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PALÁCIO DO ITAMARATY: QUESTÕES DE HISTÓRIA, PROJETO E
          DOCUMENTAÇÃO DE ARQUITETURA (1959-1970)



                                       ROSSETTI, Eduardo P.

                     Universidade de Brasília. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
                        SQN.206, Bloco A, ap.305 – Brasília/DF CEP:70.844-010
                           eduardo_rossetti@hotmail.com & rossetti@unb.br



RESUMO

A partir projeto de Oscar Niemeyer para o Palácio do Itamarty de Brasília, este artigo investiga as ações de
um arquiteto, a dinâmica de produção e a resolução de um projeto arquitetôncio, a fim de explorar as
questões entre suas concepção, suas soluções, seus espaços e a dinâmica sócio-política com a qual
interage. Assim, é possível ampliar as abordagens sobre uma obra arquitetônica, investigando novos nexos
que a historiografia não explorou, contribuindo para a ampliação das abordagens sobre a arquitetura
brasileira pós-Brasília. Além das fontes comuns para tratar de um fato arquitetônico —desenhos, croquis,
livros do e sobre o arquiteto— interessará trabalhar com as memórias de um diplomata, o depoimento de
um embaixador, os desenhos do arquivo do Itamaraty, bem como a história da institução. Assim, é possível
ampliar as problematizaçõe da leitura do projeto, ao mesmo tempo em que as categoria espaciais e
construtivas da obra são exploradas.

Palavras-chave: Itamaraty, arquitetura pós-Brasília, Oscar Niemeyer




                              FIGURA 1: Palácio do Itamaraty, Brasília.
                              FONTE: Eduardo Pierrotti Rossetti, 2008.
1. INTRODUÇÃO
Dentro das perspectivas que configuram um campo do conhecimento é fundamental
elaborar as tramas em que um arquiteto atua e onde suas arquiteturas existem. A
abordagem das ações específicas de um arquiteto e seu discurso pode contribuir para a
configuração de um quadro mais diversificado da arquitetura brasileira. Assim, a
investigação da arquitetura de Oscar Niemeyer a partir da sede do Ministério das
Relações exteriores do Brasil —o Palácio do Itamaraty de Brasília (1959-1970)— pode
revelar questões referentes à complexa trama da arquitetura brasileira pós-Brasília,
alargando os recortes já consolidados. Esta condição pós-Brasília se caracteriza pela a
manutenção de questões e posturas modernas em diálogo com novas questões e outras
posturas, que já não correspondem dogmaticamente às premissas modernistas, mas nem
tampouco são pós-modernas. Trata-se de uma dilatação do sentido da modernidade
inerente à arquitetura brasileira que, para além de uma linguagem já consolidada, mantém
o debate local refratário às críticas ao Movimento Moderno, que são contemporâneas à
Brasília —o ponto máximo de nossa modernidade.

Assim, interessa ampliar a carga discursiva e a complexidade arquitetônica do Palácio do
Itamaraty, revelando questões que não puderam ser consideradas por outros focos
investigativos. Para tanto, é preciso empreender uma operação historiográfica que tome
a arquitetura como um dos índices do discurso do arquiteto. Manfredo Tafuri (1988)
propõe que tal operação aborde o caráter fragmentário da arquitetura, explorando os
valores e questões correlatos à sua produção e sua construção para instaurar novas
instâncias para sua compreensão, quando serão estabelecidos os seus novos nexos
arquitetônicos latentes. Para tanto, é uma estratégia legítima usar diferentes fontes e
referências para construir esta história da obra arquitetônica, e construir o teor crítico da
abordagem valendo-se da revisão historiográfica, tanto quanto da enunciação de
aspectos inéditos sobre o projeto. No caso do Palácio do Itamaraty, tornam-se igualmente
válidos os depoimentos de jornalista e diplomatas, as abordagens historiográficas já
consolidadas e o discurso de Niemeyer. Valerá ainda explorar as maquetes e os
desenhos das etapas de desenvolvimento do projeto, os croquis, as soluções construtivas
e o repertório iconográfico com fotografias da construção até seu estado atual. Some-se a
isso tudo a história da própria instituição que o edifício abriga.

O Palácio do Itamaraty permanece como um projeto não publicado nas páginas das
revistas nacionais de arquitetura. Se foi registrado e indexado por Yves Bruand (1981) em
seu livro fundamental, tampouco foi retomado criticamente em publicações congêneres.
Só recentemente, os dois palácios da diplomacia brasileira foram incluídos numa mesma
publicação sobre arquitetura, mas no entanto foram tratados em separado, sem maiores
correlações, o que se mostra uma oportunidade apenas parcialmente explorada na
ampliação das complexidades de abordagem do Palácio do Itamaraty de Brasília, embora
as leituras estejam adequadas aos objetivos da publicação. Por outro lado, o Palácio do
Itamaraty também é abordado no recorte estabelecido por Segawa (1999) quando
investiga criticamente todo um século da produção nacional. Ou seja, o Palácio do
Itamaraty demanda abordagens que revelem suas múltiplas complexidades.

A abordagem de Bruand é desenvolvida mediante seus contatos diretos com Niemeyer,
visitando o edifício em 1969, quando já concluído. Bruand omite as contribuições e
colaborações de outros arquitetos, calculistas e artistas, referindo-se, apenas a Lucio
Costa e Le Corbusier. As omissões de Burle Marx e Wladimir Murtinho são quase
injustificáveis, pois além de mostrar os jardins, afirma que o palácio é formulado a partir
de nossas “tradições diplomáticas”. Bruand desconsidera ainda a indicação para
ministérios diferenciados já apontada no Plano Piloto de Costa, o que ampliaria ainda
mais a singularidade do Ministério por ele justamente destacada. Contudo, Bruand
ressalta a “verdade estrutural” do Palácio e resiste ao encantamento formal das arcadas,
confirmando uma “reviravolta” na obra de Niemeyer devido ao uso do concreto aparente.
A carga representativa do programa não lhe escapa, mas ao tratar dos interiores, pouco
explora sua. Ele tampouco explora a dinâmica espacial interna dos salões sociais, a
integração das obras de arte e os móveis, que configuram a beleza sem ostentação a que
se refere. Bruand também deixa de apontar as correlações entre a nova sede da
diplomacia e sua velha matriz carioca —um expressivo palácio neo-clássico de filiação
francesa. Ainda assim, sua contribuição é inegável, pois o Palácio do Itamaraty é
abordado junto com os demais palácios de Brasília, definindo uma perspectiva que
norteará outras abordagens.



2. BRASÍLIA PÓS-JK
Superada a euforia da inauguração da nova Capital Federal, a implementação de seu
plano urbanístico sofreu abrupta interrupção no ritmo de implantação, alterando o
andamento das obras arquitetônicas em curso. Diferentemente do Presidente Juscelino
Kubitschek, Jânio Quadros estancou os cronogramas que demandavam ações
governamentais coesas para a consolidação da cidade. Apesar deste contexto político, da
grita reacionária pelo abandono de Brasília, JK havia deixado a cidade numa condição
irrevogavelmente implantada, repercutindo em âmbito político, social e cultural. Enquanto
isso, as obras de Niemeyer sofriam atrasos, vetos e ingerências. É neste contexto de
impasses o projeto arquitetônico de Niemeyer para o Ministério das Relações Exteriores
será revisto, refeito e desenvolvido, tornando-se a sede governamental mais relevante no
funcionamento pleno da nova Capital.

Será nas circunstâncias políticas pós-64 que o projeto e a obra do Palácio do Itamaraty
serão implementadas. Paradoxalmente, houve interesse do novo chanceler pelas obras,
assegurando sua continuidade e a manutenção da equipe de arquitetos, técnicos e
funcionários já comanda por Wladimir de Murtinho (1990). Sua expectativa inicial indicava
um temor contrário, pois “...a primeira coisa que eu fiz foi retirar os planos, as plantas,
resguardar, [com] medo de que queimassem os projetos, e retardassem a
construção...”(sic). No entanto, 1964 foi um ano decisivo na efetiva consolidação do
Itamaraty em Brasília. As obras do Palácio passam a fazer parte das visitas oficiais de
autoridades estrangeiras em passagem por Brasília. Murtinho coordenava a rotina
semanal de visitações que eram acompanhadas por jornalistas e fotógrafos. Havia
inclusive uma sala “decorada” com a maquete do palácio e desenhos afixados na parede.

A consolidação da cidade estava condicionada à transferência do Itamaraty, pois mais do
que um ministério transplantado, o novo palácio deveria corresponder às expectativas e
perspectivas políticas da diplomacia brasileira, abrigando as funções daquela instituição
que fora o baluarte da formação e da constituição da nação e que deveria contribuir com
seu capital simbólico, emanando-o para além dos domínios das arcadas de sua nova
sede (Ribeiro, 2007). A força institucional da “Casa”, transcende em muito as funções
comuns da diplomacia —representar, negociar e informar— pois a história de sua primeira
sede se confunde com a própria consolidação da República. O Palácio do Barão do
Itamaraty foi a sede do governo republicano desde o Marechal Deodoro da Fonseca até o
presidência de Prudente de Morais, quando a sede do poder executivo é transferida para
o Palácio do Catete. A partir de 1897 a ex-casa do Barão do Itamaraty passa a pertencer
à chancelaria brasileira onde permaneceria instalada até 1970, emprestando-lhe também
o seu nome.
3. O PLANO PILOTO, O NOVO ITAMARATY E SEU LUGAR NA ESPLANADA
O novo palácio em Brasília, além de corresponder à expansão administrativa em curso,
poderia significar uma oportunidade efetiva de modernizar a Casa. Neste sentido,
Murtinho (1990) afirma que “...estamos não apenas transferindo um Ministério, mas
provocando uma revolução administrativa, uma experiência única no Brasil.” Ainda em
setembro de 1960, a pedra fundamental é lançada pelo Presidente JK, na presença de
muitas autoridades em meio a terra vermelha do canteiro de obras, inaugurando uma
cruzada construtiva que perduraria dez anos. O palácio já era objeto de reflexão de
Niemeyer, ao menos desde 1959, pois em junho uma edição da revista Brasília apresenta
duas fotografias do futuro palácio. Diferentemente da divulgação de outras obras do
arquiteto, não havia nem desenhos, nem croquis, nem textos, somente a legenda sobre
as fotos, deixando a imagem em estado latente para ser interpretada.

Este é primeiro projeto do Palácio a ser divulgado, o que deixa margens a especulações
sobre seus desenhos e croquis. Mas a partir das fotografias contata-se que este palácio já
apresenta o partido que caracterizaria sua versão final: um projeto configurado com a
relação entre edifícios, ou seja, um edifício representativo e outro administrativo. Há uma
colunata no bloco representativo que remete à solução do Palácio do Supremo Tribunal
Federal: uma sucessão de colunas nas faces Leste e Oeste recuadas sobre a cobertura
de uma volumetria que abriga uma caixa vítrea suspensa e com planta aparentemente
quadrada. Sua face envidraçada Norte fica voltada para o Eixo Monumental, no limite da
projeção da laje de cobertura, sem recuos. O bloco administrativo possui cinco
pavimentos, correspondendo em altura à metade do ministério-tipo da maquete.

O térreo da maquete apresenta mudança de textura, sugerindo diferentes pisos e um
térreo mais acessível e permeável que os demais palácios. Junto ao Eixo fincam-se nove
mastros de bandeiras. Os pilares e as colunas são retilíneos, com arranque destacado
para receber as vigas. Há modulação da caixilharia, com quatro módulos de esquadrias
para um módulo estrutural. Não há indicação de espelho d'agua, assim como parece não
haver conexão externa entre os blocos, talvez restrita ao subsolo. A linguagem da
maquete sugere um concreto branco e não uma solução que deixe-o aparente, em seu
estado bruto. Destaca-se a presença significativa de um último piso livre coberto por uma
laje de cobertura com três vazios retangulares, que são os fatores de maior
correspondência desta proposta com o palácio atual.

Esta proposição de 1959 já apresenta grande relação com a pré-figuração do palácio
contida no Plano Piloto de Lucio Costa. Em seu relatório é anunciada a distinção do
Ministério das Relações Exteriores e do Ministério da Justiça em relação aos demais
blocos ministeriais. Assim, Lucio Costa, corrobora Murtinho (1990) quando afirma que “O
Ministério das Relações Exteriores é uma instituição extremamente diferente dos outros
ministérios...” Neste sentido, vale considerar que Costa havia pertencido aos quadros da
Casa, possuindo certa intimidade com o cotidiano diplomático e suas especificidades.

Assim, o menos o lugar do futuro Palácio do Itamaraty já estava localizado. Implantado na
cabeceira da Esplanada dos Ministérios, ele estrutura a transição entre o núcleo central
da espacialização do poder definida na Esplanada. Murtinho (1990) considera “...a
posição do Ministério das Relações Exteriores é toda peculiar, ela está justo na entrada
da Praça dos Três Poderes, ou seja, é quase uma portaria.” O novo palácio foi concebido
de acordo com o conceito de “unidade arquitetônica” postulado pelo próprio Niemeyer
para conceber a Praça dos Três Poderes. Tal princípio estabelece uma equivalência
plástico-formal entre diferentes edifícios, articulando-os através de uma hierarquia
arquitetônica que se constrói através das relações entre as modulações das colunas, das
escalas entre os edifícios e até da caixilharia, formulando um conjunto arquitetônico que
resguarda suas diferenças dentro de uma unidade. Nesta estratégia projetual, a
manutenção do conceito de unidade arquitetônica foi tensionado com o acento na
diferenciação do Itamaraty, subvertendo a brancura com o concreto armado aparente.
Para salvaguardar a unidade, Niemeyer valoriza a arcada como fator de diálogo com as
colunatas dos demais palácios. (Valle, 2000).

Lucio Costa demonstra também conhecer a importância cerimonial dos poderes políticos
e sua espacialização no território da cidade, pois enfatiza a qualidade de seu Plano
valorizar perspectiva do conjunto arquitetônico da Esplanada (Munford, 2004). Contudo,
os poderes democráticos demandavam mais que os edifícios dos “Três Poderes”, pois
“...a parte representativa da Presidência da República não é feita no palácio [do Planalto],
mas sempre feito no Ministério das Relações Exteriores...” Entre 1958-60, Murtinho
discutira o projeto com Niemeyer, acompanhando-o na elaboração do projeto,
possivelmente correspondente àquele da maquete publicada. Para tanto, fornece-lhe um
dossiê contendo informações referentes ao funcionamento, às demandas e aspectos
programáticos do Ministério, mas Niemeyer perde este dossiê! Para sorte do Palácio,
havia uma explícita cumplicidade entre Costa, Niemeyer e Murtinho, além daquelas
colaborações que não tramitavam nos domínios exclusivos da prancheta de seu autor.



4. O PALÁCIO DOS ARCOS (1962-63)
É inegável que autoria do projeto arquitetônico é de Oscar Niemeyer. No entanto, a
contribuição de Wladimir Murtinho se estende além de sua função oficial, empenhando-se
decisivamente para transferir a Casa para o Planalto Central. Ele formou uma tríade com
Luiz Brun de Almeida Souza e Rubens Antonio Barboza. Os diplomatas trabalhavam
inicialmente nas salas do Ministério da Saúde, ao lado das obras, acompanhando a rotina
do canteiro. Será amparado por tais colaborações nos âmbitos burocráticos e jurídicos
que Niemeyer poderá efetivamente projetar o seu Palácio do Arcos.

Simultaneamente, havia uma equipe de arquitetos, engenheiros, calculistas e artistas
plásticos trabalhando no projeto do palácio. Na condução dos desenhos, o arquiteto Olavo
Redig de Campos —integrante dos quadros do Itamaraty— se reportava à Murtinho, mas
ao mesmo tempo coordenava as ações de Jayme Zettel e Roberto Scorzelly, que
pertenciam a equipe do Ministério. Já o arquiteto Milton Ramos, além de estar vinculado à
Construtora Pederneiras, representava o próprio Niemeyer na obra de Brasília, atuando
com desenvoltura e empenho para corresponder ao cargo que lhe fora investido. A
presença de Milton Ramos é fundamental, ao que Murtinho (1990) afirma: “Milton Ramos,
fez um trabalho admirável (...) ele dedicou corpo e alma à execução do prédio, à
construção . Não há um detalhe que não tenha sido desenhado, pensado e feito.”

Se a autoria é inquestionavelmente de Niemeyer, os dividendos do grande feito em que o
Palácio se consubstancia paulatinamente, podem ser diplomaticamente repartidos, de
acordo com as especificidades de cada um dos colaboradores, desde os arquitetos, até
os artistas plásticos, Burle Marx e outros. Murtinho (1990) reconhece que Niemeyer “...
teve um admirável arquiteto para desenvolver e assistir a execução do projeto, que era
Milton Ramos (...) Tínhamos uma série de arquitetos do Itamaraty, que faziam a parte de
complementação, explicações, desenvolvimento, especialmente da parte de decoração.
Então o principal deles era o Olavo Redig de Campos.” Deste modo, ele diferencia as
incumbências de cada arquitetos, indicando maior participação de Olavo na qualificação
dos espaços internos e nas soluções dos salões sociais, considerando que sua formação
em Roma lhe diferenciava. Para Murtinho (1990), Olavo “...tinha portanto um
conhecimento do que são salões, do que é espaço (...) do que é luxo.” Havia ainda as
colaborações ad hoc de funcionários que oficialmente pertenciam a NOVACAP, como o
calculista Samuel Rawet. Neste sentido, detecta-se um respeito incondicional ao autor,
cujo distanciamento do canteiro de obras não compromete a execução do projeto de
acordo com seu traço.



5. FORMA, FUNÇÃO E PROGRAMA
O Palácio do Itamaraty adota a estratégia de articular os edifícios distintos, aprimorando
aquela solução de 1959. Niemeyer manteve a divisão entre um edifício representativo e
outro administrativo, sem pretender abarcar todo o programa num único edifício. Haveria
ainda um terceiro edifício com restrições de abertura ao exterior, próprio para abrigar
documentos e arquivos sigilosos. Esta articulação entre os dois blocos principais existe
desde sua gênese, não se tratando meramente de um bloco secundário acoplado ao
magnífico palácio, desvirtuando uma suposta autonomia de outrora. As duas edificações
são desenhadas simultaneamente, havendo somente uma diferença no cronograma de
construção, em que o bloco representativo tem precedência. Ou seja, o Palácio sempre
possuiu um bloco horizontal que define um fundo contra o qual se destacam as arcadas.
O raciocínio projetual é desenvolvido a um só tempo, com esta articulação entre
edificações, corroborando Argan (2005) “...a arquitetura é, por excelência representativa.”

Este aspecto de simultaneidade foi pouco destacado por Bruand, causando uma
interpretação errônea do partido arquitetônico. Ainda que o bloco administrativo seja
denominado Anexo I, ele abriga gabinetes, sub-secretarias, departamentos e divisões do
Ministério. Neste sentido, “...o palácio é extremamente funcional, tem essa interligação da
parte administrativa, com a parte representativa, que funciona muito bem.” (Murtinho,
1990) Dentre os programas arquitetônico, um palácio se apresenta como um programa
cuja natureza é ser representativo, de caráter atemporal. Segundo Bruand (1981), a
viagem de Niemeyer em 1955 teria sido o momento oportuno em que ele “Compreendeu
o proveito que seus predecessores tinham conseguido tirar da galeria de arcadas ou de
colunas que sustentam um arquitrave; aprendeu imediatamente que esse meio de
expressão (...) conservava um valor permanente tanto no plano funcional, quanto no
estético.” A ênfase crescente na valorização do simbólico nos projetos de Brasília,
corresponde à guinada crítica de Niemeyer em direção à contemporaneidade, o que se
faz mediante ao controle do programa arquitetônico. Para tanto, o arquiteto hierarquiza as
questões e soluções que merecem exploradas e suas subordinações.

Assim, embora a carga simbólica referente ao Palácio do Itamaraty seja muito densa, os
usos de suas dependências precisam ser muito flexíveis, sendo o um programa mais
complexo que os ministérios-tipo que já projetara. O próprio Murtinho (1990) reconheceria
que “...é um ministério extremamente complexo.” Porém, reconhece que tal complexidade
programática já havia sido testada por décadas, fazendo do palácio carioca a matriz
inequívoca dos novos espaços. No Itamaraty, a função do diplomata é representar,
negociar e informar, empreendendo um conjunto de ações representativas, ratificando a
presença ou compromisso do Estado em nome do qual se atua. Ou seja, as funções de
trabalho implicam em despachar, fazer reuniões, condecorar, homenagear, protocolar,
assinar atos, conceder entrevistas, etc; tanto quanto implica em dar recepções, jantares e
almoços, promover coquetéis e demais festividades de caráter público que suas
atividades cívicas demandam, no cotidiano da política internacional. Assim, o Palácio
deve possuir espaços para o Brasil exercitar sua habilidade diplomática do Brasil entre as
demais nações, como espaços para efetivar as trocas simbólicas, mediante a encenação
protocolar de sua praxe. A terminologia é do próprio Murtinho (1990): “...o Ministério das
Relações Exteriores é extremamente encenado...” ou seja, faz parte de sua concepção do
programa do Palácio “... permitir a pompa e fazer com que isto seja o elemento que,
talvez, caracterize o palácio.”

No desdobramento destas cerimônias, diferentes graus de formalidade são demandados,
fazendo com que o uso do Palácio do Itamaraty seja intermediado pelos códigos culturais
e comportamentais daqueles que habitam e se apropriam de seus espaços de uso
também coletivo. Através da arquitetura, Niemeyer assegura que deve haver condições
simbólico-espaciais singulares para exercitar as atividades diplomáticas. Os espaços do
Palácio correlacionam através de espaços com diferentes graduações de acesso e
permanência. Os vestíbulos, os salões sociais, as salas, os jardins e a varanda possuem
escalas de intimidade e formalidade que se definem não somente pelo cerimonial, mas
também pelo comportamento e ação dos convidados e anfitriões.



6. AS ARCADAS DO ITAMARATY
                     “O clássico e o moderno se harmonizam, numa façanha inédita.”

                     Revista Manchete

Embora Oscar Niemeyer (Petit, 1998) afirme que “...não se faz o novo inspirando-se no
antigo...” a análise de Bruand reforça a hipótese de “partido grego” como referência de
Niemeyer nas soluções dos diferentes palácios governamentais. O Palácio seria “...uma
realização tipicamente contemporânea, tanto técnica, quanto esteticamente...” pois nele o
concreto adquiriu uma “nobreza e delicadeza sem igual”. Assim, a inovação não é o
material, mas está no fato de que a rudeza do concreto foi sublimada. Mais do que a caixa
de vidro, destaca-se a estrutura, denominada por Bruand de “colunata” para sustentar o
“partido grego” antes sugerido. A colunata é uma das estratégias projetuais pertinentes à
formação do repertório de Niemeyer. Contudo, neste caso, de acordo com Argan (2003),
parece ser mais preciso denominar tal estrutura de “arcada”, uma vez que sua
configuração final é definida por uma sucessão ritmada de arcos plenos. O próprio
Niemeyer (Xavier, 2002) fornece a senha desta precisão ao comentar a estrutura do
Palácio dos Doges em Veneza: “...com suas esplêndidas arcadas (...) destinadas a criar
um contraste violento com as paredes planas e pesadas dos andares superiores.”

Assim, embora a arcada não tenha uma função estrutural absoluta de sustentar as lajes e
todos os níveis do Palácio, a arcada possui a função estrutural de sustentar toda a carga
simbólica do Palácio, como na velha sede. A super-estrutura da arcada define a força
imagética do Palácio na Esplanada, no espaço urbano da cidade-capital. Sua presença
reforça a função comunicativa da arquitetura, assinalada por Argan (2005): “Os
monumentos urbanos uma razão não apenas comemorativa, mas também didática:
comunicavam a história das cidades, mas comunicavam-na em uma perspectiva
ideológica...”

O controle da estrutura se faz pela modulação dos vãos da arcada, constituída por uma
sucessão de 12 arcos plenos idênticos (R=2,80m), arrematados por dois arcos
diferenciados —ligeiramente menores (R=2,497m)— em cada uma das faces de suas
extremidades, totalizando 14 arcos em cada uma de suas 4 faces. A arcada define uma
trama geométrica com módulo (M) de 6m entre seus eixos —tão forte que balizará as
plantas com uma trama de módulos de 6x6m. Assim, a extensão da arcada corresponde
14M acrescidos da diferença dos arcos da extremidade. A trama destes é ligeiramente
maior e ao invés de estarem contidos num retângulo ideal de 6x14, possuem 1m a mais,
ou seja, 7x14. Assim, a arcada tem o comprimento de 86m, delimitando uma planta
quadrada. Os 14 arcos correspondem ao dobro dos arcos da fachada da velha sede de
com sua frontaria alinhada ao logradouro, na razão 1:2:1. No novo Palácio, esta
proporção é re-estabelecida pelo sistema estrutural das coluna internas que perpassam a
laje e se solidarizam com a super-estrutura da arcada, definindo espaçamentos na razão
de 3:6:3 arcos, ou seja, a mesma razão 1:2:1.

Como Fídias, Milton Ramos foi responsável por ajustar estas relação entre os arcos
plenos e os arcos das extremidades através da solução da correção visual. Esta correção
visual articula a estruturação da percepção dos arcos sem romper com o ritmo dos vazios
da própria arcada. Para tanto, ocorre uma sensível redução do seu raio (R=2,497m), bem
como foi definido um arco com sutis alterações no traçado de sua curvatura. De acordo
com o desenho, a altura do arranque dos arcos é a mesma, porém, no término do arco da
extremidade a linha curva tangencia a coluna num ponto inferior àquela altura do
arranque, com uma diferença de 1,06m. Assim, este arco diferenciado da extremidade
termina seu desenho abaixo do arco pleno, mas ainda aprumado com a altura da laje do
piso da varanda, sustentando o ritmo da arcada. O desenho deste arco da extremidade é
formado por segmentos de curva com 3 raios distintos, traçados a partir de uma linha
15cm abaixo da linha-base do arco pleno, a fim de ajustar a curvatura e sua tangência
com a coluna da extremidade, que possui em planta , um inclinação de 45º em relação ao
alinhamento da arcada. Tratam-se de os recursos construtivos e ópticos que influem na
percepção da arcada, bem como na própria forma do Palácio, ratificando o cuidado em
sua construção ao adotar um procedimento clássico inconteste.

A qualidade expressiva do concreto da arcada —que define a um só tempo a estrutura e a
forma— é obtida a partir de um minucioso desenho das fôrmas de seu processo
construtivo, qualificando a sua textura final. Para tanto, Milton Ramos estudou o desenho
das fôrmas, construindo inclusive modelos em escala 1:1 para definir um arranjo
padronizado das peças de madeiras para imprimir no concreto a textura desenhada por
Niemeyer. Sua força está em dissolver o contraponto entre uma textura cuidadosa que
não prejudica o tônus estrutural da arcada, que por sua vez também não se sobrepõe à
função da forma. O desenho dessa textura é marcado por frisos horizontais estreitos ao
longo de toda a coluna do arco, desde o arranque até o meio de sua curvatura, sendo
simetricamente completado. Os frisos evocam o ponto central que gerou o desenho do
arco pleno que constrói a arcada. Ou seja, a fôrma contribui para a força da forma.

Ramos contrapõe a presumida rudeza do concreto com uma solução brutalmente
delicada. A esbelta dimensão das colunas dos arcos acentua este contraste entre a
solidez da estrutura e a leveza da forma. Seu caráter estático adquire um efeito mutante
através das perspectivas que seus arcos abrem e fecham com o deslocamento do ponto
de vista do observador, tanto externa como internamente. Os arcos do Itamaraty
adquirem e perdem espessura e peso, movendo-se dinamicamente com o olhar de quem
vivencia seus espaços e para quem contempla sua escala monumental. Sua volumetria
adquire uma força plástica ainda maior quando de seu espelhamento na superfície das
águas em que emerge como um palácio flutuante, como o Meteoro de Bruno Giorgi.

Bruand (1981) reforça a articulação entre forma e cor na elaboração projetual do Palácio
do Itamaraty, quando assinala que a cor ocre do concreto tem a capacidade de qualificar
sua textura, dignificando o concreto que poderia ter sido meramente bruto. Outro
resultado desta solução do traço do concreto revela uma particularidade cromática,
tornado-o incomum, e no limite, exclusivo. Esta expressividade do concreto confere a ele
uma carga latente de significado telúrico, como uma metáfora da terra do Cerrado
impregnada na própria arcada. Em função da cor, ela adquire variados efeitos de
douramento, tornando-se sublime quando iluminada pela luz solar incidente ou
artificialmente, o que revigora também sua inserção na paisagem noturna da Esplanada.
O seu contraste com os alvos palácios da Praça dos Três Poderes é re-estabelecido e
Niemeyer amplia a percepção da potência formal da arcada do Palácio do Itamaraty,
redimensionando seu impacto formal e imagético, sem reduzir a qualidade de seus
espaços.

O Palácio do Itamaraty articula-se assim, com uma chave temporal que evoca os
capciosos artifícios retóricos que dissimulam os efeitos espaciais e construtivos presentes
tanto na Igreja de São Francisco, em Salvador, como na Igreja de Nossa Senhora do
Pilar, em Ouro Preto. Em ambas, o douramento e a solução de suas superfícies parietais
internas causam estímulos óticos que transformam a percepção de suas dimensões, de
suas estruturas e formas. Contudo, vale lembrar a restrição de Sophia da Silva Telles
(1988): “...é preciso cuidado ao se aceitar tão simplesmente a referência barroca no
desenho de Niemeyer...” De acordo com ela, a identidade de Niemeyer com o barroco se
faria mais pela autonomia da imaginação do que pelas formas, ao que ele reafirma: “A
curva me atraia. A curva livre e sensual que a nova técnica sugeria e as velhas igreja
barrocas lembravam.” O arquiteto acentua o impacto trans-temporal ao alinhavar na
mesma perspectiva a tradição e o futuro, fazendo o conjunto arquitetônico da nova Capital
corresponder às impressões otimistas do escritor Audous Huxley (Bojunga, 2001): “Vim
diretamente de Ouro Preto a Brasília. Que jornada dramática através do tempo e da
história! Uma jornada do ontem para o amanhã, do acabado para o que está prestes a
começar, de conquistas antigas às novas promessas.



7. MODULAÇÃO X SOLUÇÕES
A modulação estabelecida na forma e na estruturação da arcada é mantida na resolução
dos espaços internos, nas divisões e no arranjos das plantas, funcionando como uma
regra projetual a ser respeitada, mas também oportunamente subvertida, através de seu
múltiplos e sub-múltiplos. O módulo é 6m, e Murtinho (1990) lembra que “...12 por 12
metros (...) é uma proporção de palácio italiano...” Inscrevem-se assim, as dimensões do
gabinete do ministro dentro da modulação de Niemeyer, tanto quanto a obra da Mary
Vieira, o “Ponto de encontro”, que está implantado de acordo com a trama de eixos da
modulação 6x6m, com seu elemento vertical distando 12m (2M) do jardim e de outro lado
dista 6m (1M) da parede. Este rigor também está presente na solução da caixilharia, que
é modulada em 1/5M, com 5 partes de 1,20m cada, ou ainda na caixilharia dos salões
superiores em que cada porta pivotante mede ¼M, ou seja, 1,50m. O controle que
Niemeyer faz desta precisão geométrica se traduz como a ordem de seu próprio tratado,
em que a técnica deve potencializar a forma, como um recurso sofisticado que define uma
estrutura a ser apreendida como imagem. Neste sentido, “...poderíamos dizer que
Niemeyer é um clássico” (Telles, 1988).

Assim, enquanto o valor simbólico subordina as demais decisões projetuais, as relações
entre a verdade estrutural e o edifício podem ser aferidas através da rigorosa construção
das plantas do Palácio. Niemeyer concebe uma planta que organiza seu programa em
três pavimentos, distribuindo seus espaços rigorosamente dentro da trama de 6x6m. As
áreas são derivações destas dimensões, tais como: 3x6, 6x4,5, 6x9, 12x30, 18x18 até
30x60m. Esta organização da planta que subordinada a modulação se faz notar na
definição do vestíbulo do térreo que tem uma dimensão equivalente a 5Mx10M, ou seja,
30mx60m, totalizando 1800m². A dedução lógica das áreas sociais surpreende quando se
compara suas dimensões com seu porte, definindo a escala monumental do Palácio.



Niemeyer estabelece uma grande possibilidades de usos dos salões sociais, adequadas
às diferentes possibilidades espaciais que as escalas dos eventos demandam. Assim, é
possível fazer pequenas recepções ou grandes festas sem comprometer a ambiência de
convívio que tais espaços devem proporcionar para o exercício das atividades
diplomáticas. Este jogo de possibilidades permite usar combinadamente os diferentes
salões e a varanda, com a continuidade espacial desejada para que o evento transcorra
no mesmo lugar: no Palácio. Para tanto, é possível estabelecer correlações entre as salas
e salões a serem usados em cada evento, pois os espaços são relacionais. É possível
articular a a Sala D. Pedro I com Sala Portinari e a varanda, ou articulá-la com a Sala
Brasília e a varanda. Ou ainda, usar somente a Sala Bahia, ou a Sala Duas Épocas. Esta
combinação de salões corresponde à diferentes áreas, provendo o Palácio de uma ampla
gama de possibilidades espaciais confortáveis pertinentes aos eventos, variando as áreas
entre 140m², 342m², 504m², 846m², ou 990m². Excetuando essas duas salas de caráter
mais reservado, a soma dos espaços dos salões, da varanda e de seu jardim, totaliza a
impressionante área de cerca de 3.300m². Neste sentido, Murtinho (1990) afirma que “O
palácio funciona muito bem. Há outros ministérios das Relações Exteriores que têm
grandes salões, mas nenhum tem estas facilidades com estas dimensões.”

Mesmo explorando as razões matemáticas não foi possível estabelecer um padrão para a
definição das alturas relativas aos diferentes pavimentos do Palácio. Percebe-se
claramente que esta altura se amplia na medida em que o usuário dos espaços do
Palácio se desloca para os níveis superiores, com um acréscimo de 65 e 72 centímetros
na altura inicial do Vestíbulo. Assim, as alturas passam de 2,83m para 3,50m e para
4,22m, ou seja dimensões mais afinadas com a altura humana do que a geometria do
projeto, embora a altura da arcada com 14m esteja ajustada à ela. O pé direto do
vestíbulo possui 7,10m, que é praticamente metade da altura da arcada. Niemeyer
prioriza o agenciamento do projeto a partir das plantas e das correlações espaciais que
elas organizam e hierarquizam, fazendo da varanda a grande surpresa espacial.



8. COTIDIANO DIPLOMÁTICO, O CERRADO E A VARANDA
                     “...para conhecer a natureza dos povos, é preciso ser Príncipe, e para conhecer a
                     [natureza] dos príncipes, ser do povo.”

                     Maquiavel

O cotidiano diplomático do Palácio inicia suas atividades públicas com uma festividade
pouco afeita à sua rotina: uma “festa da cumeeira”. Em 20 de abril de 1966, o então
chanceler Juracy Magalhães inaugura a arcada do Palácio, legitimando o feito construído.
Aquilo que poderia ser uma evento de dividendos políticos adicionais se transformou num
sinal claro à instituição que à despeito da indiferença do corpo diplomático, Brasília já era
a nova Capital e deveria portanto abrigar a Casa do Rio Branco. Para tanto, a festa
promovida pelo chanceler contou com a presença do Presidente, o Gal. Castello Branco,
ministros, autoridade locais e representantes das cinquenta missões diplomáticas
credenciadas junto à chancelaria brasileira. A notória ociosidade dos espaços do Palácio
sem tantas atividades agendada além da faina do Chanceler e do Secretário Geral, foi
oportuna para o evento promovido pela Primeira Dama, a Sr. Yolanda Costa e Silva.
Assim, em agosto de 1968, antes da visita oficial da Rainha da Inglaterra, ocorreu um
desfile de moda do costureiro francês Pierre Cardin, em plena Sala Brasília.

As hierarquias sociais que distinguem esses comensais dos convidados oficiais. Para
tanto, Niemeyer abre acessos do Palácio do Itamaraty nos quatro lados de sua planta,
enfatizando o rito do acesso principal do Palácio voltado para a Esplanada. Um plano
rente ao espelho d’água, que perpassa três arcos se apresenta como convite aos dignos
usuários oficiais de seus salões. Este usuário do Palácio pode ser individual, como é o
caso da visita de chefes de Estado, embaixadores, ministros, generais, adidos, cônsules;
mas também pode se multiplicar, tornando-se um usuário coletivo, quando tais chefes são
acompanhados por suas respectivas comitivas, preenchendo o grande vestíbulo com
assessores, tradutores, secretárias, seguranças, além dos jornalistas. Enquanto os
servidores públicos que trabalham no Itamaraty utilizam seus respectivos acessos, outro
universo de usuários visita e habita seus espaços: os turistas. Entre o deslumbramento
com suas dimensões e a surpresa de sua plasticidade, deve ser lembrado que tais
espaços correspondem a uma função de caráter público, recebendo delegações
estrangeiras, realizando coquetéis, banquetes, jantares, festas e demais eventos
pertinentes a tal função daquele Palácio.

O percurso é a chave de compreensão da arquitetura do Palácio. As restrições na livre
relação exterior/interior enfatiza os acessos, ao mesmo tempo em que isola idealmente a
arcada sobre um jardim aquático. Apesar das restrições e das hierarquias ao livre
percurso, é possível explorar a riqueza espacial através da “promenade architectural”. A
transição dentro/fora sofre os controles para ser iniciada, mas uma vez assentido o
acesso, outro nível de dinâmica espacial é ativada. Deambular torna-se parte da própria
experimentação do Palácio franqueada aos seus usuários: reis, diplomatas, imperadores,
estadistas, comitivas, ditadores e turistas. O vestíbulo do térreo abre-se em majestosas
visuais proporcionadas pelo vão; as zonas de sombras contrapõem-se aos reflexos
difusos da luz refletida ou filtrada pelas obras de Athos Bulcão. A cidade e a paisagem
urbana são emolduradas pela caixilharia regularmente. O estratégico Polivolume: ponto
de encontro de Mary Viera que se mostra no limite entre o escultórico e o funcional,
mobiliando o ambiente como um banco. O vazio sinuoso na laje superior amplia as visuais
internas com o Salão de Atos e outros espaços vestibulares. O jardim amazônico faz
fundo para a escada escultórica que se materializa como o ponto dramático e crucial de
todo o arranjo espacial, sendo seu índice plástico marcante.

Implantada no vazio subtraído da laje, a escada em concreto aparente transforma o
percurso num efetivo passeio ao promover a transição dos amplos espaços de recepção
para as escalas de maior intimidade dos espaços dos andares superiores, além de
conduzir o visitante aos gabinetes e dependências de trabalho. O percurso pela escada
proporciona um giro completo do olhar, abarcando os espaços vazios que distingue e
hierarquiza outros espaços de estar e demais salões, conforme o croqui do corte
especula. Durante este percurso de ascensão são refeitas as relações dentro/fora através
das visuais que o Salão de Atos abre sobre a Esplanada. Espetacularmente, a escada
ativa a participação do usuário no espaço no exato momento em que ele se desloca para
desempenhar suas funções representativas, recobrando sua ação para experimentar o
Palácio. Niemeyer articula outra transição espacial, indicada por uma segunda escada
que se lança para fora da estrutura da parede, como um plano azul acarpetado,
desdobrando-se em degraus que anunciam outros espaços no pavimento superior: os
grandes salões de festas e recepções. Na visão de Murtinho, o Palácio funciona bem por
ativar tais transições espaciais, demandadas pelo exercício do poder que representa.

Depois do estreitamento dos ângulos de visão e do direcionamento do percurso, segue-se
uma situação espacial surpreendente. Niemeyer define um continuum espacial que
transforma todo o pavimento num único grande salão, integrando os espaços sociais mais
nobres do Palácio do Itamaraty: as salas de recepção e o salão de banquetes são
prolongamentos da varanda. Trata-se de um arranjo entre planos parietais e superfícies
nas duas alas ortogonais, que se articulam em função da varanda, sendo ela mesma o
momento privilegiado de todos os percursos do Palácio. A varanda é o lugar de máxima
espetacularização do percurso arquitetônico e da sucessão dos espaços do Palácio. A
partir dela, vislumbra-se o “espetáculo arquitetural” do próprio Niemeyer, na escala
monumental concebida por Lucio Costa. Deste imenso espaço de sociabilidade aberto
sobre a Esplanada dos Ministérios, avista-se o Congresso Nacional, o Palácio do
Planalto, o Supremo Tribunal Federal, o Palácio da Justiça, e os ministérios da própria
esplanada. Tal como um mirante, deste Salão Nobre deduz-se o espaço da Praça dos
Três Poderes, tanto quanto se reformula a própria presença formal do Palácio do
Itamaraty em relação aos demais edifícios cívicos da cidade. Para tanto, seu sentido
estrutural é retomando através da arcada, que de potente estrutura, revela-se como
anteparo marcante das relações entre o edifício e a paisagem. Através dela, emoldura-se
o horizonte do Cerrado que se integra através da transparência das vedações do Palácio,
assegurando a intimidade de quem está abrigado sob seu arcabouço e pode debruçar-se
sobre a escala monumental da cidade, recostando-se em seu peitoril.

Com a integração espacial plena das salas de recepção com a sala de banquetes, a
varanda também se torna um ambiente privilegiado na dinâmica das cerimônias do
Palácio do Itamaraty. Contudo, os hábitos e os modos de vida informais, inerentes à
convivência específica das varandas, contribuem para alterar o perfil comum de
funcionamento de um Ministério, assinalando outras possibilidades de sociabilidade e
convivência nesses espaços. Assim, ao fortalecer a presença da varanda na dinâmica
social do Palácio, Niemeyer subverte a rigidez do programa e acrescenta uma outra
referência de códigos sociais e comportamentais aos espaços de exercício do cotidiano
diplomático. Com esta fricção, o arquiteto questiona os graus de formalidade, deixando
em estado latente a possibilidade de flexibilizar as práticas sociais, rompendo também
com os rituais claustrofóbicos dos salões fechados, a fim de suplantar os valores
burgueses do universo eclético do velho Palácio do Itamaraty.

Mais do que um espaço arejado ou sombreado, Niemeyer faz da varanda do Itamaraty o
espaço de articulação simbólica entre a força do lugar, o devir político e o valor da
tradição, compartilhando das grandes expectativas de protagonismo do Brasil outrora
enunciadas por Huxley, sinalizando a sua convicção ideológica. Neste sentido, Leite
Ribeiro (2007) considera que “...reuniões descontraídas facilitam a vida profissional...” pois
quando “...despidos da formalidade, relaxados, [os diplomatas ficam] propensos a
confidências e trocas de informações...” Assim, retomando a epígrafe, a varanda é o
lugar/espaço em que as naturezas do povo e dos príncipes podem interagir e conviver,
quer seja pelos comportamentos que a varanda instiga, quer seja pela situação espacial
que ela representa nas cerimônias palacianas. A varanda destrona a pose do príncipe,
assim como proporciona seu contato com outros povos, propondo códigos
comportamentais próprios da cultura do país que ali se faz representar.

Enquanto a dinâmica social transcorre ambientada entre os salões e a varanda, a questão
paisagística retoma a geografia, incorporando-a na percepção do sítio urbano da cidade.
Para tanto, Niemeyer comunga do conhecimento de Burle Marx na resolução dos jardins
do Palácio. Destaca-se a solução do “jardim suspenso” da varanda. Trata-se de um plano
quadrado ligeiramente sobrelevado em relação à laje do piso, que define um lugar
suspenso dentro da espacialidade fluida da varanda, interpondo-se às relações
dentro/fora, ou seja, contrapondo-se à paisagem do Cerrado, pois é concebido com
espécies vegetais de outra plasticidade, correspondendo ao seu conceito de jardim. Este
jardim na varanda equivale a um oásis, demarcado por pisos de seixos rolados brancos e
pisos de mosaico português branco, que desenham caminhos por entre a vegetação dos
canteiros do jardim —evocando as veredas de Guimarães Rosa— em meio aos quais
estão duas esculturas. As próprias vigas do sistema estrutural se transformam numa
pérgula, captando luz para toda a varanda, equilibrando a sombra das arcadas, que
também resguardam o Palácio na estação das chuvas.



9. PEDRAS, TAPETES E BLINDEX®
Enveredar pelos salões do Itamaraty é compartilhar da sobriedade e do relativo
despojamento de seus salões, vestíbulos e salas. Trata-se de um sentido de elegância
sem concessões à extravagância. O Itamaraty proclama uma elegância decente sem
opulência, evitando a ostentação, ao subordinar o sentido de nobilidade às finalidades
práticas e programáticas de suas funções cívicas requerem. Para tanto, a importância dos
espaços internos é patente e em 1966 Murtinho chega a Brasília com as plantas do
interior do Palácio: “Já estamos pensando nos móveis!” Aqui, tanto quanto no Ministério
da Educação e Saúde Pública, os espaços internos do Palácio do Itamaraty são
agenciados para valorizar a integração das artes ao fato arquitetônico, equipando-os com
móveis antigos e modernos, para fazer o Palácio funcionar.

Esta estratégia também prioriza o vazio como fator organizador do poder ali representado.
Entre a solenidade dos espaços de recepção e a festividade da varanda e do salão de
banquete, configura-se uma continuidade espacial através de deslocamentos por entre
tapetes, poucos móveis e muitas obras de arte —Bruno Giorgi, Debret, Tommie Ohtake,
Athos Bulcão, Ceschiatti, Milton Dacosta, Manabu Mabe, Candido Portinari, Mary Vieira,
além de mapas, desenhos e objetos e presentes de visitantes. Deste modo, é reforçada
uma lógica relacional em que tanto as obras de arte brasileira como as peças do
mobiliário são tratadas mutuamente. Os quadros, as tapeçarias e as esculturas da
coleção do Palácio convivem com arcazes, cadeiras, aparadores, canapés, marquesas,
papeleiras, além das louças, da prataria e dos tapetes. Ainda mais eloqüentes como
índices espaciais do que o apoteótico lustre Revoada de pássaros, os tapetes são
fundamentais para demarcar os espaços sociais do Palácio, contrapondo-se ao piso de
mármore branco. Menos do que a finesse, vale a função que os tapetes persas
desempenham na configuração das salas. Assim, os espaços de mobiliário rarefeito dos
amplos salões do Palácio do Itamaraty tornam-se aptos para promover os encontros entre
diplomatas, comensais, autoridades e demais convivas, ora livremente ambientados.

A materialidade do projeto arquitetônico é resolvida a partir da escolha de um pequeno rol
de materiais, destacando-se, a maneira como tais materiais são tratados em suas
relações mútuas. Com a finalidade de manter a sobriedade do Palácio, mas também fazer
do Itamaraty uma arquitetura inequivocamente brasileira, Niemeyer explorará materiais de
expressividade vernacular. Além de seu uso na treliça de Athos Bulcão, as madeiras
serão utilizadas no desenho dos peitoris e recobre as faces largas dos pilares internos,
enfatizando o valor da a estrutura da arcada, ao minimizar a participação das estruturas
internas no funcionamento estrutural geral do Palácio.
Niemeyer usa os mármores e os granitos como materiais que traduzam a perenidade de
um palácio, valorizando as pedras de extração nacional —mármores Italva, Santo Antônio
e granito Andorinha. Sob controle da paginação de Athos Bulcão, os pisos asseguram a
continuidade entre os espaços, distinguindo as funções do Palácio. Mármores e granitos
são tomados como material de uso relacional —cuja flexibilidade faz com que seja ora
piso, ora parede, acentuando os contrastes cromáticos entre a paginação dos pisos e a
modulação do revestimento das paredes. Também são enfatizados os graus de polimento
de sua superfície, dando maior rendimento plástico ao mesmo material, ampliando os
contrastes e as texturas.

O material industrializado largamente utilizado é o alumínio para solucionar a caixilharia
do edifício, fortalecendo também a “unidade arquitetural”. O rigor de suas duas
modulações otimiza a produção dos perfis, bem como a execução da vedação de todo o
Palácio, num desenho de legível racionalidade. O prolongamento da caixilharia de
vedação da “caixa” de vidro como desenho do próprio peitoril da varanda transforma a
percepção das dimensões do próprio edifício. As leves janelas em guilhotina representam
a autonomia dos usuários, libertando os funcionários do controle exclusivo de suas
aberturas. O vidro é outro material industrial largamente empregado, quer seja como
vedação da vasta caixilharia, quer seja como material de revestimento. Seus vidros
escuros —do tipo fumê— se diferenciam dos vidros verdes dos demais Palácios,
obstruindo a plena percepção do seu funcionamento interno visto de fora, embora esta
relação dentro/fora seja mantida em seu interior. Niemeyer valorizou a capacidade de
espelhamento dos planos de vidro, considerando suas propriedades reflexivas, por sua
geometria precisa e homogênea, ao invés de usar espelhos como no velho palácio.
Destaca-se uma grande superfície assim revestida, junto das salas de recepção
implantada precisamente no eixo médio do arco, que através do reflexo completa a
imagem de seu desenho, ao mesmo tempo em que protege as salas do sol poente e
dinamiza a espacialidade dessas salas com jogos de reflexos.



10. CONCLUSÃO
Em abril 1967, o Palácio, finalmente mobiliado e equipado com com obras de arte, abriga
sua primeira recepção oficial, encerrando o mandato do Gal. Castello Branco, cujo último
ato foi a assinatura do decreto que batizava o palácio com o nome consagrado
internacionalmente à chancelaria brasileira: Palácio do Itamaraty. Num ato de
reconhecimento da coisa pública que o Palácio representava para a cidade, no dia
seguinte —feriado nacional e local de 21 de abril— Murtinho abre o Palácio à visitação
pública, mantendo-o impecavelmente como no dia anterior, recebendo um grande número
de visitantes, legitimando seu vínculo com a cidade. No ano seguinte, o Itamaraty
receberia a Rainha da Inglaterra —evento que dominaria a vida social da cidade à qual
se integrara completamente— até sua inauguração definitiva em 20 de abril de 1970.
Nesta ocasião, o empenho de Murtinho e seus então auxiliares foi reconhecido, numa das
muitas atividades da agenda diplomática daquele dia, que culminou com um baquete nos
salões, em meio aos quais não há indícios da presença de JK, Lucio Costa, Niemeyer,
Athos Bulcão ou Milton Ramos, mas sabe-se que Pelé era a grande personalidade que
circulava sobre seus tapetes, entre autoridades de diversas patentes, dominando a
grande área dos salões e da varanda.

Passados dez anos do início das obras, no contexto do “milagre econômico” e das
grandes obras de Itaipu e da trans-amazônica, o Palácio do Itamaraty de Niemeyer se
instaura em definitivo na paisagem de Brasília e no campo da arquitetura brasileira. Neste
projeto, ele domina a complexidade arquitetural intrínseca ao programa e sem exacerbar
sua fala de praxe em defesa da forma, acentuando o teor do discurso, sem banalizar sua
convicção política. Enquanto a arcada permanece como o fator imagético supostamente
apreendido pelo visitante e pelo usuário, o arquiteto transforma o funcionamento da
instituição, revolucionando sua própria arquitetura, revigorando e subvertendo os
significados que só ele mesmo pode instaurar. Neste sentido, a autonomia do projeto
frente ao debate e à produção nacional ou estrangeira já não fazia sentido, pois o
arquiteto alcançara, há muito, uma autoridade indiscutível que perdura como valor
absoluto, balizando todo o campo do conhecimento a que suas obras, involuntariamente,
pertencem.

Se o Palácio do Itamaraty conseguiu a proeza de sedimentar no cerrado a presença dos
vetores mais destacados do modernismo brasileiro —Lucio Costa, Niemeyer, Burle Marx,
Portinari, Volpi, Athos Bulcão— num contexto social e político que já não correspondia
mais àquela modernização almejada idealmente outrora, sua problematização pode
contribuir para o reconhecimento dos próprios processos históricos da arquitetura
brasileira. Assim, é possível instaurar novas referências críticas para outras abordagens
para o campo arquitetônico, reconhecendo também que a complexidade da obra
arquitetônica não se origina isolada e idealmente num contexto sócio-cultural. A
arquitetura existe e passa a existir interagindo plenamente com este contexto, quer seja
concordando, quer seja negando, quer seja subvertendo, quer seja atacando ou acatando
valores numa condição de tensão permanente, inclusive projetando “contra”.

AGRADECIMENTOS
Luiz Antonio Ewbank (ERERio), Min. Paulos Cezar Camargo, Roberto Luiz Arraes Lopes (MRE),
Arq. Patrício (MRE), Carlos H. Magalhães, Hugo Segawa, Fernanda Fernandes e Sylvia Ficher.




REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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ARGAN, Giulio Carlo. De Michelangelo ao futurismo. São Paulo: Cosac Naify, 2003

ARGAN, Giulio Carlo. História da arte como história da cidade. São Paulo: Ática, 2005.

BOJUNGA, Cláudio. JK o artista do impossível. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

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Correio Braziliense. Edições: 19/set/1966; 20/set/1966 e 21/abril/1970

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A estreita porta da diplomacia. In Revista MANCHETE nº.373, 15/junho/1957, p.66-69.

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FRAMPTON, Kenneth. História Crítica da Arquitetura Moderna. São Paulo, Martins Fontes,
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1996.

Revista Manchete: 13/junho/1957 e 28/março/1970 e 25/abril/1970

MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Porto Alegre: L&PM, 2007.

MENDES, Manuel. O cerrado de casaca. Brasília: Thesaurus, 1995.

MUNFORD, Lewis. A cidade na história. São Paulo: Martins Fontes, 2004

MURTINHO, Wladimir do Amaral. Depoimento – Programa de história oral. Brasília: Arquivo
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NIEMEYER, Oscar. As curvas do tempo – Memórias. Rio de Janeiro, Ed. Revan, 2000.

NIEMEYER, Oscar. Quase memória: viagens, tempos de entusiasmo e revolta – 1961-66. Rio
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Palácio Itamaraty Brasília: Brasília, Rio de Janeiro. São Paulo: Banco Safra, 2002.

Patrimônio construído: as 100 mais belas edificações do Brasil. São Paulo: Capivara, 2002.

Da poeira fez-se o glamour. In Revista do Correio Braziliense nº.133, 20/abril/2008, p.24-33.

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RIBEIRO, Guilherme Luiz Leite. Os bastidores da diplomacia: o bife de zinco e outras
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Artigas e Lina Bo Bardi: nexos da arquitetura brasileira pós-Brasília (1960-85). São Paulo:
FAU-USP, 2007. Tese de    Doutorado.

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De Tordesilhas ao Mercosul – uma exposição da história da diplomacia brasileira. Catálogo
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arquitetura de Oscar Niemeyer (1935-1998). São Paulo/FAU-USP, Tese de Doutorado, 2000.
XAVIER, Alberto (Org.). Depoimento de uma geração. São Paulo: Cosac & Naify, 2003.

Desenhos e plantas do projeto arquitetônico do Palácio do Itamaraty. Arquivo do
Departamento de Arquitetura do Itamaraty. Brasília; desenhos não publicados, de consulta e uso
restritos.

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O Palácio do Itamaraty de Oscar Niemeyer em Brasília

  • 1. PALÁCIO DO ITAMARATY: QUESTÕES DE HISTÓRIA, PROJETO E DOCUMENTAÇÃO DE ARQUITETURA (1959-1970) ROSSETTI, Eduardo P. Universidade de Brasília. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo SQN.206, Bloco A, ap.305 – Brasília/DF CEP:70.844-010 eduardo_rossetti@hotmail.com & rossetti@unb.br RESUMO A partir projeto de Oscar Niemeyer para o Palácio do Itamarty de Brasília, este artigo investiga as ações de um arquiteto, a dinâmica de produção e a resolução de um projeto arquitetôncio, a fim de explorar as questões entre suas concepção, suas soluções, seus espaços e a dinâmica sócio-política com a qual interage. Assim, é possível ampliar as abordagens sobre uma obra arquitetônica, investigando novos nexos que a historiografia não explorou, contribuindo para a ampliação das abordagens sobre a arquitetura brasileira pós-Brasília. Além das fontes comuns para tratar de um fato arquitetônico —desenhos, croquis, livros do e sobre o arquiteto— interessará trabalhar com as memórias de um diplomata, o depoimento de um embaixador, os desenhos do arquivo do Itamaraty, bem como a história da institução. Assim, é possível ampliar as problematizaçõe da leitura do projeto, ao mesmo tempo em que as categoria espaciais e construtivas da obra são exploradas. Palavras-chave: Itamaraty, arquitetura pós-Brasília, Oscar Niemeyer FIGURA 1: Palácio do Itamaraty, Brasília. FONTE: Eduardo Pierrotti Rossetti, 2008.
  • 2. 1. INTRODUÇÃO Dentro das perspectivas que configuram um campo do conhecimento é fundamental elaborar as tramas em que um arquiteto atua e onde suas arquiteturas existem. A abordagem das ações específicas de um arquiteto e seu discurso pode contribuir para a configuração de um quadro mais diversificado da arquitetura brasileira. Assim, a investigação da arquitetura de Oscar Niemeyer a partir da sede do Ministério das Relações exteriores do Brasil —o Palácio do Itamaraty de Brasília (1959-1970)— pode revelar questões referentes à complexa trama da arquitetura brasileira pós-Brasília, alargando os recortes já consolidados. Esta condição pós-Brasília se caracteriza pela a manutenção de questões e posturas modernas em diálogo com novas questões e outras posturas, que já não correspondem dogmaticamente às premissas modernistas, mas nem tampouco são pós-modernas. Trata-se de uma dilatação do sentido da modernidade inerente à arquitetura brasileira que, para além de uma linguagem já consolidada, mantém o debate local refratário às críticas ao Movimento Moderno, que são contemporâneas à Brasília —o ponto máximo de nossa modernidade. Assim, interessa ampliar a carga discursiva e a complexidade arquitetônica do Palácio do Itamaraty, revelando questões que não puderam ser consideradas por outros focos investigativos. Para tanto, é preciso empreender uma operação historiográfica que tome a arquitetura como um dos índices do discurso do arquiteto. Manfredo Tafuri (1988) propõe que tal operação aborde o caráter fragmentário da arquitetura, explorando os valores e questões correlatos à sua produção e sua construção para instaurar novas instâncias para sua compreensão, quando serão estabelecidos os seus novos nexos arquitetônicos latentes. Para tanto, é uma estratégia legítima usar diferentes fontes e referências para construir esta história da obra arquitetônica, e construir o teor crítico da abordagem valendo-se da revisão historiográfica, tanto quanto da enunciação de aspectos inéditos sobre o projeto. No caso do Palácio do Itamaraty, tornam-se igualmente válidos os depoimentos de jornalista e diplomatas, as abordagens historiográficas já consolidadas e o discurso de Niemeyer. Valerá ainda explorar as maquetes e os desenhos das etapas de desenvolvimento do projeto, os croquis, as soluções construtivas e o repertório iconográfico com fotografias da construção até seu estado atual. Some-se a isso tudo a história da própria instituição que o edifício abriga. O Palácio do Itamaraty permanece como um projeto não publicado nas páginas das revistas nacionais de arquitetura. Se foi registrado e indexado por Yves Bruand (1981) em seu livro fundamental, tampouco foi retomado criticamente em publicações congêneres. Só recentemente, os dois palácios da diplomacia brasileira foram incluídos numa mesma publicação sobre arquitetura, mas no entanto foram tratados em separado, sem maiores correlações, o que se mostra uma oportunidade apenas parcialmente explorada na ampliação das complexidades de abordagem do Palácio do Itamaraty de Brasília, embora as leituras estejam adequadas aos objetivos da publicação. Por outro lado, o Palácio do Itamaraty também é abordado no recorte estabelecido por Segawa (1999) quando investiga criticamente todo um século da produção nacional. Ou seja, o Palácio do Itamaraty demanda abordagens que revelem suas múltiplas complexidades. A abordagem de Bruand é desenvolvida mediante seus contatos diretos com Niemeyer, visitando o edifício em 1969, quando já concluído. Bruand omite as contribuições e colaborações de outros arquitetos, calculistas e artistas, referindo-se, apenas a Lucio Costa e Le Corbusier. As omissões de Burle Marx e Wladimir Murtinho são quase injustificáveis, pois além de mostrar os jardins, afirma que o palácio é formulado a partir de nossas “tradições diplomáticas”. Bruand desconsidera ainda a indicação para ministérios diferenciados já apontada no Plano Piloto de Costa, o que ampliaria ainda
  • 3. mais a singularidade do Ministério por ele justamente destacada. Contudo, Bruand ressalta a “verdade estrutural” do Palácio e resiste ao encantamento formal das arcadas, confirmando uma “reviravolta” na obra de Niemeyer devido ao uso do concreto aparente. A carga representativa do programa não lhe escapa, mas ao tratar dos interiores, pouco explora sua. Ele tampouco explora a dinâmica espacial interna dos salões sociais, a integração das obras de arte e os móveis, que configuram a beleza sem ostentação a que se refere. Bruand também deixa de apontar as correlações entre a nova sede da diplomacia e sua velha matriz carioca —um expressivo palácio neo-clássico de filiação francesa. Ainda assim, sua contribuição é inegável, pois o Palácio do Itamaraty é abordado junto com os demais palácios de Brasília, definindo uma perspectiva que norteará outras abordagens. 2. BRASÍLIA PÓS-JK Superada a euforia da inauguração da nova Capital Federal, a implementação de seu plano urbanístico sofreu abrupta interrupção no ritmo de implantação, alterando o andamento das obras arquitetônicas em curso. Diferentemente do Presidente Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros estancou os cronogramas que demandavam ações governamentais coesas para a consolidação da cidade. Apesar deste contexto político, da grita reacionária pelo abandono de Brasília, JK havia deixado a cidade numa condição irrevogavelmente implantada, repercutindo em âmbito político, social e cultural. Enquanto isso, as obras de Niemeyer sofriam atrasos, vetos e ingerências. É neste contexto de impasses o projeto arquitetônico de Niemeyer para o Ministério das Relações Exteriores será revisto, refeito e desenvolvido, tornando-se a sede governamental mais relevante no funcionamento pleno da nova Capital. Será nas circunstâncias políticas pós-64 que o projeto e a obra do Palácio do Itamaraty serão implementadas. Paradoxalmente, houve interesse do novo chanceler pelas obras, assegurando sua continuidade e a manutenção da equipe de arquitetos, técnicos e funcionários já comanda por Wladimir de Murtinho (1990). Sua expectativa inicial indicava um temor contrário, pois “...a primeira coisa que eu fiz foi retirar os planos, as plantas, resguardar, [com] medo de que queimassem os projetos, e retardassem a construção...”(sic). No entanto, 1964 foi um ano decisivo na efetiva consolidação do Itamaraty em Brasília. As obras do Palácio passam a fazer parte das visitas oficiais de autoridades estrangeiras em passagem por Brasília. Murtinho coordenava a rotina semanal de visitações que eram acompanhadas por jornalistas e fotógrafos. Havia inclusive uma sala “decorada” com a maquete do palácio e desenhos afixados na parede. A consolidação da cidade estava condicionada à transferência do Itamaraty, pois mais do que um ministério transplantado, o novo palácio deveria corresponder às expectativas e perspectivas políticas da diplomacia brasileira, abrigando as funções daquela instituição que fora o baluarte da formação e da constituição da nação e que deveria contribuir com seu capital simbólico, emanando-o para além dos domínios das arcadas de sua nova sede (Ribeiro, 2007). A força institucional da “Casa”, transcende em muito as funções comuns da diplomacia —representar, negociar e informar— pois a história de sua primeira sede se confunde com a própria consolidação da República. O Palácio do Barão do Itamaraty foi a sede do governo republicano desde o Marechal Deodoro da Fonseca até o presidência de Prudente de Morais, quando a sede do poder executivo é transferida para o Palácio do Catete. A partir de 1897 a ex-casa do Barão do Itamaraty passa a pertencer à chancelaria brasileira onde permaneceria instalada até 1970, emprestando-lhe também o seu nome.
  • 4. 3. O PLANO PILOTO, O NOVO ITAMARATY E SEU LUGAR NA ESPLANADA O novo palácio em Brasília, além de corresponder à expansão administrativa em curso, poderia significar uma oportunidade efetiva de modernizar a Casa. Neste sentido, Murtinho (1990) afirma que “...estamos não apenas transferindo um Ministério, mas provocando uma revolução administrativa, uma experiência única no Brasil.” Ainda em setembro de 1960, a pedra fundamental é lançada pelo Presidente JK, na presença de muitas autoridades em meio a terra vermelha do canteiro de obras, inaugurando uma cruzada construtiva que perduraria dez anos. O palácio já era objeto de reflexão de Niemeyer, ao menos desde 1959, pois em junho uma edição da revista Brasília apresenta duas fotografias do futuro palácio. Diferentemente da divulgação de outras obras do arquiteto, não havia nem desenhos, nem croquis, nem textos, somente a legenda sobre as fotos, deixando a imagem em estado latente para ser interpretada. Este é primeiro projeto do Palácio a ser divulgado, o que deixa margens a especulações sobre seus desenhos e croquis. Mas a partir das fotografias contata-se que este palácio já apresenta o partido que caracterizaria sua versão final: um projeto configurado com a relação entre edifícios, ou seja, um edifício representativo e outro administrativo. Há uma colunata no bloco representativo que remete à solução do Palácio do Supremo Tribunal Federal: uma sucessão de colunas nas faces Leste e Oeste recuadas sobre a cobertura de uma volumetria que abriga uma caixa vítrea suspensa e com planta aparentemente quadrada. Sua face envidraçada Norte fica voltada para o Eixo Monumental, no limite da projeção da laje de cobertura, sem recuos. O bloco administrativo possui cinco pavimentos, correspondendo em altura à metade do ministério-tipo da maquete. O térreo da maquete apresenta mudança de textura, sugerindo diferentes pisos e um térreo mais acessível e permeável que os demais palácios. Junto ao Eixo fincam-se nove mastros de bandeiras. Os pilares e as colunas são retilíneos, com arranque destacado para receber as vigas. Há modulação da caixilharia, com quatro módulos de esquadrias para um módulo estrutural. Não há indicação de espelho d'agua, assim como parece não haver conexão externa entre os blocos, talvez restrita ao subsolo. A linguagem da maquete sugere um concreto branco e não uma solução que deixe-o aparente, em seu estado bruto. Destaca-se a presença significativa de um último piso livre coberto por uma laje de cobertura com três vazios retangulares, que são os fatores de maior correspondência desta proposta com o palácio atual. Esta proposição de 1959 já apresenta grande relação com a pré-figuração do palácio contida no Plano Piloto de Lucio Costa. Em seu relatório é anunciada a distinção do Ministério das Relações Exteriores e do Ministério da Justiça em relação aos demais blocos ministeriais. Assim, Lucio Costa, corrobora Murtinho (1990) quando afirma que “O Ministério das Relações Exteriores é uma instituição extremamente diferente dos outros ministérios...” Neste sentido, vale considerar que Costa havia pertencido aos quadros da Casa, possuindo certa intimidade com o cotidiano diplomático e suas especificidades. Assim, o menos o lugar do futuro Palácio do Itamaraty já estava localizado. Implantado na cabeceira da Esplanada dos Ministérios, ele estrutura a transição entre o núcleo central da espacialização do poder definida na Esplanada. Murtinho (1990) considera “...a posição do Ministério das Relações Exteriores é toda peculiar, ela está justo na entrada da Praça dos Três Poderes, ou seja, é quase uma portaria.” O novo palácio foi concebido de acordo com o conceito de “unidade arquitetônica” postulado pelo próprio Niemeyer para conceber a Praça dos Três Poderes. Tal princípio estabelece uma equivalência
  • 5. plástico-formal entre diferentes edifícios, articulando-os através de uma hierarquia arquitetônica que se constrói através das relações entre as modulações das colunas, das escalas entre os edifícios e até da caixilharia, formulando um conjunto arquitetônico que resguarda suas diferenças dentro de uma unidade. Nesta estratégia projetual, a manutenção do conceito de unidade arquitetônica foi tensionado com o acento na diferenciação do Itamaraty, subvertendo a brancura com o concreto armado aparente. Para salvaguardar a unidade, Niemeyer valoriza a arcada como fator de diálogo com as colunatas dos demais palácios. (Valle, 2000). Lucio Costa demonstra também conhecer a importância cerimonial dos poderes políticos e sua espacialização no território da cidade, pois enfatiza a qualidade de seu Plano valorizar perspectiva do conjunto arquitetônico da Esplanada (Munford, 2004). Contudo, os poderes democráticos demandavam mais que os edifícios dos “Três Poderes”, pois “...a parte representativa da Presidência da República não é feita no palácio [do Planalto], mas sempre feito no Ministério das Relações Exteriores...” Entre 1958-60, Murtinho discutira o projeto com Niemeyer, acompanhando-o na elaboração do projeto, possivelmente correspondente àquele da maquete publicada. Para tanto, fornece-lhe um dossiê contendo informações referentes ao funcionamento, às demandas e aspectos programáticos do Ministério, mas Niemeyer perde este dossiê! Para sorte do Palácio, havia uma explícita cumplicidade entre Costa, Niemeyer e Murtinho, além daquelas colaborações que não tramitavam nos domínios exclusivos da prancheta de seu autor. 4. O PALÁCIO DOS ARCOS (1962-63) É inegável que autoria do projeto arquitetônico é de Oscar Niemeyer. No entanto, a contribuição de Wladimir Murtinho se estende além de sua função oficial, empenhando-se decisivamente para transferir a Casa para o Planalto Central. Ele formou uma tríade com Luiz Brun de Almeida Souza e Rubens Antonio Barboza. Os diplomatas trabalhavam inicialmente nas salas do Ministério da Saúde, ao lado das obras, acompanhando a rotina do canteiro. Será amparado por tais colaborações nos âmbitos burocráticos e jurídicos que Niemeyer poderá efetivamente projetar o seu Palácio do Arcos. Simultaneamente, havia uma equipe de arquitetos, engenheiros, calculistas e artistas plásticos trabalhando no projeto do palácio. Na condução dos desenhos, o arquiteto Olavo Redig de Campos —integrante dos quadros do Itamaraty— se reportava à Murtinho, mas ao mesmo tempo coordenava as ações de Jayme Zettel e Roberto Scorzelly, que pertenciam a equipe do Ministério. Já o arquiteto Milton Ramos, além de estar vinculado à Construtora Pederneiras, representava o próprio Niemeyer na obra de Brasília, atuando com desenvoltura e empenho para corresponder ao cargo que lhe fora investido. A presença de Milton Ramos é fundamental, ao que Murtinho (1990) afirma: “Milton Ramos, fez um trabalho admirável (...) ele dedicou corpo e alma à execução do prédio, à construção . Não há um detalhe que não tenha sido desenhado, pensado e feito.” Se a autoria é inquestionavelmente de Niemeyer, os dividendos do grande feito em que o Palácio se consubstancia paulatinamente, podem ser diplomaticamente repartidos, de acordo com as especificidades de cada um dos colaboradores, desde os arquitetos, até os artistas plásticos, Burle Marx e outros. Murtinho (1990) reconhece que Niemeyer “... teve um admirável arquiteto para desenvolver e assistir a execução do projeto, que era Milton Ramos (...) Tínhamos uma série de arquitetos do Itamaraty, que faziam a parte de complementação, explicações, desenvolvimento, especialmente da parte de decoração. Então o principal deles era o Olavo Redig de Campos.” Deste modo, ele diferencia as
  • 6. incumbências de cada arquitetos, indicando maior participação de Olavo na qualificação dos espaços internos e nas soluções dos salões sociais, considerando que sua formação em Roma lhe diferenciava. Para Murtinho (1990), Olavo “...tinha portanto um conhecimento do que são salões, do que é espaço (...) do que é luxo.” Havia ainda as colaborações ad hoc de funcionários que oficialmente pertenciam a NOVACAP, como o calculista Samuel Rawet. Neste sentido, detecta-se um respeito incondicional ao autor, cujo distanciamento do canteiro de obras não compromete a execução do projeto de acordo com seu traço. 5. FORMA, FUNÇÃO E PROGRAMA O Palácio do Itamaraty adota a estratégia de articular os edifícios distintos, aprimorando aquela solução de 1959. Niemeyer manteve a divisão entre um edifício representativo e outro administrativo, sem pretender abarcar todo o programa num único edifício. Haveria ainda um terceiro edifício com restrições de abertura ao exterior, próprio para abrigar documentos e arquivos sigilosos. Esta articulação entre os dois blocos principais existe desde sua gênese, não se tratando meramente de um bloco secundário acoplado ao magnífico palácio, desvirtuando uma suposta autonomia de outrora. As duas edificações são desenhadas simultaneamente, havendo somente uma diferença no cronograma de construção, em que o bloco representativo tem precedência. Ou seja, o Palácio sempre possuiu um bloco horizontal que define um fundo contra o qual se destacam as arcadas. O raciocínio projetual é desenvolvido a um só tempo, com esta articulação entre edificações, corroborando Argan (2005) “...a arquitetura é, por excelência representativa.” Este aspecto de simultaneidade foi pouco destacado por Bruand, causando uma interpretação errônea do partido arquitetônico. Ainda que o bloco administrativo seja denominado Anexo I, ele abriga gabinetes, sub-secretarias, departamentos e divisões do Ministério. Neste sentido, “...o palácio é extremamente funcional, tem essa interligação da parte administrativa, com a parte representativa, que funciona muito bem.” (Murtinho, 1990) Dentre os programas arquitetônico, um palácio se apresenta como um programa cuja natureza é ser representativo, de caráter atemporal. Segundo Bruand (1981), a viagem de Niemeyer em 1955 teria sido o momento oportuno em que ele “Compreendeu o proveito que seus predecessores tinham conseguido tirar da galeria de arcadas ou de colunas que sustentam um arquitrave; aprendeu imediatamente que esse meio de expressão (...) conservava um valor permanente tanto no plano funcional, quanto no estético.” A ênfase crescente na valorização do simbólico nos projetos de Brasília, corresponde à guinada crítica de Niemeyer em direção à contemporaneidade, o que se faz mediante ao controle do programa arquitetônico. Para tanto, o arquiteto hierarquiza as questões e soluções que merecem exploradas e suas subordinações. Assim, embora a carga simbólica referente ao Palácio do Itamaraty seja muito densa, os usos de suas dependências precisam ser muito flexíveis, sendo o um programa mais complexo que os ministérios-tipo que já projetara. O próprio Murtinho (1990) reconheceria que “...é um ministério extremamente complexo.” Porém, reconhece que tal complexidade programática já havia sido testada por décadas, fazendo do palácio carioca a matriz inequívoca dos novos espaços. No Itamaraty, a função do diplomata é representar, negociar e informar, empreendendo um conjunto de ações representativas, ratificando a presença ou compromisso do Estado em nome do qual se atua. Ou seja, as funções de trabalho implicam em despachar, fazer reuniões, condecorar, homenagear, protocolar, assinar atos, conceder entrevistas, etc; tanto quanto implica em dar recepções, jantares e almoços, promover coquetéis e demais festividades de caráter público que suas
  • 7. atividades cívicas demandam, no cotidiano da política internacional. Assim, o Palácio deve possuir espaços para o Brasil exercitar sua habilidade diplomática do Brasil entre as demais nações, como espaços para efetivar as trocas simbólicas, mediante a encenação protocolar de sua praxe. A terminologia é do próprio Murtinho (1990): “...o Ministério das Relações Exteriores é extremamente encenado...” ou seja, faz parte de sua concepção do programa do Palácio “... permitir a pompa e fazer com que isto seja o elemento que, talvez, caracterize o palácio.” No desdobramento destas cerimônias, diferentes graus de formalidade são demandados, fazendo com que o uso do Palácio do Itamaraty seja intermediado pelos códigos culturais e comportamentais daqueles que habitam e se apropriam de seus espaços de uso também coletivo. Através da arquitetura, Niemeyer assegura que deve haver condições simbólico-espaciais singulares para exercitar as atividades diplomáticas. Os espaços do Palácio correlacionam através de espaços com diferentes graduações de acesso e permanência. Os vestíbulos, os salões sociais, as salas, os jardins e a varanda possuem escalas de intimidade e formalidade que se definem não somente pelo cerimonial, mas também pelo comportamento e ação dos convidados e anfitriões. 6. AS ARCADAS DO ITAMARATY “O clássico e o moderno se harmonizam, numa façanha inédita.” Revista Manchete Embora Oscar Niemeyer (Petit, 1998) afirme que “...não se faz o novo inspirando-se no antigo...” a análise de Bruand reforça a hipótese de “partido grego” como referência de Niemeyer nas soluções dos diferentes palácios governamentais. O Palácio seria “...uma realização tipicamente contemporânea, tanto técnica, quanto esteticamente...” pois nele o concreto adquiriu uma “nobreza e delicadeza sem igual”. Assim, a inovação não é o material, mas está no fato de que a rudeza do concreto foi sublimada. Mais do que a caixa de vidro, destaca-se a estrutura, denominada por Bruand de “colunata” para sustentar o “partido grego” antes sugerido. A colunata é uma das estratégias projetuais pertinentes à formação do repertório de Niemeyer. Contudo, neste caso, de acordo com Argan (2003), parece ser mais preciso denominar tal estrutura de “arcada”, uma vez que sua configuração final é definida por uma sucessão ritmada de arcos plenos. O próprio Niemeyer (Xavier, 2002) fornece a senha desta precisão ao comentar a estrutura do Palácio dos Doges em Veneza: “...com suas esplêndidas arcadas (...) destinadas a criar um contraste violento com as paredes planas e pesadas dos andares superiores.” Assim, embora a arcada não tenha uma função estrutural absoluta de sustentar as lajes e todos os níveis do Palácio, a arcada possui a função estrutural de sustentar toda a carga simbólica do Palácio, como na velha sede. A super-estrutura da arcada define a força imagética do Palácio na Esplanada, no espaço urbano da cidade-capital. Sua presença reforça a função comunicativa da arquitetura, assinalada por Argan (2005): “Os monumentos urbanos uma razão não apenas comemorativa, mas também didática: comunicavam a história das cidades, mas comunicavam-na em uma perspectiva ideológica...” O controle da estrutura se faz pela modulação dos vãos da arcada, constituída por uma sucessão de 12 arcos plenos idênticos (R=2,80m), arrematados por dois arcos diferenciados —ligeiramente menores (R=2,497m)— em cada uma das faces de suas
  • 8. extremidades, totalizando 14 arcos em cada uma de suas 4 faces. A arcada define uma trama geométrica com módulo (M) de 6m entre seus eixos —tão forte que balizará as plantas com uma trama de módulos de 6x6m. Assim, a extensão da arcada corresponde 14M acrescidos da diferença dos arcos da extremidade. A trama destes é ligeiramente maior e ao invés de estarem contidos num retângulo ideal de 6x14, possuem 1m a mais, ou seja, 7x14. Assim, a arcada tem o comprimento de 86m, delimitando uma planta quadrada. Os 14 arcos correspondem ao dobro dos arcos da fachada da velha sede de com sua frontaria alinhada ao logradouro, na razão 1:2:1. No novo Palácio, esta proporção é re-estabelecida pelo sistema estrutural das coluna internas que perpassam a laje e se solidarizam com a super-estrutura da arcada, definindo espaçamentos na razão de 3:6:3 arcos, ou seja, a mesma razão 1:2:1. Como Fídias, Milton Ramos foi responsável por ajustar estas relação entre os arcos plenos e os arcos das extremidades através da solução da correção visual. Esta correção visual articula a estruturação da percepção dos arcos sem romper com o ritmo dos vazios da própria arcada. Para tanto, ocorre uma sensível redução do seu raio (R=2,497m), bem como foi definido um arco com sutis alterações no traçado de sua curvatura. De acordo com o desenho, a altura do arranque dos arcos é a mesma, porém, no término do arco da extremidade a linha curva tangencia a coluna num ponto inferior àquela altura do arranque, com uma diferença de 1,06m. Assim, este arco diferenciado da extremidade termina seu desenho abaixo do arco pleno, mas ainda aprumado com a altura da laje do piso da varanda, sustentando o ritmo da arcada. O desenho deste arco da extremidade é formado por segmentos de curva com 3 raios distintos, traçados a partir de uma linha 15cm abaixo da linha-base do arco pleno, a fim de ajustar a curvatura e sua tangência com a coluna da extremidade, que possui em planta , um inclinação de 45º em relação ao alinhamento da arcada. Tratam-se de os recursos construtivos e ópticos que influem na percepção da arcada, bem como na própria forma do Palácio, ratificando o cuidado em sua construção ao adotar um procedimento clássico inconteste. A qualidade expressiva do concreto da arcada —que define a um só tempo a estrutura e a forma— é obtida a partir de um minucioso desenho das fôrmas de seu processo construtivo, qualificando a sua textura final. Para tanto, Milton Ramos estudou o desenho das fôrmas, construindo inclusive modelos em escala 1:1 para definir um arranjo padronizado das peças de madeiras para imprimir no concreto a textura desenhada por Niemeyer. Sua força está em dissolver o contraponto entre uma textura cuidadosa que não prejudica o tônus estrutural da arcada, que por sua vez também não se sobrepõe à função da forma. O desenho dessa textura é marcado por frisos horizontais estreitos ao longo de toda a coluna do arco, desde o arranque até o meio de sua curvatura, sendo simetricamente completado. Os frisos evocam o ponto central que gerou o desenho do arco pleno que constrói a arcada. Ou seja, a fôrma contribui para a força da forma. Ramos contrapõe a presumida rudeza do concreto com uma solução brutalmente delicada. A esbelta dimensão das colunas dos arcos acentua este contraste entre a solidez da estrutura e a leveza da forma. Seu caráter estático adquire um efeito mutante através das perspectivas que seus arcos abrem e fecham com o deslocamento do ponto de vista do observador, tanto externa como internamente. Os arcos do Itamaraty adquirem e perdem espessura e peso, movendo-se dinamicamente com o olhar de quem vivencia seus espaços e para quem contempla sua escala monumental. Sua volumetria adquire uma força plástica ainda maior quando de seu espelhamento na superfície das águas em que emerge como um palácio flutuante, como o Meteoro de Bruno Giorgi. Bruand (1981) reforça a articulação entre forma e cor na elaboração projetual do Palácio do Itamaraty, quando assinala que a cor ocre do concreto tem a capacidade de qualificar
  • 9. sua textura, dignificando o concreto que poderia ter sido meramente bruto. Outro resultado desta solução do traço do concreto revela uma particularidade cromática, tornado-o incomum, e no limite, exclusivo. Esta expressividade do concreto confere a ele uma carga latente de significado telúrico, como uma metáfora da terra do Cerrado impregnada na própria arcada. Em função da cor, ela adquire variados efeitos de douramento, tornando-se sublime quando iluminada pela luz solar incidente ou artificialmente, o que revigora também sua inserção na paisagem noturna da Esplanada. O seu contraste com os alvos palácios da Praça dos Três Poderes é re-estabelecido e Niemeyer amplia a percepção da potência formal da arcada do Palácio do Itamaraty, redimensionando seu impacto formal e imagético, sem reduzir a qualidade de seus espaços. O Palácio do Itamaraty articula-se assim, com uma chave temporal que evoca os capciosos artifícios retóricos que dissimulam os efeitos espaciais e construtivos presentes tanto na Igreja de São Francisco, em Salvador, como na Igreja de Nossa Senhora do Pilar, em Ouro Preto. Em ambas, o douramento e a solução de suas superfícies parietais internas causam estímulos óticos que transformam a percepção de suas dimensões, de suas estruturas e formas. Contudo, vale lembrar a restrição de Sophia da Silva Telles (1988): “...é preciso cuidado ao se aceitar tão simplesmente a referência barroca no desenho de Niemeyer...” De acordo com ela, a identidade de Niemeyer com o barroco se faria mais pela autonomia da imaginação do que pelas formas, ao que ele reafirma: “A curva me atraia. A curva livre e sensual que a nova técnica sugeria e as velhas igreja barrocas lembravam.” O arquiteto acentua o impacto trans-temporal ao alinhavar na mesma perspectiva a tradição e o futuro, fazendo o conjunto arquitetônico da nova Capital corresponder às impressões otimistas do escritor Audous Huxley (Bojunga, 2001): “Vim diretamente de Ouro Preto a Brasília. Que jornada dramática através do tempo e da história! Uma jornada do ontem para o amanhã, do acabado para o que está prestes a começar, de conquistas antigas às novas promessas. 7. MODULAÇÃO X SOLUÇÕES A modulação estabelecida na forma e na estruturação da arcada é mantida na resolução dos espaços internos, nas divisões e no arranjos das plantas, funcionando como uma regra projetual a ser respeitada, mas também oportunamente subvertida, através de seu múltiplos e sub-múltiplos. O módulo é 6m, e Murtinho (1990) lembra que “...12 por 12 metros (...) é uma proporção de palácio italiano...” Inscrevem-se assim, as dimensões do gabinete do ministro dentro da modulação de Niemeyer, tanto quanto a obra da Mary Vieira, o “Ponto de encontro”, que está implantado de acordo com a trama de eixos da modulação 6x6m, com seu elemento vertical distando 12m (2M) do jardim e de outro lado dista 6m (1M) da parede. Este rigor também está presente na solução da caixilharia, que é modulada em 1/5M, com 5 partes de 1,20m cada, ou ainda na caixilharia dos salões superiores em que cada porta pivotante mede ¼M, ou seja, 1,50m. O controle que Niemeyer faz desta precisão geométrica se traduz como a ordem de seu próprio tratado, em que a técnica deve potencializar a forma, como um recurso sofisticado que define uma estrutura a ser apreendida como imagem. Neste sentido, “...poderíamos dizer que Niemeyer é um clássico” (Telles, 1988). Assim, enquanto o valor simbólico subordina as demais decisões projetuais, as relações entre a verdade estrutural e o edifício podem ser aferidas através da rigorosa construção das plantas do Palácio. Niemeyer concebe uma planta que organiza seu programa em três pavimentos, distribuindo seus espaços rigorosamente dentro da trama de 6x6m. As
  • 10. áreas são derivações destas dimensões, tais como: 3x6, 6x4,5, 6x9, 12x30, 18x18 até 30x60m. Esta organização da planta que subordinada a modulação se faz notar na definição do vestíbulo do térreo que tem uma dimensão equivalente a 5Mx10M, ou seja, 30mx60m, totalizando 1800m². A dedução lógica das áreas sociais surpreende quando se compara suas dimensões com seu porte, definindo a escala monumental do Palácio. Niemeyer estabelece uma grande possibilidades de usos dos salões sociais, adequadas às diferentes possibilidades espaciais que as escalas dos eventos demandam. Assim, é possível fazer pequenas recepções ou grandes festas sem comprometer a ambiência de convívio que tais espaços devem proporcionar para o exercício das atividades diplomáticas. Este jogo de possibilidades permite usar combinadamente os diferentes salões e a varanda, com a continuidade espacial desejada para que o evento transcorra no mesmo lugar: no Palácio. Para tanto, é possível estabelecer correlações entre as salas e salões a serem usados em cada evento, pois os espaços são relacionais. É possível articular a a Sala D. Pedro I com Sala Portinari e a varanda, ou articulá-la com a Sala Brasília e a varanda. Ou ainda, usar somente a Sala Bahia, ou a Sala Duas Épocas. Esta combinação de salões corresponde à diferentes áreas, provendo o Palácio de uma ampla gama de possibilidades espaciais confortáveis pertinentes aos eventos, variando as áreas entre 140m², 342m², 504m², 846m², ou 990m². Excetuando essas duas salas de caráter mais reservado, a soma dos espaços dos salões, da varanda e de seu jardim, totaliza a impressionante área de cerca de 3.300m². Neste sentido, Murtinho (1990) afirma que “O palácio funciona muito bem. Há outros ministérios das Relações Exteriores que têm grandes salões, mas nenhum tem estas facilidades com estas dimensões.” Mesmo explorando as razões matemáticas não foi possível estabelecer um padrão para a definição das alturas relativas aos diferentes pavimentos do Palácio. Percebe-se claramente que esta altura se amplia na medida em que o usuário dos espaços do Palácio se desloca para os níveis superiores, com um acréscimo de 65 e 72 centímetros na altura inicial do Vestíbulo. Assim, as alturas passam de 2,83m para 3,50m e para 4,22m, ou seja dimensões mais afinadas com a altura humana do que a geometria do projeto, embora a altura da arcada com 14m esteja ajustada à ela. O pé direto do vestíbulo possui 7,10m, que é praticamente metade da altura da arcada. Niemeyer prioriza o agenciamento do projeto a partir das plantas e das correlações espaciais que elas organizam e hierarquizam, fazendo da varanda a grande surpresa espacial. 8. COTIDIANO DIPLOMÁTICO, O CERRADO E A VARANDA “...para conhecer a natureza dos povos, é preciso ser Príncipe, e para conhecer a [natureza] dos príncipes, ser do povo.” Maquiavel O cotidiano diplomático do Palácio inicia suas atividades públicas com uma festividade pouco afeita à sua rotina: uma “festa da cumeeira”. Em 20 de abril de 1966, o então chanceler Juracy Magalhães inaugura a arcada do Palácio, legitimando o feito construído. Aquilo que poderia ser uma evento de dividendos políticos adicionais se transformou num sinal claro à instituição que à despeito da indiferença do corpo diplomático, Brasília já era a nova Capital e deveria portanto abrigar a Casa do Rio Branco. Para tanto, a festa promovida pelo chanceler contou com a presença do Presidente, o Gal. Castello Branco, ministros, autoridade locais e representantes das cinquenta missões diplomáticas
  • 11. credenciadas junto à chancelaria brasileira. A notória ociosidade dos espaços do Palácio sem tantas atividades agendada além da faina do Chanceler e do Secretário Geral, foi oportuna para o evento promovido pela Primeira Dama, a Sr. Yolanda Costa e Silva. Assim, em agosto de 1968, antes da visita oficial da Rainha da Inglaterra, ocorreu um desfile de moda do costureiro francês Pierre Cardin, em plena Sala Brasília. As hierarquias sociais que distinguem esses comensais dos convidados oficiais. Para tanto, Niemeyer abre acessos do Palácio do Itamaraty nos quatro lados de sua planta, enfatizando o rito do acesso principal do Palácio voltado para a Esplanada. Um plano rente ao espelho d’água, que perpassa três arcos se apresenta como convite aos dignos usuários oficiais de seus salões. Este usuário do Palácio pode ser individual, como é o caso da visita de chefes de Estado, embaixadores, ministros, generais, adidos, cônsules; mas também pode se multiplicar, tornando-se um usuário coletivo, quando tais chefes são acompanhados por suas respectivas comitivas, preenchendo o grande vestíbulo com assessores, tradutores, secretárias, seguranças, além dos jornalistas. Enquanto os servidores públicos que trabalham no Itamaraty utilizam seus respectivos acessos, outro universo de usuários visita e habita seus espaços: os turistas. Entre o deslumbramento com suas dimensões e a surpresa de sua plasticidade, deve ser lembrado que tais espaços correspondem a uma função de caráter público, recebendo delegações estrangeiras, realizando coquetéis, banquetes, jantares, festas e demais eventos pertinentes a tal função daquele Palácio. O percurso é a chave de compreensão da arquitetura do Palácio. As restrições na livre relação exterior/interior enfatiza os acessos, ao mesmo tempo em que isola idealmente a arcada sobre um jardim aquático. Apesar das restrições e das hierarquias ao livre percurso, é possível explorar a riqueza espacial através da “promenade architectural”. A transição dentro/fora sofre os controles para ser iniciada, mas uma vez assentido o acesso, outro nível de dinâmica espacial é ativada. Deambular torna-se parte da própria experimentação do Palácio franqueada aos seus usuários: reis, diplomatas, imperadores, estadistas, comitivas, ditadores e turistas. O vestíbulo do térreo abre-se em majestosas visuais proporcionadas pelo vão; as zonas de sombras contrapõem-se aos reflexos difusos da luz refletida ou filtrada pelas obras de Athos Bulcão. A cidade e a paisagem urbana são emolduradas pela caixilharia regularmente. O estratégico Polivolume: ponto de encontro de Mary Viera que se mostra no limite entre o escultórico e o funcional, mobiliando o ambiente como um banco. O vazio sinuoso na laje superior amplia as visuais internas com o Salão de Atos e outros espaços vestibulares. O jardim amazônico faz fundo para a escada escultórica que se materializa como o ponto dramático e crucial de todo o arranjo espacial, sendo seu índice plástico marcante. Implantada no vazio subtraído da laje, a escada em concreto aparente transforma o percurso num efetivo passeio ao promover a transição dos amplos espaços de recepção para as escalas de maior intimidade dos espaços dos andares superiores, além de conduzir o visitante aos gabinetes e dependências de trabalho. O percurso pela escada proporciona um giro completo do olhar, abarcando os espaços vazios que distingue e hierarquiza outros espaços de estar e demais salões, conforme o croqui do corte especula. Durante este percurso de ascensão são refeitas as relações dentro/fora através das visuais que o Salão de Atos abre sobre a Esplanada. Espetacularmente, a escada ativa a participação do usuário no espaço no exato momento em que ele se desloca para desempenhar suas funções representativas, recobrando sua ação para experimentar o Palácio. Niemeyer articula outra transição espacial, indicada por uma segunda escada que se lança para fora da estrutura da parede, como um plano azul acarpetado, desdobrando-se em degraus que anunciam outros espaços no pavimento superior: os
  • 12. grandes salões de festas e recepções. Na visão de Murtinho, o Palácio funciona bem por ativar tais transições espaciais, demandadas pelo exercício do poder que representa. Depois do estreitamento dos ângulos de visão e do direcionamento do percurso, segue-se uma situação espacial surpreendente. Niemeyer define um continuum espacial que transforma todo o pavimento num único grande salão, integrando os espaços sociais mais nobres do Palácio do Itamaraty: as salas de recepção e o salão de banquetes são prolongamentos da varanda. Trata-se de um arranjo entre planos parietais e superfícies nas duas alas ortogonais, que se articulam em função da varanda, sendo ela mesma o momento privilegiado de todos os percursos do Palácio. A varanda é o lugar de máxima espetacularização do percurso arquitetônico e da sucessão dos espaços do Palácio. A partir dela, vislumbra-se o “espetáculo arquitetural” do próprio Niemeyer, na escala monumental concebida por Lucio Costa. Deste imenso espaço de sociabilidade aberto sobre a Esplanada dos Ministérios, avista-se o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto, o Supremo Tribunal Federal, o Palácio da Justiça, e os ministérios da própria esplanada. Tal como um mirante, deste Salão Nobre deduz-se o espaço da Praça dos Três Poderes, tanto quanto se reformula a própria presença formal do Palácio do Itamaraty em relação aos demais edifícios cívicos da cidade. Para tanto, seu sentido estrutural é retomando através da arcada, que de potente estrutura, revela-se como anteparo marcante das relações entre o edifício e a paisagem. Através dela, emoldura-se o horizonte do Cerrado que se integra através da transparência das vedações do Palácio, assegurando a intimidade de quem está abrigado sob seu arcabouço e pode debruçar-se sobre a escala monumental da cidade, recostando-se em seu peitoril. Com a integração espacial plena das salas de recepção com a sala de banquetes, a varanda também se torna um ambiente privilegiado na dinâmica das cerimônias do Palácio do Itamaraty. Contudo, os hábitos e os modos de vida informais, inerentes à convivência específica das varandas, contribuem para alterar o perfil comum de funcionamento de um Ministério, assinalando outras possibilidades de sociabilidade e convivência nesses espaços. Assim, ao fortalecer a presença da varanda na dinâmica social do Palácio, Niemeyer subverte a rigidez do programa e acrescenta uma outra referência de códigos sociais e comportamentais aos espaços de exercício do cotidiano diplomático. Com esta fricção, o arquiteto questiona os graus de formalidade, deixando em estado latente a possibilidade de flexibilizar as práticas sociais, rompendo também com os rituais claustrofóbicos dos salões fechados, a fim de suplantar os valores burgueses do universo eclético do velho Palácio do Itamaraty. Mais do que um espaço arejado ou sombreado, Niemeyer faz da varanda do Itamaraty o espaço de articulação simbólica entre a força do lugar, o devir político e o valor da tradição, compartilhando das grandes expectativas de protagonismo do Brasil outrora enunciadas por Huxley, sinalizando a sua convicção ideológica. Neste sentido, Leite Ribeiro (2007) considera que “...reuniões descontraídas facilitam a vida profissional...” pois quando “...despidos da formalidade, relaxados, [os diplomatas ficam] propensos a confidências e trocas de informações...” Assim, retomando a epígrafe, a varanda é o lugar/espaço em que as naturezas do povo e dos príncipes podem interagir e conviver, quer seja pelos comportamentos que a varanda instiga, quer seja pela situação espacial que ela representa nas cerimônias palacianas. A varanda destrona a pose do príncipe, assim como proporciona seu contato com outros povos, propondo códigos comportamentais próprios da cultura do país que ali se faz representar. Enquanto a dinâmica social transcorre ambientada entre os salões e a varanda, a questão paisagística retoma a geografia, incorporando-a na percepção do sítio urbano da cidade. Para tanto, Niemeyer comunga do conhecimento de Burle Marx na resolução dos jardins
  • 13. do Palácio. Destaca-se a solução do “jardim suspenso” da varanda. Trata-se de um plano quadrado ligeiramente sobrelevado em relação à laje do piso, que define um lugar suspenso dentro da espacialidade fluida da varanda, interpondo-se às relações dentro/fora, ou seja, contrapondo-se à paisagem do Cerrado, pois é concebido com espécies vegetais de outra plasticidade, correspondendo ao seu conceito de jardim. Este jardim na varanda equivale a um oásis, demarcado por pisos de seixos rolados brancos e pisos de mosaico português branco, que desenham caminhos por entre a vegetação dos canteiros do jardim —evocando as veredas de Guimarães Rosa— em meio aos quais estão duas esculturas. As próprias vigas do sistema estrutural se transformam numa pérgula, captando luz para toda a varanda, equilibrando a sombra das arcadas, que também resguardam o Palácio na estação das chuvas. 9. PEDRAS, TAPETES E BLINDEX® Enveredar pelos salões do Itamaraty é compartilhar da sobriedade e do relativo despojamento de seus salões, vestíbulos e salas. Trata-se de um sentido de elegância sem concessões à extravagância. O Itamaraty proclama uma elegância decente sem opulência, evitando a ostentação, ao subordinar o sentido de nobilidade às finalidades práticas e programáticas de suas funções cívicas requerem. Para tanto, a importância dos espaços internos é patente e em 1966 Murtinho chega a Brasília com as plantas do interior do Palácio: “Já estamos pensando nos móveis!” Aqui, tanto quanto no Ministério da Educação e Saúde Pública, os espaços internos do Palácio do Itamaraty são agenciados para valorizar a integração das artes ao fato arquitetônico, equipando-os com móveis antigos e modernos, para fazer o Palácio funcionar. Esta estratégia também prioriza o vazio como fator organizador do poder ali representado. Entre a solenidade dos espaços de recepção e a festividade da varanda e do salão de banquete, configura-se uma continuidade espacial através de deslocamentos por entre tapetes, poucos móveis e muitas obras de arte —Bruno Giorgi, Debret, Tommie Ohtake, Athos Bulcão, Ceschiatti, Milton Dacosta, Manabu Mabe, Candido Portinari, Mary Vieira, além de mapas, desenhos e objetos e presentes de visitantes. Deste modo, é reforçada uma lógica relacional em que tanto as obras de arte brasileira como as peças do mobiliário são tratadas mutuamente. Os quadros, as tapeçarias e as esculturas da coleção do Palácio convivem com arcazes, cadeiras, aparadores, canapés, marquesas, papeleiras, além das louças, da prataria e dos tapetes. Ainda mais eloqüentes como índices espaciais do que o apoteótico lustre Revoada de pássaros, os tapetes são fundamentais para demarcar os espaços sociais do Palácio, contrapondo-se ao piso de mármore branco. Menos do que a finesse, vale a função que os tapetes persas desempenham na configuração das salas. Assim, os espaços de mobiliário rarefeito dos amplos salões do Palácio do Itamaraty tornam-se aptos para promover os encontros entre diplomatas, comensais, autoridades e demais convivas, ora livremente ambientados. A materialidade do projeto arquitetônico é resolvida a partir da escolha de um pequeno rol de materiais, destacando-se, a maneira como tais materiais são tratados em suas relações mútuas. Com a finalidade de manter a sobriedade do Palácio, mas também fazer do Itamaraty uma arquitetura inequivocamente brasileira, Niemeyer explorará materiais de expressividade vernacular. Além de seu uso na treliça de Athos Bulcão, as madeiras serão utilizadas no desenho dos peitoris e recobre as faces largas dos pilares internos, enfatizando o valor da a estrutura da arcada, ao minimizar a participação das estruturas internas no funcionamento estrutural geral do Palácio.
  • 14. Niemeyer usa os mármores e os granitos como materiais que traduzam a perenidade de um palácio, valorizando as pedras de extração nacional —mármores Italva, Santo Antônio e granito Andorinha. Sob controle da paginação de Athos Bulcão, os pisos asseguram a continuidade entre os espaços, distinguindo as funções do Palácio. Mármores e granitos são tomados como material de uso relacional —cuja flexibilidade faz com que seja ora piso, ora parede, acentuando os contrastes cromáticos entre a paginação dos pisos e a modulação do revestimento das paredes. Também são enfatizados os graus de polimento de sua superfície, dando maior rendimento plástico ao mesmo material, ampliando os contrastes e as texturas. O material industrializado largamente utilizado é o alumínio para solucionar a caixilharia do edifício, fortalecendo também a “unidade arquitetural”. O rigor de suas duas modulações otimiza a produção dos perfis, bem como a execução da vedação de todo o Palácio, num desenho de legível racionalidade. O prolongamento da caixilharia de vedação da “caixa” de vidro como desenho do próprio peitoril da varanda transforma a percepção das dimensões do próprio edifício. As leves janelas em guilhotina representam a autonomia dos usuários, libertando os funcionários do controle exclusivo de suas aberturas. O vidro é outro material industrial largamente empregado, quer seja como vedação da vasta caixilharia, quer seja como material de revestimento. Seus vidros escuros —do tipo fumê— se diferenciam dos vidros verdes dos demais Palácios, obstruindo a plena percepção do seu funcionamento interno visto de fora, embora esta relação dentro/fora seja mantida em seu interior. Niemeyer valorizou a capacidade de espelhamento dos planos de vidro, considerando suas propriedades reflexivas, por sua geometria precisa e homogênea, ao invés de usar espelhos como no velho palácio. Destaca-se uma grande superfície assim revestida, junto das salas de recepção implantada precisamente no eixo médio do arco, que através do reflexo completa a imagem de seu desenho, ao mesmo tempo em que protege as salas do sol poente e dinamiza a espacialidade dessas salas com jogos de reflexos. 10. CONCLUSÃO Em abril 1967, o Palácio, finalmente mobiliado e equipado com com obras de arte, abriga sua primeira recepção oficial, encerrando o mandato do Gal. Castello Branco, cujo último ato foi a assinatura do decreto que batizava o palácio com o nome consagrado internacionalmente à chancelaria brasileira: Palácio do Itamaraty. Num ato de reconhecimento da coisa pública que o Palácio representava para a cidade, no dia seguinte —feriado nacional e local de 21 de abril— Murtinho abre o Palácio à visitação pública, mantendo-o impecavelmente como no dia anterior, recebendo um grande número de visitantes, legitimando seu vínculo com a cidade. No ano seguinte, o Itamaraty receberia a Rainha da Inglaterra —evento que dominaria a vida social da cidade à qual se integrara completamente— até sua inauguração definitiva em 20 de abril de 1970. Nesta ocasião, o empenho de Murtinho e seus então auxiliares foi reconhecido, numa das muitas atividades da agenda diplomática daquele dia, que culminou com um baquete nos salões, em meio aos quais não há indícios da presença de JK, Lucio Costa, Niemeyer, Athos Bulcão ou Milton Ramos, mas sabe-se que Pelé era a grande personalidade que circulava sobre seus tapetes, entre autoridades de diversas patentes, dominando a grande área dos salões e da varanda. Passados dez anos do início das obras, no contexto do “milagre econômico” e das grandes obras de Itaipu e da trans-amazônica, o Palácio do Itamaraty de Niemeyer se instaura em definitivo na paisagem de Brasília e no campo da arquitetura brasileira. Neste
  • 15. projeto, ele domina a complexidade arquitetural intrínseca ao programa e sem exacerbar sua fala de praxe em defesa da forma, acentuando o teor do discurso, sem banalizar sua convicção política. Enquanto a arcada permanece como o fator imagético supostamente apreendido pelo visitante e pelo usuário, o arquiteto transforma o funcionamento da instituição, revolucionando sua própria arquitetura, revigorando e subvertendo os significados que só ele mesmo pode instaurar. Neste sentido, a autonomia do projeto frente ao debate e à produção nacional ou estrangeira já não fazia sentido, pois o arquiteto alcançara, há muito, uma autoridade indiscutível que perdura como valor absoluto, balizando todo o campo do conhecimento a que suas obras, involuntariamente, pertencem. Se o Palácio do Itamaraty conseguiu a proeza de sedimentar no cerrado a presença dos vetores mais destacados do modernismo brasileiro —Lucio Costa, Niemeyer, Burle Marx, Portinari, Volpi, Athos Bulcão— num contexto social e político que já não correspondia mais àquela modernização almejada idealmente outrora, sua problematização pode contribuir para o reconhecimento dos próprios processos históricos da arquitetura brasileira. Assim, é possível instaurar novas referências críticas para outras abordagens para o campo arquitetônico, reconhecendo também que a complexidade da obra arquitetônica não se origina isolada e idealmente num contexto sócio-cultural. A arquitetura existe e passa a existir interagindo plenamente com este contexto, quer seja concordando, quer seja negando, quer seja subvertendo, quer seja atacando ou acatando valores numa condição de tensão permanente, inclusive projetando “contra”. AGRADECIMENTOS Luiz Antonio Ewbank (ERERio), Min. Paulos Cezar Camargo, Roberto Luiz Arraes Lopes (MRE), Arq. Patrício (MRE), Carlos H. Magalhães, Hugo Segawa, Fernanda Fernandes e Sylvia Ficher. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARGAN, Giulio Carlo. Projeto e Destino. São Paulo: Ática, 2001. ARGAN, Giulio Carlo. De Michelangelo ao futurismo. São Paulo: Cosac Naify, 2003 ARGAN, Giulio Carlo. História da arte como história da cidade. São Paulo: Ática, 2005. BOJUNGA, Cláudio. JK o artista do impossível. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo, Ed. Perspectiva, 1981. Correio Braziliense. Edições: 19/set/1966; 20/set/1966 e 21/abril/1970 COSTA, Lucio. Lucio Costa: registro de uma vivência. São Paulo: Empresa das Artes, 1995. A estreita porta da diplomacia. In Revista MANCHETE nº.373, 15/junho/1957, p.66-69. FOUCAULT, MICHEL. Arqueologia do Saber. Rio de Janeiro: Ed. Forense Universitária, 1997. 5ª Ed. FRAMPTON, Kenneth. História Crítica da Arquitetura Moderna. São Paulo, Martins Fontes, 1997.
  • 16. JAMESON, Fredric. Pós-modernismo. A lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo, 1996. Revista Manchete: 13/junho/1957 e 28/março/1970 e 25/abril/1970 MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Porto Alegre: L&PM, 2007. MENDES, Manuel. O cerrado de casaca. Brasília: Thesaurus, 1995. MUNFORD, Lewis. A cidade na história. São Paulo: Martins Fontes, 2004 MURTINHO, Wladimir do Amaral. Depoimento – Programa de história oral. Brasília: Arquivo Público do Distrito Federal, 1990. 43 p. NIEMEYER, Oscar. As curvas do tempo – Memórias. Rio de Janeiro, Ed. Revan, 2000. NIEMEYER, Oscar. Quase memória: viagens, tempos de entusiasmo e revolta – 1961-66. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1968. NIEMEYER, Oscar. Minha arquitetura: 1937-2004. Rio de Janeiro, Ed. Revan, 2004. Oscar Niemeyer à frente de seu tempo. Brasília: Arquivo Público do Distrito Federal (Série Textual 4), 2008. Palácio Itamaraty Brasília: Brasília, Rio de Janeiro. São Paulo: Banco Safra, 2002. Patrimônio construído: as 100 mais belas edificações do Brasil. São Paulo: Capivara, 2002. Da poeira fez-se o glamour. In Revista do Correio Braziliense nº.133, 20/abril/2008, p.24-33. PETIT, Jean. Oscar Niemeyer: poeta da arquitetura. Lugano: Fidia edizioni d'arte, 1998. RIBEIRO, Guilherme Luiz Leite. Os bastidores da diplomacia: o bife de zinco e outras histórias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007. ROSSETTI, Eduardo Pierrotti. Arquitetura em transe. Lucio Costa, Oscar Niemeyer, Vilanova Artigas e Lina Bo Bardi: nexos da arquitetura brasileira pós-Brasília (1960-85). São Paulo: FAU-USP, 2007. Tese de Doutorado. SEGAWA, Hugo. Arquitetura no Brasil 1900-1999. São Paulo, Edusp, 1998 SIQUEIRA, Vera. Burle-Marx. São Paulo: Cosac Naify, 2001. STEVENS, Garry. O círculo privilegiado: fundamentos sociais da distinção arquitetônica. Brasília: EDUnB, 2003. TAFURI, Manfredo. Teoria e história da Arquitectura. Lisboa: Editorial Presença. 1988. TELLES, Sophia da Silva. Arquitetura Moderna no Brasil: o desenho da superfície. São Paulo: FFLCH-USP, Dissertação de Mestrado, 1988. TAFURI, Manfredo. Projecto e Utopia. Lisboa: Editorial Presença. 1985. 1ª Ed. De Tordesilhas ao Mercosul – uma exposição da história da diplomacia brasileira. Catálogo da exposição. Rio de Janeiro: Ministério das Relações Exteriores, s/d. VALLE, Marco Antonio Alves do. Desenvolvimento da forma e procedimentos de projeto na arquitetura de Oscar Niemeyer (1935-1998). São Paulo/FAU-USP, Tese de Doutorado, 2000.
  • 17. XAVIER, Alberto (Org.). Depoimento de uma geração. São Paulo: Cosac & Naify, 2003. Desenhos e plantas do projeto arquitetônico do Palácio do Itamaraty. Arquivo do Departamento de Arquitetura do Itamaraty. Brasília; desenhos não publicados, de consulta e uso restritos.