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Revista Brasileira de Ensino de F´ısica, v. 34, n. 2, 2503 (2012)
www.sbfisica.org.br
Acur´acia na retirada da medida instigada
por uma estrat´egia de ensino de orienta¸c˜ao kuhniana
(Accuracy in the withdraw of measure instigated by a kuhnian orientation teaching strategy)
Carlos Eduardo Labur´u1
, Osmar Henrique Moura da Silva1
e Ana Cl´audia For¸ca2
Departamento de F´ısica, Universidade Estadual de Londrina, Londrina, PR, Brasil
2
Programa de Mestrado em Ensino de Ciˆencias e Educa¸c˜ao Matem´atica,
Universidade Estadual de Londrina, Londrina, PR, Brasil
Recebido em 23/5/2011; Aceito em 3/2/2012; Publicado em 2/6/2012
Investiga-se uma estrat´egia de ensino que mant´em um paralelo com a de Millar, sugerida em 1987, analisando
se os estudantes obtˆem medidas experimentais com melhor acur´acia do que aqueles que n˜ao ficam submetidos
a ela. Parte-se da hip´otese de que conhecer previamente o valor da medida a ser obtida em um experimento
faz com que os estudantes obtenham medidas com maior acur´acia, pois ficam mais atentos e cautelosos com os
procedimentos, refazendo-os quando a medida se desvia do valor por eles esperado, caso mais dif´ıcil de acontecer
se eles desconhecem o valor do que est˜ao medindo. A corrobora¸c˜ao desta hip´otese ´e feita por meio de trata-
mento estat´ıstico (teste t) ao se analisar dois grupos (experimental e controle) de estudantes de n´ıvel m´edio,
em situa¸c˜ao real de sala de aula, realizando medidas em atividades experimentais de f´ısica. Considera¸c˜oes a
respeito da consequˆencia dos resultados desta pesquisa em rela¸c˜ao ao uso de estrat´egias did´aticas investigativas
de inspira¸c˜ao em teste de hip´oteses ou de aplica¸c˜ao de uma teoria s˜ao tamb´em apresentadas.
Palavras-chave: medida, Ensino M´edio, f´ısica, acur´acia, estrat´egia de ensino kuhniana, pesquisa quantitativa.
In this article we investigate a teaching strategy that is similar to that proposed in 1987 by Millar, where we
analyze whether students obtain more accurate experimental data or not when submitted to the strategy. The
working hypothesis is that if students have previous knowledge of the value they are supposed to obtain out of
an experiment, they get more accurate results since they go through it more cautiously and attentively; when
their results deviate from the expected value, they retrace their steps, something which does not happen in case
they do not know the values beforehand. We corroborate our hypothesis through a statistical test (Student’s
t-test) applied to two sets of high-school students (experimental and control groups) in a real classroom situation,
during experimental classes. We present and consider the consequences of our results when compared to the use
of investigative didactic strategies based on hypotheses testing or theory application.
Keywords: measure, high school, physics, accuracy, kuhnian teaching strategy, quantitative research.
“Tamb´em temos o direito de pensar que se os observadores n˜ao tivessem sabido previamente quais valores
deveriam obter, seus resultados teriam apresentado uma incerteza ainda maior”2
1. Introdu¸c˜ao
A atividade experimental em educa¸c˜ao cient´ıfica al´em
de desencadear a motiva¸c˜ao pode impulsionar a apren-
dizagem de conte´udos para n´ıveis mais significativos,
sendo tamb´em auxiliadora do desenvolvimento episte-
mol´ogico do inquirir cient´ıfico, ao instigar os estudantes
em habilidades cognitivas, de atitudes e pr´aticas [2, 3,
p. 27, Wellington apud 4, p. 323, 5, p. 626, 6-9]).
O desenvolvimento dessas habilidades ´e fundamental
para que os seguintes passos sejam satisfatoriamente
realizados: formular quest˜oes, propor hip´oteses, plane-
jar experimentos e realizar investiga¸c˜oes pr´aticas para
culminar no teste de hip´oteses ou para exercitar um
paradigma, definir e conduzir observa¸c˜oes sistem´aticas,
organizar e impor uma ordem intelectual aos dados, in-
terpretar e extrair conclus˜oes dos resultados, replicar
experimentos [10].
Visando aprimorar essas habilidades, o desenvolvi-
mento de atividades did´aticas atrela-se ao estudo das
1E-mail: osmarh@uel.br.
2Cita¸c˜ao do cosm´ologo Dennis Sciama a respeito dos resultados diferentes obtidos pelos astrˆonomos que tentaram observar o
desvio da luz de estrelas causadas pelo campo gravitacional do Sol e que fora previsto pela teoria da Relatividade Geral de Einstein
[1, p. 92b].
Copyright by the Sociedade Brasileira de F´ısica. Printed in Brazil.
2503-2 Labur´u et al.
mais variadas estrat´egias de ensino, estando estas ins-
piradas comumente em orienta¸c˜oes instrucionais fun-
damentadas em teste de hip´oteses ou em aplica¸c˜ao de
um paradigma, com inclina¸c˜oes de origem, respectiva-
mente, popperiana e kuhniana, ou ainda segundo uma
orienta¸c˜ao indutivista, epistemologicamente mais cri-
tic´avel. Sejam quais forem as op¸c˜oes instrucionais, to-
dos esses objetivos envolvem alguma confronta¸c˜ao en-
tre teoria(s) e evidˆencia e implicam, assim, estabelecer
rela¸c˜oes entre vari´aveis, processar dados e us´a-los para
suportar uma conclus˜ao.
Na preocupa¸c˜ao de auxiliar reflex˜oes educacionais
para o desenvolvimento dessas habilidades nos estudan-
tes, o presente trabalho realiza uma compara¸c˜ao das
acur´acias das medidas fornecidas por aprendizes em ati-
vidades experimentais quantitativas baseadas em duas
orienta¸c˜oes did´aticas distintas. Numa das orienta¸c˜oes,
o estudante conhece o valor da medida a ser encontrado
no experimento fornecido pelo professor, enquanto na
outra orienta¸c˜ao o estudante desconhece esse valor. A
primeira orienta¸c˜ao inspira-se na proposta de Millar
[11], que vem amparada no modelo epistemol´ogico de
Kuhn [12, 13] e originalmente sugerida ao professor de
ciˆencias como um encaminhamento em atividades ex-
perimentais junto aos estudantes. Millar prop˜oe que os
racioc´ınios, a¸c˜oes e observa¸c˜oes dos estudantes sejam
guiadas em atividades experimentais por paradigmas
previamente conhecidos para que teorias ensinadas se-
jam aplicadas, distinguindo-se de orienta¸c˜oes educacio-
nais fundamentadas no teste de hip´oteses.
Dentro disso, esta pesquisa parte da hip´otese de que
estudantes ao conhecerem previamente o valor da me-
dida a ser encontrada apresentam melhor acur´acia do
que aqueles que n˜ao a conhecem. A corroborar essa
hip´otese apresenta-se a an´alise apoiada em um trata-
mento estat´ıstico (test t) entre sujeitos que conhecem o
dado previamente e que o desconhecem.
2. Orienta¸c˜ao kuhniana de Millar e acu-
r´acia das medidas
Num antigo trabalho de 1987, Millar discute o papel
do experimento para o ensino de ciˆencias. Critica a
imagem popular sobre a ciˆencia como sendo aquela em
que os conhecimentos s˜ao descobertos no laborat´orio
por experimentos que lhes garantem validade, fidedigni-
dade e, por isso, confian¸ca. P˜oe em d´uvida se uma par-
ticular demonstra¸c˜ao realmente deixa claro o assunto
ou ´e capaz de ajudar o aprendiz a construir significa-
dos. Ao mesmo tempo critica os experimentos escolares
guiados por meio das estrat´egias de ensino por desco-
berta ou hipot´etico-dedutiva em raz˜ao dos resultados
incertos que, muitas vezes, elas geram. Amparado pelo
referencial epistemol´ogico kuhniano, defende que a re-
aliza¸c˜ao de experimentos escolares deveria expor um
paradigma [11, p. 114]. Segundo esse referencial, ´e
critic´avel as concep¸c˜oes comumente aceitas de que os
dados num´ericos confirmem ou sirvam para indutiva-
mente obter as teorias cient´ıficas [12, p. 229]. Isto
porque a concordˆancia entre teoria e experimento sig-
nifica apenas concordˆancia razo´avel, pois quase sempre
a aplica¸c˜ao de uma teoria f´ısica implica alguma apro-
xima¸c˜ao e, por conseguinte, n˜ao se espera que a teoria
produza resultados totalmente precisos ou exatos, mas
uma concordˆancia poss´ıvel com os dados [12, p. 229 e
231]. Kuhn diz que muita teoria ´e necess´aria antes dos
resultados da medi¸c˜ao obterem sentido. Inclusive, no
momento em que toda teoria est´a dispon´ıvel, ele chega
a afirmar que a lei muito provavelmente j´a foi conjetu-
rada sem que tenha havido recorrˆencia `a medi¸c˜ao [12,
p. 247]. Assim, a teoria tem um papel relevante na
redu¸c˜ao da dispers˜ao dos dados [12, p. 241] e, em vez de
lutar com os fatos, os cientistas tentam for¸car a pr´opria
natureza a se conformar com a teoria, a qual ele n˜ao
duvida. Por isso, segundo Kuhn, as leis da natureza
s˜ao arquitetadas t˜ao raramente apenas por inspe¸c˜ao dos
resultados de medi¸c˜oes feitas sem que haja um conhe-
cimento pr´evio dessas leis, pois as medidas apresentam
grandes d´uvidas e incertezas. Muitas vezes, os resul-
tados num´ericos precisam ser aprimorados atrav´es de
maior refinamento de t´ecnicas e instrumentos que pre-
cisam ser inventados. ´E a teoria que leva a esses refina-
mentos, inventos e aproxima¸c˜oes te´oricas [12, p. 239 e
244]. Logo, os dados embutem d´uvidas quando se vˆem
isolados de um paradigma que os analise e os enquadre;
leis emp´ıricas como as de Hooke ou Boyle-Mariotte s˜ao
descobertas improv´aveis, diz ele. Em s´ıntese, para esse
autor, toda medi¸c˜ao ´e dependente de um paradigma
que a guie e s´o com ele ´e poss´ıvel o cientista se ori-
entar na tomada de decis˜ao de como e do que medir,
assim como, de qual valor num´erico obter. Todavia, a
fun¸c˜ao para as medidas ´e a de levar ao limite o refina-
mento do paradigma, por meio do aprimoramento das
t´ecnicas, instrumentos e aproxima¸c˜oes te´oricas. Nessas
condi¸c˜oes, as medidas s˜ao geradoras de crise do para-
digma ou determinam, nessa situa¸c˜ao, a escolha entre
teorias, confirmando uma delas [12, p. 258].
Assim como para Kuhn [12, p. 232], o treinamento
do cientista envolve aprender um paradigma e a solu-
cionar problemas “exemplares”, tal qual uma solu¸c˜ao
te´orica ou experimental, ou mesmo um esquema ou
aplica¸c˜ao, para Millar, os experimentos escolares de
ciˆencias tamb´em deveriam ser implica¸c˜oes de paradig-
mas [11, p. 114]. Da mesma forma que um para-
digma define o campo sob quest˜ao, fazer um experi-
mento escolar ´e expor um paradigma e n˜ao descobrir
um conhecimento ou checar hip´oteses. ´E somente por
meio da utiliza¸c˜ao dos conhecimentos aprendidos, logo,
de uma expectativa pr´evia, que os estudantes conse-
guem dar sentido aos resultados experimentais, a fim
de que estes apare¸cam e se ajustem aos modelos espe-
rados. Mas observa que a existˆencia de desacordos a
respeito dos significados e interpreta¸c˜oes da evidˆencia
´e uma condi¸c˜ao normal da ciˆencia e da dificuldade ine-
Acur´acia na retirada da medida instigada por uma estrat´egia de ensino de orienta¸c˜ao kuhniana 2503-3
rente da mesma em extrair um conhecimento da recal-
citrante natureza. Geralmente, o consenso ´e alcan¸cado
pela comunidade cient´ıfica somente ap´os uma extenu-
ante discuss˜ao. Por compara¸c˜ao, Millar entende haver
necessidade de se priorizar e devotar um maior tempo
para negociar, discernir e avaliar os resultados de um
experimento escolar, frente `a teoria ensinada, do que
consumir excessivo tempo em ficar executando a ativi-
dade emp´ırica [11, p. 115]. Conclui que uma maneira
de observar se um aprendiz efetuou corretamente um
experimento ´e inspecionando se os seus resultados ob-
tidos concordam com as expectativas esperadas da te-
oria aprendida. Compartilhando essa leitura, Hodson
[apud 14, p. 113a] considera, igualmente, que o prin-
cipal objetivo do ensino de ciˆencias ´e fazer com que os
estudantes aprendam as teorias vigentes e saibam ade-
quadamente aplic´a-las aos fenˆomenos. Nesse sentido, a
maior parte do trabalho de laborat´orio na escola deve-
ria se concentrar na aplica¸c˜ao da teoria, o que Gil [14]
interpreta, tamb´em, como uma perspectiva baseada na
ciˆencia normal de Kuhn.
Tendo em vista as considera¸c˜oes precedentes, ´e
poss´ıvel perceber a relevˆancia da medida nos experi-
mentos escolares visto que toma parte das atividades
pedag´ogicas para decidir entre teorias, testar ou at´e ve-
rificar uma teoria espec´ıfica. A medida tem seu papel
em resolver dificuldades na interpreta¸c˜ao dos dados e
tornar os estudantes conscientes de que existem incer-
tezas inerentemente associadas ao processo de aquisi¸c˜ao
desses dados e, nesse sentido, a importˆancia em dimi-
nuir os erros experimentais para evitar que se mascare
a ausˆencia de covaria¸c˜ao entre grandezas f´ısicas. Um
enfrentamento satisfat´orio de tais considera¸c˜oes passa
pela diminui¸c˜ao das dispers˜oes experimentais, o que sig-
nifica fazer com que os estudantes procurem obter me-
didas com maior qualidade.
Com essa preocupa¸c˜ao em mente, investiga-se aqui
o efeito do emprego da estrat´egia de ensino de Millar
[11] com o objetivo espec´ıfico de apurar a qualidade
das medidas extra´ıdas pelos estudantes quando reali-
zam atividades experimentais quantitativas. Todavia,
antes ´e preciso esclarecer que o aproveitamento de sua
id´eia neste estudo foi feito por aproxima¸c˜ao ou analo-
gia. Quer-se dizer com isso que a inten¸c˜ao de Millar
foi o de expor um paradigma, no sentido dos conhe-
cimentos escolares aprendidos cumprirem essa fun¸c˜ao,
enquanto a presente proposta esteve t˜ao somente a fa-
zer com que o estudante possu´ısse uma expectativa
j´a conhecida do valor da medida, ou seja, que ele de
antem˜ao soubesse o valor a ser encontrado no expe-
rimento. Quanto `a referˆencia pedag´ogica, por´em, na
essˆencia, a proposta sugerida equivale a do autor [11].
A raz˜ao disso ´e a seguinte. Assim como os cientistas
tentam for¸car a natureza a se conformar com a teoria
por meio de um paradigma, em vez de lutarem con-
tra os fatos, para Millar, baseado nessa vis˜ao kuhni-
ana, uma interpreta¸c˜ao coerente dos resultados de um
experimento escolar deve ficar submetida ao dom´ınio
e previs˜ao do contexto te´orico aprendido pelo sujeito,
anterior `a realiza¸c˜ao experimental. Isto determina que
`a luz de uma compreens˜ao te´orica pr´evia, ou no caso
do presente estudo, de uma expectativa de resultado, o
experimento deve se conformar e ajustar para que seus
valores apare¸cam.
Nesse sentido, a hip´otese j´a mencionada a ser aqui
investigada, de que os estudantes ao conhecerem ante-
cipadamente o resultado a ser obtido da atividade ex-
perimental extraem-no maior acur´acia [15, p. 69], pode
se justificar pelos seguintes comportamentos presumi-
dos: os estudantes que conhecem de antem˜ao o valor
a ser medido tˆem maior preocupa¸c˜ao em refazer o ex-
perimento e analisam os passos realizados mais de uma
vez, pois tentam entender o que deu errado quando o
valor extra´ıdo se desvia do esperado por eles. Conse-
quentemente, ao refazerem a atividade, revisam-na com
mais cautela do que da primeira realiza¸c˜ao e ficam mais
atentos aos detalhes, corrigindo e melhorando procedi-
mentos, com o objetivo de tirar a medida pretendida;
acabam, assim, por investir maior tempo e dedica¸c˜ao ao
experimento, `as discuss˜oes com seus colegas e professor,
j´a que um maior afinco se potencializa na tentativa de
corrigir o resultado, tendo-se, com isso, melhorado a
qualidade do dado experimental. Esses aspectos, por
outro lado, seriam menos percebidos em atividades ex-
perimentais em que o resultado a chegar ´e desconhe-
cido. Neste caso, o motivo est´a no fato de o estudante
“trabalhar no escuro”, visto que qualquer resultado por
ele alcan¸cado pode ser considerado certo, sem necessi-
tar de maiores reflex˜oes e refinamentos, porquanto lhe
falte um parˆametro de compara¸c˜ao para avaliar se h´a
discrepˆancia ou n˜ao do resultado obtido.
3. Metodologia
A amostra constituiu-se de 80 estudantes do primeiro
ano do Ensino M´edio de uma escola p´ublica da cidade
de Colorado – PR, pertencentes a duas turmas iguais
de 40 integrantes. Especificou-se como turma 1 a que
realizou o experimento para achar o valor da acelera¸c˜ao
da gravidade local, e de turma 2 a que realizou o ex-
perimento para determinar o valor da densidade de um
´oleo de cozinha. Cada turma foi dividida em dois gru-
pos de 20 estudantes, um grupo experimental e outro
de controle. Cada grupo experimental foi submetido
`a estrat´egia de ensino em que os sujeitos conheciam
previamente o valor da medida. J´a os dois grupos de
controle das duas turmas realizaram suas experiˆencias,
mas desconhecendo o valor da medida.
Cada grupo de vinte integrantes de ambas as tur-
mas foi subdividido em dez subgrupos de dois estudan-
tes. Logo, com cada subgrupo realizando a atividade
emp´ırica isoladamente, permitiu-se alcan¸car dez medi-
das do grupo experimental e dez do grupo de controle
para serem comparados na atividade experimental das
2503-4 Labur´u et al.
turmas 1 e 2.
A atividade emp´ırica apresentada aos dois grupos
da turma 1 foi o cl´assico experimento da determina¸c˜ao
da acelera¸c˜ao da gravidade, utilizando um pˆendulo con-
tendo uma bola de sinuca presa a um barbante. Para
a obten¸c˜ao dos dados, juntamente com o pˆendulo, foi
tamb´em entregue a cada subgrupo um suporte univer-
sal com garra para amarrar o barbante, uma trena e
um cronˆometro digital com precis˜ao de cent´esimos de
segundo. Atrav´es da medida do comprimento e do
per´ıodo do pˆendulo, em que se instruiu os estudan-
tes a contar duas oscila¸c˜oes, dividindo o tempo total
por dois, eles encontravam o valor experimental da ace-
lera¸c˜ao gravidade local pela express˜ao g = (2π)2
L/T2
.
O grupo experimental foi informado do valor te´orico
(g = 9,7851 m/s2
).
Para a turma 2 foi entregue a cada subgrupo um
litro de ´oleo de soja, um Becker de 1000 mL e uma ba-
lan¸ca de precis˜ao de d´ecimos de grama. Os estudantes
foram instru´ıdos a usar a balan¸ca e a medir o volume
da substˆancia a crit´erio de cada subgrupo, para usar na
express˜ao d = m/V . Tamb´em, na turma 2, apenas ao
grupo experimental foi informado a respeito do valor
tabelado da densidade do ´oleo (µ = 0,9166 g/mL).
As medidas fornecidas pelos subgrupos foram sub-
tra´ıdas do respectivo valor alvo, obtendo-se desvios ab-
solutos em rela¸c˜ao a este. Assim, foram obtidos dez
desvios de cada grupo. De cada grupo, calculou-se
uma m´edia proveniente dos valores dos dez desvios dos
subgrupos. Logo, foram tiradas quatro m´edias: uma
do grupo experimental e uma do grupo de controle da
turma 1; uma do grupo experimental e uma do grupo
de controle da turma 2.
Em cada turma, a compara¸c˜ao entre os grupos ex-
perimental e controle ocorreu com as duas m´edias dos
desvios absolutos em rela¸c˜ao ao valor alvo, ao se ave-
riguar qual deles, a partir dessas m´edias, apresentou
maior qualidade em termos de acur´acia, levando em
conta o teste estat´ıstico t de student. Todos os subgru-
pos tiveram liberdade em proceder com a repeti¸c˜ao ou
n˜ao da experiˆencia para selecionar ou n˜ao uma medida
entre outras, e mesmo fornecer uma medida final por
meio de uma m´edia entre algumas medidas considera-
das.
4. Resultados
As duas tabelas apresentadas incluem os valores forne-
cidos por cada subgrupo e os desvios absolutos calcu-
lados desses valores em rela¸c˜ao ao valor alvo te´orico.
O teste aplicado `a an´alise das variˆancias (teste F;
α = 0,05) dos valores dos grupos2
de cada turma con-
cluiu uma heterogeneidade em ambos os casos, admi-
tindo prosseguir com o uso particular do teste t para
variˆancias n˜ao homogˆeneas.
O teste t uni-caudal (tcal = -2,94; α = 0,01) para
amostras independentes da Tabela 1 indica que h´a uma
diferen¸ca significativa entre a m´edia dos desvios ab-
solutos do grupo experimental Ge (M = 0,4059) e a
m´edia dos desvios absolutos do grupo de controle Gc
(M = 1,171), com uma confian¸ca de 99%.
O teste t uni-caudal (tcal = -3,54; α = 0,01) para
amostras independentes da Tabela 2 indica que h´a uma
diferen¸ca significativa entre a m´edia dos desvios abso-
lutos do grupo experimental Ge (M = 0,00976) e a
m´edia dos desvios absolutos do grupo de controle Gc
(M = 0,03962), com uma confian¸ca de 99%.
Esses resultados encontrados nas duas turmas fo-
ram coincidentes e permitem concluir que estudantes
com conhecimento pr´evio do valor da medida estatisti-
camente tendem a encontrar a medida com um menor
desvio, logo, alcan¸cam maior acur´acia do dado experi-
mental.
Tabela 1 - Valores fornecidos - turma 1.
Valores das medidas para a acelera¸c˜ao da gravidade
Ge 9,529 9,710 9,201 9,534 9,377 9,221 9,145 9,229 9,400 9,445
Gc 9,035 10,420 8,651 8,926 8,721 10,569 9,738 7,065 8,402 12,119
Desvios absolutos dos valores das medidas em rela¸c˜ao ao valor te´orico (9,7851 m/s2)
Ge 0,256 0,075 0,584 0,251 0,408 0,564 0,640 0,556 0,385 0,340
Gc 0,750 0,635 1,134 0,859 1,064 0,784 0,047 2,720 1,383 2,334
Tabela 2 - Valores fornecidos - turma 2.
Valores das medidas para a densidade do ´oleo
Ge 0,8858 0,9273 0,9121 0,906 0,9128 0,9033 0,915 0,9158 0,896 0,9175
Gc 0,8823 0,9223 0,8918 0,9768 0,8215 0,9245 0,882 0,8865 0,8915 0,8895
Desvios absolutos dos valores das medidas em rela¸c˜ao ao tabelado (0,9166 g/mL)
Ge 0,0308 0,0107 0,0045 0,0106 0,0038 0,0133 0,0016 0,0008 0,0206 0,0009
Gc 0,0343 0,0057 0,0248 0,0602 0,0951 0,0079 0,0346 0,0301 0,0251 0,0271
2Valores com distribui¸c˜ao normal.
Acur´acia na retirada da medida instigada por uma estrat´egia de ensino de orienta¸c˜ao kuhniana 2503-5
5. Reflex˜ao sobre os resultados
Uma implica¸c˜ao importante dos resultados deste tra-
balho relaciona-se `as inser¸c˜oes de atividades did´aticas
provenientes do estudo de variadas estrat´egias de en-
sino que se inspiram corriqueiramente em orienta¸c˜oes
fundamentadas em teste de hip´oteses ou em aplica¸c˜ao
de um paradigma.3
Nesse sentido, a corrobora¸c˜ao da
hip´otese investigada sugere o emprego de estrat´egias
instrucionais de inclina¸c˜ao kuhniana, determina¸c˜ao de
constantes ou compara¸c˜ao entre hip´oteses, todas com
resultados antecipadamente conhecidos pelo aprendiz
anteriores as estrat´egias que usem valores desconhe-
cidos, como as de teste de hip´oteses ou que estudem
poss´ıveis covaria¸c˜oes entre grandezas f´ısicas.
Como n˜ao se espera que uma teoria produza re-
sultados totalmente precisos ou exatos, mas uma con-
cordˆancia poss´ıvel com os dados, as instru¸c˜oes de in-
clina¸c˜ao kuhniana s˜ao prefer´ıveis, num primeiro mo-
mento instrucional, por permitirem melhor preparar o
estudante `a no¸c˜ao de erro experimental, tendo-se em
considera¸c˜ao os argumentos sobre os comportamentos4
dos estudantes dos grupos experimentais.
6. Considera¸c˜oes finais
O trabalho mostrou que estudantes do Ensino M´edio
obtˆem maior acur´acia na medida quando a conhecem
previamente. Tal resultado foi fruto da mudan¸ca de ati-
tudes necess´arias `a realiza¸c˜ao de atividades experimen-
tais quantitativas. Todavia, a mudan¸ca dessas atitudes
n˜ao foi objeto sistem´atico do estudo, j´a que mereceria
outra pesquisa mais apropriada e metodologicamente
adequada para descri¸c˜ao mais aprofundada e contro-
lada dos seus aspectos. Caso uma futura investiga¸c˜ao
caminhe nesse sentido, a leitura da estrat´egia de Millar
[11] aqui proposta vem favorecer entendimentos referen-
tes `a mudan¸ca de atitudes e comportamentos relativos `a
atividade experimental dos estudantes, gerando, como
conseq¨uˆencia, dados com maior acuidade.
Dentro das investiga¸c˜oes que tratam do processo
educacional de medi¸c˜ao, talvez a maior contribui¸c˜ao
deste trabalho esteja em direcionar estudos para o
enfrentamento do resistente “paradigma pontual” em
dire¸c˜ao ao “paradigma de conjunto”, assim denomi-
nados na literatura [20-22], o que de fato implica
fazer com que estudantes do Ensino M´edio tomem
consciˆencia da inerente existˆencia de erros experimen-
tais nas medi¸c˜oes. Dentro disso, poder-se-ia perguntar
se aprendizes que conhecem previamente a medida a
ser obtida n˜ao chegam a perceber com mais facilidade e
clareza a existˆencia de erros experimentais, posto haver
um limite para melhorar o dado experimental e este li-
mite ´e o dos erros sistem´aticos e estat´ısticos? Com essa
´ultima pergunta esperamos deixar a motiva¸c˜ao deste
trabalho para uma futura investiga¸c˜ao.
Agradecimentos
Os autores s˜ao gratos ao CNPq, Funda¸c˜ao Arauc´aria e
Faepe/UEL.
Referˆencias
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Science Teaching 33, 7 (1996).
[9] D. Hodson, Ense˜nanza de las Ciencias 12, 3 (1994).
[10] R. Millar, Teaching Science. Edited by Ralph Levinson
(Open University, Routledge, 1994).
[11] R. Millar, Studies in Science Education 14, (1987).
[12] S. T. Kuhn, A Tens˜ao Essencial. Biblioteca de Filosofia
Contemporˆanea (Edi¸c˜oes 70, Lisboa, 1977).
[13] S.T. Kuhn, A Estrutura das Revolu¸c˜oes Cient´ıficas
(Editora Perspectiva, S˜ao Paulo, 1987).
[14] D. Gil, Ense˜nanza de las Ciencias 4, 2 (1986).
[15] J.H. Vuolo, Fundamentos da Teoria de Erros (Edgard
Blucher Ltda., S˜ao Paulo, 1992).
[16] R.L. Ponczek, Caderno Brasileiro de Ensino de F´ısica
26, 2 (2009).
[17] A.I. Pereira and F. Amador, Revista Eletrˆonica de
Ense˜nanza de las Ciˆencias 6, 1 (2007).
[18] F.L. Silveira and F. Ostermann, Caderno Brasileiro de
Ensino de F´ısica 19, n´umero especial (2002).
[19] ´A. V´asquez and M.A. Massareno, Ense˜nanza de las
Ciˆencias 17, 3 (1999).
[20] C.E. Labur´u, O.H.M. Silva and D. Sales, Revista Bra-
sileira de Ensino de F´ısica 32, 1 (2010).
[21] Z. Kanari and R. Millar, Journal of Research in Science
Teaching 41, 7 (2004).
3Desconsiderando coment´arios comparativos de uma poss´ıvel orienta¸c˜ao indutivista ou por descoberta, dado as cr´ıticas que a elas se
tˆem feitas ([16, p. 297 e 310, 17, p. 113, 18, p. 7, 19, p. 378].
4Maior afinco com a atividade experimental, mostrando despender mais tempo, dedica¸c˜ao e discuss˜ao com os pares e o professor.
2503-6 Labur´u et al.
[22] A. Buffler, S. Allie, F. Lubben and B. Campbell, Inter-
national Journal of Science Education 23, 11 (2001).
[23] L. D’hainaut, Conceitos e M´etodos da Estat´ıstica – Vo-
lume 1 – Uma Vari´avel a Uma Dimens˜ao (Funda¸c˜ao
Caloute Gulbenkian, Lisboa,1997), 2a
ed.

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  • 1. Revista Brasileira de Ensino de F´ısica, v. 34, n. 2, 2503 (2012) www.sbfisica.org.br Acur´acia na retirada da medida instigada por uma estrat´egia de ensino de orienta¸c˜ao kuhniana (Accuracy in the withdraw of measure instigated by a kuhnian orientation teaching strategy) Carlos Eduardo Labur´u1 , Osmar Henrique Moura da Silva1 e Ana Cl´audia For¸ca2 Departamento de F´ısica, Universidade Estadual de Londrina, Londrina, PR, Brasil 2 Programa de Mestrado em Ensino de Ciˆencias e Educa¸c˜ao Matem´atica, Universidade Estadual de Londrina, Londrina, PR, Brasil Recebido em 23/5/2011; Aceito em 3/2/2012; Publicado em 2/6/2012 Investiga-se uma estrat´egia de ensino que mant´em um paralelo com a de Millar, sugerida em 1987, analisando se os estudantes obtˆem medidas experimentais com melhor acur´acia do que aqueles que n˜ao ficam submetidos a ela. Parte-se da hip´otese de que conhecer previamente o valor da medida a ser obtida em um experimento faz com que os estudantes obtenham medidas com maior acur´acia, pois ficam mais atentos e cautelosos com os procedimentos, refazendo-os quando a medida se desvia do valor por eles esperado, caso mais dif´ıcil de acontecer se eles desconhecem o valor do que est˜ao medindo. A corrobora¸c˜ao desta hip´otese ´e feita por meio de trata- mento estat´ıstico (teste t) ao se analisar dois grupos (experimental e controle) de estudantes de n´ıvel m´edio, em situa¸c˜ao real de sala de aula, realizando medidas em atividades experimentais de f´ısica. Considera¸c˜oes a respeito da consequˆencia dos resultados desta pesquisa em rela¸c˜ao ao uso de estrat´egias did´aticas investigativas de inspira¸c˜ao em teste de hip´oteses ou de aplica¸c˜ao de uma teoria s˜ao tamb´em apresentadas. Palavras-chave: medida, Ensino M´edio, f´ısica, acur´acia, estrat´egia de ensino kuhniana, pesquisa quantitativa. In this article we investigate a teaching strategy that is similar to that proposed in 1987 by Millar, where we analyze whether students obtain more accurate experimental data or not when submitted to the strategy. The working hypothesis is that if students have previous knowledge of the value they are supposed to obtain out of an experiment, they get more accurate results since they go through it more cautiously and attentively; when their results deviate from the expected value, they retrace their steps, something which does not happen in case they do not know the values beforehand. We corroborate our hypothesis through a statistical test (Student’s t-test) applied to two sets of high-school students (experimental and control groups) in a real classroom situation, during experimental classes. We present and consider the consequences of our results when compared to the use of investigative didactic strategies based on hypotheses testing or theory application. Keywords: measure, high school, physics, accuracy, kuhnian teaching strategy, quantitative research. “Tamb´em temos o direito de pensar que se os observadores n˜ao tivessem sabido previamente quais valores deveriam obter, seus resultados teriam apresentado uma incerteza ainda maior”2 1. Introdu¸c˜ao A atividade experimental em educa¸c˜ao cient´ıfica al´em de desencadear a motiva¸c˜ao pode impulsionar a apren- dizagem de conte´udos para n´ıveis mais significativos, sendo tamb´em auxiliadora do desenvolvimento episte- mol´ogico do inquirir cient´ıfico, ao instigar os estudantes em habilidades cognitivas, de atitudes e pr´aticas [2, 3, p. 27, Wellington apud 4, p. 323, 5, p. 626, 6-9]). O desenvolvimento dessas habilidades ´e fundamental para que os seguintes passos sejam satisfatoriamente realizados: formular quest˜oes, propor hip´oteses, plane- jar experimentos e realizar investiga¸c˜oes pr´aticas para culminar no teste de hip´oteses ou para exercitar um paradigma, definir e conduzir observa¸c˜oes sistem´aticas, organizar e impor uma ordem intelectual aos dados, in- terpretar e extrair conclus˜oes dos resultados, replicar experimentos [10]. Visando aprimorar essas habilidades, o desenvolvi- mento de atividades did´aticas atrela-se ao estudo das 1E-mail: osmarh@uel.br. 2Cita¸c˜ao do cosm´ologo Dennis Sciama a respeito dos resultados diferentes obtidos pelos astrˆonomos que tentaram observar o desvio da luz de estrelas causadas pelo campo gravitacional do Sol e que fora previsto pela teoria da Relatividade Geral de Einstein [1, p. 92b]. Copyright by the Sociedade Brasileira de F´ısica. Printed in Brazil.
  • 2. 2503-2 Labur´u et al. mais variadas estrat´egias de ensino, estando estas ins- piradas comumente em orienta¸c˜oes instrucionais fun- damentadas em teste de hip´oteses ou em aplica¸c˜ao de um paradigma, com inclina¸c˜oes de origem, respectiva- mente, popperiana e kuhniana, ou ainda segundo uma orienta¸c˜ao indutivista, epistemologicamente mais cri- tic´avel. Sejam quais forem as op¸c˜oes instrucionais, to- dos esses objetivos envolvem alguma confronta¸c˜ao en- tre teoria(s) e evidˆencia e implicam, assim, estabelecer rela¸c˜oes entre vari´aveis, processar dados e us´a-los para suportar uma conclus˜ao. Na preocupa¸c˜ao de auxiliar reflex˜oes educacionais para o desenvolvimento dessas habilidades nos estudan- tes, o presente trabalho realiza uma compara¸c˜ao das acur´acias das medidas fornecidas por aprendizes em ati- vidades experimentais quantitativas baseadas em duas orienta¸c˜oes did´aticas distintas. Numa das orienta¸c˜oes, o estudante conhece o valor da medida a ser encontrado no experimento fornecido pelo professor, enquanto na outra orienta¸c˜ao o estudante desconhece esse valor. A primeira orienta¸c˜ao inspira-se na proposta de Millar [11], que vem amparada no modelo epistemol´ogico de Kuhn [12, 13] e originalmente sugerida ao professor de ciˆencias como um encaminhamento em atividades ex- perimentais junto aos estudantes. Millar prop˜oe que os racioc´ınios, a¸c˜oes e observa¸c˜oes dos estudantes sejam guiadas em atividades experimentais por paradigmas previamente conhecidos para que teorias ensinadas se- jam aplicadas, distinguindo-se de orienta¸c˜oes educacio- nais fundamentadas no teste de hip´oteses. Dentro disso, esta pesquisa parte da hip´otese de que estudantes ao conhecerem previamente o valor da me- dida a ser encontrada apresentam melhor acur´acia do que aqueles que n˜ao a conhecem. A corroborar essa hip´otese apresenta-se a an´alise apoiada em um trata- mento estat´ıstico (test t) entre sujeitos que conhecem o dado previamente e que o desconhecem. 2. Orienta¸c˜ao kuhniana de Millar e acu- r´acia das medidas Num antigo trabalho de 1987, Millar discute o papel do experimento para o ensino de ciˆencias. Critica a imagem popular sobre a ciˆencia como sendo aquela em que os conhecimentos s˜ao descobertos no laborat´orio por experimentos que lhes garantem validade, fidedigni- dade e, por isso, confian¸ca. P˜oe em d´uvida se uma par- ticular demonstra¸c˜ao realmente deixa claro o assunto ou ´e capaz de ajudar o aprendiz a construir significa- dos. Ao mesmo tempo critica os experimentos escolares guiados por meio das estrat´egias de ensino por desco- berta ou hipot´etico-dedutiva em raz˜ao dos resultados incertos que, muitas vezes, elas geram. Amparado pelo referencial epistemol´ogico kuhniano, defende que a re- aliza¸c˜ao de experimentos escolares deveria expor um paradigma [11, p. 114]. Segundo esse referencial, ´e critic´avel as concep¸c˜oes comumente aceitas de que os dados num´ericos confirmem ou sirvam para indutiva- mente obter as teorias cient´ıficas [12, p. 229]. Isto porque a concordˆancia entre teoria e experimento sig- nifica apenas concordˆancia razo´avel, pois quase sempre a aplica¸c˜ao de uma teoria f´ısica implica alguma apro- xima¸c˜ao e, por conseguinte, n˜ao se espera que a teoria produza resultados totalmente precisos ou exatos, mas uma concordˆancia poss´ıvel com os dados [12, p. 229 e 231]. Kuhn diz que muita teoria ´e necess´aria antes dos resultados da medi¸c˜ao obterem sentido. Inclusive, no momento em que toda teoria est´a dispon´ıvel, ele chega a afirmar que a lei muito provavelmente j´a foi conjetu- rada sem que tenha havido recorrˆencia `a medi¸c˜ao [12, p. 247]. Assim, a teoria tem um papel relevante na redu¸c˜ao da dispers˜ao dos dados [12, p. 241] e, em vez de lutar com os fatos, os cientistas tentam for¸car a pr´opria natureza a se conformar com a teoria, a qual ele n˜ao duvida. Por isso, segundo Kuhn, as leis da natureza s˜ao arquitetadas t˜ao raramente apenas por inspe¸c˜ao dos resultados de medi¸c˜oes feitas sem que haja um conhe- cimento pr´evio dessas leis, pois as medidas apresentam grandes d´uvidas e incertezas. Muitas vezes, os resul- tados num´ericos precisam ser aprimorados atrav´es de maior refinamento de t´ecnicas e instrumentos que pre- cisam ser inventados. ´E a teoria que leva a esses refina- mentos, inventos e aproxima¸c˜oes te´oricas [12, p. 239 e 244]. Logo, os dados embutem d´uvidas quando se vˆem isolados de um paradigma que os analise e os enquadre; leis emp´ıricas como as de Hooke ou Boyle-Mariotte s˜ao descobertas improv´aveis, diz ele. Em s´ıntese, para esse autor, toda medi¸c˜ao ´e dependente de um paradigma que a guie e s´o com ele ´e poss´ıvel o cientista se ori- entar na tomada de decis˜ao de como e do que medir, assim como, de qual valor num´erico obter. Todavia, a fun¸c˜ao para as medidas ´e a de levar ao limite o refina- mento do paradigma, por meio do aprimoramento das t´ecnicas, instrumentos e aproxima¸c˜oes te´oricas. Nessas condi¸c˜oes, as medidas s˜ao geradoras de crise do para- digma ou determinam, nessa situa¸c˜ao, a escolha entre teorias, confirmando uma delas [12, p. 258]. Assim como para Kuhn [12, p. 232], o treinamento do cientista envolve aprender um paradigma e a solu- cionar problemas “exemplares”, tal qual uma solu¸c˜ao te´orica ou experimental, ou mesmo um esquema ou aplica¸c˜ao, para Millar, os experimentos escolares de ciˆencias tamb´em deveriam ser implica¸c˜oes de paradig- mas [11, p. 114]. Da mesma forma que um para- digma define o campo sob quest˜ao, fazer um experi- mento escolar ´e expor um paradigma e n˜ao descobrir um conhecimento ou checar hip´oteses. ´E somente por meio da utiliza¸c˜ao dos conhecimentos aprendidos, logo, de uma expectativa pr´evia, que os estudantes conse- guem dar sentido aos resultados experimentais, a fim de que estes apare¸cam e se ajustem aos modelos espe- rados. Mas observa que a existˆencia de desacordos a respeito dos significados e interpreta¸c˜oes da evidˆencia ´e uma condi¸c˜ao normal da ciˆencia e da dificuldade ine-
  • 3. Acur´acia na retirada da medida instigada por uma estrat´egia de ensino de orienta¸c˜ao kuhniana 2503-3 rente da mesma em extrair um conhecimento da recal- citrante natureza. Geralmente, o consenso ´e alcan¸cado pela comunidade cient´ıfica somente ap´os uma extenu- ante discuss˜ao. Por compara¸c˜ao, Millar entende haver necessidade de se priorizar e devotar um maior tempo para negociar, discernir e avaliar os resultados de um experimento escolar, frente `a teoria ensinada, do que consumir excessivo tempo em ficar executando a ativi- dade emp´ırica [11, p. 115]. Conclui que uma maneira de observar se um aprendiz efetuou corretamente um experimento ´e inspecionando se os seus resultados ob- tidos concordam com as expectativas esperadas da te- oria aprendida. Compartilhando essa leitura, Hodson [apud 14, p. 113a] considera, igualmente, que o prin- cipal objetivo do ensino de ciˆencias ´e fazer com que os estudantes aprendam as teorias vigentes e saibam ade- quadamente aplic´a-las aos fenˆomenos. Nesse sentido, a maior parte do trabalho de laborat´orio na escola deve- ria se concentrar na aplica¸c˜ao da teoria, o que Gil [14] interpreta, tamb´em, como uma perspectiva baseada na ciˆencia normal de Kuhn. Tendo em vista as considera¸c˜oes precedentes, ´e poss´ıvel perceber a relevˆancia da medida nos experi- mentos escolares visto que toma parte das atividades pedag´ogicas para decidir entre teorias, testar ou at´e ve- rificar uma teoria espec´ıfica. A medida tem seu papel em resolver dificuldades na interpreta¸c˜ao dos dados e tornar os estudantes conscientes de que existem incer- tezas inerentemente associadas ao processo de aquisi¸c˜ao desses dados e, nesse sentido, a importˆancia em dimi- nuir os erros experimentais para evitar que se mascare a ausˆencia de covaria¸c˜ao entre grandezas f´ısicas. Um enfrentamento satisfat´orio de tais considera¸c˜oes passa pela diminui¸c˜ao das dispers˜oes experimentais, o que sig- nifica fazer com que os estudantes procurem obter me- didas com maior qualidade. Com essa preocupa¸c˜ao em mente, investiga-se aqui o efeito do emprego da estrat´egia de ensino de Millar [11] com o objetivo espec´ıfico de apurar a qualidade das medidas extra´ıdas pelos estudantes quando reali- zam atividades experimentais quantitativas. Todavia, antes ´e preciso esclarecer que o aproveitamento de sua id´eia neste estudo foi feito por aproxima¸c˜ao ou analo- gia. Quer-se dizer com isso que a inten¸c˜ao de Millar foi o de expor um paradigma, no sentido dos conhe- cimentos escolares aprendidos cumprirem essa fun¸c˜ao, enquanto a presente proposta esteve t˜ao somente a fa- zer com que o estudante possu´ısse uma expectativa j´a conhecida do valor da medida, ou seja, que ele de antem˜ao soubesse o valor a ser encontrado no expe- rimento. Quanto `a referˆencia pedag´ogica, por´em, na essˆencia, a proposta sugerida equivale a do autor [11]. A raz˜ao disso ´e a seguinte. Assim como os cientistas tentam for¸car a natureza a se conformar com a teoria por meio de um paradigma, em vez de lutarem con- tra os fatos, para Millar, baseado nessa vis˜ao kuhni- ana, uma interpreta¸c˜ao coerente dos resultados de um experimento escolar deve ficar submetida ao dom´ınio e previs˜ao do contexto te´orico aprendido pelo sujeito, anterior `a realiza¸c˜ao experimental. Isto determina que `a luz de uma compreens˜ao te´orica pr´evia, ou no caso do presente estudo, de uma expectativa de resultado, o experimento deve se conformar e ajustar para que seus valores apare¸cam. Nesse sentido, a hip´otese j´a mencionada a ser aqui investigada, de que os estudantes ao conhecerem ante- cipadamente o resultado a ser obtido da atividade ex- perimental extraem-no maior acur´acia [15, p. 69], pode se justificar pelos seguintes comportamentos presumi- dos: os estudantes que conhecem de antem˜ao o valor a ser medido tˆem maior preocupa¸c˜ao em refazer o ex- perimento e analisam os passos realizados mais de uma vez, pois tentam entender o que deu errado quando o valor extra´ıdo se desvia do esperado por eles. Conse- quentemente, ao refazerem a atividade, revisam-na com mais cautela do que da primeira realiza¸c˜ao e ficam mais atentos aos detalhes, corrigindo e melhorando procedi- mentos, com o objetivo de tirar a medida pretendida; acabam, assim, por investir maior tempo e dedica¸c˜ao ao experimento, `as discuss˜oes com seus colegas e professor, j´a que um maior afinco se potencializa na tentativa de corrigir o resultado, tendo-se, com isso, melhorado a qualidade do dado experimental. Esses aspectos, por outro lado, seriam menos percebidos em atividades ex- perimentais em que o resultado a chegar ´e desconhe- cido. Neste caso, o motivo est´a no fato de o estudante “trabalhar no escuro”, visto que qualquer resultado por ele alcan¸cado pode ser considerado certo, sem necessi- tar de maiores reflex˜oes e refinamentos, porquanto lhe falte um parˆametro de compara¸c˜ao para avaliar se h´a discrepˆancia ou n˜ao do resultado obtido. 3. Metodologia A amostra constituiu-se de 80 estudantes do primeiro ano do Ensino M´edio de uma escola p´ublica da cidade de Colorado – PR, pertencentes a duas turmas iguais de 40 integrantes. Especificou-se como turma 1 a que realizou o experimento para achar o valor da acelera¸c˜ao da gravidade local, e de turma 2 a que realizou o ex- perimento para determinar o valor da densidade de um ´oleo de cozinha. Cada turma foi dividida em dois gru- pos de 20 estudantes, um grupo experimental e outro de controle. Cada grupo experimental foi submetido `a estrat´egia de ensino em que os sujeitos conheciam previamente o valor da medida. J´a os dois grupos de controle das duas turmas realizaram suas experiˆencias, mas desconhecendo o valor da medida. Cada grupo de vinte integrantes de ambas as tur- mas foi subdividido em dez subgrupos de dois estudan- tes. Logo, com cada subgrupo realizando a atividade emp´ırica isoladamente, permitiu-se alcan¸car dez medi- das do grupo experimental e dez do grupo de controle para serem comparados na atividade experimental das
  • 4. 2503-4 Labur´u et al. turmas 1 e 2. A atividade emp´ırica apresentada aos dois grupos da turma 1 foi o cl´assico experimento da determina¸c˜ao da acelera¸c˜ao da gravidade, utilizando um pˆendulo con- tendo uma bola de sinuca presa a um barbante. Para a obten¸c˜ao dos dados, juntamente com o pˆendulo, foi tamb´em entregue a cada subgrupo um suporte univer- sal com garra para amarrar o barbante, uma trena e um cronˆometro digital com precis˜ao de cent´esimos de segundo. Atrav´es da medida do comprimento e do per´ıodo do pˆendulo, em que se instruiu os estudan- tes a contar duas oscila¸c˜oes, dividindo o tempo total por dois, eles encontravam o valor experimental da ace- lera¸c˜ao gravidade local pela express˜ao g = (2π)2 L/T2 . O grupo experimental foi informado do valor te´orico (g = 9,7851 m/s2 ). Para a turma 2 foi entregue a cada subgrupo um litro de ´oleo de soja, um Becker de 1000 mL e uma ba- lan¸ca de precis˜ao de d´ecimos de grama. Os estudantes foram instru´ıdos a usar a balan¸ca e a medir o volume da substˆancia a crit´erio de cada subgrupo, para usar na express˜ao d = m/V . Tamb´em, na turma 2, apenas ao grupo experimental foi informado a respeito do valor tabelado da densidade do ´oleo (µ = 0,9166 g/mL). As medidas fornecidas pelos subgrupos foram sub- tra´ıdas do respectivo valor alvo, obtendo-se desvios ab- solutos em rela¸c˜ao a este. Assim, foram obtidos dez desvios de cada grupo. De cada grupo, calculou-se uma m´edia proveniente dos valores dos dez desvios dos subgrupos. Logo, foram tiradas quatro m´edias: uma do grupo experimental e uma do grupo de controle da turma 1; uma do grupo experimental e uma do grupo de controle da turma 2. Em cada turma, a compara¸c˜ao entre os grupos ex- perimental e controle ocorreu com as duas m´edias dos desvios absolutos em rela¸c˜ao ao valor alvo, ao se ave- riguar qual deles, a partir dessas m´edias, apresentou maior qualidade em termos de acur´acia, levando em conta o teste estat´ıstico t de student. Todos os subgru- pos tiveram liberdade em proceder com a repeti¸c˜ao ou n˜ao da experiˆencia para selecionar ou n˜ao uma medida entre outras, e mesmo fornecer uma medida final por meio de uma m´edia entre algumas medidas considera- das. 4. Resultados As duas tabelas apresentadas incluem os valores forne- cidos por cada subgrupo e os desvios absolutos calcu- lados desses valores em rela¸c˜ao ao valor alvo te´orico. O teste aplicado `a an´alise das variˆancias (teste F; α = 0,05) dos valores dos grupos2 de cada turma con- cluiu uma heterogeneidade em ambos os casos, admi- tindo prosseguir com o uso particular do teste t para variˆancias n˜ao homogˆeneas. O teste t uni-caudal (tcal = -2,94; α = 0,01) para amostras independentes da Tabela 1 indica que h´a uma diferen¸ca significativa entre a m´edia dos desvios ab- solutos do grupo experimental Ge (M = 0,4059) e a m´edia dos desvios absolutos do grupo de controle Gc (M = 1,171), com uma confian¸ca de 99%. O teste t uni-caudal (tcal = -3,54; α = 0,01) para amostras independentes da Tabela 2 indica que h´a uma diferen¸ca significativa entre a m´edia dos desvios abso- lutos do grupo experimental Ge (M = 0,00976) e a m´edia dos desvios absolutos do grupo de controle Gc (M = 0,03962), com uma confian¸ca de 99%. Esses resultados encontrados nas duas turmas fo- ram coincidentes e permitem concluir que estudantes com conhecimento pr´evio do valor da medida estatisti- camente tendem a encontrar a medida com um menor desvio, logo, alcan¸cam maior acur´acia do dado experi- mental. Tabela 1 - Valores fornecidos - turma 1. Valores das medidas para a acelera¸c˜ao da gravidade Ge 9,529 9,710 9,201 9,534 9,377 9,221 9,145 9,229 9,400 9,445 Gc 9,035 10,420 8,651 8,926 8,721 10,569 9,738 7,065 8,402 12,119 Desvios absolutos dos valores das medidas em rela¸c˜ao ao valor te´orico (9,7851 m/s2) Ge 0,256 0,075 0,584 0,251 0,408 0,564 0,640 0,556 0,385 0,340 Gc 0,750 0,635 1,134 0,859 1,064 0,784 0,047 2,720 1,383 2,334 Tabela 2 - Valores fornecidos - turma 2. Valores das medidas para a densidade do ´oleo Ge 0,8858 0,9273 0,9121 0,906 0,9128 0,9033 0,915 0,9158 0,896 0,9175 Gc 0,8823 0,9223 0,8918 0,9768 0,8215 0,9245 0,882 0,8865 0,8915 0,8895 Desvios absolutos dos valores das medidas em rela¸c˜ao ao tabelado (0,9166 g/mL) Ge 0,0308 0,0107 0,0045 0,0106 0,0038 0,0133 0,0016 0,0008 0,0206 0,0009 Gc 0,0343 0,0057 0,0248 0,0602 0,0951 0,0079 0,0346 0,0301 0,0251 0,0271 2Valores com distribui¸c˜ao normal.
  • 5. Acur´acia na retirada da medida instigada por uma estrat´egia de ensino de orienta¸c˜ao kuhniana 2503-5 5. Reflex˜ao sobre os resultados Uma implica¸c˜ao importante dos resultados deste tra- balho relaciona-se `as inser¸c˜oes de atividades did´aticas provenientes do estudo de variadas estrat´egias de en- sino que se inspiram corriqueiramente em orienta¸c˜oes fundamentadas em teste de hip´oteses ou em aplica¸c˜ao de um paradigma.3 Nesse sentido, a corrobora¸c˜ao da hip´otese investigada sugere o emprego de estrat´egias instrucionais de inclina¸c˜ao kuhniana, determina¸c˜ao de constantes ou compara¸c˜ao entre hip´oteses, todas com resultados antecipadamente conhecidos pelo aprendiz anteriores as estrat´egias que usem valores desconhe- cidos, como as de teste de hip´oteses ou que estudem poss´ıveis covaria¸c˜oes entre grandezas f´ısicas. Como n˜ao se espera que uma teoria produza re- sultados totalmente precisos ou exatos, mas uma con- cordˆancia poss´ıvel com os dados, as instru¸c˜oes de in- clina¸c˜ao kuhniana s˜ao prefer´ıveis, num primeiro mo- mento instrucional, por permitirem melhor preparar o estudante `a no¸c˜ao de erro experimental, tendo-se em considera¸c˜ao os argumentos sobre os comportamentos4 dos estudantes dos grupos experimentais. 6. Considera¸c˜oes finais O trabalho mostrou que estudantes do Ensino M´edio obtˆem maior acur´acia na medida quando a conhecem previamente. Tal resultado foi fruto da mudan¸ca de ati- tudes necess´arias `a realiza¸c˜ao de atividades experimen- tais quantitativas. Todavia, a mudan¸ca dessas atitudes n˜ao foi objeto sistem´atico do estudo, j´a que mereceria outra pesquisa mais apropriada e metodologicamente adequada para descri¸c˜ao mais aprofundada e contro- lada dos seus aspectos. Caso uma futura investiga¸c˜ao caminhe nesse sentido, a leitura da estrat´egia de Millar [11] aqui proposta vem favorecer entendimentos referen- tes `a mudan¸ca de atitudes e comportamentos relativos `a atividade experimental dos estudantes, gerando, como conseq¨uˆencia, dados com maior acuidade. Dentro das investiga¸c˜oes que tratam do processo educacional de medi¸c˜ao, talvez a maior contribui¸c˜ao deste trabalho esteja em direcionar estudos para o enfrentamento do resistente “paradigma pontual” em dire¸c˜ao ao “paradigma de conjunto”, assim denomi- nados na literatura [20-22], o que de fato implica fazer com que estudantes do Ensino M´edio tomem consciˆencia da inerente existˆencia de erros experimen- tais nas medi¸c˜oes. Dentro disso, poder-se-ia perguntar se aprendizes que conhecem previamente a medida a ser obtida n˜ao chegam a perceber com mais facilidade e clareza a existˆencia de erros experimentais, posto haver um limite para melhorar o dado experimental e este li- mite ´e o dos erros sistem´aticos e estat´ısticos? Com essa ´ultima pergunta esperamos deixar a motiva¸c˜ao deste trabalho para uma futura investiga¸c˜ao. Agradecimentos Os autores s˜ao gratos ao CNPq, Funda¸c˜ao Arauc´aria e Faepe/UEL. Referˆencias [1] S. Bergia, Scientifc American Brasil edi¸c˜ao, 88 (sem data) [2] C.E. Labur´u, Investiga¸c˜oes em Ensino de Ciˆencias 2, 1 (2005). [3] J.R. Watson, J.R.L. Swain and C. Mcrobbie, Interna- tional Journal of Science Education 26, 25 (2004). [4] J. Lavonen, J. Jauhiainen, I.T. Kopnen and K. Kurki- Suonio, International Journal of Science Education 26, 3 (2004). [5] M-G. S´er´e, Science Education 86, (2002). [6] P.E. Hirvonen and J. Viiri, Science & Education 11, 305 (2002). [7] M. Welzel, K. Haller, M. Bandiera, D. Hammelev, P. Koumaras, H. Niedderer, A. Paulsen, K. Robinault and S. von Aufschnaiter, Labwork in Science Education 6, (1998). Acesso: http://www.physick.uni-bremen. de/physics.education/niedderer/projects/. [8] P.J. Germann and R.J. Aram, Journal of Research in Science Teaching 33, 7 (1996). [9] D. Hodson, Ense˜nanza de las Ciencias 12, 3 (1994). [10] R. Millar, Teaching Science. Edited by Ralph Levinson (Open University, Routledge, 1994). [11] R. Millar, Studies in Science Education 14, (1987). [12] S. T. Kuhn, A Tens˜ao Essencial. Biblioteca de Filosofia Contemporˆanea (Edi¸c˜oes 70, Lisboa, 1977). [13] S.T. Kuhn, A Estrutura das Revolu¸c˜oes Cient´ıficas (Editora Perspectiva, S˜ao Paulo, 1987). [14] D. Gil, Ense˜nanza de las Ciencias 4, 2 (1986). [15] J.H. Vuolo, Fundamentos da Teoria de Erros (Edgard Blucher Ltda., S˜ao Paulo, 1992). [16] R.L. Ponczek, Caderno Brasileiro de Ensino de F´ısica 26, 2 (2009). [17] A.I. Pereira and F. Amador, Revista Eletrˆonica de Ense˜nanza de las Ciˆencias 6, 1 (2007). [18] F.L. Silveira and F. Ostermann, Caderno Brasileiro de Ensino de F´ısica 19, n´umero especial (2002). [19] ´A. V´asquez and M.A. Massareno, Ense˜nanza de las Ciˆencias 17, 3 (1999). [20] C.E. Labur´u, O.H.M. Silva and D. Sales, Revista Bra- sileira de Ensino de F´ısica 32, 1 (2010). [21] Z. Kanari and R. Millar, Journal of Research in Science Teaching 41, 7 (2004). 3Desconsiderando coment´arios comparativos de uma poss´ıvel orienta¸c˜ao indutivista ou por descoberta, dado as cr´ıticas que a elas se tˆem feitas ([16, p. 297 e 310, 17, p. 113, 18, p. 7, 19, p. 378]. 4Maior afinco com a atividade experimental, mostrando despender mais tempo, dedica¸c˜ao e discuss˜ao com os pares e o professor.
  • 6. 2503-6 Labur´u et al. [22] A. Buffler, S. Allie, F. Lubben and B. Campbell, Inter- national Journal of Science Education 23, 11 (2001). [23] L. D’hainaut, Conceitos e M´etodos da Estat´ıstica – Vo- lume 1 – Uma Vari´avel a Uma Dimens˜ao (Funda¸c˜ao Caloute Gulbenkian, Lisboa,1997), 2a ed.