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Nova, Livraria Almedina,
n of Time in Portuguese»,
Universidade de Lisboa.
rnitive Science, l, pp. 216versity Press, Idiaca, Nova
i P. Tedeschi e A. Zaenen
çct, Academic Press, Nova

O MELHOR DO MUNDO
NÃO SÁO AS CRIANÇAS
Luís PRISTA

[O autor] já morto, uma caligrafia quase ilegível, e eis-nos
perante um problema permanente: será que não houve engano na
decifração desta ou daquela palavra? E se o autor propôs várias formas, qual devemos escolher? Quando há referências a pessoas, locais, acontecimentos — como interpretar com segurança? Serão significativos os erros, as evidentes trocas de um termo? Devemos
mante-los ou corrigi-los? Torna-se assim necessário conhecer, «estar
por dentro» do estilo do autor, mas também do contexto cultural e
político da época, da ortografia utilizada, quase diríamos, do modo
de produzir literatura.
MARIA HELENA MIRA MATEUS

Na epígrafe a forma entre parênteses rectos é generalização minha, que
o parágrafo explicitava o caso de Eça de Queirós, quando — era 1981 —
todos tinham presente a polémica em torno da edição da Tragédia da Rua
das Flores2. O exemplo de Eça abria o artigo, introduzindo as dificuldades

1 «Problemas linguísticos do texto literário», Palavras. Revista da Associação dos Professores de Português, 2/3, 1981, pp. 49-53, p. 49.
2 Quem quiser lembrá-la pode guiar-se pela revisão em Ernesto Rodrigues, «A Tragédia da Rua das Flores: confrontos», Cultura literária oitocentista, Porto, Lello, 1999, pp. 267-276.
218

RAZÕES E EMOÇÃO

da fixação nas situações típicas da crítica textual moderna, para logo se realçarem os problemas postos à edição de textos antigos. Após este enquadramento, apresentava-se um trecho da Vida e Feitos de Júlio César, com que
depois se ilustrariam os «problemas linguísticos do texto literário». Nessa leitura de passo da tradução portuguesa quatrocentista 3, Maria Helena Mira
Mateus não só explicava as decisões tomadas quanto à actualização da ortografia, salientando o que deveria escapar à modernização gráfica por representar a pronúncia à época, como desenhava um claro retrato dos traços
principais do português do século xv.
Assumida a troca do romancista por termo genérico, tentarei eu escrutinar
a citação. Segui-la-ei pergunta a pergunta, até confirmar o período final
assertivo, e para isso recorrerei a um poema dos mais conhecidos de Pessoa,
«Liberdade».
Por ele começo, apresentando-o como o fixei em edição crítica recente
(Poemas de Fernando Pessoa. 1934-1935, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da
Moeda, 2000) e pondo em rodapé as diferenças notadas na tradição impressa essencial (SN= «Um inédito de Fernando Pessoa», Seara Nova, n.° 526,
11 de Setembro de 1937, p. 427; At. = Fernando Pessoa, Poesias, nota explicativa de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor, Lisboa, Ática, 1942, pp.
246-247 [em expoente fica a menção da 2.a edição, de 1943, pp. 246-247,
quando a lição discorde, nessa e nas seguintes, do primeiro texto da Ática];
Ag. = Fernando Pessoa, Obra Poética, organização, introdução e notas de Maria
Aliete Dores Galhoz, Rio de Janeiro, José Aguilar, 1960 4), sem marcar as
divergências por normalização da grafia.

3 Como se sabe, a tradução portuguesa do texto francês com a biografia de Júlio
César foi objecto de edição crítica por Maria Helena Mira Mateus (Vida e Feitos de Júlio
César. Edição crítica da tradução portuguesa quatrocentista de «Li fet dês romains», Lisboa,
Fundação Calouste Gulbenkian, 1970, 2 vols.). O trecho que na revista Palavras exemplificava
os constrangimentos linguísticos da edição de textos antigos, do capítulo xv da terceira
parte, foi retirado de antologia organizada para a colecção «Textos literários» (Vida e feitos
de Júlio César. Tradução anónima quatrocentista da obra francesa do séc. xin, Li fet dês romains,
apresentação crítica, selecção, glossário e notas de Maria Helena Mira Mateus, Lisboa, Seara Nova/Comunicação, 1980), com ortografia modernizada, «de modo a tornar a sua leitura fácil a não especialistas, sem no entanto introduzir alterações que pudessem modificar o
que se considera que deveria ser a pronúncia da época» («Apresentação crítica», pp. 15-48,
p. 42).
4 Outras edições da (José) Aguilar ou Nova Aguilar que verifiquei foram a 2.a (1965)
e a 8.a (Nova Aguilar, 1981), as que Maria Aliete Galhoz considera também reais edições
(«A fortuna editorial pessoana e seus problemas: o caso da poesia», Fernando Pessoa, Men-

10

15

20

25

sagem.
CSIC,
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O MELHOR DO MUNDO
219

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LIBERDADE

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10

15

Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doura
Sem literatura.
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tam naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa.
Livros são papeis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quanto é melhor, quando ha bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

20

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são crianças,
Flores, musica, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.
iografia de Júlio
e Feitos de Júlio
omains», Lisboa,
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iça», pp. 15-48,
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m reais edições
o Pessoa, Men-

25

O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...
epígrafe: om.] (falta uma citação de Séneca) SN, At.2 (Falta uma citação de Sêneca)
7: doura] doira At., Ag.
13: pressa.] pressa... At., Ag.
21: são crianças,] são as crianças, At., Ag.

sagem. Poemas esotéricos, edição crítica coordenada por José Augusto Seabra, Madrid, Archivos/
CSIC, 1993, pp. 216-225, p. 220). No que diz respeito ao poema «Liberdade», as 2.a e
8.a edições em tudo coincidem com a primeira.
220

RAZÕES E EMOÇÃO

E eis-nos perante um problema permanente: será que não houve engano na decifração desta ou daquela palavra?
Apesar do aparato crítico sob o poema, é útil agora percorrer uma a
uma essas variantes da tradição, poucas mas importantes.
As edições anteriores trazem uma epígrafe —falta uma citação de Séneca—, entre parênteses e em itálico (na Aguilar, em redondo e com maiúscula). Neste caso idêntica à nossa foi a l.a edição da Ática, que também não
fixou a epígrafe, ao contrário do que depois ficaria nas edições da mesma
casa a partir de 1943. Quando nos detivermos na génese do poema, voltaremos ao assunto, mas adivinha-se que a frase constituía nota para posterior
substituição pela verdadeira epígrafe, alguma frase de Séneca que o poeta viesse
a lançar ainda, afigurando-se despropositado manter essa indicação no texto
crítico. Outro ponto que interessa reter, a variação entre primeira e posteriores edições da Ática.
No corpo do poema há três divergências, ou duas divergências e meia,
todas opondo lições da Ática e da Aguilar às nossa e da revista. Temos a
pontuação final do v. 13 (reticências contra o nosso ponto final) e, sobretudo, o memorável verso 21 — «Mas o melhor do mundo são as crianças»
(assim o fixam as anteriores edições em volume; e assim todos o recitam ou
lembram avulsamente) —, que na nossa edição sai sem o determinante
— Mas o melhor do mundo são crianças —, como ficou na Seara Nova e, ver-se-á, como sempre Pessoa o escreveu.
(Chamo a atenção para a sintaxe do verso seguinte, 22, um verso sem
a mesma fortuna de citações e que se porventura acompanhasse o outro
sempre invocado o tornaria menos liminar e, arrisco, menos popular. Trata-se da continuação do sujeito composto começado em «crianças», série que
mitigaria o superlativo que todos temos atribuído às crianças. Esse esbatimento da prevalência das crianças é ainda potenciado por não haver afinal artigo: crianças,  musica, o luar, e o sol, que peca ó quando, em
vez de criar, seca. Não é forçar a interpretação considerar que as crianças
ficam niveladas por flores, música, e perdem até para, esses com artigo, o
luar e o sol.)
Falta a terceira divergência, que anunciei como meia divergência porque
haverá quem a considere abrangida pela normalização gráfica: doirar em vez
do dourar primitivo. Não é porém a minha opinião, pois que a modernização da grafia não implicaria tal troca. O original dactiloscrito já usava ortografia das menos antiquadas, ou arcaizantes, que há em Pessoa: «biblioteca»,
«Cristo», «indistinta», «literatura», «crianças» — não bibliotheca, Christo, in-
O MELHOR DO MUNDO

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221

distincta, litteratura, creanças— e, sobretudo, «coisa», contra o costumado
cousa 5. E, como se sabe, dourar é forma pelo menos não menos convencionada
do que doirar è.
Desta tradição impressa mínima, a que alega ou admite leitura de originais — entenda-se, decisões de fixação que não relevem, secundariamente
portanto, de outras edições —, podíamos ainda retirar a edição Aguilar, que
parece ter-se limitado à leitura de Atiça. Pela Ática se guiaram também todas
as publicações do poema, quando não já pelo derivado da Aguilar ou por
fonte terciária. De resto, o texto é dos mais convocados para manuais escolares ou antologias de divulgação 7. Relanceando amostra destas publicações
escolares e para-escolares, vê-se que incluem a epígrafe, e por isso concluo
que seguem uma das edições pós-1943, por certo às vezes em segunda mão.
Cumpre analisar à parte uma publicação que tem particularidades da
rama de derivados da Atiça, via Aguilar ou não, porém conjugadas com variantes que não se vêem na restante tradição impressa. O livro em causa, que
adopta como título precisamente o verso famoso, apresenta ambiguidades de
ordem paratextual que o insinuam como fundado em fonte privilegiada, eventualmente em testemunhos do próprio poeta. Reporto-me a O melhor do
mundo são as crianças. Antologia de poemas e textos (Lisboa, Assírio & Alvim,
1998), de Manuela Nogueira, onde o poema «Liberdade» ocupa uma página
preliminar e tem funções de epígrafe. Na sua primeira parte o volume reúne
catorze textos do poeta considerados de temática infantil 8. Segue-se uma

5 Ver-se-á que há diferenças de ortografia entre os dois testemunhos no espólio, sendo mais moderna a do testemunho seguido na fixação. De qualquer modo, é doura que
está em ambos os testemunhos.
6 Cingimo-nos à ortografia, não estando em causa a questão da alternância ouloi na
pronúncia.
7 Na sua tese de mestrado, A antologia escolar no ensino do Português (Braga, Universidade do Minho, 1987), Maria Sousa Tavares elenca os textos frequentes em antologias do
7.° ano de escolaridade e do antigo 3.° ano liceal, de 1905 a 1979, e com relance depois
até 1985. Num dos cânones que colige, relativo aos períodos posteriores ao 25 de Abril de
74, «Liberdade» é o poema de Fernando Pessoa que os manuais mais seleccionam, e o 21.°
entre os textos de todos os autores (em publicação parcial: «A transmissão escolar dos valores literários. Os textos consagrados», Fátima Sequeira, Rui Vieira de Castro, Maria de
Lourdes Sousa (orgs.), O ensino-aprendizagem do português. Teorias e práticas, Braga, Universidade do Minho, 1989, pp. 91-124, a p. 118). Tenha-se em conta que os programas do
7.° ano de escolaridade, ao contrário do que acontece em outros níveis de ensino, nem
obrigam à leitura de textos de Pessoa.
8 Esta secção, pp. 9-29, sem nunca a citar usa bastante uma colectânea brasileira de
dez poemas «que Fernando Pessoa escreveu pensando nas crianças»: João Alves das Neves
O MELHOR DO MUNDO

221

distincta, litteratura, creanças — e, sobretudo, «coisa», contra o costumado
cousa 5. E, como se sabe, dourar é forma pelo menos não menos convencionada
do que doirar^.
Desta tradição impressa mínima, a que alega ou admite leitura de originais — entenda-se, decisões de fixação que não relevem, secundariamente
portanto, de outras edições —, podíamos ainda retirar a edição Aguilar, que
parece ter-se limitado à leitura de Ática. Pela Ática se guiaram também todas
as publicações do poema, quando não já pelo derivado da Aguilar ou por
fonte terciária. De resto, o texto é dos mais convocados para manuais escolares ou antologias de divulgação 7. Relanceando amostra destas publicações
escolares e para-escolares, vê-se que incluem a epígrafe, e por isso concluo
que seguem uma das edições pós-1943, por certo às vezes em segunda mão.
Cumpre analisar à parte uma publicação que tem particularidades da
rama de derivados da Ática, via Aguilar ou não, porém conjugadas com variantes que não se vêem na restante tradição impressa. O livro em causa, que
adopta como título precisamente o verso famoso, apresenta ambiguidades de
ordem paratextual que o insinuam como fundado em fonte privilegiada, eventualmente em testemunhos do próprio poeta. Reporto-me a O melhor do
mundo são as crianças. Antologia de poemas e textos (Lisboa, Assírio & Alvim,
1998), de Manuela Nogueira, onde o poema «Liberdade» ocupa uma página
preliminar e tem funções de epígrafe. Na sua primeira parte o volume reúne
catorze textos do poeta considerados de temática infantil 8. Segue-se uma

5 Ver-se-á que há diferenças de ortografia entre os dois testemunhos no espólio, sendo mais moderna a do testemunho seguido na fixação. De qualquer modo, é doura que
está em ambos os testemunhos.
6 Cingimo-nos à ortografia, não estando em causa a questão da alternância ouloi na
pronúncia.
7 Na sua tese de mestrado, A antologia escolar no ensino do Português (Braga, Universidade do Minho, 1987), Maria Sousa Tavares elenca os textos frequentes em antologias do
7.° ano de escolaridade e do antigo 3.° ano liceal, de 1905 a 1979, e com relance depois
até 1985. Num dos cânones que colige, relativo aos períodos posteriores ao 25 de Abril de
74, «Liberdade» é o poema de Fernando Pessoa que os manuais mais seleccionam, e o 21.°
entre os textos de todos os autores (em publicação parcial: «A transmissão escolar dos valores literários. Os textos consagrados», Fátima Sequeira, Rui Vieira de Castro, Maria de
Lourdes Sousa (orgs.), O ensino-aprendizagem do português. Teorias e práticas, Braga, Universidade do Minho, 1989, pp. 91-124, a p. 118). Tenha-se em conta que os programas do
7.° ano de escolaridade, ao contrário do que acontece em outros níveis de ensino, nem
obrigam à leitura de textos de Pessoa.
8 Esta secção, pp. 9-29, sem nunca a citar usa bastante uma colectânea brasileira de
dez poemas «que Fernando Pessoa escreveu pensando nas crianças»; João Alves das Neves
RAZÕES E EMOÇÃO

222

secção intitulada «O melhor do mundo...», explicitamente subscrita por
Manuela Nogueira, sobrinha do poeta, com memórias que a autora conserva
do tio, incluindo-se nos limites desta parte reproduções de alguns dos autógrafos dos textos na antologia e mais iconografia. «Liberdade» está no rosto
da folha a seguir ao frontispício, a p. 7, e todo em itálico. Há pouco não
incluí no rodapé do poema as variantes desta edição Assírio & Alvim:
5: maçada,] maçada.
7: doura] doira
8-9: faz espaço interestrófico

9: corre, bem ou mal,] corre bem ou mal,
13: pressa.] pressa...
21: são crianças,] são as crianças,

22: o luar, e o sol,] o luar e o sol,

Ou seja, não publica a falsa epígrafe e incorre nas restantes lições variantes
de Ática (w. 7, 13, 21), o que faria supor derivar da edição de 1942. Tenha-se
porém em conta as outras quatro variantes (w. 5, 8-9, 9, 22).
As três variantes de pontuação são lições que correspondem às do
dactiloscrito BN E3/118-54, testemunho A, que à frente descreveremos mas
que antecipo já ser anterior ao testemunho por que fixámos nós o texto, o
testemunho B. Indiciariam essas divergências que Manuela Nogueira consultou autógrafo no mesmo estado desse testemunho A; também a ausência da
nota-epígrafe concorda com isso. Mas entretanto nem em todos os lugares

(org.), Comboio, saudades, caracóis, desenhos de Cláudia Scatamacchia, São Paulo, FTD,
1988. (As informações a Alves das Neves as terá dado em grande parte Manuela Nogueira,
como a própria alega — «O Melhor do Mundo são as Crianças. Entrevista com Manuela
Nogueira», Extra Persona, 3, Nov/Dez de 1999, pp. 22-23, p. 22 — e, em matéria localizada, podemos nós perceber nas notas em Comboio. Ao aproveitarem-se as notas de Neves
em O melhor do mundo, a edição da Assírio usou de escrúpulo escolar ao fazer corresponder
ao discurso reportado do original brasileiro afirmações na l.a pessoa. Houve portanto auto-plágio, se assumirmos que os dados eram carreados pela sobrinha do poeta, acrescido de
um hetero-plágio, o da própria estruturação a que o entrevistador obrigara a entrevistada.)
Dez poemas transitam do livrinho de Alves das Neves: «À minha querida mamã» (Neves,
p. 5; Nogueira, p. 16); «Havia um menino» (p. 7; p. 17); «A íbis» (p. 9; p. 18); «O carro
de pau» (p. 11; p. 19); «Levava eu um jarrinho» (p. 13; p. 11); «Pia, pia, pia» (p. 15;
p. 12); «No comboio descendente» (p. 17; p. 13); «O soba de Bica» (p. 19; p. 20); «Poema
Piai» (p. 20; p. 21); «Saudades» (p. 23; p. 28). A esta dezena juntaram-se «Eros e Psique»
(p. 14), «Os Ratos» (p. 23), «A Fada das Crianças» (p. 25) e o único texto de prosa, «Era
uma vez um elfo» (p. 26; «texto inédito e inacabado que estava na posse da família»).
O MELHOR DO MUNDO

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18); «O carro
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Eros e Psique»
de prosa, «Era
família»).

223

de variação entre os testemunhos A e B o texto da Assírio & Alvim segue A
— prefere lições de B nos w. 2,3, 19 (para não referir a assinatura, inexistente
em A) —, situação a que se ajustaria o uso de um autógrafo que incorporasse algumas das modificações sofridas por A mas ainda anterior a B. (Parece
artificioso considerar que as três divergências de pontuação Ática-Assírio
independem da genealogia, explicando-se como erros introduzidos ou intervenções de editor: no verso 22 estaríamos perante uma lectio facilior — ter-se-ia estranhado a vírgula após a copulativa — e as diferenças nos w. 5 e 9
seriam lapsos de cópia que nem destoavam da má revisão de que padece
todo o livro.) Quanto ao espaço interestrófico discrepante inserido entre w.
8 e 9, não é possível justificá-lo com algum autógrafo. Tomo-o antes como
indício de que se leu por exemplar da Aguilar, já que nesta edição o v. 8
coincide com o final da página, o que a leitores menos avisados se afiguraria
fecho da estrofe.
Enfim, o texto na Assírio. & Alvim seguirá documento posterior ao
dactiloscrito A e anterior a B, mas a sua lição foi contaminada por consulta
de exemplar da Aguilar. Este cruzamento com o texto da casa fluminense
explicaria o espaço interestrófico a mais, bem como as variantes comuns a
Ática (w. 7, 13, 21). Implica isto admitir, por exemplo, um contexto de
revisão de provas em que, não se dispondo do testemunho até aí seguido, se
tomasse para guia a edição Aguilar. Não deixa de ser estranho que então só
se acolhesse parte da sugestão do novo original — o artigo antes de «crianças»; as reticências no v. 13; o falso espaço w. 8-9; a nova grafia para «doura» — e não se corrigissem as outras diferenças. Sem grande confiança, arrisco que as lições que o revisor acolhe, e as que mantém, talvez representem
em cada caso a solução mais «popular», mais comercial. Cenário que esta
estranheza ajuda a recuperar, mas que também não nos satisfaz: O melhor do
mundo são as crianças teria seguido apenas Aguilar e as três variantes que são
comuns ao testemunho A (w. 5, 9, 22) dever-se-iam ao acaso, vindas de
simples lapsos ou lectiones faciliores da Assírio & Alvim; a ausência da
mnemónica da citação de Séneca seria também intervenção, por sorte boa
(mas imposta pelo layout conveniente a uma página-epígrafe).

O autor j ã morto
Por pouco «Liberdade» não foi publicado antumamente. Ainda que escrito já no último ano de vida de Pessoa, fora o poema entregue para publicação na Seara Nova, a qual se supõe aconteceria ainda antes do 30 de No-
224

RAZÕES E EMOÇÃO

vembro de 35 se uma circunstância imponderada não tivesse sobrevindo.
A peripécia foi explicada por Pedro da Silveira, logo depois do 25 de Abril,
quando na Seara se publicaram quatro poemas de Pessoa anti-salazaristas
(«Sim, é o Estado Novo, e o povo», «António de Oliveira Salazar», «Este
senhor Salazar», «Coitadinho» 9):
Hoje, é finalmente possível revelar-se a esse respeito o que antes de
25 de Abril era de todo impossível. I I Pelo menos desde 1932, um dos
jovens amigos de café de F. Pessoa era Manuel Mendes. Foi a ele que o
poeta entregou o poema «Liberdade», acabado de passar à máquina, para
que, se assim o entendesse, e na Seara o quisessem, lá saísse. Quiseram;
mas o lápis do censor, ante a última estância (O mais do que isto l E
Jesus Cristo, l Que não sabia nada de finanças l Nem consta que tivesse
biblioteca...), embirrou com o terceiro verso dela: «... não sabia nada de
finanças». Entenderia o tropa que manejava o lápis que era uma alusão
a... Salazar. Só dois anos corridos outro censor deixou passar. 11 É esta a
história, sem dúvida edificante, de Fernando Pessoa ter sido um «seareiro»... póstumo («Nota adicional» a Jorge de Sena, «Quatro poemas
anti-salazaristas de Fernando Pessoa», Seara Nova, n.° 1545, Julho de
1974, p. 20) 10.

Não o informa Pedro da Silveira na nota da Seara, mas sabe-se que nos
arquivos da revista viu então a prova de granel do poema cortado pela Censura n
Subscrevendo o poema, tanto a publicação em 37 na Seara Nova como
os testemunhos dactiloscritos trazem a data de «Liberdade»: 16-3-1935. No
entanto, a restante tradição impressa não informa desta data 12. Depois de

9 Nomeio-os conforme ficaram editados em Poemas de Fernando Pessoa. 1934-1935,
onde são os textos n.° 308 (p. 221), 290 (p. 195), 291 (p. 196), 292 (p. 196).
10 A «nota adicional» não vem assinada, mas sabe-se ser de Pedro da Silveira; c£, por
exemplo, José Blanco, Fernando Pessoa. Esboço de uma bibliografia, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda/Centro de Estudos Pessoanos, 1983, p. 434.
11 João Rui de Sousa, «Fernando Pessoa e o Estado Novo», JL, jornal de letras, artes
e ideias, n.° 310, 14-6-1988, pp. 10-13, p. 13, n. 32, depreendendo-se a informação ter
sido prestada oralmente. Neste artigo já se transcrevia a «Nota adicional».
12 Na Ática não se anota no índice — e não vem sob o texto porque de qualquer
modo essa era regra estabelecida pelos organizadores — a data do original, o que não corresponde exactamente ao critério anunciado na nota explicativa de João Gaspar Simões e
Luiz de Montalvor: «Quási todas as poesias inéditas são datadas. As demais, à falta de data
própria, receberam a data da publicação onde viram a luz. Apenas porque nos pareceu
O MELHOR DO MUNDO

sobrevindo.
25 de Abril,
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1932, um dos
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2. Depois de

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196).
Silveira; cf., por
mprensa Nacioil de letras, artes
informação ter
[ue de qualquer
o que não coríaspar Simões e
, à falta de data
ue nos pareceu

225

escrita, passaram dois anos e meio quase exactos até que a poesia saísse na
Seara de 11 de Setembro de 1937 13.
Os quatro poemas anti-salazaristas são também do último ano de Pessoa: de 29 de Março, a normalmente referenciada como «sequência» ou «triplo poema» («António de Oliveira Salazar», «Este senhor Salazar», «Coitadinho»), e de rigorosos quatro meses depois, 29-7-1935, «Sim, é o Estado Novo,
e o povo». Pelo menos um deles, «António de Oliveira Salazar», teve voga
clandestina antes de, muito mais tarde do que «Liberdade», os quatro textos
conhecerem os prelos, ou as rotativas, em 1960 e no Brasil, a «tripla sequência», em Portugal e em 1974, todos l4.

graficamente recomendável, retirámos as datas do texto do livro, reservando-as para o índice» (p. 16). Se não pudéssemos acolher certo desvio ao que era estipulado na nota, ficaria
assim estabelecido que Ática usou como original algum autógrafo em que não houvesse
data sob o poema, como está nos testemunhos dactiloscritos que conhecemos. Além de que
na própria página da Seara Nova figura sob o poema a data de redacção.
13 Não a 2 de Setembro, como regista a Aguilar, p. 709, talvez por ler como romanos os números árabes da data do periódico.
14 A história da sua divulgação é contada na mesma nota: «[Quanto a 'António de
Oliveira Salazar'] ter circulado, em cópias dactilografadas, primeiro anonimamente, depois
já com a indicação de ser da autoria de Fernando Pessoa, não há a menor dúvida. Aconteceu do primeiro modo logo a partir de 1935, embora talvez quase só em Lisboa, e do
segundo pelo menos desde o período da campanha eleitoral de Humberto Delgado, em
1958. II A versão 'clandestina' é ligeiramente diferente da publicada agora por Jorge de
Sena: ou porque o poema teve de facto duas (ou mais) versões, ou então porque, copiado
e recopiado, foi sendo deturpado. O verso 5, nela, é assim: 'Salazar é apelido.'; o verso 6
diz: 'Até aqui está bem.'; entre este e o seguinte intercala-se outro: 'Tudo isto faz sentido.'
II Porque é a que se encontra no espólio de Pessoa, obviamente a editada por Jorge de Sena
é a que deve merecer maior fé. Contudo, não será que o verso a mais da outra não parece
realmente a mais, nem francamente apócrifo? II Acrescente-se que dois dos maiores amigos
de F. Pessoa nos últimos anos da sua vida, Gil Vaz e Rui Santos, guardaram de cor a
variante — versão clandestina — de que ora damos notícia. Passada a escrito pelo primeiro,
ela foi publicada, cerca de 1960, num semanário português de Caracas» ([Pedro da Silveira],
«Nota adicional» a Jorge de Sena, «Quatro poemas anti-salazaristas de Fernando Pessoa»,
Seara Nova, n.° 1545, Julho de 1974, p. 20). Também Alfredo Margarido testemunha a
prévia divulgação oral dos poemas «António de Oliveira Salazar», «Este senhor Salazar» e
«Coitadinho» nos círculos literários lisboetas: «Lembro-me de os ter ouvido — em anos já
distantes, mas provavelmente antes de 1954—, fosse na boca de Ruy Santos, fosse na de
Pedro da Silveira ou até na de Edmundo de Bettencourt» (introdução a: Fernando Pessoa,
Santo António, São João, São Pedro, Lisboa, A Regra do Jogo, 1986, pp. 9-90, p. 22). Em
«Fernando Pessoa e Jorge de Sena» (Persona, 5, Centro de Estudos Pessoanos, Porto, Abril
de 1981), Arnaldo Saraiva esmiuça episódios da divulgação do «triplo poema anti-salazarista»
226

RAZÕES E EMOÇÃO

Quando há referências a pessoas, locais, acontecimentos — como interpretar com segurança?
Aqueles quatro poemas é que serão propriamente anti-salazaristas, no
sentido de terem como referente sem dúvida Salazar ou o Estado Novo. Em
«Liberdade», a identificação do mesmo tópico não é clara. Pedro da Silveira,
assim se deduz das reticências antes de «Salazar», não parece acreditar no
escopo anti-salazarista para o nosso texto. Mas o mesmo Pedro da Silveira
narra como Manuel Mendes recordava os ditérios de Pessoa sobre o ditador,
orais também: «Manuel Mendes, que não viveu o bastante para pensar em
escrever um livro de memórias, falava de vez em quando das suas relações
com Fernando Pessoa. Não faltará quem se lembre muito bem dos ditos do
poeta sobre o ditador, que ele fixara e repetia» (p. 20). E, quanto ao próprio
«Liberdade», João Rui de Sousa, embora comece por admitir a ausência de
«mensagem política imediata ou visivelmente expressa», julga significativos
título e «conteúdo anarquizante, de contracultura e abertamente hedonista —
sentidos demasiado revulsivos numa época em que imperava [o] preconceito
da ordem» e acaba por considerar o poema «um texto de ataque directo à
ditadura de Salazar e da União Nacional» 15.
(Para bitola de interpretações correntes do poema, sirvam os dois artigos que a bibliografia de José Blanco aponta como consagrados à análise de
«Liberdade» l6. José Fernandes Fafe lê que Pessoa opõe «ao mundo da cultura, que subestima [...], o da natureza, que valoriza»; «o melhor: o 'natural'
— flores, luar, sol — e o que mais próximo está do 'natural' — as crianças,

bem como de «Sim, é o Estado Novo, e o povo». Em resumo: Jorge de Sena terá encontrado o manuscrito dos poemas no dia 4 de Junho de 1954. Revelou o «triplo poema»,
sem porém assinar essa edição, em O Estado de São Paulo de 20-8-1960; e já antes correria
ele clandestinamente. O triplo poema foi reproduzido em Nouvelles Etudes Luso-Brésiliennes
(10, Rennes, Université de Haute-Bretagne, 1973) e no Diário Popular de 6-6-1974 (e
depois em outros periódicos: A Província de Angola, 17-7-1974; Correio da Horta, 20-7-1974; Seara Nova, Julho de 1974). Entretanto, tendo sido o poema reproduzido no Comércio do Porto de 28-5-1974, por Joaquim Montezuma de Carvalho mas na ignorância de
que fora Sena que estivera na origem da publicação no Estado de São Paulo, Jorge de Sena
fez sair no Comércio de 19-7-1974 uma nota, intitulada «Os poemas de Fernando Pessoa
contra Salazar». O poema «Sim, é o Estado Novo, e o povo» Sena só o publicaria pela
primeira vez no Diário Popular, de 30-5-1974, pouco antes de no mesmo jornal repetir a
divulgação dos outros três poemas.
15 «Fernando Pessoa e o Estado Novo», pp. 12-13.
16 Fernando Pessoa. Esboço de uma bibliografia, p. 351.
O MELHOR DO MUNDO
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227

ainda não completamente pervertidas pela cultura, e a música, talvez por ser
a menos conceptual das artes»; segundo Fafe, porém, há «o reconhecimento
da ambiguidade da natureza, que tanto cria como mata»; por fim, cita a
última estrofe e interpreta que o natural é suplantado pelo sobrenatural, «que
omnisciente não precisa de cultura (livresca ou não) para nada», concluindo
tratar-se de poema anticultura e, ao mesmo tempo, «culto rendido ao 'natural' e a Jesus» 17. José Enes começa por se deter nos w. 1-6, que, assim
isolados, «não são apenas plebeus e prosaicos; são a expressão chata da atitude preguiçosa de um estudante cábula»; contudo, logo a partir do v. 7, o
texto adquire «poeticidade por meio da significação metafórica, por meio do
paradoxo e da evasão onírica, por meio da sobreposição de planos de significação, que projectam para dimensões transcendentes o sentido do poema,
por meio da ironia metafísica que põe entre parêntesis a realidade do que
afirma, por meio da progressiva intensificação emocional que se esquiva do
interesse de interferir no andamento das relações humanas, e finalmente por
meio do arranjo musical e sintático da frase»; conclui-se que «é possível,
portanto, fazer poesia lírica com prosaísmos»; recusa-se também a intenção
de sátira: «a atitude é de expressão intimista, pesarosa na tragicidade dos limites e embevecida na feitura» 18. Em nenhum dos artigos se alude ao escopo anti-salazarista.)
Lembro outros poemas de Pessoa com explícita menção de Salazar ou
de aparente oposição ao regime, datados ou datáveis de 1935, provavelmente
todos a partir da mesmo mês de Março de «Liberdade»: a quadra Salazar é
mealheiro — l Raparigas vinde vel-o — l Por fora barro vidrado,  dentro
coiro e cabelo, datável de Março de 1935 19; a sextilha Mata os piolhos maio-

17 José Fernandes Fafe, «Prazer e dever», Diário de Lisboa, n.° 16875, 12-12-1969,
suplemento ('Mesa Redonda'), pp. 1-10, p. 1. [À margem, para benefício de repertórios da
bibliografia de Maria Helena Mira Mateus: ladeia o artigo sobre «Liberdade» uma mesa-redonda, «Problemas actuais da linguística e da Universidade em França e no Mundo», em
que intervêm, além do entrevistado Georges Mounin, José Fernandes Fafe, Urbano Tavares
Rodrigues, José António Meireles e Maria Helena Mateus; o texto ocupa as pp. 6-9, está
ilustrado com fotografias de entrevistado e entrevistadores e continua nos números seguintes do suplemento, em 19-12-1969, pp. 5 e 10-11, e em 26-12-1969, pp. 9-11.]
18 José Enes, «Poetização dos prosaísmos», Rumo. Revista de problemas actuais, ano 6,
n.° 72, Fevereiro de 1963, pp. 132-134, p. 134.
19 Fernando Pessoa, Quadras, edição de Luís Prista, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa
da Moeda, 1997, texto n.° 359, p. 168. Os poemas em folhas de bloco Malhas César têm
datas sempre da segunda década de Março: 11, 17 e 18 de Março (Quadras, pp. 53 e 309;
1934-1935, p. 15).
RAZÕES E EMOÇÃO

228

rés  droga que tu dizes.  inda ha bichos peares.  lã se arranjas
veneno u grande ou médio e pequeno)  matar directrizes — em que
«directrizes» alude ao discurso que Salazar proferira a 21 de Fevereiro, na
ocasião da cerimónia dos prémios literários do Secretariado da Propaganda
Nacional —, datada de 4-4-1935 20; as três quintilhas «Á Emissora Nacional» — cujo assunto é a «'Salazar disse' Emissora», a que se recrimina estar
ao serviço do «chatazar» —, poema não datado mas se presume seja de
1935 21; um poema contra a aprovação da lei das associações secretas
— Solemnemente   approvado  toda a gente 
é, um a um, animal, l Na assembleia nacional  projecto do José Cabral é a
primeira estrofe; na estrofe seguinte há referência ao pulha austero e raro  em virtude de muito es

dente do conselho, terminando-se com o dístico Olhem, vão p'ra o Salazar e é a puta que os par

Dizem que o Jardim Zoológico  sido mais concorrido  prolongada
assistência  a cada animal.  isso que é senão lógico  acabou  concorrência  fechou  Assembleia Nac
também curto «Eu fallei no 'mar salgado'», sete versos cujo dístico final, na
rima, sugere o ditador — Faz-me sempre mal o sal  ando sobretudo com
azar—, datável de 1935, e provavelmente do segundo semestre2^; os cinco
quartetos de «Meu pobre Portugal» — de que a terceira estrofe talvez seja a
mais crítica: Meu pobre e magro povo l A quem deram, ás peças, m fato em
estado novo  que o não pareças!—, de 8-11-1935 25; o longo «Poema de

Poemas de Fernando Pessoa. 1934-1935, texto n.° 293, p. 197.
1934-1935, n.° 296, p. 198. A Emissora Nacional, criada em 29 de Julho de
1933 e com emissões experimentais em 34, teve os seus estúdios oficialmente inaugurados
em 4 de Agosto de 1935; data de finais de 34 o primeiro discurso de Salazar transmitido.
22 1934-1935, n.° 297, p. 199. Foi a 5 de Abril de 1935 que a Assembleia Nacional
aprovou o projecto de lei das associações secretas, o que justifica a datação que se propõe.
20

21

23

1934-1935, n.° 315, p. 228.

1934-1935, n.° 329, p. 244. O poema é datável de 1935 por serem deste ano, do
segundo semestre, todos os textos datados na agenda em que se encontra. Por outro lado,
o epigrama parece determinado por acusação de que na conhecida passagem do mar salgado em Mar Português Pessoa teria plagiado António Correia de Oliveira — este episódio
alegado não o consigo situar mas seria posterior à saída de Mensagem — embora as duas
estrofes de Mar Portuguez tivessem já saído, e junto de outros poemas depois também integrados em Mensagem, logo em 1922, na Contemporânea, 2 (4), de Outubro, e em 1933,
na Revolução, 2 (386), 16 de Junho.
24

25

1934-1935, n.° 333, p. 246.
O MELHOR DO MUNDO
ê lã se arranjas
izes — em que
: Fevereiro, na
da Propaganda
missora Naciorecrimina estar
esume seja de
iações secretas
'a a. gente l Que
José Cabral é a
austero e raro   hoje presi")'ra o Salazar l
nove versos de
Por prolongada
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8-8-1935 23; o
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;áo que se propõe.
:rem deste ano, do
•a. Por outro lado,
gem do mar salga•a — este episódio
— embora as duas
depois também intubro, e em 1933,

229

amor em estado novo» — doze quintilhas com investidas sobre várias instituições e emblemas do Estado Novo, terminando com a confissão irónica
Estou seguindo as directrizes o Professor Salazar—, de 8/9-11-1935 26.
Como se sabe e este relance a poemas também inculca, a revolta de Pessoa contra o Estado Novo radica em pelo menos um motivo — não se diz que
não houvesse outros —, o Projecto de Lei das associações secretas, que ilegalizava
a Maçonaria, apresentado pelo deputado José Cabral a 15 de Janeiro de 1935
e aprovado na Assembleia Nacional, por unanimidade, a 5 de Abril 27. A discussão nos jornais começou a 4 de Fevereiro com artigo de Pessoa no Diário
de Lisboa, «Associações Secretas», que teve logo réplicas nos dias seguintes, chegando a polémica até 14 de Março, sem que Pessoa nela voltasse a intervir 28.
A 21 de Fevereiro fora a sessão de entrega dos prémios literários no Secretariado da Propaganda Nacional e o discurso de Salazar com as «directrizes» contra que o poeta motejaria em alguns dos poemas 29. Lembre-se que um dos

26

1934-1935, n.° 334, p. 246.

27 Para cronologia e bibliografia das peças da polémica em torno da lei das associações
secretas: José Blanco, «Fernando Pessoa e as 'Associações Secretas' (o Artigo, a Polémica e os
Folhetos)», Gilda Santos, Jorge Fernandes da Silveira, Teresa Cristina Cerdeira da Silva (orgs.),
Cleonice, clara, em sua geração, Rio de Janeiro, Editora UFRJ, 1995, pp. 305-317.
28 Pessoa descreve assim o seu papel na polémica (em passo já citado por José Blanco,
«Fernando Pessoa e as 'Associações Secretas' (o Artigo, a Polémica e os Folhetos)», p. 306):
«Pela primeira vez na minha vida fabriquei uma bomba. Cerquei o seu dinamite de verdade com um envólucro de raciocínio; pus-lhe um rastilho de humorismo. Feita, atirei-a aos
opositores da Maçonaria. E o efeito foi não só retumbante mas milagroso. Perderam a
cabeça sem a ter» (fragmento do manuscrito 129-83-92, Da República (1910-1935), recolha
de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Morão, introdução e organização de Joel
Serrão, Lisboa, Ática, 1979, p. 419).
23 Como assinalou João Rui de Sousa, Fernando Pessoa, empregado de escritório, Lisboa, SITESE, 1985, n. 3, pp. 10-11, também a assinatura do tríptico constituído por «António de Oliveira Salazar», «Este senhor Salazar», «Coitadinho» — Um sonhador nostálgico
do abatimento e da decadência — retoma ironicamente um trecho do discurso de Salazar: «é
impossível valer socialmente tanto o que edifica como o que destrói, o que educa como o
que desmoraliza, os criadores de energias cívicas ou morais e os sonhadores nostálgicos do
abatimento e da decadência». Além das alusões implícitas, ao discurso se reportará Pessoa a
30 de Outubro, em carta incompleta e não enviada a Adolfo Casais Monteiro: «Desde o
discurso que o Salazar fez em 21 de Fevereiro deste anno, na distribuição de prémios no
Secretariado de Propaganda Nacional, ficámos sabendo, todos nós que escrevemos, que estava substituída a regra restrictiva da Censura, 'não se pôde dizer isto ou aquillo', pela regra
soviética do Poder, 'tem que se dizer aquillo ou isto'. Em palavras mais claras, tudo quanto
escrevermos, não só não tem que contrariar os princípios (cuja natureza ignoro) do Estado
Novo (cuja definição desconheço), mas tem que ser subordinado às directrizes traçadas pelos
230

RAZÕES E EMOÇÃO

concursos, o Prémio Antero de Quental, distinguira Mensagem, ao lado, ou
depois, de Romaria de Vasco Reis, mas Pessoa faltou à cerimónia. (Interessaria ponderar o contraste entre a fase, talvez de adesão ao regime, que vai até
inícios de 1935, e as posições contra o Estado Novo a partir de Fevereiro 30.)
Resumo a cronologia 31, que vai mostrando que não eram disparatadas
as intuições do censor, «Liberdade» surgindo como primeiro poema, dois dias

orientadores do citado Estado Novo. Isto quere dizer, supponho, que não poderá haver
legitimamente manifestação literária em Portugal que não inclua qualquer referencia ao
equilíbrio orçamental, à composição corporativa (também não sei o que seja) da sociedade
portugueza e a outras engrenagens na mesma espécie» (ES/ll^-Só; transcrição de Enrico
Martines, Cartas entre Fernando Pessoa e os directores da presença, Lisboa, INCM, 1998,
p. 282). E em outra carta não enviada, para Carmona: «Com efeito, na citada segunda
parte do citado Prefácio, parte essa de que o principal e essencial político foi dito ou tido
numa reunião pública, da entrega dos Prémios, no S. de P. N., diz-se aos escritores que
têm eles que obedecer a certas directrizes. Até aqui a Ditadura não tinha tido o impudor
de, renegando toda a verdadeira política do espírito — isto é, o de pôr o espirito acima da
política — vir intimar quem pensa a que pense pela cabeça do Estado, que a não tem, ou
de vir intimar quem trabalha a que trabalhe livremente como lhe mandam [variante: a que
trabalhe com a douta animalidade da Câmara Corporativa]» (E3/92M-28-33; transcrição
de Teresa Sobral Cunha, «Fernando Pessoa em 1935. Da ditadura e do ditador em dois
documentos inéditos», Colóquio-Letras, n.° 100, Novembro-Dezembro de 1987, pp. 123-131, p. 126); mais trechos no mesmo envelope 92M (ff. 43, 82, 81, 41, 42, 80), aparentemente para a carta a Carmona, foram publicados por Laurinda Bom e Margarida Duarte
em Pessoa Inédito (orientação, coordenação e prefácio de Teresa Rita Lopes, Lisboa, Horizonte, 1993), pp. 374-376.
30 Alfredo Margarido («Introdução», Santo António, São João, São Pedro) defende que
«possivelmente até aos primeiros meses de 1935, Fernando Pessoa foi um adepto convicto
da excelência do regime ditatorial, sobretudo após a irrupção do prof. Oliveira Salazar,
como Ministro das Finanças primeiro, como Presidente do Conselho de Ministros a partir
de 1932» (p. 11); 1934 teria sido «um ano de adesão não só ao salazarismo, mas também
às suas propostas estéticas», «a ruptura parece só começar a organizar-se em Fevereiro de
1935, a partir da apresentação na Assembleia Nacional do projecto de decreto-lei destinado
a proibir as associações secretas» (14).
31 O enquadramento cronológico do último ano de Pessoa foi traçado antes nos artigos de João Rui de Sousa, Teresa Sobral Cunha, Alfredo Margarido, aqui citados; no
catálogo Fernando Pessoa: o último ano, organização e coordenação de Teresa Sobral Cunha
e João Rui de Sousa, Lisboa, Biblioteca Nacional, 1985; no livro de José Fernandes Tavares,
Fernando Pessoa e as estratégias da razão política, Lisboa, Instituto Piaget, 1998, pp. 128-147; por João Medina, «Fernando Pessoa e o 'Tiraninho'. O poeta da Mensagem e o ditador António de Oliveira Salazar (1928-1935). Estudo e Antologia», Boca do Inferno. Revista
de Cultura e Pensamento, n.° 5, Maio de 2000, pp. 31-76; e por certo em mais trabalhos.
Na tábua que se segue a novidade estará apenas na inclusão de textos que só foram publicados, ou datados, na edição crítica de 2000.
O MELHOR DO MUNDO

231

isagem, ao lado, ou
rimónia. (Interessaregime, que vai até
tir de Fevereiro 30.)
1

eram disparatadas

•o poema, dois dias

]ue não poderá haver
|ualquer referencia ao
}ue seja) da sociedade
transcrição de Enrico
Jsboa, INCM, 1998,
:o, na citada segunda
lítico foi dito ou tido
-se aos escritores que
:inha tido o impudor
>r o espirito acima da
3, que a não tem, ou
idam [variante: a que
M-28-33; transcrição
do ditador em dois
í de 1987, pp. 12341, 42, 80), aparene Margarida Duarte
Lopes, Lisboa, Horio Pedro) defende que
um adepto convicto
of. Oliveira Salazar,
lê Ministros a partir
trismo, mas também
-se em Fevereiro de
decreto-lei destinado
raçado antes nos aro, aqui citados; no
'eresa Sobral Cunha
: Fernandes Tavares,
;et, 1998, pp. 128Mensagem e o ditaa. do Inferno. Revista
em mais trabalhos.
]ue só foram publi-

depois de encerrada a polémica. Seguem-se textos de feição epigramática,
aparecendo no fim do calendário os poemas mais generalizadores e disfóricos.
(Não incluí os dois quartetos de Vae pra o seminário 32, que creio relacionarem-se com a polémica da lei mas a ela se confinam, nem o extenso Elegia
na sombra 33, de 2 de Junho, de clara desilusão com Portugal mas sem que
se possa indicar nexos com a situação política.)
19 de Janeiro
4 de Fevereiro
21 de Fevereiro
14 de Março
16 de Março

E apresentado o projecto de lei das associações secretas
Fernando Pessoa publica o artigo «Associações Secretas»
Salazar discursa na sessão dos prémios do SNP
Artigo de Rolão Preto fecha a polémica na imprensa
Liberdade

segunda década de Março Salazar é mealheiro
29 de Março
António de Oliveira Salazar
29 de Março
Este senhor Salazar
29 de Março
Coitadinho
4 de Abril
Mata os piolhos maiores
5 de Abril
Discussão e aprovação do projecto de lei
depois de 5 de Abril
Solemnemente
[1935]
Á Emissora Nacional
29 de Julho
Sim, é o Estado Novo, e o povo
18 de Agosto
Dizem que o Jardim Zoológico
[segundo semestre]
Eu fallei no «mar salgado»
8 de Novembro
Meu pobre Portugal
8-9 de Novembro
Poema de amor em estado novo
30 de Novembro
Morre Fernando Pessoa

32 1934-1935, n.° 294, p. 197. Sem data, mas no verso de folha com ensaio de texto
integrável no «dossier» da polémica que Pessoa suscitara com o artigo de 4 de Fevereiro; o
epigrama é posterior ao rosto porque foi lançado quando a folha já estava dobrada.
33 1934-1935, n.° 300, p. 201. Sobre «Elegia na sombra» diz João Rui de Sousa que
«a sua principal característica é o dar-nos da realidade portuguesa de então uma imagem
extraordinariamente recessiva em relação a todos os aspectos do nosso ser colectivo» («Fernando Pessoa e o Estado Novo», p. 13). Em outro artigo («Sobre o significado de Elegia na
Sombra— o último longo poema de Fernando Pessoa», Colóquio-Letras, n.° 106, Novembro-Dezembro de 1988, pp. 17-25), explicita que «não deixando de continuar a ser um texto
de implacável indignação e protesto, pode também legitimamente entender-se como cântico
melancólico [...]» (24), «um dos textos mais acidulados e virulentos emergentes de uma
conjuntura pessoal de humilhação e de derrota, a que terão de juntar-se, naturalmente,
outras razões incluindo as de saúde, já de si bastante favoráveis ao avolumar do desalento,
ao adensar de uma visão mais e mais soturna do real» (22-23).
232

RAZÕES E EMOÇÃO
E se o autor propôs várias formas, qual devemos escolher?

Temos aludido a testemunhos autógrafos de «Liberdade» sem que os
descrevêssemos. São duas as peças que no espólio de Fernando Pessoa na
Biblioteca Nacional (BN E3) contêm o poema: as folhas 118-54 (doravante
testemunho A) e 118-55 (testemunho B). Em ambas o poema está dactiloscrito, no rosto, e com a data a subscrevê-lo.
O testemunho A está dactiloscrito a preto e tem ao canto superior direito, a lápis, nota da inventariadora, p. 246-247, que remete para a edição
Ática. O grupo que a partir de finais de 1969 procedeu à inventariação do
espólio 34 sempre que possível indicava nas folhas a correspondência aos volumes editados. Sendo 118-54 a primeira das duas peças cotada, foi ela que
recebeu a referência das páginas de Poesias, o que não envolve nenhuma identificação do original da Ática e portanto não tem interesse particular para os
nossos trabalhos.
O testemunho B está a azul, tendo sido obtido por dactilografia sob
papel de carbono. Ao contrário de A, tem alguns dizeres manuscritos pelo
punho de Pessoa, a lápis, todos no verso da folha, lançados quando esta já
estava dobrada em quatro partes: There is no reason l to suppose that I 
<w> worse e Quando essa typa t xarope a a cambalear p 'rã casa, frases inglesa e portuguesa em quartos diferentes. Também ao contrário do testemunho
A, a folha 118-55 traz assinatura, sob o poema, igualmente dactiloscrita.
Vale a pena destacar os modos diferentes como as duas folhas foram
dactilografadas. A folha A recebeu a tinta directamente da fita da máquina, e
não sabemos se quando foi dactilografada tinha sotopostas folhas para duplicado (talvez não, pois foi emendada após reajustamento na própria máquina
de escrever, operação que resultaria mal em eventuais duplicados). O testemunho B é uma cópia de carbono, o que implica a existência de mais um
exemplar — se calhar, dois — do mesmo tiposcrito. Essa folha dactiloscrita
a preto, a cor que se presume teria a fita, pode bem ter sido a entregue à
Seara 35. Como a tanto obriga o que se tem dito das versões A e B, não se
trata obviamente de textos dactilografados na mesma ocasião.

34 Sobre os trabalhos do grupo inicial e reformulações que este sofreu: Maria Laura
Nobre dos Santos, Alexandrina Cruz, Rosa Maria Montenegro Matos, Lídia Pimentel,
«A inventariação do espólio de Fernando Pessoa: tentativa de reconstituição», Revista da
Biblioteca Nacional, série 2, 3 (3), Setembro-Dezembro de 1988, pp. 199-213.
35 «Os poucos exemplos [de originais entregues para publicação] que estão no Espólio, e que referem à sua colaboração na presença, indicam que Fernando Pessoa mandava o
O MELHOR DO MUNDO

Folha

Textos anti-salazaristas que contém

92U-30

«Sim, é o Estado Novo, e o povo» (testemunho B)

92U-31
118-54

«António de Oliveira Salazar» (testemunho B);
«Este senhor Salazar» (testemunho B)
«Liberdade» (testemunho A)

118-55

«Liberdade» (testemunho B)

233

U

H II
mi

Nem aliás na mesma máquina. Como se vê no quadro a seguir, a forma
dos caracteres mostra que A e B são de diferentes máquinas de escrever.
Importava também cotejar os caracteres de outros documentos no espólio,
verificando as máquinas das restantes folhas com poemas anti-salazaristas.
Tendo analisado além dos testemunhos de «Liberdade» mais dois dactiloscritos
com poemas contra Salazar, constatei que a variedade de máquinas de escrever é grande, máxima mesmo na curta amostra 36.
São quatro máquinas diferentes para quatro folhas: 92U-31 distingue-se
das outras três folhas logo pelo <u>; 92U-30 tem <ç> que não é o mesmo
de 118-54 nem o de 118-55; quanto a 118-54 e 118-55, as folhas de «Liberdade», podemos contrastá-las pelo <g> ou pelo <t>. Se não soubéssemos
que Pessoa utilizava habitualmente várias máquinas de escrever 37, dir-se-ia
que o poeta acautelava perseguições policiais e procurava baralhar identificações por reconhecimento da dactilografia (como se fosse verosímil semelhante sofisticação das diligências da PVDE).

original dactilografado escrevendo no fundo, também à máquina, o nome do Autor a cuja
paternidade atribuía o poema (Fernando Pessoa na poesia ortónima), e guardava para si
cópia de carbono» (José Augusto Seabra, Maria Aliete Galhoz, «Nota filológica preliminar»,
Mensagem. Poemas esotéricos, pp. XLI-LIII, p. XLIX).
36 Na verdade, a amostra não podia ser muito mais completa. Além dos quatro
dactiloscritos analisados, só faltou pôr no quadro 92U-32 (onde estão o testemunho B de
«Coitadinho» e os testemunhos C de «António de Oliveira Salazar» e «Este senhor Salazar»),
de que não dispúnhamos de imagem com caracteres em condições (os que colhêramos quando
ainda não prevíramos este estudo ficaram quase ilegíveis por o dactiloscrito estar ele mesmo
pouco nítido). Os restantes anti-salazaristas são manuscritos.
37 O que ficou demonstrado a propósito da polémica à volta das memórias naturo-vegetarianistas de Eliezer Kamenezky. Cf. Ivo Castro, João Dionísio, José Nobre da Silveira,
Luís Prista, «.Eliezer. Ascensão e queda de um romance pessoano», Revista da Biblioteca
Nacional, série 2, 7 (1), 1992, pp. 75-136, pp. 78, 79, 89.
234

RAZÕES E EMOÇÃO

Para concluir a avaliação comparada de A e B, falta dizer que não oferece dúvidas ter A precedido B, porque, sendo em A conspícuo o trabalho
de elaboração ou revisão, o testemunho B adopta como ponto de partida o
último estado a que se chegara em A. Considerado esse in-put, B apenas
introduz variação em sinais de pontuação e na ortografia, o que plausivelmente corresponde a substituições no próprio momento da cópia.
A seguir transcrevem-se os versos de A e B onde em algum momento
houve variação relativamente ao texto fixado (isto é, a lição reproduzida no
início do artigo). Para abreviar o cotejo, dá-se a transcrição genética de A e
nela se marcam os acrescentos pontuais e as variantes ortográficas em B. Se
nada pusermos relativo a B, deve entender-se que a lição é idêntica à do último estado de A (mas limpa, como é óbvio, que o testemunho não iria repetir
as etapas de revisão ultrapassadas em A). Entre parênteses esquinados ficam os
segmentos riscados (cuja canceladura, também dactilografada, é conseguida por
sequência de xx); entre parênteses rectos, os acrescentos e substituições; entre as
barras /  letras que se sobreponham a outras, e entre angulares estas últimas.
ante l
2
4
5
6
9
12
13
14
15
16
19
21
22
23
25
26
27

A omite B (falta uma citação de Senecà)
A Não cumprir um dever! [B dever,]
A <E esquecer.> E não o fazer. [B fazer!]
A <Porque> <l>/Ler é maçada[B ,]
A <E> <e>/Estudar <não> é nada.
A O rio corre [B ,] bem ou mal [B ,]
A De tam naturalmente matinal [,]
A <Tem tam pouca pressa!> Como tem tempo não tem pressa.
A Livros são papeis pintados com <letras,> tinta.
A Estudar é uma coisa em que está indistincta<,> [B indistinta]
A Ã distincção [B distinção] entre nada e cousa nenhuma.
A Quer venha ou não. [B não!]
A <O melhor do mundo são crianças> Mas o melhor do mundo
são crianças,
A Flores, musica, o luar [B ,] e o sol, que pecca [B peca]
A Só quando, em vez de criar, secca [B seca].
A É Jesus Christo [B Cristo],
A Que não sab<o>/i nada de finanças
A Nem consta que tivesse bibliotheca. [B bibli<l>/oteca...]

Continuando a proceder ao contrário da cronologia, comentemos primeiro o testemunho B. Já se foi dizendo que B é um testemunho quase sem
O MELHOR DO MUNDO
[ue não ofei o trabalho
lê partida o
t, B apenas
ic plausivela.
n momento
"oduzida no
tica de A e
s em B. Se
:a à do últi> iria repetir
[os ficam os
iseguida por
5es; entre as
itas últimas.

pressa.
distinta]
ia.
do mundo

temos pnquase sem

235

trabalho genético. Deve ser a simples passagem a limpo de A acrescida da
marca autoral que são os retoques da pontuação. Como se disse, estas poucas
mudanças de pontuação, bem como a troca de ortografia, decorreram sem
emendas na folha, e só as evidencia o confronto do estado final de A com B.
Terão sido pensadas, quase espontaneamente lançadas, à medida que o poeta
ia dactilografando B a partir de A. (Não perderemos tempo com a hipótese
de um autógrafo intermédio, uma cópia de carbono de A com emendas
manuscritas, por considerarmos que tal campanha seria sempre insignificante.)
Neste contexto, em que se percebe não ter sido o dactiloscrito B sede
de demorada elaboração, mais se inculca o teor meramente funcional e provisório daquela «epígrafe» (a qual, repitamo-nos, não aparecia em A). Quanto ao resto, o testemunho não perde o grau de maturação que lhe confere
ser o autógrafo mais recente, integrando lições já trabalhadas em outra folha.
O termo «autógrafo» tomei-o na acepção arquivística de 'produzido pelo autor'
ainda que à máquina, mas vale lembrar que B tem igualmente o atestado da
autografia em sentido comum, devido aos dizeres manuscritos por Pessoa no
verso da folha. O testemunho B sai também valorado, se admitirmos que as
mudanças de grafia visavam conformar o poema ao estilo ortográfico corrente, assim preparando a sua publicação na Seara Nova.
Antes de vermos o outro testemunho, lembre-se que foi por este testemunho B que fixámos o texto, excepto no caso da linha ante l, em que
preferimos a lição, não-lição, de A, ou, o que dá no mesmo mas não é o
mesmo, preterimos uma lição de B por a julgarmos provisória e instrumental.
Para comentarmos agora a elaboração havida sobre o dactiloscrito A,
dividiremos os lugares de variação interna segundo correspondem a emendas
em «curso de escrita» (as introduzidas sem que o papel tenha sido retirado
do rolo da máquina, o que se vê de coincidirem os espaços de caracteres
«riscados» ou sobrepostos) e as que ocorreram por certo já depois de lançado
todo o poema (tendo sido o papel recolocado, como se conclui de os espaços
de letras substituintes apenas se aproximarem da matriz inicial). Desde já se
diga que não sabemos quanto tempo mediou entre uma e outra campanha —
mas a máquina, desta vez sim, é a mesma e a tinta não parece nem mais
forte nem mais fraca.
Ocorreram já na revisão depois de se ter retirado a folha da máquina a
desinteressante correcção do saboa para sabia (v. 26); a troca de Tem tam
pouca pressa! por Como tem tempo não tem pressa, (v. 13) e, requerido por esta
alteração, o acrescento da vírgula no v. 12; a supressão da vírgula que chegou a terminar o v. 15; a substituição de E estudar não é nada por Estudar é
nada (v. 6), tendo porém ficado esquecida a rectificação da pontuação no
236

RAZÕES E EMOÇÃO

verso anterior como implicava a nova sintaxe (a vírgula será acrescentada mas
já no testemunho B); o cancelamento de Porque (v. 5); a troca de E esquecer
por E não o fazer (v. 4).
Decorreu em curso de escrita o cancelamento de letras (v. 14), aparentemente preterido por tinta, a que se segue ponto e não a vírgula que se
previra antes da troca. No verso que mais nos importa, v. 21, também sem
que a folha saísse do rolo se passou de O melhor do mundo são crianças para
Mas o melhor do mundo são crianças. Quanto a «crianças», esteve sempre sem
artigo, como se vê sob os xx que cancelam toda a primeira versão — e note-se que, embora houvesse apenas a conjunção a acrescentar, todo o verso foi
de novo repetido, e sempre sem artigo. Só no segundo estado se vê a vírgula
após «crianças», o que significa que a reformulação do verso foi decidida não
só antes de tirada a folha como logo que acabava de ser escrito (ainda antes
da pontuação que o terminaria).

Serão significativos os erros, as evidentes trocas de um termo? Devemos mante-los ou corrigi-los?
O caso aqui é de novo a epígrafe ou, assim a temos julgado, a nota
erradamente tomada como epígrafe. Atrás vimos como «Liberdade» se inscreve na cronologia do Pessoa agastado com Salazar, deputados da Assembleia
Nacional, Estado Novo. Hesitou-se então quanto ao teor anti-salazarista de
«Liberdade», o texto avaliado como menos a contracorrente do que poemas
que se lhe seguem. A epígrafe que nos falta esclarecerá a índole de texto
empenhado. E por sua vez um episódio político esclarece a epígrafe.
Lembre-se o discurso de Salazar na entrega dos prémios literários do
Secretariado da Propaganda Nacional. Na verdade, quase todo o discurso
recuperava «algumas passagens do Prefácio agora escrito para a colecção dos
meus discursos. De entre todas, escrevi aquelas que pudessem exactamente
convencer de que, neste momento, não devia falar nem ficar calado» 38. Logo
no primeiro parágrafo se defende a imposição de «certas limitações» «à actividade mental e às produções da inteligência e sensibilidade dos portugueses»

38 Oliveira Salazar, «Palavras pronunciadas pelo sr. Doutor..., em 21 de Fevereiro de
1935 na sede do Secretariado da Propaganda Nacional, na primeira festa da distribuição
dos Prémios Literários criados por este organismo», António Ferro, Prémios literários (1934-1947), Lisboa, Edições SNI, 1950, pp. 9-13, p. 10.
O MELHOR DO MUNDO

entada mas
: E esquecer

4), aparen;ula que se
mbém sem
nanças para
;empre sem
— e noteo verso foi
ré a vírgula
:cidida não
ainda antes

237

e se diz conveniente traçar-lhes «algumas directrizes» 39, passo a que Pessoa
alude em poemas que citámos e em passagens de outros autógrafos mencionados. Creio que se tem reparado menos no parágrafo que fecha o discurso
de Salazar: «E, se por se generalizar este estado de consciência, se vier a escrever menos... Mas virá algum mal ao Mundo de se escrever menos, se se
escrever e, sobretudo, se se ler melhor? Relembro a frase de Séneca: 'em estantes altas até ao tecto, adornam o aposento do preguiçoso todos os arrazoados e crónicas'» 40.
Adivinha-se que em estantes altas até ao tecto, adornam o aposento do preguiçoso todos os arrazoados e crónicas, com o nome de Séneca a subscrevê-la,
seria a epígrafe em que pensava Pessoa, e «Liberdade» percebe-se agora como
glosa desse mote, desenvolvido de forma irónica. Por que motivo não chegou o poeta a dactilografar a citação? Talvez porque buscasse a exacta frase
em latim. Ou, porque quisesse Pessoa brincar com a erudição de Salazar,
«falta uma citação de Séneca» assumia a incapacidade de citar clássicos e era
portanto remoque a constar na publicação?

•mo? Deve-

do, a nota
» se inscreAssembleia
lazarista de
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cerários do
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tlecção dos
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3» 38. Logo
:s» «à actijrtugueses»

Fevereiro de
distribuição
•râríos (1934-

39 Oliveira Salazar, p. 10. Esse primeiro parágrafo do discurso está também copiado
por Pessoa no manuscrito 113P'-62: «'Os princípios morais e patrióticos que estão na base
deste movimento reformador impõem à actividade mental e às produções da <sensi> inteligência e sensibilidade dos portugueses certas limitações, e suponho deverem mesmo traçar-Ihes algumas directrizes.' II Oliveira Salazar, Discursos, pp. xx-xxi (trecho lido [pelo próprio
ao presidir] em 21 de Fevereiro de 1935 <na>[à] sessão de distribuição de Prémios Literários no Secretariado de Propaganda Nacional)»; a seguir, sempre a tinta preta, Pessoa copiou um dos períodos do penúltimo parágrafo do discurso: «'Neste momento histórico, em
que determinados objectivos foram propostos à vontade nacional, não há remédio senão
levar às últimas consequências as bases ideológicas sobre as quais se constró<e>/i novo
Portugal' (ibid. p. xxiv)». (O autógrafo fora já referido por Teresa Rita Lopes, «Sobre o
alcance da obra inédita e deste volume», Pessoa Inédito, pp. 17-71, p. 59.)
40 Oliveira Salazar, pp. 12-13. «Palavras pronunciadas pelo sr. Doutor..., em 21 de
Fevereiro de 1935 na sede do Secretariado da Propaganda Nacional, na primeira festa da
distribuição dos Prémios Literários criados por este organismo», António Ferro, Prémios
literários (1934-1947), Lisboa, Edições SNI, 1950, pp. 9-13, pp. 12-13. O texto publicado
como prefácio nos Discursos tem ligeiras divergências na apresentação da frase de Séneca: «E
se, por se generalizar tal estado de consciência, se vier a escrever menos... ^Mas virá algum
mal ao mundo de se escrever menos, se se escrever e sobretudo se se ler melhor? Hoje,
como na crítica de Séneca, 'em estantes altas até ao tecto, adornam o aposento do preguiçoso todos os arrazoados e crónicas'» (Oliveira Salazar, «Para servir de prefácio», Discursos.
1928-1934, Coimbra, Coimbra editora, 1935, pp. vii-xxxii, p. xxiv). O texto saído a 22 de
Fevereiro no Diário de Notícias — que vejo conforme é dado por Enrico Martines, p. 283 —
também apresenta algumas variantes igualmente irrelevantes.
238

RAZÕES E EMOÇÃO

Chegaria Pessoa a procurar o trecho latino em livros da sua biblioteca
pessoal? Na estante que foi do poeta e está hoje na Casa Fernando Pessoa há
três volumes com obras de Lúcio Aneu Séneca — os dois tomos de Seneca 's
tragedies (with an english translation by Frank Justus Miller, London-New York,
William Heinemann-G. P. Putnam's Sons, 1917) e um livro que inclui o
opúsculo Apocolocyntosis (with an english translation by W. H. D. Rouse;
London-New York, William Heinemann-G. P. Putnam's Sons, 1916; a primeira parte do volume é para Petrónio, com tradução de Michael Heseltine) —, nenhum com sublinhados ou notas por Pessoa. Também não seria
aí que podia encontrar a frase que interessava, a qual pertence ao diálogo De
tranquillitate animi (cap. 9, § 7): «Apud desidiosissimos ergo uidebis quidquid
orationum historiarumque est, tecto tenus exstructa loculamenta» 4l .
Acreditando que Pessoa apenas adiava a inscrição da epígrafe — porque
lhe faltasse o original latino ou até a precisa versão de Salazar, já que não se
trataria de estratégia de esconder da censura a referência mais explícita —,
supomos que ainda a iria lançar em provas. E nem sabemos se assim não
aconteceu efectivamente antes de 30 de Novembro. Bastaria que, quando da
publicação dois anos depois, a revista tivesse retomado o original dactiloscrito,
ou a composição tipográfica preliminar, sem o acrescento em provas.
Quanto aos outros erros, não causados pelo poeta mas instalados na
transmissão impressa (e, no caso do v. 21, na voz popular), não parece haver
a mesma dúvida de que se deve corrigi-los. Como, sejam ou não o melhor
do mundo, se faz às crianças. A crianças.

41 Agradeço ao Professor Doutor José António Segurado e Campos, a quem devo a
localização do original latino da frase traduzida por Salazar, aparentemente ad hoc traduzida,
não mera transcrição de algum impresso. Para o trecho de Séneca o Professor Segurado e
Campos propõe a seguinte tradução, o mais literal possível: 'em casa dos (sujeitos) mais
preguiçosos poderás ver (encontrar) tudo quanto há de discursos e de histórias (obras históricas) em prateleiras que se erguem até ao tecto'.

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O melhor do mundo são as crianças

  • 1. Nova, Livraria Almedina, n of Time in Portuguese», Universidade de Lisboa. rnitive Science, l, pp. 216versity Press, Idiaca, Nova i P. Tedeschi e A. Zaenen çct, Academic Press, Nova O MELHOR DO MUNDO NÃO SÁO AS CRIANÇAS Luís PRISTA [O autor] já morto, uma caligrafia quase ilegível, e eis-nos perante um problema permanente: será que não houve engano na decifração desta ou daquela palavra? E se o autor propôs várias formas, qual devemos escolher? Quando há referências a pessoas, locais, acontecimentos — como interpretar com segurança? Serão significativos os erros, as evidentes trocas de um termo? Devemos mante-los ou corrigi-los? Torna-se assim necessário conhecer, «estar por dentro» do estilo do autor, mas também do contexto cultural e político da época, da ortografia utilizada, quase diríamos, do modo de produzir literatura. MARIA HELENA MIRA MATEUS Na epígrafe a forma entre parênteses rectos é generalização minha, que o parágrafo explicitava o caso de Eça de Queirós, quando — era 1981 — todos tinham presente a polémica em torno da edição da Tragédia da Rua das Flores2. O exemplo de Eça abria o artigo, introduzindo as dificuldades 1 «Problemas linguísticos do texto literário», Palavras. Revista da Associação dos Professores de Português, 2/3, 1981, pp. 49-53, p. 49. 2 Quem quiser lembrá-la pode guiar-se pela revisão em Ernesto Rodrigues, «A Tragédia da Rua das Flores: confrontos», Cultura literária oitocentista, Porto, Lello, 1999, pp. 267-276.
  • 2. 218 RAZÕES E EMOÇÃO da fixação nas situações típicas da crítica textual moderna, para logo se realçarem os problemas postos à edição de textos antigos. Após este enquadramento, apresentava-se um trecho da Vida e Feitos de Júlio César, com que depois se ilustrariam os «problemas linguísticos do texto literário». Nessa leitura de passo da tradução portuguesa quatrocentista 3, Maria Helena Mira Mateus não só explicava as decisões tomadas quanto à actualização da ortografia, salientando o que deveria escapar à modernização gráfica por representar a pronúncia à época, como desenhava um claro retrato dos traços principais do português do século xv. Assumida a troca do romancista por termo genérico, tentarei eu escrutinar a citação. Segui-la-ei pergunta a pergunta, até confirmar o período final assertivo, e para isso recorrerei a um poema dos mais conhecidos de Pessoa, «Liberdade». Por ele começo, apresentando-o como o fixei em edição crítica recente (Poemas de Fernando Pessoa. 1934-1935, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2000) e pondo em rodapé as diferenças notadas na tradição impressa essencial (SN= «Um inédito de Fernando Pessoa», Seara Nova, n.° 526, 11 de Setembro de 1937, p. 427; At. = Fernando Pessoa, Poesias, nota explicativa de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor, Lisboa, Ática, 1942, pp. 246-247 [em expoente fica a menção da 2.a edição, de 1943, pp. 246-247, quando a lição discorde, nessa e nas seguintes, do primeiro texto da Ática]; Ag. = Fernando Pessoa, Obra Poética, organização, introdução e notas de Maria Aliete Dores Galhoz, Rio de Janeiro, José Aguilar, 1960 4), sem marcar as divergências por normalização da grafia. 3 Como se sabe, a tradução portuguesa do texto francês com a biografia de Júlio César foi objecto de edição crítica por Maria Helena Mira Mateus (Vida e Feitos de Júlio César. Edição crítica da tradução portuguesa quatrocentista de «Li fet dês romains», Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1970, 2 vols.). O trecho que na revista Palavras exemplificava os constrangimentos linguísticos da edição de textos antigos, do capítulo xv da terceira parte, foi retirado de antologia organizada para a colecção «Textos literários» (Vida e feitos de Júlio César. Tradução anónima quatrocentista da obra francesa do séc. xin, Li fet dês romains, apresentação crítica, selecção, glossário e notas de Maria Helena Mira Mateus, Lisboa, Seara Nova/Comunicação, 1980), com ortografia modernizada, «de modo a tornar a sua leitura fácil a não especialistas, sem no entanto introduzir alterações que pudessem modificar o que se considera que deveria ser a pronúncia da época» («Apresentação crítica», pp. 15-48, p. 42). 4 Outras edições da (José) Aguilar ou Nova Aguilar que verifiquei foram a 2.a (1965) e a 8.a (Nova Aguilar, 1981), as que Maria Aliete Galhoz considera também reais edições («A fortuna editorial pessoana e seus problemas: o caso da poesia», Fernando Pessoa, Men- 10 15 20 25 sagem. CSIC, 8.a edi
  • 3. O MELHOR DO MUNDO 219 ara logo se realaós este enquaCésar, com que ário». Nessa leiia Helena Mira lização da ortoifica por reprerato dos traços LIBERDADE rei eu escrutinar ) período final idos de Pessoa, crítica recente icional-Casa da •adição impresNova, n.° 526, ias, nota explitica, 1942, pp. pp. 246-247, -xto da Ática]; lotas de Maria ;em marcar as 10 15 Ai que prazer Não cumprir um dever, Ter um livro para ler E não o fazer! Ler é maçada, Estudar é nada. O sol doura Sem literatura. O rio corre, bem ou mal, Sem edição original. E a brisa, essa, De tam naturalmente matinal, Como tem tempo não tem pressa. Livros são papeis pintados com tinta. Estudar é uma coisa em que está indistinta A distinção entre nada e coisa nenhuma. Quanto é melhor, quando ha bruma, Esperar por D. Sebastião, Quer venha ou não! 20 Grande é a poesia, a bondade e as danças... Mas o melhor do mundo são crianças, Flores, musica, o luar, e o sol, que peca Só quando, em vez de criar, seca. iografia de Júlio e Feitos de Júlio omains», Lisboa, rãs exemplificava ) xv da terceira is» (Vida e feitos fet dês romains, ;us, Lisboa, Searnar a sua leituem modificar o iça», pp. 15-48, im a 2.a (1965) m reais edições o Pessoa, Men- 25 O mais do que isto É Jesus Cristo, Que não sabia nada de finanças Nem consta que tivesse biblioteca... epígrafe: om.] (falta uma citação de Séneca) SN, At.2 (Falta uma citação de Sêneca) 7: doura] doira At., Ag. 13: pressa.] pressa... At., Ag. 21: são crianças,] são as crianças, At., Ag. sagem. Poemas esotéricos, edição crítica coordenada por José Augusto Seabra, Madrid, Archivos/ CSIC, 1993, pp. 216-225, p. 220). No que diz respeito ao poema «Liberdade», as 2.a e 8.a edições em tudo coincidem com a primeira.
  • 4. 220 RAZÕES E EMOÇÃO E eis-nos perante um problema permanente: será que não houve engano na decifração desta ou daquela palavra? Apesar do aparato crítico sob o poema, é útil agora percorrer uma a uma essas variantes da tradição, poucas mas importantes. As edições anteriores trazem uma epígrafe —falta uma citação de Séneca—, entre parênteses e em itálico (na Aguilar, em redondo e com maiúscula). Neste caso idêntica à nossa foi a l.a edição da Ática, que também não fixou a epígrafe, ao contrário do que depois ficaria nas edições da mesma casa a partir de 1943. Quando nos detivermos na génese do poema, voltaremos ao assunto, mas adivinha-se que a frase constituía nota para posterior substituição pela verdadeira epígrafe, alguma frase de Séneca que o poeta viesse a lançar ainda, afigurando-se despropositado manter essa indicação no texto crítico. Outro ponto que interessa reter, a variação entre primeira e posteriores edições da Ática. No corpo do poema há três divergências, ou duas divergências e meia, todas opondo lições da Ática e da Aguilar às nossa e da revista. Temos a pontuação final do v. 13 (reticências contra o nosso ponto final) e, sobretudo, o memorável verso 21 — «Mas o melhor do mundo são as crianças» (assim o fixam as anteriores edições em volume; e assim todos o recitam ou lembram avulsamente) —, que na nossa edição sai sem o determinante — Mas o melhor do mundo são crianças —, como ficou na Seara Nova e, ver-se-á, como sempre Pessoa o escreveu. (Chamo a atenção para a sintaxe do verso seguinte, 22, um verso sem a mesma fortuna de citações e que se porventura acompanhasse o outro sempre invocado o tornaria menos liminar e, arrisco, menos popular. Trata-se da continuação do sujeito composto começado em «crianças», série que mitigaria o superlativo que todos temos atribuído às crianças. Esse esbatimento da prevalência das crianças é ainda potenciado por não haver afinal artigo: crianças, musica, o luar, e o sol, que peca ó quando, em vez de criar, seca. Não é forçar a interpretação considerar que as crianças ficam niveladas por flores, música, e perdem até para, esses com artigo, o luar e o sol.) Falta a terceira divergência, que anunciei como meia divergência porque haverá quem a considere abrangida pela normalização gráfica: doirar em vez do dourar primitivo. Não é porém a minha opinião, pois que a modernização da grafia não implicaria tal troca. O original dactiloscrito já usava ortografia das menos antiquadas, ou arcaizantes, que há em Pessoa: «biblioteca», «Cristo», «indistinta», «literatura», «crianças» — não bibliotheca, Christo, in-
  • 5. O MELHOR DO MUNDO houve enga- >rrer uma a :ão de Séne;om maiúsimbém não da mesma aã, voltarea posterior joeta viesse o no texto e posterioas e meia, Temos a :, sobretucrianças» ecitam ou :rminante wa e, verferso sem 0 outro ir. Tratasérie que sse esbalaver afianão, em crianças artigo, o 1 porque • em vez idernizava ortolioteca», isto, in- 221 distincta, litteratura, creanças— e, sobretudo, «coisa», contra o costumado cousa 5. E, como se sabe, dourar é forma pelo menos não menos convencionada do que doirar è. Desta tradição impressa mínima, a que alega ou admite leitura de originais — entenda-se, decisões de fixação que não relevem, secundariamente portanto, de outras edições —, podíamos ainda retirar a edição Aguilar, que parece ter-se limitado à leitura de Atiça. Pela Ática se guiaram também todas as publicações do poema, quando não já pelo derivado da Aguilar ou por fonte terciária. De resto, o texto é dos mais convocados para manuais escolares ou antologias de divulgação 7. Relanceando amostra destas publicações escolares e para-escolares, vê-se que incluem a epígrafe, e por isso concluo que seguem uma das edições pós-1943, por certo às vezes em segunda mão. Cumpre analisar à parte uma publicação que tem particularidades da rama de derivados da Atiça, via Aguilar ou não, porém conjugadas com variantes que não se vêem na restante tradição impressa. O livro em causa, que adopta como título precisamente o verso famoso, apresenta ambiguidades de ordem paratextual que o insinuam como fundado em fonte privilegiada, eventualmente em testemunhos do próprio poeta. Reporto-me a O melhor do mundo são as crianças. Antologia de poemas e textos (Lisboa, Assírio & Alvim, 1998), de Manuela Nogueira, onde o poema «Liberdade» ocupa uma página preliminar e tem funções de epígrafe. Na sua primeira parte o volume reúne catorze textos do poeta considerados de temática infantil 8. Segue-se uma 5 Ver-se-á que há diferenças de ortografia entre os dois testemunhos no espólio, sendo mais moderna a do testemunho seguido na fixação. De qualquer modo, é doura que está em ambos os testemunhos. 6 Cingimo-nos à ortografia, não estando em causa a questão da alternância ouloi na pronúncia. 7 Na sua tese de mestrado, A antologia escolar no ensino do Português (Braga, Universidade do Minho, 1987), Maria Sousa Tavares elenca os textos frequentes em antologias do 7.° ano de escolaridade e do antigo 3.° ano liceal, de 1905 a 1979, e com relance depois até 1985. Num dos cânones que colige, relativo aos períodos posteriores ao 25 de Abril de 74, «Liberdade» é o poema de Fernando Pessoa que os manuais mais seleccionam, e o 21.° entre os textos de todos os autores (em publicação parcial: «A transmissão escolar dos valores literários. Os textos consagrados», Fátima Sequeira, Rui Vieira de Castro, Maria de Lourdes Sousa (orgs.), O ensino-aprendizagem do português. Teorias e práticas, Braga, Universidade do Minho, 1989, pp. 91-124, a p. 118). Tenha-se em conta que os programas do 7.° ano de escolaridade, ao contrário do que acontece em outros níveis de ensino, nem obrigam à leitura de textos de Pessoa. 8 Esta secção, pp. 9-29, sem nunca a citar usa bastante uma colectânea brasileira de dez poemas «que Fernando Pessoa escreveu pensando nas crianças»: João Alves das Neves
  • 6. O MELHOR DO MUNDO 221 distincta, litteratura, creanças — e, sobretudo, «coisa», contra o costumado cousa 5. E, como se sabe, dourar é forma pelo menos não menos convencionada do que doirar^. Desta tradição impressa mínima, a que alega ou admite leitura de originais — entenda-se, decisões de fixação que não relevem, secundariamente portanto, de outras edições —, podíamos ainda retirar a edição Aguilar, que parece ter-se limitado à leitura de Ática. Pela Ática se guiaram também todas as publicações do poema, quando não já pelo derivado da Aguilar ou por fonte terciária. De resto, o texto é dos mais convocados para manuais escolares ou antologias de divulgação 7. Relanceando amostra destas publicações escolares e para-escolares, vê-se que incluem a epígrafe, e por isso concluo que seguem uma das edições pós-1943, por certo às vezes em segunda mão. Cumpre analisar à parte uma publicação que tem particularidades da rama de derivados da Ática, via Aguilar ou não, porém conjugadas com variantes que não se vêem na restante tradição impressa. O livro em causa, que adopta como título precisamente o verso famoso, apresenta ambiguidades de ordem paratextual que o insinuam como fundado em fonte privilegiada, eventualmente em testemunhos do próprio poeta. Reporto-me a O melhor do mundo são as crianças. Antologia de poemas e textos (Lisboa, Assírio & Alvim, 1998), de Manuela Nogueira, onde o poema «Liberdade» ocupa uma página preliminar e tem funções de epígrafe. Na sua primeira parte o volume reúne catorze textos do poeta considerados de temática infantil 8. Segue-se uma 5 Ver-se-á que há diferenças de ortografia entre os dois testemunhos no espólio, sendo mais moderna a do testemunho seguido na fixação. De qualquer modo, é doura que está em ambos os testemunhos. 6 Cingimo-nos à ortografia, não estando em causa a questão da alternância ouloi na pronúncia. 7 Na sua tese de mestrado, A antologia escolar no ensino do Português (Braga, Universidade do Minho, 1987), Maria Sousa Tavares elenca os textos frequentes em antologias do 7.° ano de escolaridade e do antigo 3.° ano liceal, de 1905 a 1979, e com relance depois até 1985. Num dos cânones que colige, relativo aos períodos posteriores ao 25 de Abril de 74, «Liberdade» é o poema de Fernando Pessoa que os manuais mais seleccionam, e o 21.° entre os textos de todos os autores (em publicação parcial: «A transmissão escolar dos valores literários. Os textos consagrados», Fátima Sequeira, Rui Vieira de Castro, Maria de Lourdes Sousa (orgs.), O ensino-aprendizagem do português. Teorias e práticas, Braga, Universidade do Minho, 1989, pp. 91-124, a p. 118). Tenha-se em conta que os programas do 7.° ano de escolaridade, ao contrário do que acontece em outros níveis de ensino, nem obrigam à leitura de textos de Pessoa. 8 Esta secção, pp. 9-29, sem nunca a citar usa bastante uma colectânea brasileira de dez poemas «que Fernando Pessoa escreveu pensando nas crianças»; João Alves das Neves
  • 7. RAZÕES E EMOÇÃO 222 secção intitulada «O melhor do mundo...», explicitamente subscrita por Manuela Nogueira, sobrinha do poeta, com memórias que a autora conserva do tio, incluindo-se nos limites desta parte reproduções de alguns dos autógrafos dos textos na antologia e mais iconografia. «Liberdade» está no rosto da folha a seguir ao frontispício, a p. 7, e todo em itálico. Há pouco não incluí no rodapé do poema as variantes desta edição Assírio & Alvim: 5: maçada,] maçada. 7: doura] doira 8-9: faz espaço interestrófico 9: corre, bem ou mal,] corre bem ou mal, 13: pressa.] pressa... 21: são crianças,] são as crianças, 22: o luar, e o sol,] o luar e o sol, Ou seja, não publica a falsa epígrafe e incorre nas restantes lições variantes de Ática (w. 7, 13, 21), o que faria supor derivar da edição de 1942. Tenha-se porém em conta as outras quatro variantes (w. 5, 8-9, 9, 22). As três variantes de pontuação são lições que correspondem às do dactiloscrito BN E3/118-54, testemunho A, que à frente descreveremos mas que antecipo já ser anterior ao testemunho por que fixámos nós o texto, o testemunho B. Indiciariam essas divergências que Manuela Nogueira consultou autógrafo no mesmo estado desse testemunho A; também a ausência da nota-epígrafe concorda com isso. Mas entretanto nem em todos os lugares (org.), Comboio, saudades, caracóis, desenhos de Cláudia Scatamacchia, São Paulo, FTD, 1988. (As informações a Alves das Neves as terá dado em grande parte Manuela Nogueira, como a própria alega — «O Melhor do Mundo são as Crianças. Entrevista com Manuela Nogueira», Extra Persona, 3, Nov/Dez de 1999, pp. 22-23, p. 22 — e, em matéria localizada, podemos nós perceber nas notas em Comboio. Ao aproveitarem-se as notas de Neves em O melhor do mundo, a edição da Assírio usou de escrúpulo escolar ao fazer corresponder ao discurso reportado do original brasileiro afirmações na l.a pessoa. Houve portanto auto-plágio, se assumirmos que os dados eram carreados pela sobrinha do poeta, acrescido de um hetero-plágio, o da própria estruturação a que o entrevistador obrigara a entrevistada.) Dez poemas transitam do livrinho de Alves das Neves: «À minha querida mamã» (Neves, p. 5; Nogueira, p. 16); «Havia um menino» (p. 7; p. 17); «A íbis» (p. 9; p. 18); «O carro de pau» (p. 11; p. 19); «Levava eu um jarrinho» (p. 13; p. 11); «Pia, pia, pia» (p. 15; p. 12); «No comboio descendente» (p. 17; p. 13); «O soba de Bica» (p. 19; p. 20); «Poema Piai» (p. 20; p. 21); «Saudades» (p. 23; p. 28). A esta dezena juntaram-se «Eros e Psique» (p. 14), «Os Ratos» (p. 23), «A Fada das Crianças» (p. 25) e o único texto de prosa, «Era uma vez um elfo» (p. 26; «texto inédito e inacabado que estava na posse da família»).
  • 8. O MELHOR DO MUNDO escrita por rã conserva ; dos autó:á no rosto pouco não dvim: es variantes 2. Tenha-se dem às do sremos mas ; o texto, o eira cônsulausência da s os lugares Paulo, FTD, xela Nogueira, com Manuela matéria localiotas de Neves r corresponder portanto autoi, acrescido de i entrevistada.) namã» (Neves, 18); «O carro i, pia» (p. 15; ). 20); «Poema Eros e Psique» de prosa, «Era família»). 223 de variação entre os testemunhos A e B o texto da Assírio & Alvim segue A — prefere lições de B nos w. 2,3, 19 (para não referir a assinatura, inexistente em A) —, situação a que se ajustaria o uso de um autógrafo que incorporasse algumas das modificações sofridas por A mas ainda anterior a B. (Parece artificioso considerar que as três divergências de pontuação Ática-Assírio independem da genealogia, explicando-se como erros introduzidos ou intervenções de editor: no verso 22 estaríamos perante uma lectio facilior — ter-se-ia estranhado a vírgula após a copulativa — e as diferenças nos w. 5 e 9 seriam lapsos de cópia que nem destoavam da má revisão de que padece todo o livro.) Quanto ao espaço interestrófico discrepante inserido entre w. 8 e 9, não é possível justificá-lo com algum autógrafo. Tomo-o antes como indício de que se leu por exemplar da Aguilar, já que nesta edição o v. 8 coincide com o final da página, o que a leitores menos avisados se afiguraria fecho da estrofe. Enfim, o texto na Assírio. & Alvim seguirá documento posterior ao dactiloscrito A e anterior a B, mas a sua lição foi contaminada por consulta de exemplar da Aguilar. Este cruzamento com o texto da casa fluminense explicaria o espaço interestrófico a mais, bem como as variantes comuns a Ática (w. 7, 13, 21). Implica isto admitir, por exemplo, um contexto de revisão de provas em que, não se dispondo do testemunho até aí seguido, se tomasse para guia a edição Aguilar. Não deixa de ser estranho que então só se acolhesse parte da sugestão do novo original — o artigo antes de «crianças»; as reticências no v. 13; o falso espaço w. 8-9; a nova grafia para «doura» — e não se corrigissem as outras diferenças. Sem grande confiança, arrisco que as lições que o revisor acolhe, e as que mantém, talvez representem em cada caso a solução mais «popular», mais comercial. Cenário que esta estranheza ajuda a recuperar, mas que também não nos satisfaz: O melhor do mundo são as crianças teria seguido apenas Aguilar e as três variantes que são comuns ao testemunho A (w. 5, 9, 22) dever-se-iam ao acaso, vindas de simples lapsos ou lectiones faciliores da Assírio & Alvim; a ausência da mnemónica da citação de Séneca seria também intervenção, por sorte boa (mas imposta pelo layout conveniente a uma página-epígrafe). O autor j ã morto Por pouco «Liberdade» não foi publicado antumamente. Ainda que escrito já no último ano de vida de Pessoa, fora o poema entregue para publicação na Seara Nova, a qual se supõe aconteceria ainda antes do 30 de No-
  • 9. 224 RAZÕES E EMOÇÃO vembro de 35 se uma circunstância imponderada não tivesse sobrevindo. A peripécia foi explicada por Pedro da Silveira, logo depois do 25 de Abril, quando na Seara se publicaram quatro poemas de Pessoa anti-salazaristas («Sim, é o Estado Novo, e o povo», «António de Oliveira Salazar», «Este senhor Salazar», «Coitadinho» 9): Hoje, é finalmente possível revelar-se a esse respeito o que antes de 25 de Abril era de todo impossível. I I Pelo menos desde 1932, um dos jovens amigos de café de F. Pessoa era Manuel Mendes. Foi a ele que o poeta entregou o poema «Liberdade», acabado de passar à máquina, para que, se assim o entendesse, e na Seara o quisessem, lá saísse. Quiseram; mas o lápis do censor, ante a última estância (O mais do que isto l E Jesus Cristo, l Que não sabia nada de finanças l Nem consta que tivesse biblioteca...), embirrou com o terceiro verso dela: «... não sabia nada de finanças». Entenderia o tropa que manejava o lápis que era uma alusão a... Salazar. Só dois anos corridos outro censor deixou passar. 11 É esta a história, sem dúvida edificante, de Fernando Pessoa ter sido um «seareiro»... póstumo («Nota adicional» a Jorge de Sena, «Quatro poemas anti-salazaristas de Fernando Pessoa», Seara Nova, n.° 1545, Julho de 1974, p. 20) 10. Não o informa Pedro da Silveira na nota da Seara, mas sabe-se que nos arquivos da revista viu então a prova de granel do poema cortado pela Censura n Subscrevendo o poema, tanto a publicação em 37 na Seara Nova como os testemunhos dactiloscritos trazem a data de «Liberdade»: 16-3-1935. No entanto, a restante tradição impressa não informa desta data 12. Depois de 9 Nomeio-os conforme ficaram editados em Poemas de Fernando Pessoa. 1934-1935, onde são os textos n.° 308 (p. 221), 290 (p. 195), 291 (p. 196), 292 (p. 196). 10 A «nota adicional» não vem assinada, mas sabe-se ser de Pedro da Silveira; c£, por exemplo, José Blanco, Fernando Pessoa. Esboço de uma bibliografia, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda/Centro de Estudos Pessoanos, 1983, p. 434. 11 João Rui de Sousa, «Fernando Pessoa e o Estado Novo», JL, jornal de letras, artes e ideias, n.° 310, 14-6-1988, pp. 10-13, p. 13, n. 32, depreendendo-se a informação ter sido prestada oralmente. Neste artigo já se transcrevia a «Nota adicional». 12 Na Ática não se anota no índice — e não vem sob o texto porque de qualquer modo essa era regra estabelecida pelos organizadores — a data do original, o que não corresponde exactamente ao critério anunciado na nota explicativa de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor: «Quási todas as poesias inéditas são datadas. As demais, à falta de data própria, receberam a data da publicação onde viram a luz. Apenas porque nos pareceu
  • 10. O MELHOR DO MUNDO sobrevindo. 25 de Abril, ti-salazaristas ilazar», «Este i que antes de 1932, um dos oi a ele que o náquina, para se. Quiseram; o que isto l E isto. que tivesse sabia nada de rã uma alusão sar. II É esta a sido um «sea'uatro poemas >45, Julho de e-se que nos do pela Cen^ Nova como .-3-1935. No 2. Depois de wa. 1934-1935, 196). Silveira; cf., por mprensa Nacioil de letras, artes informação ter [ue de qualquer o que não coríaspar Simões e , à falta de data ue nos pareceu 225 escrita, passaram dois anos e meio quase exactos até que a poesia saísse na Seara de 11 de Setembro de 1937 13. Os quatro poemas anti-salazaristas são também do último ano de Pessoa: de 29 de Março, a normalmente referenciada como «sequência» ou «triplo poema» («António de Oliveira Salazar», «Este senhor Salazar», «Coitadinho»), e de rigorosos quatro meses depois, 29-7-1935, «Sim, é o Estado Novo, e o povo». Pelo menos um deles, «António de Oliveira Salazar», teve voga clandestina antes de, muito mais tarde do que «Liberdade», os quatro textos conhecerem os prelos, ou as rotativas, em 1960 e no Brasil, a «tripla sequência», em Portugal e em 1974, todos l4. graficamente recomendável, retirámos as datas do texto do livro, reservando-as para o índice» (p. 16). Se não pudéssemos acolher certo desvio ao que era estipulado na nota, ficaria assim estabelecido que Ática usou como original algum autógrafo em que não houvesse data sob o poema, como está nos testemunhos dactiloscritos que conhecemos. Além de que na própria página da Seara Nova figura sob o poema a data de redacção. 13 Não a 2 de Setembro, como regista a Aguilar, p. 709, talvez por ler como romanos os números árabes da data do periódico. 14 A história da sua divulgação é contada na mesma nota: «[Quanto a 'António de Oliveira Salazar'] ter circulado, em cópias dactilografadas, primeiro anonimamente, depois já com a indicação de ser da autoria de Fernando Pessoa, não há a menor dúvida. Aconteceu do primeiro modo logo a partir de 1935, embora talvez quase só em Lisboa, e do segundo pelo menos desde o período da campanha eleitoral de Humberto Delgado, em 1958. II A versão 'clandestina' é ligeiramente diferente da publicada agora por Jorge de Sena: ou porque o poema teve de facto duas (ou mais) versões, ou então porque, copiado e recopiado, foi sendo deturpado. O verso 5, nela, é assim: 'Salazar é apelido.'; o verso 6 diz: 'Até aqui está bem.'; entre este e o seguinte intercala-se outro: 'Tudo isto faz sentido.' II Porque é a que se encontra no espólio de Pessoa, obviamente a editada por Jorge de Sena é a que deve merecer maior fé. Contudo, não será que o verso a mais da outra não parece realmente a mais, nem francamente apócrifo? II Acrescente-se que dois dos maiores amigos de F. Pessoa nos últimos anos da sua vida, Gil Vaz e Rui Santos, guardaram de cor a variante — versão clandestina — de que ora damos notícia. Passada a escrito pelo primeiro, ela foi publicada, cerca de 1960, num semanário português de Caracas» ([Pedro da Silveira], «Nota adicional» a Jorge de Sena, «Quatro poemas anti-salazaristas de Fernando Pessoa», Seara Nova, n.° 1545, Julho de 1974, p. 20). Também Alfredo Margarido testemunha a prévia divulgação oral dos poemas «António de Oliveira Salazar», «Este senhor Salazar» e «Coitadinho» nos círculos literários lisboetas: «Lembro-me de os ter ouvido — em anos já distantes, mas provavelmente antes de 1954—, fosse na boca de Ruy Santos, fosse na de Pedro da Silveira ou até na de Edmundo de Bettencourt» (introdução a: Fernando Pessoa, Santo António, São João, São Pedro, Lisboa, A Regra do Jogo, 1986, pp. 9-90, p. 22). Em «Fernando Pessoa e Jorge de Sena» (Persona, 5, Centro de Estudos Pessoanos, Porto, Abril de 1981), Arnaldo Saraiva esmiuça episódios da divulgação do «triplo poema anti-salazarista»
  • 11. 226 RAZÕES E EMOÇÃO Quando há referências a pessoas, locais, acontecimentos — como interpretar com segurança? Aqueles quatro poemas é que serão propriamente anti-salazaristas, no sentido de terem como referente sem dúvida Salazar ou o Estado Novo. Em «Liberdade», a identificação do mesmo tópico não é clara. Pedro da Silveira, assim se deduz das reticências antes de «Salazar», não parece acreditar no escopo anti-salazarista para o nosso texto. Mas o mesmo Pedro da Silveira narra como Manuel Mendes recordava os ditérios de Pessoa sobre o ditador, orais também: «Manuel Mendes, que não viveu o bastante para pensar em escrever um livro de memórias, falava de vez em quando das suas relações com Fernando Pessoa. Não faltará quem se lembre muito bem dos ditos do poeta sobre o ditador, que ele fixara e repetia» (p. 20). E, quanto ao próprio «Liberdade», João Rui de Sousa, embora comece por admitir a ausência de «mensagem política imediata ou visivelmente expressa», julga significativos título e «conteúdo anarquizante, de contracultura e abertamente hedonista — sentidos demasiado revulsivos numa época em que imperava [o] preconceito da ordem» e acaba por considerar o poema «um texto de ataque directo à ditadura de Salazar e da União Nacional» 15. (Para bitola de interpretações correntes do poema, sirvam os dois artigos que a bibliografia de José Blanco aponta como consagrados à análise de «Liberdade» l6. José Fernandes Fafe lê que Pessoa opõe «ao mundo da cultura, que subestima [...], o da natureza, que valoriza»; «o melhor: o 'natural' — flores, luar, sol — e o que mais próximo está do 'natural' — as crianças, bem como de «Sim, é o Estado Novo, e o povo». Em resumo: Jorge de Sena terá encontrado o manuscrito dos poemas no dia 4 de Junho de 1954. Revelou o «triplo poema», sem porém assinar essa edição, em O Estado de São Paulo de 20-8-1960; e já antes correria ele clandestinamente. O triplo poema foi reproduzido em Nouvelles Etudes Luso-Brésiliennes (10, Rennes, Université de Haute-Bretagne, 1973) e no Diário Popular de 6-6-1974 (e depois em outros periódicos: A Província de Angola, 17-7-1974; Correio da Horta, 20-7-1974; Seara Nova, Julho de 1974). Entretanto, tendo sido o poema reproduzido no Comércio do Porto de 28-5-1974, por Joaquim Montezuma de Carvalho mas na ignorância de que fora Sena que estivera na origem da publicação no Estado de São Paulo, Jorge de Sena fez sair no Comércio de 19-7-1974 uma nota, intitulada «Os poemas de Fernando Pessoa contra Salazar». O poema «Sim, é o Estado Novo, e o povo» Sena só o publicaria pela primeira vez no Diário Popular, de 30-5-1974, pouco antes de no mesmo jornal repetir a divulgação dos outros três poemas. 15 «Fernando Pessoa e o Estado Novo», pp. 12-13. 16 Fernando Pessoa. Esboço de uma bibliografia, p. 351.
  • 12. O MELHOR DO MUNDO foi — como in- -salazaristas, no :ado Novo. Em :dro da Silveira, cê acreditar no :dro da Silveira ;obre o ditador, para pensar em as suas relações m dos ditos do anto ao próprio r a ausência de *a significativos ite hedonista — i [o] preconceito itaque directo à im os dois artidos à análise de lundo da cultuIhor: o 'natural' i' — as crianças, e Sena terá encono «triplo poema», ; e já antes correria dês Luso-Brésiliennes 'ar de 6-6-1974 (e •io da Horta, 20-7eproduzido no Côas na ignorância de aulo, Jorge de Sena lê Fernando Pessoa ó o publicaria pela mo jornal repetir a 227 ainda não completamente pervertidas pela cultura, e a música, talvez por ser a menos conceptual das artes»; segundo Fafe, porém, há «o reconhecimento da ambiguidade da natureza, que tanto cria como mata»; por fim, cita a última estrofe e interpreta que o natural é suplantado pelo sobrenatural, «que omnisciente não precisa de cultura (livresca ou não) para nada», concluindo tratar-se de poema anticultura e, ao mesmo tempo, «culto rendido ao 'natural' e a Jesus» 17. José Enes começa por se deter nos w. 1-6, que, assim isolados, «não são apenas plebeus e prosaicos; são a expressão chata da atitude preguiçosa de um estudante cábula»; contudo, logo a partir do v. 7, o texto adquire «poeticidade por meio da significação metafórica, por meio do paradoxo e da evasão onírica, por meio da sobreposição de planos de significação, que projectam para dimensões transcendentes o sentido do poema, por meio da ironia metafísica que põe entre parêntesis a realidade do que afirma, por meio da progressiva intensificação emocional que se esquiva do interesse de interferir no andamento das relações humanas, e finalmente por meio do arranjo musical e sintático da frase»; conclui-se que «é possível, portanto, fazer poesia lírica com prosaísmos»; recusa-se também a intenção de sátira: «a atitude é de expressão intimista, pesarosa na tragicidade dos limites e embevecida na feitura» 18. Em nenhum dos artigos se alude ao escopo anti-salazarista.) Lembro outros poemas de Pessoa com explícita menção de Salazar ou de aparente oposição ao regime, datados ou datáveis de 1935, provavelmente todos a partir da mesmo mês de Março de «Liberdade»: a quadra Salazar é mealheiro — l Raparigas vinde vel-o — l Por fora barro vidrado, dentro coiro e cabelo, datável de Março de 1935 19; a sextilha Mata os piolhos maio- 17 José Fernandes Fafe, «Prazer e dever», Diário de Lisboa, n.° 16875, 12-12-1969, suplemento ('Mesa Redonda'), pp. 1-10, p. 1. [À margem, para benefício de repertórios da bibliografia de Maria Helena Mira Mateus: ladeia o artigo sobre «Liberdade» uma mesa-redonda, «Problemas actuais da linguística e da Universidade em França e no Mundo», em que intervêm, além do entrevistado Georges Mounin, José Fernandes Fafe, Urbano Tavares Rodrigues, José António Meireles e Maria Helena Mateus; o texto ocupa as pp. 6-9, está ilustrado com fotografias de entrevistado e entrevistadores e continua nos números seguintes do suplemento, em 19-12-1969, pp. 5 e 10-11, e em 26-12-1969, pp. 9-11.] 18 José Enes, «Poetização dos prosaísmos», Rumo. Revista de problemas actuais, ano 6, n.° 72, Fevereiro de 1963, pp. 132-134, p. 134. 19 Fernando Pessoa, Quadras, edição de Luís Prista, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1997, texto n.° 359, p. 168. Os poemas em folhas de bloco Malhas César têm datas sempre da segunda década de Março: 11, 17 e 18 de Março (Quadras, pp. 53 e 309; 1934-1935, p. 15).
  • 13. RAZÕES E EMOÇÃO 228 rés droga que tu dizes. inda ha bichos peares. lã se arranjas veneno u grande ou médio e pequeno) matar directrizes — em que «directrizes» alude ao discurso que Salazar proferira a 21 de Fevereiro, na ocasião da cerimónia dos prémios literários do Secretariado da Propaganda Nacional —, datada de 4-4-1935 20; as três quintilhas «Á Emissora Nacional» — cujo assunto é a «'Salazar disse' Emissora», a que se recrimina estar ao serviço do «chatazar» —, poema não datado mas se presume seja de 1935 21; um poema contra a aprovação da lei das associações secretas — Solemnemente approvado toda a gente é, um a um, animal, l Na assembleia nacional projecto do José Cabral é a primeira estrofe; na estrofe seguinte há referência ao pulha austero e raro em virtude de muito es dente do conselho, terminando-se com o dístico Olhem, vão p'ra o Salazar e é a puta que os par Dizem que o Jardim Zoológico sido mais concorrido prolongada assistência a cada animal. isso que é senão lógico acabou concorrência fechou Assembleia Nac também curto «Eu fallei no 'mar salgado'», sete versos cujo dístico final, na rima, sugere o ditador — Faz-me sempre mal o sal ando sobretudo com azar—, datável de 1935, e provavelmente do segundo semestre2^; os cinco quartetos de «Meu pobre Portugal» — de que a terceira estrofe talvez seja a mais crítica: Meu pobre e magro povo l A quem deram, ás peças, m fato em estado novo que o não pareças!—, de 8-11-1935 25; o longo «Poema de Poemas de Fernando Pessoa. 1934-1935, texto n.° 293, p. 197. 1934-1935, n.° 296, p. 198. A Emissora Nacional, criada em 29 de Julho de 1933 e com emissões experimentais em 34, teve os seus estúdios oficialmente inaugurados em 4 de Agosto de 1935; data de finais de 34 o primeiro discurso de Salazar transmitido. 22 1934-1935, n.° 297, p. 199. Foi a 5 de Abril de 1935 que a Assembleia Nacional aprovou o projecto de lei das associações secretas, o que justifica a datação que se propõe. 20 21 23 1934-1935, n.° 315, p. 228. 1934-1935, n.° 329, p. 244. O poema é datável de 1935 por serem deste ano, do segundo semestre, todos os textos datados na agenda em que se encontra. Por outro lado, o epigrama parece determinado por acusação de que na conhecida passagem do mar salgado em Mar Português Pessoa teria plagiado António Correia de Oliveira — este episódio alegado não o consigo situar mas seria posterior à saída de Mensagem — embora as duas estrofes de Mar Portuguez tivessem já saído, e junto de outros poemas depois também integrados em Mensagem, logo em 1922, na Contemporânea, 2 (4), de Outubro, e em 1933, na Revolução, 2 (386), 16 de Junho. 24 25 1934-1935, n.° 333, p. 246.
  • 14. O MELHOR DO MUNDO ê lã se arranjas izes — em que : Fevereiro, na da Propaganda missora Naciorecrimina estar esume seja de iações secretas 'a a. gente l Que José Cabral é a austero e raro hoje presi")'ra o Salazar l nove versos de Por prolongada 10 acabou l 8-8-1935 23; o iístico final, na ^ sobretudo com ;tre 24; os cinco )fe talvez seja a s, l Um fato em ngo «Poema de i 29 de Julho de nente inaugurados alazar transmitido. ;sembleia Nacional ;áo que se propõe. :rem deste ano, do •a. Por outro lado, gem do mar salga•a — este episódio — embora as duas depois também intubro, e em 1933, 229 amor em estado novo» — doze quintilhas com investidas sobre várias instituições e emblemas do Estado Novo, terminando com a confissão irónica Estou seguindo as directrizes o Professor Salazar—, de 8/9-11-1935 26. Como se sabe e este relance a poemas também inculca, a revolta de Pessoa contra o Estado Novo radica em pelo menos um motivo — não se diz que não houvesse outros —, o Projecto de Lei das associações secretas, que ilegalizava a Maçonaria, apresentado pelo deputado José Cabral a 15 de Janeiro de 1935 e aprovado na Assembleia Nacional, por unanimidade, a 5 de Abril 27. A discussão nos jornais começou a 4 de Fevereiro com artigo de Pessoa no Diário de Lisboa, «Associações Secretas», que teve logo réplicas nos dias seguintes, chegando a polémica até 14 de Março, sem que Pessoa nela voltasse a intervir 28. A 21 de Fevereiro fora a sessão de entrega dos prémios literários no Secretariado da Propaganda Nacional e o discurso de Salazar com as «directrizes» contra que o poeta motejaria em alguns dos poemas 29. Lembre-se que um dos 26 1934-1935, n.° 334, p. 246. 27 Para cronologia e bibliografia das peças da polémica em torno da lei das associações secretas: José Blanco, «Fernando Pessoa e as 'Associações Secretas' (o Artigo, a Polémica e os Folhetos)», Gilda Santos, Jorge Fernandes da Silveira, Teresa Cristina Cerdeira da Silva (orgs.), Cleonice, clara, em sua geração, Rio de Janeiro, Editora UFRJ, 1995, pp. 305-317. 28 Pessoa descreve assim o seu papel na polémica (em passo já citado por José Blanco, «Fernando Pessoa e as 'Associações Secretas' (o Artigo, a Polémica e os Folhetos)», p. 306): «Pela primeira vez na minha vida fabriquei uma bomba. Cerquei o seu dinamite de verdade com um envólucro de raciocínio; pus-lhe um rastilho de humorismo. Feita, atirei-a aos opositores da Maçonaria. E o efeito foi não só retumbante mas milagroso. Perderam a cabeça sem a ter» (fragmento do manuscrito 129-83-92, Da República (1910-1935), recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Morão, introdução e organização de Joel Serrão, Lisboa, Ática, 1979, p. 419). 23 Como assinalou João Rui de Sousa, Fernando Pessoa, empregado de escritório, Lisboa, SITESE, 1985, n. 3, pp. 10-11, também a assinatura do tríptico constituído por «António de Oliveira Salazar», «Este senhor Salazar», «Coitadinho» — Um sonhador nostálgico do abatimento e da decadência — retoma ironicamente um trecho do discurso de Salazar: «é impossível valer socialmente tanto o que edifica como o que destrói, o que educa como o que desmoraliza, os criadores de energias cívicas ou morais e os sonhadores nostálgicos do abatimento e da decadência». Além das alusões implícitas, ao discurso se reportará Pessoa a 30 de Outubro, em carta incompleta e não enviada a Adolfo Casais Monteiro: «Desde o discurso que o Salazar fez em 21 de Fevereiro deste anno, na distribuição de prémios no Secretariado de Propaganda Nacional, ficámos sabendo, todos nós que escrevemos, que estava substituída a regra restrictiva da Censura, 'não se pôde dizer isto ou aquillo', pela regra soviética do Poder, 'tem que se dizer aquillo ou isto'. Em palavras mais claras, tudo quanto escrevermos, não só não tem que contrariar os princípios (cuja natureza ignoro) do Estado Novo (cuja definição desconheço), mas tem que ser subordinado às directrizes traçadas pelos
  • 15. 230 RAZÕES E EMOÇÃO concursos, o Prémio Antero de Quental, distinguira Mensagem, ao lado, ou depois, de Romaria de Vasco Reis, mas Pessoa faltou à cerimónia. (Interessaria ponderar o contraste entre a fase, talvez de adesão ao regime, que vai até inícios de 1935, e as posições contra o Estado Novo a partir de Fevereiro 30.) Resumo a cronologia 31, que vai mostrando que não eram disparatadas as intuições do censor, «Liberdade» surgindo como primeiro poema, dois dias orientadores do citado Estado Novo. Isto quere dizer, supponho, que não poderá haver legitimamente manifestação literária em Portugal que não inclua qualquer referencia ao equilíbrio orçamental, à composição corporativa (também não sei o que seja) da sociedade portugueza e a outras engrenagens na mesma espécie» (ES/ll^-Só; transcrição de Enrico Martines, Cartas entre Fernando Pessoa e os directores da presença, Lisboa, INCM, 1998, p. 282). E em outra carta não enviada, para Carmona: «Com efeito, na citada segunda parte do citado Prefácio, parte essa de que o principal e essencial político foi dito ou tido numa reunião pública, da entrega dos Prémios, no S. de P. N., diz-se aos escritores que têm eles que obedecer a certas directrizes. Até aqui a Ditadura não tinha tido o impudor de, renegando toda a verdadeira política do espírito — isto é, o de pôr o espirito acima da política — vir intimar quem pensa a que pense pela cabeça do Estado, que a não tem, ou de vir intimar quem trabalha a que trabalhe livremente como lhe mandam [variante: a que trabalhe com a douta animalidade da Câmara Corporativa]» (E3/92M-28-33; transcrição de Teresa Sobral Cunha, «Fernando Pessoa em 1935. Da ditadura e do ditador em dois documentos inéditos», Colóquio-Letras, n.° 100, Novembro-Dezembro de 1987, pp. 123-131, p. 126); mais trechos no mesmo envelope 92M (ff. 43, 82, 81, 41, 42, 80), aparentemente para a carta a Carmona, foram publicados por Laurinda Bom e Margarida Duarte em Pessoa Inédito (orientação, coordenação e prefácio de Teresa Rita Lopes, Lisboa, Horizonte, 1993), pp. 374-376. 30 Alfredo Margarido («Introdução», Santo António, São João, São Pedro) defende que «possivelmente até aos primeiros meses de 1935, Fernando Pessoa foi um adepto convicto da excelência do regime ditatorial, sobretudo após a irrupção do prof. Oliveira Salazar, como Ministro das Finanças primeiro, como Presidente do Conselho de Ministros a partir de 1932» (p. 11); 1934 teria sido «um ano de adesão não só ao salazarismo, mas também às suas propostas estéticas», «a ruptura parece só começar a organizar-se em Fevereiro de 1935, a partir da apresentação na Assembleia Nacional do projecto de decreto-lei destinado a proibir as associações secretas» (14). 31 O enquadramento cronológico do último ano de Pessoa foi traçado antes nos artigos de João Rui de Sousa, Teresa Sobral Cunha, Alfredo Margarido, aqui citados; no catálogo Fernando Pessoa: o último ano, organização e coordenação de Teresa Sobral Cunha e João Rui de Sousa, Lisboa, Biblioteca Nacional, 1985; no livro de José Fernandes Tavares, Fernando Pessoa e as estratégias da razão política, Lisboa, Instituto Piaget, 1998, pp. 128-147; por João Medina, «Fernando Pessoa e o 'Tiraninho'. O poeta da Mensagem e o ditador António de Oliveira Salazar (1928-1935). Estudo e Antologia», Boca do Inferno. Revista de Cultura e Pensamento, n.° 5, Maio de 2000, pp. 31-76; e por certo em mais trabalhos. Na tábua que se segue a novidade estará apenas na inclusão de textos que só foram publicados, ou datados, na edição crítica de 2000.
  • 16. O MELHOR DO MUNDO 231 isagem, ao lado, ou rimónia. (Interessaregime, que vai até tir de Fevereiro 30.) 1 eram disparatadas •o poema, dois dias ]ue não poderá haver |ualquer referencia ao }ue seja) da sociedade transcrição de Enrico Jsboa, INCM, 1998, :o, na citada segunda lítico foi dito ou tido -se aos escritores que :inha tido o impudor >r o espirito acima da 3, que a não tem, ou idam [variante: a que M-28-33; transcrição do ditador em dois í de 1987, pp. 12341, 42, 80), aparene Margarida Duarte Lopes, Lisboa, Horio Pedro) defende que um adepto convicto of. Oliveira Salazar, lê Ministros a partir trismo, mas também -se em Fevereiro de decreto-lei destinado raçado antes nos aro, aqui citados; no 'eresa Sobral Cunha : Fernandes Tavares, ;et, 1998, pp. 128Mensagem e o ditaa. do Inferno. Revista em mais trabalhos. ]ue só foram publi- depois de encerrada a polémica. Seguem-se textos de feição epigramática, aparecendo no fim do calendário os poemas mais generalizadores e disfóricos. (Não incluí os dois quartetos de Vae pra o seminário 32, que creio relacionarem-se com a polémica da lei mas a ela se confinam, nem o extenso Elegia na sombra 33, de 2 de Junho, de clara desilusão com Portugal mas sem que se possa indicar nexos com a situação política.) 19 de Janeiro 4 de Fevereiro 21 de Fevereiro 14 de Março 16 de Março E apresentado o projecto de lei das associações secretas Fernando Pessoa publica o artigo «Associações Secretas» Salazar discursa na sessão dos prémios do SNP Artigo de Rolão Preto fecha a polémica na imprensa Liberdade segunda década de Março Salazar é mealheiro 29 de Março António de Oliveira Salazar 29 de Março Este senhor Salazar 29 de Março Coitadinho 4 de Abril Mata os piolhos maiores 5 de Abril Discussão e aprovação do projecto de lei depois de 5 de Abril Solemnemente [1935] Á Emissora Nacional 29 de Julho Sim, é o Estado Novo, e o povo 18 de Agosto Dizem que o Jardim Zoológico [segundo semestre] Eu fallei no «mar salgado» 8 de Novembro Meu pobre Portugal 8-9 de Novembro Poema de amor em estado novo 30 de Novembro Morre Fernando Pessoa 32 1934-1935, n.° 294, p. 197. Sem data, mas no verso de folha com ensaio de texto integrável no «dossier» da polémica que Pessoa suscitara com o artigo de 4 de Fevereiro; o epigrama é posterior ao rosto porque foi lançado quando a folha já estava dobrada. 33 1934-1935, n.° 300, p. 201. Sobre «Elegia na sombra» diz João Rui de Sousa que «a sua principal característica é o dar-nos da realidade portuguesa de então uma imagem extraordinariamente recessiva em relação a todos os aspectos do nosso ser colectivo» («Fernando Pessoa e o Estado Novo», p. 13). Em outro artigo («Sobre o significado de Elegia na Sombra— o último longo poema de Fernando Pessoa», Colóquio-Letras, n.° 106, Novembro-Dezembro de 1988, pp. 17-25), explicita que «não deixando de continuar a ser um texto de implacável indignação e protesto, pode também legitimamente entender-se como cântico melancólico [...]» (24), «um dos textos mais acidulados e virulentos emergentes de uma conjuntura pessoal de humilhação e de derrota, a que terão de juntar-se, naturalmente, outras razões incluindo as de saúde, já de si bastante favoráveis ao avolumar do desalento, ao adensar de uma visão mais e mais soturna do real» (22-23).
  • 17. 232 RAZÕES E EMOÇÃO E se o autor propôs várias formas, qual devemos escolher? Temos aludido a testemunhos autógrafos de «Liberdade» sem que os descrevêssemos. São duas as peças que no espólio de Fernando Pessoa na Biblioteca Nacional (BN E3) contêm o poema: as folhas 118-54 (doravante testemunho A) e 118-55 (testemunho B). Em ambas o poema está dactiloscrito, no rosto, e com a data a subscrevê-lo. O testemunho A está dactiloscrito a preto e tem ao canto superior direito, a lápis, nota da inventariadora, p. 246-247, que remete para a edição Ática. O grupo que a partir de finais de 1969 procedeu à inventariação do espólio 34 sempre que possível indicava nas folhas a correspondência aos volumes editados. Sendo 118-54 a primeira das duas peças cotada, foi ela que recebeu a referência das páginas de Poesias, o que não envolve nenhuma identificação do original da Ática e portanto não tem interesse particular para os nossos trabalhos. O testemunho B está a azul, tendo sido obtido por dactilografia sob papel de carbono. Ao contrário de A, tem alguns dizeres manuscritos pelo punho de Pessoa, a lápis, todos no verso da folha, lançados quando esta já estava dobrada em quatro partes: There is no reason l to suppose that I <w> worse e Quando essa typa t xarope a a cambalear p 'rã casa, frases inglesa e portuguesa em quartos diferentes. Também ao contrário do testemunho A, a folha 118-55 traz assinatura, sob o poema, igualmente dactiloscrita. Vale a pena destacar os modos diferentes como as duas folhas foram dactilografadas. A folha A recebeu a tinta directamente da fita da máquina, e não sabemos se quando foi dactilografada tinha sotopostas folhas para duplicado (talvez não, pois foi emendada após reajustamento na própria máquina de escrever, operação que resultaria mal em eventuais duplicados). O testemunho B é uma cópia de carbono, o que implica a existência de mais um exemplar — se calhar, dois — do mesmo tiposcrito. Essa folha dactiloscrita a preto, a cor que se presume teria a fita, pode bem ter sido a entregue à Seara 35. Como a tanto obriga o que se tem dito das versões A e B, não se trata obviamente de textos dactilografados na mesma ocasião. 34 Sobre os trabalhos do grupo inicial e reformulações que este sofreu: Maria Laura Nobre dos Santos, Alexandrina Cruz, Rosa Maria Montenegro Matos, Lídia Pimentel, «A inventariação do espólio de Fernando Pessoa: tentativa de reconstituição», Revista da Biblioteca Nacional, série 2, 3 (3), Setembro-Dezembro de 1988, pp. 199-213. 35 «Os poucos exemplos [de originais entregues para publicação] que estão no Espólio, e que referem à sua colaboração na presença, indicam que Fernando Pessoa mandava o
  • 18. O MELHOR DO MUNDO Folha Textos anti-salazaristas que contém 92U-30 «Sim, é o Estado Novo, e o povo» (testemunho B) 92U-31 118-54 «António de Oliveira Salazar» (testemunho B); «Este senhor Salazar» (testemunho B) «Liberdade» (testemunho A) 118-55 «Liberdade» (testemunho B) 233 U H II mi Nem aliás na mesma máquina. Como se vê no quadro a seguir, a forma dos caracteres mostra que A e B são de diferentes máquinas de escrever. Importava também cotejar os caracteres de outros documentos no espólio, verificando as máquinas das restantes folhas com poemas anti-salazaristas. Tendo analisado além dos testemunhos de «Liberdade» mais dois dactiloscritos com poemas contra Salazar, constatei que a variedade de máquinas de escrever é grande, máxima mesmo na curta amostra 36. São quatro máquinas diferentes para quatro folhas: 92U-31 distingue-se das outras três folhas logo pelo <u>; 92U-30 tem <ç> que não é o mesmo de 118-54 nem o de 118-55; quanto a 118-54 e 118-55, as folhas de «Liberdade», podemos contrastá-las pelo <g> ou pelo <t>. Se não soubéssemos que Pessoa utilizava habitualmente várias máquinas de escrever 37, dir-se-ia que o poeta acautelava perseguições policiais e procurava baralhar identificações por reconhecimento da dactilografia (como se fosse verosímil semelhante sofisticação das diligências da PVDE). original dactilografado escrevendo no fundo, também à máquina, o nome do Autor a cuja paternidade atribuía o poema (Fernando Pessoa na poesia ortónima), e guardava para si cópia de carbono» (José Augusto Seabra, Maria Aliete Galhoz, «Nota filológica preliminar», Mensagem. Poemas esotéricos, pp. XLI-LIII, p. XLIX). 36 Na verdade, a amostra não podia ser muito mais completa. Além dos quatro dactiloscritos analisados, só faltou pôr no quadro 92U-32 (onde estão o testemunho B de «Coitadinho» e os testemunhos C de «António de Oliveira Salazar» e «Este senhor Salazar»), de que não dispúnhamos de imagem com caracteres em condições (os que colhêramos quando ainda não prevíramos este estudo ficaram quase ilegíveis por o dactiloscrito estar ele mesmo pouco nítido). Os restantes anti-salazaristas são manuscritos. 37 O que ficou demonstrado a propósito da polémica à volta das memórias naturo-vegetarianistas de Eliezer Kamenezky. Cf. Ivo Castro, João Dionísio, José Nobre da Silveira, Luís Prista, «.Eliezer. Ascensão e queda de um romance pessoano», Revista da Biblioteca Nacional, série 2, 7 (1), 1992, pp. 75-136, pp. 78, 79, 89.
  • 19. 234 RAZÕES E EMOÇÃO Para concluir a avaliação comparada de A e B, falta dizer que não oferece dúvidas ter A precedido B, porque, sendo em A conspícuo o trabalho de elaboração ou revisão, o testemunho B adopta como ponto de partida o último estado a que se chegara em A. Considerado esse in-put, B apenas introduz variação em sinais de pontuação e na ortografia, o que plausivelmente corresponde a substituições no próprio momento da cópia. A seguir transcrevem-se os versos de A e B onde em algum momento houve variação relativamente ao texto fixado (isto é, a lição reproduzida no início do artigo). Para abreviar o cotejo, dá-se a transcrição genética de A e nela se marcam os acrescentos pontuais e as variantes ortográficas em B. Se nada pusermos relativo a B, deve entender-se que a lição é idêntica à do último estado de A (mas limpa, como é óbvio, que o testemunho não iria repetir as etapas de revisão ultrapassadas em A). Entre parênteses esquinados ficam os segmentos riscados (cuja canceladura, também dactilografada, é conseguida por sequência de xx); entre parênteses rectos, os acrescentos e substituições; entre as barras / letras que se sobreponham a outras, e entre angulares estas últimas. ante l 2 4 5 6 9 12 13 14 15 16 19 21 22 23 25 26 27 A omite B (falta uma citação de Senecà) A Não cumprir um dever! [B dever,] A <E esquecer.> E não o fazer. [B fazer!] A <Porque> <l>/Ler é maçada[B ,] A <E> <e>/Estudar <não> é nada. A O rio corre [B ,] bem ou mal [B ,] A De tam naturalmente matinal [,] A <Tem tam pouca pressa!> Como tem tempo não tem pressa. A Livros são papeis pintados com <letras,> tinta. A Estudar é uma coisa em que está indistincta<,> [B indistinta] A Ã distincção [B distinção] entre nada e cousa nenhuma. A Quer venha ou não. [B não!] A <O melhor do mundo são crianças> Mas o melhor do mundo são crianças, A Flores, musica, o luar [B ,] e o sol, que pecca [B peca] A Só quando, em vez de criar, secca [B seca]. A É Jesus Christo [B Cristo], A Que não sab<o>/i nada de finanças A Nem consta que tivesse bibliotheca. [B bibli<l>/oteca...] Continuando a proceder ao contrário da cronologia, comentemos primeiro o testemunho B. Já se foi dizendo que B é um testemunho quase sem
  • 20. O MELHOR DO MUNDO [ue não ofei o trabalho lê partida o t, B apenas ic plausivela. n momento "oduzida no tica de A e s em B. Se :a à do últi> iria repetir [os ficam os iseguida por 5es; entre as itas últimas. pressa. distinta] ia. do mundo temos pnquase sem 235 trabalho genético. Deve ser a simples passagem a limpo de A acrescida da marca autoral que são os retoques da pontuação. Como se disse, estas poucas mudanças de pontuação, bem como a troca de ortografia, decorreram sem emendas na folha, e só as evidencia o confronto do estado final de A com B. Terão sido pensadas, quase espontaneamente lançadas, à medida que o poeta ia dactilografando B a partir de A. (Não perderemos tempo com a hipótese de um autógrafo intermédio, uma cópia de carbono de A com emendas manuscritas, por considerarmos que tal campanha seria sempre insignificante.) Neste contexto, em que se percebe não ter sido o dactiloscrito B sede de demorada elaboração, mais se inculca o teor meramente funcional e provisório daquela «epígrafe» (a qual, repitamo-nos, não aparecia em A). Quanto ao resto, o testemunho não perde o grau de maturação que lhe confere ser o autógrafo mais recente, integrando lições já trabalhadas em outra folha. O termo «autógrafo» tomei-o na acepção arquivística de 'produzido pelo autor' ainda que à máquina, mas vale lembrar que B tem igualmente o atestado da autografia em sentido comum, devido aos dizeres manuscritos por Pessoa no verso da folha. O testemunho B sai também valorado, se admitirmos que as mudanças de grafia visavam conformar o poema ao estilo ortográfico corrente, assim preparando a sua publicação na Seara Nova. Antes de vermos o outro testemunho, lembre-se que foi por este testemunho B que fixámos o texto, excepto no caso da linha ante l, em que preferimos a lição, não-lição, de A, ou, o que dá no mesmo mas não é o mesmo, preterimos uma lição de B por a julgarmos provisória e instrumental. Para comentarmos agora a elaboração havida sobre o dactiloscrito A, dividiremos os lugares de variação interna segundo correspondem a emendas em «curso de escrita» (as introduzidas sem que o papel tenha sido retirado do rolo da máquina, o que se vê de coincidirem os espaços de caracteres «riscados» ou sobrepostos) e as que ocorreram por certo já depois de lançado todo o poema (tendo sido o papel recolocado, como se conclui de os espaços de letras substituintes apenas se aproximarem da matriz inicial). Desde já se diga que não sabemos quanto tempo mediou entre uma e outra campanha — mas a máquina, desta vez sim, é a mesma e a tinta não parece nem mais forte nem mais fraca. Ocorreram já na revisão depois de se ter retirado a folha da máquina a desinteressante correcção do saboa para sabia (v. 26); a troca de Tem tam pouca pressa! por Como tem tempo não tem pressa, (v. 13) e, requerido por esta alteração, o acrescento da vírgula no v. 12; a supressão da vírgula que chegou a terminar o v. 15; a substituição de E estudar não é nada por Estudar é nada (v. 6), tendo porém ficado esquecida a rectificação da pontuação no
  • 21. 236 RAZÕES E EMOÇÃO verso anterior como implicava a nova sintaxe (a vírgula será acrescentada mas já no testemunho B); o cancelamento de Porque (v. 5); a troca de E esquecer por E não o fazer (v. 4). Decorreu em curso de escrita o cancelamento de letras (v. 14), aparentemente preterido por tinta, a que se segue ponto e não a vírgula que se previra antes da troca. No verso que mais nos importa, v. 21, também sem que a folha saísse do rolo se passou de O melhor do mundo são crianças para Mas o melhor do mundo são crianças. Quanto a «crianças», esteve sempre sem artigo, como se vê sob os xx que cancelam toda a primeira versão — e note-se que, embora houvesse apenas a conjunção a acrescentar, todo o verso foi de novo repetido, e sempre sem artigo. Só no segundo estado se vê a vírgula após «crianças», o que significa que a reformulação do verso foi decidida não só antes de tirada a folha como logo que acabava de ser escrito (ainda antes da pontuação que o terminaria). Serão significativos os erros, as evidentes trocas de um termo? Devemos mante-los ou corrigi-los? O caso aqui é de novo a epígrafe ou, assim a temos julgado, a nota erradamente tomada como epígrafe. Atrás vimos como «Liberdade» se inscreve na cronologia do Pessoa agastado com Salazar, deputados da Assembleia Nacional, Estado Novo. Hesitou-se então quanto ao teor anti-salazarista de «Liberdade», o texto avaliado como menos a contracorrente do que poemas que se lhe seguem. A epígrafe que nos falta esclarecerá a índole de texto empenhado. E por sua vez um episódio político esclarece a epígrafe. Lembre-se o discurso de Salazar na entrega dos prémios literários do Secretariado da Propaganda Nacional. Na verdade, quase todo o discurso recuperava «algumas passagens do Prefácio agora escrito para a colecção dos meus discursos. De entre todas, escrevi aquelas que pudessem exactamente convencer de que, neste momento, não devia falar nem ficar calado» 38. Logo no primeiro parágrafo se defende a imposição de «certas limitações» «à actividade mental e às produções da inteligência e sensibilidade dos portugueses» 38 Oliveira Salazar, «Palavras pronunciadas pelo sr. Doutor..., em 21 de Fevereiro de 1935 na sede do Secretariado da Propaganda Nacional, na primeira festa da distribuição dos Prémios Literários criados por este organismo», António Ferro, Prémios literários (1934-1947), Lisboa, Edições SNI, 1950, pp. 9-13, p. 10.
  • 22. O MELHOR DO MUNDO entada mas : E esquecer 4), aparen;ula que se mbém sem nanças para ;empre sem — e noteo verso foi ré a vírgula :cidida não ainda antes 237 e se diz conveniente traçar-lhes «algumas directrizes» 39, passo a que Pessoa alude em poemas que citámos e em passagens de outros autógrafos mencionados. Creio que se tem reparado menos no parágrafo que fecha o discurso de Salazar: «E, se por se generalizar este estado de consciência, se vier a escrever menos... Mas virá algum mal ao Mundo de se escrever menos, se se escrever e, sobretudo, se se ler melhor? Relembro a frase de Séneca: 'em estantes altas até ao tecto, adornam o aposento do preguiçoso todos os arrazoados e crónicas'» 40. Adivinha-se que em estantes altas até ao tecto, adornam o aposento do preguiçoso todos os arrazoados e crónicas, com o nome de Séneca a subscrevê-la, seria a epígrafe em que pensava Pessoa, e «Liberdade» percebe-se agora como glosa desse mote, desenvolvido de forma irónica. Por que motivo não chegou o poeta a dactilografar a citação? Talvez porque buscasse a exacta frase em latim. Ou, porque quisesse Pessoa brincar com a erudição de Salazar, «falta uma citação de Séneca» assumia a incapacidade de citar clássicos e era portanto remoque a constar na publicação? •mo? Deve- do, a nota » se inscreAssembleia lazarista de ue poemas e de texto afe. cerários do o discurso tlecção dos xactamente 3» 38. Logo :s» «à actijrtugueses» Fevereiro de distribuição •râríos (1934- 39 Oliveira Salazar, p. 10. Esse primeiro parágrafo do discurso está também copiado por Pessoa no manuscrito 113P'-62: «'Os princípios morais e patrióticos que estão na base deste movimento reformador impõem à actividade mental e às produções da <sensi> inteligência e sensibilidade dos portugueses certas limitações, e suponho deverem mesmo traçar-Ihes algumas directrizes.' II Oliveira Salazar, Discursos, pp. xx-xxi (trecho lido [pelo próprio ao presidir] em 21 de Fevereiro de 1935 <na>[à] sessão de distribuição de Prémios Literários no Secretariado de Propaganda Nacional)»; a seguir, sempre a tinta preta, Pessoa copiou um dos períodos do penúltimo parágrafo do discurso: «'Neste momento histórico, em que determinados objectivos foram propostos à vontade nacional, não há remédio senão levar às últimas consequências as bases ideológicas sobre as quais se constró<e>/i novo Portugal' (ibid. p. xxiv)». (O autógrafo fora já referido por Teresa Rita Lopes, «Sobre o alcance da obra inédita e deste volume», Pessoa Inédito, pp. 17-71, p. 59.) 40 Oliveira Salazar, pp. 12-13. «Palavras pronunciadas pelo sr. Doutor..., em 21 de Fevereiro de 1935 na sede do Secretariado da Propaganda Nacional, na primeira festa da distribuição dos Prémios Literários criados por este organismo», António Ferro, Prémios literários (1934-1947), Lisboa, Edições SNI, 1950, pp. 9-13, pp. 12-13. O texto publicado como prefácio nos Discursos tem ligeiras divergências na apresentação da frase de Séneca: «E se, por se generalizar tal estado de consciência, se vier a escrever menos... ^Mas virá algum mal ao mundo de se escrever menos, se se escrever e sobretudo se se ler melhor? Hoje, como na crítica de Séneca, 'em estantes altas até ao tecto, adornam o aposento do preguiçoso todos os arrazoados e crónicas'» (Oliveira Salazar, «Para servir de prefácio», Discursos. 1928-1934, Coimbra, Coimbra editora, 1935, pp. vii-xxxii, p. xxiv). O texto saído a 22 de Fevereiro no Diário de Notícias — que vejo conforme é dado por Enrico Martines, p. 283 — também apresenta algumas variantes igualmente irrelevantes.
  • 23. 238 RAZÕES E EMOÇÃO Chegaria Pessoa a procurar o trecho latino em livros da sua biblioteca pessoal? Na estante que foi do poeta e está hoje na Casa Fernando Pessoa há três volumes com obras de Lúcio Aneu Séneca — os dois tomos de Seneca 's tragedies (with an english translation by Frank Justus Miller, London-New York, William Heinemann-G. P. Putnam's Sons, 1917) e um livro que inclui o opúsculo Apocolocyntosis (with an english translation by W. H. D. Rouse; London-New York, William Heinemann-G. P. Putnam's Sons, 1916; a primeira parte do volume é para Petrónio, com tradução de Michael Heseltine) —, nenhum com sublinhados ou notas por Pessoa. Também não seria aí que podia encontrar a frase que interessava, a qual pertence ao diálogo De tranquillitate animi (cap. 9, § 7): «Apud desidiosissimos ergo uidebis quidquid orationum historiarumque est, tecto tenus exstructa loculamenta» 4l . Acreditando que Pessoa apenas adiava a inscrição da epígrafe — porque lhe faltasse o original latino ou até a precisa versão de Salazar, já que não se trataria de estratégia de esconder da censura a referência mais explícita —, supomos que ainda a iria lançar em provas. E nem sabemos se assim não aconteceu efectivamente antes de 30 de Novembro. Bastaria que, quando da publicação dois anos depois, a revista tivesse retomado o original dactiloscrito, ou a composição tipográfica preliminar, sem o acrescento em provas. Quanto aos outros erros, não causados pelo poeta mas instalados na transmissão impressa (e, no caso do v. 21, na voz popular), não parece haver a mesma dúvida de que se deve corrigi-los. Como, sejam ou não o melhor do mundo, se faz às crianças. A crianças. 41 Agradeço ao Professor Doutor José António Segurado e Campos, a quem devo a localização do original latino da frase traduzida por Salazar, aparentemente ad hoc traduzida, não mera transcrição de algum impresso. Para o trecho de Séneca o Professor Segurado e Campos propõe a seguinte tradução, o mais literal possível: 'em casa dos (sujeitos) mais preguiçosos poderás ver (encontrar) tudo quanto há de discursos e de histórias (obras históricas) em prateleiras que se erguem até ao tecto'.