Este documento descreve a longa história do sistema de transporte público em Bagé, desde as décadas de 1980 até 2008. Após muitas batalhas políticas, o autor, enquanto prefeito, conseguiu implementar um novo sistema em 2008 através de uma licitação que melhorou significativamente a qualidade do serviço para os moradores, com uma frota renovada e novas linhas.
Memórias de um Tempo_Restauro do Patrimônio Histórico de Bagé_ Casa de Cultur...
O novo transporte coletivo de Bagé
1. Em 2008, último ano da nossa segunda
gestão na Prefeitura de Bagé, colocamos em
funcionamento o novo sistema de transporte
coletivo do município.
Após 86 anos, pela primeira vez o poder
público realizava, através de licitação, uma
concorrência para a concessão deste serviço
público, o que proporcionou avanços
significativos para a qualidade do transporte
da população local. Estava envolvido com o
tema desde o tempo em que cheguei a Bagé,
no final dos anos 80, pois era uma das
bandeiras do movimento estudantil, que
lutava, entre outras coisas, pela meia
passagem escolar. Perpassou os dez anos em
que exerci dois mandatos na Câmara de
Vereadores e permeou as duas gestões na
prefeitura. Era uma novela.
A meia passagem, que tentei viabilizar
enquanto vereador, apresentando projetos
que sempre foram rejeitados, acabamos
conquistando através de iniciativa do ex-
vereador Luís Carlos Deibler. Mas a melhoria
da qualidade sempre foi uma preocupação.
Ônibus lotados, com problemas de mecânica,
vidros quebrados, veículos antigos e outras
situações colocavam em risco a segurança
dos usuários e comprometiam a qualidade.
Os atrasos eram constantes. Claro que isso
não era uma regra geral, mas representava a
Memórias de um tempo
Capítulos de uma
novela com final feliz
média dos serviços.
Em determinada ocasião, quando
vereador, montei uma equipe para andar nos
ônibus de todas as linhas da cidade, para
fazer a contagem dos passageiros. Queria,
mesmo que de forma empírica, mostrar que o
Índice de Passageiro por Quilômetro (IPK)
utilizado para determinar o valor das
passagens estava equivocado. Enfim, foram
muitas batalhas, em que, infelizmente,
tivemos poucas vitórias, já que não
resultaram em mudanças significativas no
sistema, especialmente devido às limitações
da função de legislador.
Uma vez eleito para administrar Bagé,
estava obrigado a colocar em prática
mudanças. Até mesmo porque a História do
transporte coletivo em Bagé era uma novela
de péssima qualidade. O que não era uma
exclusividade de Bagé. Na maioria dos
municípios, não havia licitação para a
concessão do serviço de transporte político.
Os poucos que faziam, na maioria dos casos
assim procediam sob pressão do Ministério
Público. E, muitas vezes, cometiam,
deliberadamente, erros nos processos
licitatórios para que os mesmos fossem
inviabilizados judicialmente.
O novo transporte
Contratamos uma consultoria para nos
2. ajudar na elaboração de um estudo técnico
profundo sobre o sistema que tínhamos e na
modelagem dos editais das licitações que
estávamos determinados a fazer. Solicitamos
que não fossem feitas grandes exigências que
pudessem inviabilizar a participação das
empresas locais. Queríamos um edital que
permitisse a qualquer empresa, minimamente
organizada, participar. Também optamos pela
concessão onerosa, o que resultou no
pagamento de R$ 2,3 milhões à prefeitura
pelas duas empresas que ganharam a
concorrência.
Com a licitação, Bagé passou a contar
com mais de 60% da frota do transporte
coletivo formada por ônibus zero quilômetro e
o restante com idade inferior a cinco anos de
uso. Implantamos, pela primeira vez,
transporte regular para o interior do
município. Criamos o serviço de lotação e o
transporte porta-a-porta, para pessoas com
problemas para o deslocamento,
especialmente usuários doentes ou
portadores de necessidades especiais, que
funcionava gratuitamente e mediante
agendamento. E deixamos prontas as
condições para a implementação da
bilhetagem eletrônica, que permitiria a
utilização de dois ônibus, no intervalo de uma
Memórias de um tempo
hora, com o pagamento de apenas uma
passagem.
O processo foi conduzido pelo nosso
secretário de Transportes, Gílson Machado,
assessorado pelo competente Urataú Gomes,
que contaram com o respaldo do procurador
jurídico Gildázio Saldanha Brum, um dos
grandes responsáveis pela viabilização do
novo transporte em Bagé. Ele conseguiu
vencer na Justiça mais de 15 processos que
tentavam inviabilizar a concessão.
Por envolver pesados interesses
econômicos, a discussão em torno do
transporte coletivo sempre foi muito tensa.
Em determinada ocasião, fui procurado por
um emissário que informava haver a
disposição de um empresário em financiar a
minha primeira campanha à prefeitura, em
85, ou, então, doar um Chevette zero
quilômetro, que estava sendo lançado, para
que eu retirasse o projeto da meia passagem
estudantil.
Em outra ocasião, na primeira campanha
do Lula à presidência da República, em 89,
numa manhã fria, estava saindo de casa para
uma reunião do PT. Eram dias complicados,
especialmente pela movimentação do MST na
região. Havíamos aprovado a meia passagem
3. estudantil na Câmara. Andava, naquela
época, geralmente, com um segurança, por
causa das ameaças que recebia.
Em outra ocasião, na primeira campanha
do Lula à presidência da República, em 89,
numa manhã fria, estava saindo de casa para
uma reunião do PT. Tomei um táxi. Enquanto o
taxista manobrava, um empresário já falecido,
amigo daquele profissional, estacionou ao
lado do táxi, na contramão. Dirigindo-se ao
taxista, mostrou uma faca dizendo que aquilo
era o que ele tinha para cortar a língua de
quem falava demais. O taxista, meu amigo,
mostrou um facão ao empresário e disse que
aquela arma ele usava para defender os
amigos. Não satisfeito, o empresário sacou de
Memórias de um tempo
*Esse texto faz parte de Memórias de Um Tempo, uma série publicada no Jornal Minuano de Bagé,
em que procurei resgatar fatos de nossa gestão de oito anos na Prefeitura Municipal.
um revólver e falou que aquela arma ele
usava para terminar com os inimigos. O
taxista também lançou mão de um revólver e
falou alto: "isso eu também uso para defender
os amigos". Eu, na calçada, atônito com a
cena a que assistia, perguntava-me até que
ponto eu resistiria, bravia mas
benevolamente, a coisas desse tipo em nome
do que acreditava. Quanto às armas,
felizmente, pelo menos por hora, ambos
julgaram não ser necessário usá-las. Desse
tipo, tem outras histórias, mas, sinceramente,
acho que são impublicáveis, pelo menos por
agora...
O bom é que aquela novela teve um final
feliz... para a população de Bagé!