O documento discute a poesia de Mário Faustino, poeta da Terceira Geração do Modernismo Brasileiro. O texto analisa aspectos técnicos e temáticos da obra de Faustino, destacando o uso da métrica e rima clássicas, a valorização da linguagem elaborada e o lirismo metafísico. O documento também resume trechos de poemas de Faustino, demonstrando suas influências clássicas e surrealistas.
1. O homem e sua hora,
de Mário Faustino
Manoel Neves
2. MÁRIO FAUSTINO
diretrizes da poesia da terceira geração
renovação estética
uso da métrica e da rima dicção clássica volta do soneto
valorização da técnica da composição
metalinguagem perfeição formal linguagem elaborada
ampliação do poder de significação da palavra
recursos sonoros intertextualidade clássica culto da metáfora
3. O HOMEM E SUA HORA
Mário Faustino e a Terceira Geração do Modernismo
Terceira Geração do Modernismo Brasileiro
1955 resgate da dicção tradicional + busca de uma poesia elevada + lirismo metafísico
livro dividido em 3 partes
1) disjecta membra 2) sete sonetos de amor e morte 3) o homem e sua hora
membro disjunto, partido sonetos rimados e metrificados poema longo de 235 versos
influência clássica retoma a tradição lírica tom triste e fúnebre, anuncia o caos
linhas gerais
MELOPEIA FANOPEIA LOGOPEIA
aspectos imagéticos [metáforas] aspectos melódicos [sonoridade] discursividade e razão
evolução ligada aos valores tradicionais
a poesia que valoriza principalmente os aspectos imagéticos e melódicos em detrimento da razão
4. O HOMEM E SUA HORA
Mário Faustino e a Terceira Geração do Modernismo
E no céu donde a noite rui só vemos
Pálidos anjos, livros e balanças,
Candelabros, cavalos, crocodilos
Vomitando tranquilos cogumelos
Róseos de sangue e lava – bestas, bestas
Aladas pairam, à hora de o futuro
Fazer-se flama, e a nuvem derreter-se
Em cinza de presente. – Vê, em torno
forma
decassílabos brancos [influência clássica]
aliterações [pálidos anjos, livros, balanças], assonâncias [candelabros, cavalos, crocodilos]
analogias/metáforas: anjos vomitam cogumelos róseos; nuvem derrete-se cinza de presente
conteúdo
o poema se articula por intermédio de uma colagem de elementos díspares
não se preocupa com a lógica do sentido [influência surrealista]
musicalidade [simbolismo], sensorialismo [barroco, simbolismo], analogias absurdas [surrealismo]
5. O HOMEM E SUA HORA
Mário Faustino e a Terceira Geração do Modernismo
Estava lá Aquiles, que abraçava
Enfim Heitor, secreto personagem
Do sonho que na tenda o torturava;
Estava lá Saul, tendo por pajem
Davi, que ao som da cítara cantava;
E estavam lá seteiros que pensavam
Sebastião e as chagas que o mataram.
Nesse jardim, quantos as mãos deixavam
Levar aos lábios que os atraiçoaram!
Era a cidade exata, aberta, clara:
Estava lá o arcanjo incendiado
Sentado aos pés de quem desafiara;
E estava lá um deus crucificado
Beijando uma vez mais o enforcado.
fusão de tradições díspares
soneto inglês com versos decassílabos rimados e metrificados
procedimento surrealista/barroco de fusão de tradições díspares
personagens da Guerra de Tróia, da Bíblia, do início da Era Cristã e até o próprio Cristo aparecem
em atitude de fraternidade; neste soneto, tradições díspares se irmanam e se confraternizam
6. PARTE 01
disjecta membra
fontes intertextuais
01) título: poeta latino [clássico] Horácio [partes desmembradas, disjuntas, partidas, esquartejadas]
02) filiação poética: Jorge de Lima, autor de Invenção de Orfeu, como se vê a seguir
Jorge de Lima
Nasce do suor da febre uma alimária
Mário Faustino
Nasce do solo sono uma armadilha
7. PARTE 01
disjecta membra
aspectos técnicos
uso do decassílabo intertextualidades metalinguagem
aspectos temáticos
autorreferência unidade temática lirismo metafísico
8. MENSAGEM
disjecta membra
Dize a eles que tombam
como chuvas de sêmen sobre campos de sal
sem mancha, mas terríveis
Em marcha, heróico, alado pé de verso,
que desçam sobre a urna deste olvido
busca-me o gral onde sangrei meus deuses;
e engendrem rosas rubras
conta às suas relíquias, ontem de ouro,
do estrume em q tornei ss dons d trigo e vinho.
hoje de obscura cinza, pó de tempo,
Segue, elegia, busca-me nos portos
que ele os venera ainda, o jogral verde
e nas praias d Antanho, e nas rochas de Algures
q outrora celebrou seus milagres mais fecundos.
os deuses que afoguei no mar absurdo
Dize a eles que vinham de um casto sacrifício.
tecer silentes minha eternidade Apanha estas palavras do chão túmido
que a lava antiga é pura cal agora onde as deixo cair, findo o dilúvio:
e queima-lhes incenso, e rouba-me farrapos forma delas um palco, um absoluto
de seus mantos desertos de oferendas onde possa dançar de novo, nu
onde possa chorar meu disfarce ferido. contra o peso do mundo e a pureza dos anjos,
até que a lucidez venha construir
um tempo justo, exato, onde cantemos.
metalinguagem barroco, simbolismo, surrealismo intertextualidade
decassílabos e hexassílabos jogos de opostos imagens absurdas [surrealismo]
retomada explícita de Mensagem e de imagens bíblicas + concepção subjetiva do ato poético
a poesia se associa à ideia de redenção [apropriada da Mensagem, de Fernando Pessoa] e revelação
9. DOM SEBASTIÃO
a história, o mito e a Mensagem
Último e verdadeiro rei de Portugal. caiu em
Alcácer Quibir, e presumivelmente ali
morreu. Não se tendo encontrado o cadáver
do rei, reza a lenda que ele teria sido visto na
mesma noite da batalha, envolto por uma
capa e um grande chapéu inclinado.
O sebastianismo é uma espécie de messianismo
português que acredita na volta de Dom
Sebastião. Segundo os que esperam sua volta,
o rei não está morto, foi levado para as Ilhas
Afortunadas e ali espera por seu momento de
retorno, que se dará em Lisboa, numa manhã
de nevoeiro.
Mensagem, único poema publicado em vida
por Pessoa, conta a história de Portugal, das
origens até a morte de Dom Sebastião [fins
do século XVI]. Apresenta ainda versões do
mito sebastianista e a discute, poeticamente, a
relação existente entre a volta do Encoberto e
a Restauração da época de glória de Portugal.
10. BRASÃO
disjecta membra
Nasce do solo sono uma armadilha
das feras do irreal para as do ser
– Unicórnios investem contra o Rei.
Nasce do solo sono um facho fulvo
transfigurando a rosa e as armas lúcidas
do campo de harmonia que plantei.
Nasce do solo sono um sobressalto.
Nasce o guerreiro. A torre. Os amarelos
corcéis da fuga de ouro que implorei.
E nasce nu do sono um desafio.
Nasce um verso rampante, um brado, um solo
de lira santa e brava – minha lei
até que nasça a luz e tombe o sonho,
o monstro de aventura que eu amei.
quatro tercetos e um dístico imagens desconexas [surrealismo] versos decassílabos
derivação imprópria a forma sobrepuja o conteúdo
“Brasão” é o título de uma das partes do poema épico Mensagem, de Fernando Pessoa referido
não só neste texto, mas no anterior, cujo título é, emblematicamente, “Mensagem”
substantivos como “rei”, “solo”, “torre”, “guerreiro”, “sonho” e “aventura” retomam o referido poema.
11. LEGENDA
disjecta membra
No princípio
Houve treva bastante para o espírito
Mover-se livremente à flor do sol Havia então mais sombra em nossa via.
Oculto em pleno dia. Menos fragor na farsa da agonia,
No princípio Mais êxtase no mito da alegria.
Houve silêncio até para escutar-se Agora o bandoleiro brada e atira
O germinar atroz de uma desgraça Jorros de luz na fuga de meu dia —
Maquinada no horror do meio-dia.
e mudo sou para contar-te, amigo,
E havia, no princípio,
O reino, a lenda, a glória desse dia.
Tão vegetal quietude, tão severa
Que se estendia a queda de uma lágrima
Das frondes dos heróis de cada dia.
quatro estrofes irregulares rimas e assonâncias em “i” predomínio de decassílabos
intertertualidade bíblica lirismo metafísico metalinguagem
“Legenda” apresenta uma versão faustiniana da criação bíblica; o discurso do sujeito poético se
articula como uma tentativa de explica o estar no mundo; fala-se da calmaria dos dias da criação;
o locutor declara paradoxalmente sua função: a de contar como foram os dias do início do mundo
12. ROMANCE
disjecta membra
Para as Festas da Agonia Era tão cálido o peito
Vi-te chegar; como havia Angélico, onde meu leito
Sonhado que já chegasses: Me deixaste então fazer,
Vinha teu vulto tão belo Que pude esquecer a cor
Em teu cavalo amarelo, Dos olhos da Vida e a dor
Anjo meu, que, se me amasses, Que o Sono vinha trazer.
Em teu cavalo eu partiria Tão celeste foi a Festa,
Sem saudade, pena, ou ira; Tão fino o Anjo, e a Besta
Teu cavalo, que amarraras Onde montei tão serena,
Ao tronco de minha glória Que posso, Damas, dizer-vos
E pastava-me a memória. E a vós, Senhores, tão servos
Feno de ouro, gramas raras. De outra Festa mais terrena -
Não morri de mala sorte,
Morri de amor pela Morte.
uma estrofe longa e um dístico diálogo com a poesia de Azevedo único heptassílabo da coletânea
a morte aparece erotizada neste poema; ela chega para o sujeito poético como uma bela mulher
montada a cavalo amarelo; o locutor logo se apaixona [intertextualidade com Álvares de Azevedo];
tal qual os românticos, o locutor se apaixona e anseia pela morte.
13. PARTE 02
sete sonetos de amor e morte
fontes intertextuais
tradição lírica ocidental [de Safo a Vinícius de Moraes]
mitologia grega + tradição cristã + Bíblia + literatura ocidental
14. PARTE 02
sete sonetos de amor e morte
aspectos técnicos
uso do decassílabo intertextualidades grandiloquência
aspectos temáticos
amor tom elevado morte
15. INFERNO, ETERNO INVERNO...
sete sonetos de amor e morte
Inferno, eterno inverno, quero dar
Teu nome à dor sem nome deste dia
Sem sol, céu sem furor, praia sem mar,
Escuma de alma à beira da agonia.
Inferno, eterno inverno, quero olhar
De frente a gorja em fogo da elegia,
Outono e purgatório, clima e lar
De silente quimera, quieta e fria.
Inverno, teu inferno a mim não traz
Mais do que a dura imagem do juízo
Final com que me aturde essa falaz
Beleza de teus verbos de granizo:
Carátula celeste, onde o fugaz
Estio de teu riso — paraíso?
forte musicalidade vocaculário elevado uso de rimas consoantes
o tom pessimista e amargurado perpassa o poema que fala sobre o sofrimento da passagem/morte
a ideia de esterilidade [dia sem sol, céu sem furor, prais sem mar] se funde à agonia do locutor
que apresenta a morte de modo tétrico, terrível, tal qual os simbolistas e barrocos
16. O MUNDO QUE VENCI DEU-ME UM AMOR
sete sonetos de amor e morte
O mundo que venci deu-me um amor,
Um troféu perigoso, este cavalo
Carregado de infantes couraçados.
O mundo que venci deu-me um amor
Alado galopando em céus irados,
Por cima de qualquer muro de credo,
Por cima de qualquer fosso de sexo.
O mundo que venci deu-me um amor
Amor feito de insulto e pranto e riso,
Amor que força as portas dos infernos,
Amor que galga o cume ao paraíso.
Amor que dorme e treme. Que desperta
E torna contra mim, e me devora
E me rumina em cantos de vitória...
antíteses intertertualiza c/ a tradição lírica analogias, imagens absurdas
Cavalo de Troia O mundo que venci deu-me um amor/ um troféu perigoso, este cavalo/ carregado...
Perseu monta Pégasus O mundo que venci deu-me um amor/ alado galopando em céus irados
Orfeu resgata Eurídice Amor que força as portas do Inferno
a ideia de intertextualidade plena reverbera neste poema que vê o amor como batalha perdida
17. PARTE 03
O homem e sua hora
fontes intertextuais
tradição bíblica [agonia de Cristo]
Como esse dia é mais que sexta-feira
E a hora mais que sexta e roxa.
diálogo com a mitologia grega
18. PARTE 03
o homem e sua hora
aspectos técnicos
dividido em 3 partes intertextualidades metalinguagem
aspectos temáticos
origem do Cosmos origem da Poesia criação literária
19. o poema
o homem e sua hora
primeira parte
caos originário; o poeta, perdido e inquieto, interroga os mitos do passado
por fim, descobre que a Grécia é a nação que guarda a poesia e a verdade
segunda parte
caminhada histórico-poética: do caos faz nascer o Cosmos;
o locutor, associado ao Pigmalião grego, começa seu trabalho
terceira parte
finalização da estátua [poema], que concederá nova ordem ao que antes era Caos
a poesia é um instrumento quase divino q oferece ao homem outra maneira de ver o mundo
20. PREFÁCIO
metapoesia e crítica literária
Quem fez esta manhã, quem penetrou
À noite os labirintos do tesouro,
Quem fez esta manhã predestinou
Seus temas a paráfrases do touro,
As traduções do cisne: fê-la para
Abandonar-se a mitos essenciais,
Desflorada por ímpetos de rara
Metamorfose alada, onde jamais
Se exaure o deus que muda, que transvive.
Quem fez esta manhã fê-la para ser
Um raio a fecundá-la, não por lívida
Ausência sem pecado e fê-la ter
Em si princípio e fim: ter entre aurora
E meio-dia um homem e sua hora.
21. PREFÁCIO
metapoesia e crítica literária
aspectos técnicos
soneto decassílabos rimas alternadas
metalinguagem intertextualidade
aspectos temáticos
funciona como uma preparação para a obra; caráter metalinguístico: como fazer poesia
as imagens eróticas [v.10] e bíblicas [v.8] convivem antiteticamente e, num barroquismo,
compõem o texto no qual se fala sobre a manhã que virá [poema a ser construído],
fundindo tradições clássicas e cristãs, imagens fortes [touro] e delicadas [cisne].