buscarem mo- comprimento de onda. Um espectro diferenciais en- como fundamento básico delos e teorias mais ade- como este é chamado de espectro de volvendo os cam- pos elétricos e revelar o efeito da quadas para a descrição magnéticos des- interação da radiação da interação da radiação crevem a radia- com a matéria com a matéria. No caso ção luminosa on- do átomo de hidrogênio, dulatória e suas propriedades, em uma várias equações empíricas foram forma similar na qual as equações do propostas para descrever seu espec- movimento são aplicáveis às ondas tro atômico (Figura 2 e Tabela 1). sonoras. Utilizando a teoria eletromag- O padrão de espaçamento entre as nética ondulatória, podemos correla- linhas do espectro pode ser reprodu- Figura 1: Espectro de radiação eletromag- cionar a inteira gama de comprimentos zido com o auxílio da equação empí- nética. O comprimento de onda (λ) é defini- de onda, λ, desde raios X (λ ≈ 10-10 m) rica mostrada na Tabela 1, sendo RH a do como sendo a distância entre dois máxi- até ondas de rádio ordinárias (λ ≥ 1 m). constante de Rydberg e m e n núme- mos ou dois mínimos da onda. Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Modelos teóricos N° 4 – Maio 2001
  • 2. dendo da temperatura. Como pode ser visto na Figura 3, a equação clássica para a densidade de energia em função da freqüência da radiação proposta por Rayleigh-Jeans em 1900, discordou dramaticamente da curva experimental. O desenvolvimento de uma equação para reproduzir a forma experimental da dependência da ener- gia da radiação com o comprimento Figura 3: Espectro de radiação do corpo Figura 2: Espectro atômico do átomo de de onda (ou freqüência) da luz foi um negro. hidrogênio em diferentes regiões do dos problemas centrais dos físicos do espectro eletromagnético. século XIX. Planck apresentou no final uma descarga elétrica entre dois ele- de 1900 uma solução, na qual foi trodos ocorre mais facilmente quando corpo negro ideal ou espectro normal. introduzida pela primeira vez a hipótese se faz incidir sobre um deles luz O espectro obtido para um corpo ne- da quantização da energia (E = n.h.ν, ultravioleta. Lenard, seguindo alguns gro ideal não depende da natureza, ta- sendo h a constante de Planck, 6,62 x experimentos de Hallwachs, mostrou manho ou forma do sólido, mas so- 10-34 J.s, e n um número inteiro). A curva em seguida que a luz ultravioleta facilita mente da temperatura (Figura 3). A teórica construída utilizando a equação a descarga ao fazer com que elétrons radiação de corpo negro é a radiação de Planck concorda perfeitamente com sejam emitidos da superfície do catodo eletromagnética em equilíbrio térmico a curva experimental para a radiação (M, Figura 4a). A emissão de elétrons com o corpo negro a uma temperatura do corpo negro. Uma discussão de uma superfície, devido à incidência específica. Através da análise da detalhada não será apresentada aqui, de luz sobre essa superfície, é cha- radiação do corpo negro, foi estabele- mas podemos dizer que este foi o mada de Efeito Fotoelétrico (Figura 4). cido experimentalmente que a densi- passo inicial para o nascimento da Os principais aspectos observados dade de energia total, ρ, é dada pela mecânica quântica. empiricamente do Efeito Fotoelétrico 7 lei de Stefan-Boltzmann. Apesar da teoria desenvolvida por não podem ser explicados em termos ρ = σ.T4 (1) Planck para explicar a radiação de cor- da teoria ondulatória clássica da po negro ter sido compatível com as radiação. Em 1905 Albert Einstein ques- sendo σ uma constante, 7,56 x 10-16 observações experimentais, naquela J.m-3.K-4, e T a temperatura absoluta época Planck se questionava quanto (em K). Se um detector de radiação e ao significado físico do formalismo ma- um espectroscópio temático introduzido. são usados para deter- No final de 1900 Planck Com esta visão, minar a energia para apresentou a hipótese da Planck buscou du- vários comprimentos quantização da energia: rante um longo perío- de onda, um gráfico E = n.h.ν do explicações físicas suave de densidade Esse foi o passo inicial para para o que ele consi- de energia (ρ) vs. com- o nascimento da mecânica derava como um primento de onda (ou quântica “postulado limitado freqüência) é obtido, proposto a partir de como mostrado na Figura 3. Estas um ato de desespero”. curvas se constituem em uma família, No final do século XIX Heinrich Hertz com a forma de cada curva depen- realizou experiências e descobriu que Tabela 1: Diferentes séries propostas empiricamente para descrever o espectro de emissão atômico do átomo de hidrogênio (Figura 2). Nome da série Região do espectro eletromagnético m n Lyman Ultravioleta 1 2, 3, 4... Balmer Visível 2 3, 4, 5... Paschen Infravermelho 3 4, 5, 6... Brackett Infravermelho 4 5, 6, 7... Pfund Infravermelho 5 6, 7, 8... Figura 4: Ilustração do efeito fotoelétrico Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Modelos teóricos N° 4 – Maio 2001
  • 3. tionou o formalismo clássico utilizado na de fótons, cada um com energia também se aplicava a matéria. Assim descrição da luz. Einstein propôs que a E = h.ν, e que esses fótons colidiam como um fóton tem associado a ele uma energia radiante fosse quantizada em com os elétrons livres do alvo da mesma onda luminosa que governa seu movi- pacotes concentrados, que mais tarde forma que colidem duas bolas de bilhar. mento, também uma partícula material vieram a ser chamados de fótons. Eins- A natureza corpuscular da radiação foi (por exemplo, um elétron) tem associa- tein supôs que a energia do pacote, ou então confirmada. Portanto foi consta- da a ela uma onda de matéria que fóton, está relacio- tado que a radiação ele- governa seu movimento. Foi proposto nada à sua freqüência Compton postulou que um tromagnética tem um que os aspectos ondulatórios da maté- ν pela equação E = feixe de raios X, incidindo comportamento dual. A ria fossem relacionados com seus as- h.ν; também foi su- sobre uma amostra de necessidade da hipó- pectos corpusculares exatamente da posto que no efeito grafite, não se compotra tese do fóton, ou partí- mesma forma quantitativa com que es- fotoelétrico um fóton é como uma onda de cula localizada, para ses aspectos são relacionados para a completamente freqüência ν mas como um interpretar processos radiação. Assim, tanto para a matéria absorvido por um elé- conjunto de fótons. Isso que envolvem a inte- quanto para a radiação, as seguintes tron no fotocatodo. confirmou a natureza ração com a matéria é relações são válidas: E = h.ν e p = h/λ, Quando um elétron é corpuscular da radiação clara, mas ao mesmo onde E e p são respectivamente a emitido da superfície tempo é necessária energia total e momento linear da do metal, sua energia cinética é K = h.ν uma teoria ondulatória da radiação pa- partícula. O comprimento de onda de - w, sendo o primeiro termo da direita a ra explicar os fenômenos de interferência De Broglie é portanto definido como: energia do fóton incidente e w o trabalho e difração. É importante considerar que necessário para remover os elétrons do a radiação não possui um compor- metal. No caso de um elétron estar fra- tamento puramente ondulatório nem (2) camente ligado e não havendo perdas meramente se comporta como um fei- sendo m e v a massa e a velocidade internas, o fotoelétron vai emergir com xe de partículas. A radiação se apresenta da partícula respectivamente. energia cinética máxima, Kmax. No efeito como uma onda em certas circuns- Apesar da relação 8 fotoelétrico os elétrons podem ser tâncias e como uma de De Broglie ser detectados sob a forma de uma corrente partícula em outras. A A dualidade evidente na aplicada a todas as elétrica se forem atraídos para um dualidade evidente na natureza onda-partícula da substâncias físicas, o coletor metálico através de uma dife- natureza onda-partí- radiação é uma comprimento de onda rença de potencial V. Invertendo o sinal cula da radiação é característica geral de associado a partículas do potencial e tornando-o suficien- uma característica ge- todos os entes físicos macroscópicas é mui- temente grande, podemos fazer a ral de todos os entes to pequeno, não sen- corrente fotoelétrica cair a zero. Este é o físicos. Veremos que elétrons, por exem- do possível observar o comportamento chamado potencial de corte ou limite, plo, têm a mesma natureza dual dos fó- ondulatório (difração, interferência V0. Einstein relacionou o potencial de tons. A conciliação da existência de etc.). Alguns exemplos são apre- corte com a energia do fóton incidente aspectos ondulatórios com a de aspec- sentados na Tabela 2. pela equação e.V0 = h.ν - w0, onde w0 é tos corpusculares, para qualquer ente chamada de função trabalho, a energia físico, é conseguida com o auxílio da Desenvolvimento da teoria atômica mínima necessária para um elétron mecânica quântica. Evidências experimentais foram atravessar a superfície do metal e esca- Em 1924, Louis De Broglie propôs a acumuladas no início do século pas- par às forças atrativas que ligam-no ao existência de ondas de matéria. A hipó- sado revelando que átomos contêm metal. Utilizando as equações mencio- tese de De Broglie era de que o compor- elétrons, e como normalmente átomos nadas anteriormente e a Figura 4, tamento dual onda-partícula da radiação são neutros, eles devem conter uma podemos observar que construindo um carga positiva igual em módulo à carga gráfico de eV0 em função da freqüência ν obteremos uma linha reta cuja inclina- Tabela 2: Exemplos da aplicação da relação de De Broglie. ção fornece a constante de Planck, h (Figura 4b). 1. Cálculo do comprimento de onda de De Broglie (λ = h/m.v) para um elétron de massa Enquanto no efeito fotoelétrico a ra- 9,1 x 10-31 kg movendo-se a velocidade de 1,0 x 106 m.s-1. diação ultravioleta é absorvida pelo elé- tron, Compton mostrou, em 1923, que um feixe de raios X de comprimento de onda λ era espalhado por elétrons quan- do incididos sobre uma amostra de grafi- 2. Cálculo do comprimento de onda de De Broglie (λ = h/m.v) para um carro de massa te. Para interpretar as observações 1 x 103 kg movendo-se a 100 km.h-1 (27,8 m.s-1). experimentais, Compton postulou que o feixe de raios X incidente não era uma onda de freqüência ν, mas um conjunto Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Modelos teóricos N° 4 – Maio 2001
  • 4. negativa de seus elétrons. Portanto um espectro contínuo da radiação que seria cias, foi impressionante. Mas fez átomo neutro contendo Z elétrons tem emitido durante este processo não esta- também acentuar a natureza misterio- uma carga negativa -Ze, onde -e é a car- va de acordo com o espectro atômico sa dos postulados nos quais se ba- ga do elétron, e também uma carga de natureza discreta, conforme já se seava o modelo. positiva de mesmo valor em módulo. O conhecia na época. Em 1916 Sommerfeld propôs um fato de que a massa do elétron é muito Em 1913 Niels Bohr desenvolveu um modelo no qual as órbitas permitidas pequena se compara- modelo atômico que para o movimento dos elétrons no áto- da com a de qualquer O modelo de Thomson não apresentava concor- mo de hidrogênio seriam elípticas. Isso átomo, implica que a fornecia uma concordância dância quantitativa com foi feito na tentativa de explicar a estru- maior parte da massa quantitativa com os os dados espectros- tura fina do espectro do átomo de hi- do átomo deve estar espectros observados. A cópicos obtidos para o drogênio, a qual corresponde a uma associada à carga po- demonstração da átomo de hidrogênio. separação das linhas espectrais. A es- sitiva. Estas consi- inadequação desse modelo Um outro aspecto inte- trutura fina pode ser observada so- derações levaram na- foi obtida por Rutherford. ressante do modelo de mente se usarmos um equipamento de turalmente ao proble- Ele mostrou que uma carga Bohr é que a matemá- alta resolução, já que a separação, em ma de como seria a positiva estava concentrada tica envolvida era de termos de número de onda (1/λ), en- distribuição de cargas em uma região muito fácil compreensão. O pequena (o núcleo) no tre as componentes adjacentes de positivas e negativas modelo de Bohr expli- dentro do átomo. centro do átomo cava a estabilidade do uma única linha espectral é da ordem Um dos primeiros átomo postulando que de 10-4 vezes a separação entre as li- modelos para o átomo foi proposto por a energia total do elétron é constante nhas adjacentes. De acordo com o J.J. Thomson em 1910, segundo o qual quando este encontra-se em uma das modelo de Bohr, isto deve significar os elétrons carregados negativamente órbitas permitidas, caracterizadas por que o que tínhamos pensado ser um estariam localizados no interior de uma números inteiros denominados números único estado de energia do átomo de distribuição esférica contínua de carga quânticos (n = 1, 2, 3...). A freqüência hidrogênio consiste na realidade em positiva, com um raio da ordem de da radiação emitida durante uma tran- vários estados com energias muito 9 grandeza do raio de um átomo, 10-10 m. sição eletrônica entre dois níveis é próximas. Este modelo é conhecido também como calculada pela equação: “pudim de ameixas”. O modelo de O modelo de Bohr Thomson não fornecia uma concor- (3) explicava a estabilidade do dância quantitativa com os espectros átomo postulando que a observados experimentalmente. A sendo Einicial e Efinal as energias dos dife- energia total do elétron é demonstração da inadequação do mo- rentes estados eletrônicos, definidas, de constante quando este delo de Thomson foi obtida em 1911 por acordo com o modelo de Bohr, como: encontra-se em uma das Ernest Rutherford, a partir da análise de órbitas permitidas experiências sobre o espalhamento de partículas α por átomos. Rutherford A esta teoria desenvolvida até aqui mostrou que em vez de estar espalha- (4) nós nos referimos como ‘teoria quân- da por todo o átomo, a carga positiva tica antiga’. Esta teoria só é aplicável a estava concentrada em uma região átomos contendo um único elétron (H, O raio das órbitas dos elétrons nos muito pequena, ou núcleo, no centro do He+, Li++ etc.) além de sofrer uma crí- diferentes estados eletrônicos é ex- átomo. Este foi um dos progressos mais tica subjetiva de que a teoria parece presso como: importantes da física atômica e foi a de alguma forma não ter coerência, base da física nuclear. (5) sendo intelectualmente insatisfatória. A A verificação experimental detalha- nova teoria quântica proposta por da das previsões do modelo nuclear de Nas Equações (4) e (5), m refere- Schrödinger e independentemente por Rutherford para o átomo deixou pouco se à massa do elétron, Z ao número Heisenberg, denominada ‘mecânica espaço para dúvidas em relação à atômico do átomo, e à carga do elétron quântica’, nos fornecerá um procedi- validade desse modelo. Contudo, sur- giram sérias questões a respeito da esta- (e = 1,602 x 10-19 C), h = h/2π e ε0 a mento mais geral para o tratamento de bilidade de um átomo desse tipo. Os permissividade do vácuo (ε0 = 8,85 x partículas de qualquer sistema micros- elétrons circulando em órbitas em torno 10-12 F.m-1). cópico. do núcleo, de acordo com a teoria elet- As propriedades do espectro de Fundamentos da mecânica quântica romagnética clássica, perderiam energia absorção dos átomos de um elétron e mover-se-iam em espiral até atingir o também são facilmente compreensí- Como descrito nas seções anterio- núcleo. Teríamos um átomo que rapi- veis em termos do modelo de Bohr. O res, o final do séc. XIX foi marcado por damente sofreria um colapso para di- sucesso do modelo de Bohr, medido uma série de experimentos envolvendo mensões nucleares. Além disso, o por sua concordância com as experiên- a interação da radiação eletromagné- Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Modelos teóricos N° 4 – Maio 2001
  • 5. tica com a matéria. Dentre os mais ceito de onda de matéria (ou função ficos serão discutidos em maiores de- importantes, podem ser citados os de onda) cuja interpretação foi dada talhes, visando introduzir a forma dos estudos da radiação emitida por um por Max Born em 1926. A análise de principais operadores em mecânica corpo negro, o efeito fotoelétrico e o Born tem como princípio os conceitos quântica. espalhamento Compton. Estas inves- clássicos da radiação eletromagnética Inicialmente, considere uma partí- tigações experimentais levaram a uma e suas propriedades corpusculares. A cula movendo-se livre da ação de for- reformulação geral da teoria clássica intensidade da luz é proporcional a A2 ças externas. A função de onda desta do eletromagnetismo, introduzindo (A ≡ amplitude da onda), que por sua partícula pode ser representada como conceitos como a quantização da ener- vez é proporcional ao número de fó- Ψ(x, t) = cos(kx - ωt) + gia e as propriedades corpusculares tons (n) por unidade de volume. Por- ik sen(kx - ωt) (8) da radiação. Os trabalhos de De Bro- tanto, a probabilidade de encontrar um glie, relacionados a dualidade partí- fóton no elemento de volume dV pode sendo cula-onda, estabe- ser escrita como A2dV. leceram um forma- A necessidade de De forma análoga, lismo quantitativo do introduzir conceitos Born associou à proba- (9) comportamento on- ondulatórios na descrição bilidade de encontrar dulatório da matéria, do comportamento de uma partícula no ele- sendo o comprimen- partículas microscópicas mento de volume dV a to de onda (λ) da ra- levou a uma reformulação quantidade Ψ2dV, onde Derivando a expressão (8) em rela- diação associada à da mecânica de Newton. Ψ representa a ampli- ção a x, mantendo t constante, temos: partícula de massa m Surge assim o conceito de tude da função de on- e velocidade v dado onda de matéria (ou da da matéria. A inter- (10) pela Equação (2). A função de onda) pretação probabilística derivação da Equa- de Max Born con- Reescrevendo a Equação (10), ção (2) pode ser as- trapõe-se ao determi- obtém-se: 10 sociada aos conceitos de energia e nismo da mecânica clássica e inicia o fóton introduzidos por Einstein. No desenvolvimento de uma nova teoria efeito fotoelétrico, a radiação eletro- para estudar movimentos de partículas, (11) magnética é considerada como sen- onde as propriedades observáveis são do constituída de partículas movendo- descritas como valores esperados. se na velocidade da luz (c = 2,998 x 108 Esta teoria recebeu o nome de mecâ- m.s -1), denominadas fótons, cuja nica quântica. Comparando a Equação (11) com energia é E = h.ν (ν ≡ freqüência da a expressão que representa o postula- Postulado fundamental da mecânica do fundamental da mecânica quântica radiação). Por outro lado, a teoria da relatividade estabelece que uma quântica (Equação 7), podemos escrever partícula nestas condições possui Para qualquer sistema material, Ψ = pΨ (12) energia E = m.c2, sendo m a massa existe uma função de onda (Ψ) asso- relativística da partícula. Logo, as duas ciada, a qual é função das coordena- com p correspondendo ao momento equações mencionadas anteriormente das e tempo, que contém toda infor- linear da partícula (observável) e podem ser combinadas, produzindo: mação que pode ser obtida sobre o ao operador momento linear. sistema, e satisfaz a equação abaixo: O resultado da análise anterior (6) ÔΨ = oΨ (7) pode ser utilizado em conjunção com sendo o uma propriedade observável os conceitos da mecânica clássica do sistema e Ô o operador correspon- para derivar um outro operador funda- dente. O conceito de operador pode mental em mecânica quântica, o ope- A Equação (6), valida para um fóton movendo-se na velocidade c, é equi- parecer novo para alguns leitores, mas rador energia total ( ). valente a Equação (2) para uma partí- com certeza todos já fizerem uso de A energia total clássica pode ser cula de massa m movendo-se com algum tipo de operador em exercícios escrita como a soma da energia velocidade v. O postulado de De Bro- de cálculo. Exemplos de operadores cinética (K) e potencial (V). glie (Equação 2) foi comprovado expe- clássicos são a raiz quadrada (√) e a E=K+V (13) rimentalmente através de estudos de derivada (d/dx), ou seja, operador é “al- go” que executa algum tipo de opera- A Equação (13) pode ser escrita em difração de elétrons. ção sobre uma função matemática. Em função do momento p como A necessidade de introduzir concei- tos ondulatórios na descrição do com- mecânica quântica, o uso de operado- portamento de partículas microscópi- res constitui parte da teoria, como cas levou a uma reformulação da me- descrito pelo teorema fundamental (14) cânica de Newton. Surge assim o con- (Equação 7). Alguns exemplos especí- Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Modelos teóricos N° 4 – Maio 2001
  • 6. A soma K + V representa a energia potencial ( ) da partícula. O operador condições de contorno, as quais a fun- total da partícula de massa m se possui sempre a mesma forma des- ção de onda deve satisfazer (Ψ deve movendo com velocidade v sob a ação crita na Equação (18), sendo m a ser contínua, finita e unívoca em qual- de forças definidas pelo potencial V massa da partícula. Portanto, o que di- quer ponto x). No exemplo (3c) o ope- (F = -dV/dx). Associando o formalismo ferencia a aplicação da equação de rador Hamiltoniano para descrever o clássico (Equação 14) com o conceito Schrödinger para diferentes sistemas movimento harmônico é apresentado. de operadores da mecânica quântica e processos em física e química é a Note que a função potencial não é (Equações 7 e 12) temos: função potencial ( ). Em analogia com constante nesta situação, sendo fun- a mecânica clássica, pode ser dito que ção da coordenada x. O estudo do os- (15) o comportamento de uma partícula é cilador harmônico é fundamental em determinado pelo campo de forças no física e química e constitui o princípio Utilizando (15), a Equação (14) básico da descrição teórica de vibra- qual ela se move. pode ser escrita como: ção de moléculas. Funções potenciais As formas do operador para alguns processos simples são apre- como aquela representada em (3c) for- (16) mam também a base da construção sentadas na Tabela 3 para partículas movendo-se em uma dimensão. Em de campos de força utilizados em estu- Utilizamos o símbolo para repre- 3a, é apresentado o exemplo mais dos de mecânica molecular. sentar o operador energia total do sis- simples da aplicação da equação de A Tabela 4 apresenta a forma do tema (ao invés de Ê); este é chamado Schrödinger para uma partícula mo- operador Hamiltoniano para átomos e o operador Hamiltoniano (ou operador moléculas. Os sistemas considerados vendo-se livre da ação de forças ex- energia total) do sistema. Assim, nesta tabela envolvem um maior nú- ternas. Nesta situação, = 0 em mero de partículas movendo-se em um qualquer posição x, sendo a energia espaço de três dimensões, e portanto (17) total (E) puramente cinética. No exem- são mais complexos do que aqueles plo (b), a partícula move-se livremente; representados na Tabela Na Equação (17), entretanto, a função 3. Antes de entrarmos potencial possui O estudo do oscilador 11 em aspectos específicos operador valores distintos em harmônico é fundamental sobre as soluções da (18) diferentes regiões em física e química e energia cinética equação de Schrödinger de x. Nas regiões x constitui o princípio básico para os sistemas apre- < 0 e x > a, = 0 e da descrição teórica de sentados na Tabela 4, é ≡ operador energia (19) o potencial possui vibração de moléculas potencial importante comentar so- um valor constante bre a construção do ope- (20) igual a V0 na região 0 < x < a. Nesta rador Hamiltoniano. A energia total do situação a equação de Schrödinger sistema é o somatório de contribuições Utilizando o postulado fundamen- deve ser resolvida nas duas regiões devido às energias cinética e potencial; tal da mecânica quântica (Equação 7) distintas, com a solução geral determi- logo, o operador Hamiltoniano deve ser e a Equação (17) podemos escrever: nada em cada região definida por constituído de operadores associados Ψ = EΨ (21) Tabela 3: Exemplos do operador Hamiltoniano para o movimento de uma partícula de A Equação (21) corresponde à massa m em diferentes campos de força definidos pela função (operador) potencial V. Equação de Schrödinger independen- te do tempo. Esta é uma equação fun- Operador damental em mecânica quântica. A equação de Schrödinger, escrita (a) Partícula livre na forma (21), corresponde a um pro- blema de ‘autovalor’ e ‘autovetor’, sendo a energia total (E) o autovalor e a função de onda (Ψ) o autovetor. De acordo com o postulado fundamental (b) Barreira da mecânica quântica (Equação 7), a de potencial função de onda associada à partícula contém todas as informações neces- sárias para a determinação de suas propriedades observáveis. O valor de (c) Oscilador E e a forma de Ψ dependem do ope- harmônico rador Hamiltoniano ( ), o qual possui contribuições da energia cinética ( ) e Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Modelos teóricos N° 4 – Maio 2001
  • 7. Tabela 4: Exemplos do operador Hamiltoniano para átomos e moléculas. Na Equação (a) a níveis energéticos permitidos para o massa do elétron, m, foi utilizada em substituição à massa reduzida. elétron no interior do átomo. A quanti- zação da energia não é um postulado Operador na teoria de Schrödinger. Esta surge naturalmente de requisitos matemáticos (a) Átomos para que a equação tenha soluções de um elétron aceitáveis (funções de onda ‘bem com- portadas’). Quando um elétron ocupa um desses níveis sua energia total é constante, e ele não emite e nem absor- (b) Átomos ve energia. Estes são chamados esta- de muitos elétrons dos estacionários. A função de onda pa- ra o átomo de hidrogênio depende de três números quânticos (n, l e ml). Por simplicidade inserimos estes rótulos na (c) Moléculas função de onda, Ψn,l,ml. Podemos então escrever a equação de Schrödinger para o átomo de hidrogênio na forma abaixo Ψn,l,ml (x, y, z) = EnΨn,l,ml (z, y, z) (23) a todas as formas de energias cinética potenciais independentes do tempo. As funções de onda Ψ n,l,ml são e potencial do sistema. Para átomos Portanto estamos interessados nas também chamadas orbitais atômicos, de um elétron, a função potencial é autofunções (Ψ) e autovalores (E) do e os designamos por símbolos em representada somente pelo potencial operador Hamiltoniano, , independente função do valor do número quântico de interação elétron-núcleo (Ven) . Em do tempo. Chamaremos daqui por secundário l: l = 0, orbital s; l = 1, or- 12 átomos de muitos elétrons, a função diante a Equação (21) simplesmente de bital p; l = 2, orbital d etc. Os orbitais potencial contém termos devido à equação de Schrödinger. atômicos são na realidade as funções atração elétron-núcleo (Ven) e repulsão A Equação de Schrödinger pode ser de onda que são soluções da equação elétron-elétron (Vee). Em moléculas, resolvida exatamente apenas para áto- de Schrödinger, Ψ1s, Ψ2s, Ψ2p, Ψ3s, … considerando os núcleos fixos nas mos contendo um elétron, como por etc. Podemos ver que cada nível posições de equilíbrio, o operador que exemplo o átomo de hidrogênio. Neste energético n pode ter várias funções representa a energia potencial é caso a função energia potencial possui de onda associadas, dependendo dos composto de termos que descrevem uma forma simples dependendo ape- valores dos números quânticos l e ml. a atração elétron-núcleo (Ven), repulsão nas da distância entre o próton e o A este fenômeno chamamos ‘degene- elétron-elétron (Vee) e repulsão núcleo- elétron (V(r) = -e2/r). Para o caso de áto- rescência’. Quando a degenerescên- núcleo (Vnn). O operador energia ciné- mos multieletrônicos e moléculas temos cia é removida, temos energias distin- tica descrito pela Equação (18) em de utilizar métodos matemáticos apro- tas para os vários subníveis atômicos. uma dimensão é substituído pelo ope- ximados para a resolução da equação Concluindo: quando resolvemos a rador correspondente em três dimen- de Schrödinger, pois a complexidade da equação de Schrödinger para o átomo sões (∇2) denominado operador Lapla- função energia potencial para a intera- de hidrogênio, obtemos as energias ciano. ção de repulsão entre os elétrons impe- para os níveis energéticos (En) e os de a separação das variáveis na equa- orbitais atômicos (Ψn,l,ml). Temos então ção de Schrödinger. Neste caso utiliza- um diagrama de níveis energéticos no (22) mos métodos numéricos com o auxílio interior do átomo, isto é, dizemos que de computadores. Para o caso do um átomo se constitui de um sistema Em todos os termos do operador átomo de hidrogênio, obtemos expres- energético quantizado (somente al- aparecem somatórios (Σ) indicando a sões analíticas (fórmulas matemáticas) guns valores de energia são possíveis), contribuição de cada partícula individual. para a função de onda e energia, cujos como mostrado na Figura 5. À medida Para sistemas que não estão sob detalhes serão omitidos aqui. Os que n aumenta os níveis se aproximam, ação de forças externas que sofram alte- números quânticos principal (n), secun- tendendo para um contínuo de ener- rações em função do tempo, a energia dário (l) e magnético (ml) surgem natu- gia. Pelo diagrama energético repre- potencial (V) dependerá apenas das ralmente durante o processo algébrico sentado na Figura 5, obtido da resolu- coordenadas das partículas. Neste caso de solução da equação de Schrödinger ção da equação de Schrödinger, temos estaremos considerando a equação de para o átomo de hidrogênio. A energia uma compreensão clara das transições Schrödinger independente do tempo, total pode ser escrita como E = -13.6/n2 eletrônicas que originam o espectro Equação (21). Uma grande parte dos eV (n = 1, 2, 3…), isto é, a energia é atômico de linhas do átomo de hi- problemas de interesse para a química quantizada variando com o número drogênio (Figura 2). podem ser formulados em termos de quântico principal n. Temos então os Para o caso de átomos multiele- Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Modelos teóricos N° 4 – Maio 2001
  • 8. trônicos e moléculas, a resolução da campo potencial efetivo devido aos elétrons separada dos núcleos, e a ener- equação de Schrödinger utilizando mé- núcleos e aos outros elétrons gia molecular total é uma soma das con- todos aproximados nos leva à obtenção (V = Vefetivo). Na resolução da equação tribuições eletrônicas e nucleares. Este de níveis de energia atômicos e molecu- de Schrödinger utilizamos um procedi- procedimento baseia-se na aproxi- lares e à determinação de configurações mento interativo, onde uma função de mação de Born-Oppenheimer, a qual eletrônicas. Para moléculas, a função de onda inicial dita ‘tentativa’ é fornecida, consiste em descorrelacionar os movi- onda obtida como solução da equação com a qual obtemos o potencial de mentos de núcleos e elétrons. Nesta si- de Schrödinger repre- interação para os elé- tuação, a equação de Schrödinger pode senta os orbitais mole- A mecânica quântica é trons, o qual é utilizado ser separada em duas equações que culares, os quais permi- atualmente a teoria aceita na resolução da equa- descrevem os movimentos de núcleos tem uma descrição de e válida para descrever ção de Schrödinger, e elétrons. A matemática utilizada na ligações químicas em fenômenos relacionados à obtendo assim novas resolução da equação de Schrödinger termos de combina- estrutura da matéria. funções de onda e é complexa, envolvendo conhecimentos ções de orbitais atô- Entretanto, devido à energias orbitais. O das áreas de cálculo diferencial e inte- micos. complexidade do procedimento é repe- gral e álgebra matricial. Estes aspectos É importante men- formalismo matemático, tido até que a auto- não foram considerados no presente cionar que na Equação torna-se necessária a consistência seja atin- artigo, podendo o leitor interessado re- (23) a função de onda utilização de aproximações gida (não haja mais correr à literatura específica fornecida. depende também das teóricas variações nas funções Finalizando, é importante reforçar coordenadas de spin, de onda). Este méto- que a mecânica quântica é atualmente sendo o estado eletrônico do sistema do é conhecido como método de a teoria aceita e válida para descrever caracterizado pelos números quânticos Hartree-Fock do campo autoconsistente fenômenos relacionados à estrutura da espaciais (n, l e ml) e pelo número quân- (HF-SCF). Várias sofisticações podem matéria. Entretanto, devido à complexi- tico de spin (ms). A função de onda deve, ser incorporadas no método de Hartree- dade do formalismo matemático, torna- portanto, ser representada com o Fock para melhorar a qualidade das se necessária a utilização de apro- símbolo Ψn,l,ml,ms. funções de onda e energias. Estes ximações teóricas. Neste contexto, a 13 Esforços têm sido continuamente métodos são denominados Pós- busca de novos métodos matemáticos empreendidos na busca de soluções Hartree-Fock. Conhecida a função de para resolução da equação de Schrö- aproximadas da equação de Schrödin- onda total Ψ, várias propriedades podem dinger tem sido um grande desafio para ger para sistemas de muitos elétrons ser calculadas e posteriormente compa- os cientistas, objetivando aplicar a teoria (átomos e moléculas) com acuracidade radas com valores obtidos experimen- quântica para sistemas de interesse em satisfatória. O procedimento utilizado pa- talmente. física e química com a exatidão deseja- ra a resolução da Equação (23) para um Existe uma variedade de métodos da. sistema contendo muitos elétrons teóricos para a resolução da Equação consiste em escrever a função de onda de Schrödinger tendo como base fun- Wagner B. de Almeida (wagner@netuno.qui.ufmg.br), doutor em química pela Universidade de Manchester, total do sistema para um dado nível damental o procedimento de Hartree- é professor adjunto no Departamento de Química da energético, digamos o nível fundamen- Fock para encontrar funções de ondas Universidade Federal de Minas Gerais. Hélio F. dos tal (de mais baixa energia), como um aproximadas. O método de Hartree- Santos (helius@quimica.ufjf.br), doutor em química, é produto de funções dependendo das Fock é variacional, o que implica que a professor do Departamento de Química da Univer- sidade Federal de Juiz de Fora. coordenadas de somente um elétron, energia total obtida é sempre um limite além de representar a energia potencial superior para a energia do sistema, isto de interação como uma soma de ter- é, está sempre acima (ou no máximo Para saber mais mos. igual) a energia exata ou experimental. ATKINS, P Físico-química, 6 ed. Rio .W. Neste procedimento supomos que Os métodos podem ser classificados de Janeiro: Editora LTC, v. 2, 1999. os elétrons estão sob a ação de um em duas classes: ab initio e semiem- BORN, M. Física atômica, 4 ed. píricos. Nos métodos ab initio nenhum Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. parâmetro experimental é utilizado, e EISBERG, R. e RESNICK, R. Física quântica, átomos, moléculas, sólidos, que todas as integrais presentes são núcleos e partículas 6 ed. Rio de Janeiro: avaliadas. Já nos métodos semiempí- Editora Campus, 1988. ricos vários parâmetros experimentais FOCK, V.A. Princípios de mecânica ajustáveis são utilizados, e o método tem quântica. Moscou: Editora MIR, 1986. um custo computacional muito mais LOPES, J.L. A Estrutura quântica da baixo do que os métodos ab initio. O matéria, do átomo pré-Socrático às partí- leitor pode consultar a literatura dispo- culas elementares, 2 ed. Rio de Janeiro: nível para maiores detalhes sobre mé- Editora UFRJ, 1993. todos quânticos. TEIXEIRA DIAS, J.J.C. Química quân- Figura 5: Diagrama de energia para o áto- tica, fundamentos e métodos. Lisboa: Para o caso de moléculas, resolve- mo de hidrogênio. Fundação Calouste Gulbenkian. mos a equação de Schrödinger para os Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Modelos teóricos N° 4 – Maio 2001