O documento relata um caso de reticuloperitonite traumática em um bovino, descrevendo os procedimentos adotados para diagnóstico, tratamento e prognóstico. A doença ocorre quando objetos metálicos perfuram o retículo, causando inflamação. Os sinais clínicos incluem queda na produção leiteira e apetite. Exames como ultrassom e radiografia podem ajudar no diagnóstico. O tratamento envolve remoção cirúrgica do corpo estranho e drenagem de abscess
Reticuloperitonite traumática em bovino: relato de caso
1. traumática em
bovino:
Relato de caso
Traumatic
Reticuloperitonitis
in bovine:
Case report
Figura 1:
Animal apresentava apatia,
dispnéia e desidratação ao ser
atendido no HV da UFMG
.........................................................
Hélio Martins de Aquino Neto
Prof. Assistente de Clínica Médica
de Ruminantes do Curso de Medicina
Veterinária da Univ. Federal de
Alagoas
hvet51@yahoo.com.br
Elias Jorge Facury Filho
Prof. Adjunto do Depto. Clínica e
Cirurgia - Escola de Veterinária da
Univ. Federal de Minas Gerais
facury@vet.ufmg.br
Antônio Último de Carvalho
Prof. Adjunto do Depto. Clínica e
Cirurgia - Escola de Veterinária da
Univ. Federal de Minas Gerais
ultimo@vet.ufmg.br
Pierre Barnabé Escodro
Prof. Assistente de Clínica Cirúrgica
do Curso de Medicina Veterinária da
Univ. Federal de Alagoas
pierre.vet@gmail.com
Lilian de Rezende Jordão
Médica Veterinária Mestre em
Zootecnia - Produção Animal
lilianjordao@gmail.com
RESUMO
A Retículo Peritonite Traumática compõe uma das causas dos distúrbios digestórios, em bovinos,
que acarretam em perdas econômicas. O presente artigo objetiva relatar um caso de
reticuloperitonite traumática em um bovino, detalhando, após embasamento bibliográfico, todos
os procedimentos adotados para o diagnóstico, tratamento e prognóstico do caso, bem como
ressaltar a necessidade da adoção de medidas que possam minimizar a ocorrência da doença.
Unitermos: Bovino, Reticulo Peritonite Traumática,Tratamento
ABSTRACT
Traumatic Reticuloperitonitis composes one of the causes of the digestives riots, in bovines, that
they cause economic losses. The aim of present article is case report of a case of Traumatic
Reticuloperitonitis in a bovine, detailing, after bibliographical basement, all the procedures adopted
for the diagnosis, treatment and prognostic of the case, as well as standing out the necessity of
the adoption of measures that can minimize the occurrence of the illness.
Keywords: Bovine, Traumatic Reticuloperitonitis,Treatment
1. INTRODUÇÃO
As perdas econômicas provocadas pelos distúrbios digestivos em bovinos são freqüentes em
um sistema de produção. Este quadro tem se agravado com a intensificação na criação dos animais,
tanto na bovinocultura leiteira quanto na de corte6.
As indigestões dos ruminantes podem ser classificadas em primárias e secundárias. Indigestões
primárias são aquelas em que o reticulo-rúmen é
diretamente afetado, sendo responsáveis pelos
principais sintomas da moléstia. Estes problemas
podem ser divididos em distúrbios reticulorrumenais motores ou fermentativos. Indigestões secundárias são seqüelas de alterações em outros órgãos, ou de problemas sistêmicos9.
Dentre as causas de indigestão primária de origem motora cita-se a reticuloperitonite traumática (RPT), conhecida também como doença das
ferramentas, moléstia dos corpos metálicos7, indigestão traumática ou indigestão por corpo estranho8. A RPT após a ingestão de corpos estra-
nhos metálicos é uma das doenças mais antigas
reconhecidas em bovinos, mas ainda ocorre com
frequência alarmante na atualidade7.
Considerando-se os hábitos alimentares dos
bovinos, pode-se supor que sempre existiram corpos estranhos no interior dos seus pré-estômagos,
porém os primeiros relatos descritos sobre isto datam da segunda metade do século XVIII. Em 1755
von Sind descreve pela primeira vez uma afecção
comum entre os pré-estômagos e o coração, que
em 1771 Erxleben designa como pericardite relacionada com o mal dos estômagos dos bovinos.
Barrier determinou em 1776 a presença de corpos estranhos no coração dos grandes ruminantes
e em 1789 Huzard realiza cirurgias para extrair
corpos estranhos penetrantes8.
No século XIV define-se a patogenia da enfermidade, estabelecendo-se dados científicos em relação aos sinais clínicos, curso, fatores predisponentes e possíveis seqüelas secundárias à penetração do corpo estranho. A partir de 1842 a laparotomia exploratória e a rumenotomia começam
2. a ser empregadas na confirmação do diagnóstico e como tratamento das reticulites
traumáticas. Diversos trabalhos posteriores
ocuparam-se em desenvolver métodos especiais de exame (radiografia, ultrassonografia), além de aprimoramento das técnicas cirúrgicas. Na década de 80 ganhou
importância a utilização de imãs profiláticos colocados no interior do retículo dos
bovinos8.
Apesar de todas as medidas profiláticas, os prejuízos econômicos causados por
corpos estranhos são grandes, sendo tão importantes quanto os originados por enfermidades infecciosas. Deve-se considerar
que além do dano visível por perda total ou
sacrifício obrigatório, a indigestão traumática causa perdas por mau aproveitamento
alimentar, diminuição da produção leiteira
e dificuldade para recuperação do peso e
reprodução dos animais8.
O presente artigo objetiva relatar um
caso de reticuloperitonite traumática em um
bovino, detalhando, após embasamento bibliográfico, todos os procedimentos adotados para o diagnóstico, tratamento e prognóstico do caso, bem como ressaltar a necessidade da adoção de medidas que possam minimizar a ocorrência da doença.
2. REVISÃO DE LITERATURA
2.1. Etiologia
A indigestão traumática decorre da perfuração do retículo por corpos estranhos
metálicos, representados na sua maioria por
arames (76%) e pregos (30%), embora possam ser encontrados parafusos, ferrolhos,
pedras, etc2. A doença acomete os bovinos,
sendo rara em ovinos e caprinos4, principalmente devido a algumas particularidades alimentares dos primeiros. Dentre estas, pode-se citar a rápida ingestão de alimentos, pequena habilidade dos lábios para
selecionar e diferenciar os alimentos muito fibrosos dos objetos metálicos, presença
de papilas voltadas caudalmente na cavidade oral, além da grande capacidade de
contração do retículo8.
Enquanto que em bovinos jovens raramente encontra-se corpos estranhos nos
pré-estomagos, até 90% dos animais adultos podem possuí-los, dependendo das condições de criação dos mesmos. A freqüência está relacionada às condições de manejo (mais raro em animais criados a pasto
em relação ao gado estabulado), instalações,
fornecimento de alimento, época do ano
(estabulação, pastagem de qualidade baixa), construção ou reforma recente na propriedade (currais, cercas, etc.), condições
locais (alimentação com resíduos industriais), além do estado de conservação e manutenção de equipamentos da fazenda como
carretas, desintegradores, ensiladeiras, vagão forrageiro, etc6.
2.2. Patogenia e sinais clínicos
A ingestão do corpo estranho e subseqüente penetração na parede reticular, leva
ao desenvolvimento de uma reação inflamatória localizada e aguda (peritonite). Se
a penetração ocorrer somente nas dobras
da parede do órgão, o curso da doença será
brando, com inapetência temporária e redução na produção de leite2. Os sintomas
são extremamente variáveis e diretamente
influenciados pela região anatômica da
perfuração dentro do retículo, sua profundidade, pela lesão visceral abdominal ou
torácica associada e pelas características
físicas do objeto causador 7.
A forma clássica da doença, caracterizada por peritonite localizada aguda, acarreta queda na ingestão de alimentos, além
de uma súbita e drástica interrupção da produção leiteira, a qual pode reduzir-se em
até 50% dentro de 12 horas2. Os animais
acometidos podem apresentar relutância
para movimentar-se, arqueamento da coluna vertebral, gemidos, dispnéia e abdução dos membros torácicos9. Ocasionalmente “vomitam” ou regurgitam mais material
do que eles podem reter como bolo alimentar. Isso representa um disparo neurogênico ou relacionado com a pressão do reflexo
de regurgitação originário de irritação reticular7.
Os bovinos acometidos por peritonite
localizada crônica apresentam sinais de
perda de peso, pelos em más condições,
anorexia intermitente, redução da produção leiteira, alteração da consistência das
fezes e disfunção rumenal com ou sem timpanismo leve. Tais animais podem ter uma
postura arqueada, além de dor abdominal
detectável6.
A peritonite aguda difusa caracterizase pela aparência de profunda toxemia dois
a três dias após o aparecimento da peritonite local. A motilidade do trato alimentar
está diminuída, observa-se acentuada depressão, e a temperatura encontra-se discretamente elevada ou subnormal. A frequência cardíaca aumenta para até 100 –
120 bpm, e os gemidos de dor podem aparecer com o auxílio da palpação digital profunda sobre quase toda a parede abdominal ventral. Tal estágio normalmente é seguido por rápido colapso na circulação periférica. Na fase terminal, o decúbito e a
depressão são comuns6.
Bovinos com pleurite ou pericardite
após perfuração por corpo estranho normalmente apresentam-se depressivos, com taquicardia e febre. A pleurite manifesta-se
rapidamente, caracterizada por respiração
superficial, sons pulmonares abafados e
possibilidade de presença de estertores. Pericardite traumática é caracterizada por abafamento dos ruídos cardíacos, estase positiva da veia jugular e formação de edema
nas partes baixas do corpo. Estas complicações indicam um prognóstico desfavorável e o animal pode morrer subitamente em
decorrência de perfuração do miocárdio,
produzindo hemorragia intensa no interior do saco pericárdico5.
O prognóstico em relação à sobrevivência e retorno a produção de leite para a maioria das vacas com RPT é bom, porém o
mesmo estará diretamente relacionado com
a extensão e localização das lesões provocadas pelo corpo estranho e consequentemente com as seqüelas resultantes disto7.
A pericardite séptica corresponde à
complicação melhor conhecida e ocorre
quando o corpo estranho metálico perfura
em direção cranial, atingindo o diafragma
e o pericárdio, podendo resultar em alguns
casos, em quadros de septicemia e morte1.
Os abscessos reticulares também são seqüelas relativamente comuns, e com freqüência aparecem na parede cranial ou direita
do retículo, onde causam, direta ou indiretamente, uma disfunção dos ramos nervosos vagais ventrais6. A pleurite séptica, os
abscessos torácicos, as hérnias diafragmáticas e a endocardite traumática constituem complicações menos usuais de perfuração do diafragma7.
Qualquer perfuração da parede direita
do retículo pode, através de inflamação e
aderências associadas, lesar, inflamar ou irritar os ramos nervosos vagais ventrais e
redundar em sinais de indigestão vagal, tornando o prognóstico desfavorável do ponto de vista produtivo8.
2.3. Diagnóstico
O diagnóstico deve basear-se na anamnese e no exame clínico detalhado do animal, e tende a ser facilitado quando o mesmo é examinado durante a manifestação
inicial dos sintomas, situação esta que raramente ocorre. Na ausência de um histórico detalhado e quando o quadro está instalado há vários dias, o diagnóstico é mais
difícil5. Outras causas de peritonite, particularmente úlceras abomasais perfuradas,
podem confundir o diagnóstico de RPT. Diagnósticos diferenciais devem incluir condições que levam a sinais gastro-entéricos
3. inespecíficos, como indigestão, linfossarcoma ou obstrução intestinal. Deslocamento
abomasal ou vólvulo são descartados mediante a ausência do som metálico durante
a auscultação com percussão da cavidade
abdominal. Pleurite e pericardite de origem
não traumática produzem sinais similares
àqueles associados com perfuração por corpo estranho, daí a necessidade de um exame clínico minucioso em todos os sistemas
do organismo7.
Embora nem sempre sejam necessários
ou possíveis de serem realizados a campo,
exames laboratoriais podem ser bastante
úteis para o diagnóstico. Em muitos casos
há uma neutrofilia com desvio à esquerda.
Fibrinogênio e, em casos crônicos, concentração de proteínas no plasma total podem
estar aumentados2,5,6,7. Abdominocentese e
avaliação citológica do líquido peritoneal
podem ajudar na determinação de processos inflamatórios, se a peritonite não estiver extremamente localizada2,9.
O exame ultrassonográfico, baseado na
observação da motilidade reticular e contorno deste órgão e estruturas adjacentes,
associado a radiografias da área do retículo, constituem um procedimento auxiliar
útil em hospitais de ensino e centros de referência, porém são pouco relevantes para
o diagnóstico a campo3,7.
tonite. Recomenda-se que o animal seja
confinado por vários dias, objetivando-se
favorecer a formação de aderências no local da perfuração9. O procedimento cirúrgico envolve rumenotomia com remoção
manual do corpo estranho, além da aspiração e drenagem de abscessos quando presentes5. A laparorumenotomia exploratória
também é utilizada rotineiramente como
um método de diagnóstico nos casos mais
obscuros8.
FONTE: REBHUN, 2008
2.5. Profilaxia
O principal cuidado relacionado à prevenção da reticulite traumática direcionase no sentido de evitar a ingestão de corpos
estranhos pelos animais, no entanto o problema persiste apesar de todos os cuidados
com a alimentação e manejo. Deste modo
nunca se poderá evitar completamente a
doença, porém somente minimizá-la8.
Uma forma profilática bastante difundida na América do Norte e Europa é a colocação de pequenos cilindros ou imãs em
forma de barra, por via oral, no interior do
retículo. Eles têm a função de atrair corpos
estranhos metálicos, que deste modo não
penetram tão facilmente a parede reticular, como quando estão livres2. O uso destes imãs preventivamente, de modo amplo,
reduz a incidência da RPT e suas complicações em 90 a 98%. Os magnetos são administrados para as novilhas de 18 meses
a dois anos de idade, como parte de um
programa de saúde do rebanho6.
Figura 2: Radiografia abdominal de uma vaca
com corpos estranhos presentes no retículo
...............................................................................
2.4. Tratamento
O tratamento pode ser clínico ou cirúrgico e ambos aumentam as chances de recuperação de 60% em animais não tratados, para cerca de 80 a 90%, devendo-se
avaliar individualmente cada caso pra que
seja escolhido o método mais viável. O tratamento clínico envolve uma terapia de
suporte baseada na reposição hidroeletrolítica, administração de analgésicos, transfaunação rumenal, além de antibioticoterapia em altas doses para controlar a peri-
3. RELATO DE CASO
Uma vaca da raça holandesa, de aproximadamente quatro anos de idade, deu entrada no Hospital Veterinário da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),
sendo encaminhada ao setor de Clínica de
Ruminantes. O animal era criado em um
terreno de aproximadamente 1.300 m2 com
mais dois bovinos. A alimentação baseavase em cana picada, concentrado comercial
e sal mineral à vontade, além de ser habitual o fornecimento de frutas e verduras
recusadas para o consumo humano e provenientes de uma empresa do ramo de “hortifruti”. Este procedimento tinha sido suspenso pouco tempo antes do ocorrido, logo
depois que os donos observaram a presença de pedaços de vidro e outros materiais
perfuro-cortantes no interior das caixas que
transportavam os alimentos.
O referido bovino tinha sido adquirido
há mais de um ano, tendo atingido média
de 16 litros de leite por dia, sem nenhum
relado prévio de enfermidade desde então.
Os primeiros sinais clínicos observados fo-
ram queda acentuada na produção e discreta apatia. No segundo dia o quadro agravou-se e a vaca demonstrou anorexia, apatia e ausência de ruminação, tendo produzido apenas cinco litros de leite. Na oportunidade foi medicada pelo proprietário
com uma solução antiespumante à base de
polímeros de silicone e uma “garrafada” via
oral de vaselina líquida. Após cinco dias
do início dos sintomas, como o tratamento
efetuado não surtiu efeito e o animal manifestou dificuldade respiratória associada a
gemidos intensos, um veterinário foi consultado. Após exame clínico, foi prescrito
tratamento com enrofloxacina, gluconato
de cálcio e solução comercial contendo
aminoácidos, minerais e dextrose por via
endovenosa. O tratamento não obteve bons
resultados e após 48 horas a paciente foi
encaminhada ao Hospital Veterinário da
UFMG.
À inspeção o animal apresentava apatia, postura antiálgica caracterizada por abdução dos membros torácicos e extensão da
cabeça, dispnéia grave, gemidos, escore
corporal bom (3) e condição física regular.
Os pelos estavam macios e brilhantes, linfonodos, mucosas e temperatura retal normais, turgor de pele diminuído e enoftalmia acentuada. O exame físico revelou taquipnéia, respiração costo-abdominal com
movimentos inspiratórios e expiratórios
superficiais, além do aumento da área de
auscultação e percussão pulmonares. Anorexia, atonia e perda de estratificação rumenal, presença de fezes em pequenas
quantidades e com tamanho de partícula
aumentado. Prova de estase da veia jugular negativa e provas do beliscamento de
cernelha, bastão, e percussão dolorosa da
área do retículo positivas, com o animal
respondendo prontamente às mesmas. À
palpação retal observou-se a presença de
enfisema peritoneal. Solicitou-se dosagem
de fibrinogênio no soro e o mesmo revelou
valor de 850 mg/dl, estando deste modo
aumentado para a espécie (300 - 500 mg/
dl).
Baseando-se na anamnese, tratamento
prévio, evolução do quadro, exame clínico
e exame laboratorial, optou-se por encaminhar o animal para uma laparorumenotomia exploratória no dia seguinte á sua entrada no Hospital Veterinário, a qual ocorreu cerca de oito dias após o início dos sinais clínicos. Durante a cirurgia, o animal
continuava apresentando dispnéia e gemidos, apesar de estar sob efeito de analgésicos. O exame da cavidade abdominal revelou enfisema peritoneal, presença de aderências na região do retículo com peritoni-
4. te localizada e resposta exacerbada quando o examinador aproximava-se desta área.
Partiu-se então para a rumenotomia, e durante a palpação interna do retículo foi encontrada uma grande variedade de corpos
estranhos como pregos, parafusos, grampos de cerca, arames, fragmentos de metal
e outros, totalizando 22 peças. Alguns deles estavam perfurando o assoalho do retículo, especialmente os pregos de maior tamanho, dando origem às aderências e peritonite focais. Havia perda de estratificação rumenal, diminuição do tônus do orifício retículo-omasal e as fibras encontradas
no interior do omaso estavam com tamanho maior que o normal. Procedeu-se então para a retirada dos corpos estranhos e
após o término da cirurgia, o animal foi
encaminhado para uma das baias destinadas à recuperação pós-operatória.
Nos quatro primeiros dias após a cirurgia instituiu-se uma terapia antiálgica,
constituída por 10 ml de flunixina meglumine por via endovenosa (EV) no primeiro dia e 20 ml de dipirona sódica por via
intramuscular (IM), nos demais. Associado a isso, administrou-se 30.000 UI/Kg/PV
de um composto de penicilinas naturais
(IM) por seis dias consecutivos.
No pós-operatório imediato, o animal
demonstrava apatia, anorexia, dispnéia e
episódios de dor intermitentes, que coincidiam com o término do efeito dos analgésicos, embora os gemidos tivessem diminuído relativamente. Devido ao seu quadro geral e pela já prolongada redução na
ingestão de alimentos e água, com o animal permanecendo desidratado, administrou-se a cada dois dias 20 litros de solução hidroeletrolítica oral (NaCl, CaCl2,
KCl) via sonda nasogástrica, totalizando
quatro doses, além da transfaunação de
cinco litros de suco de rúmen, para restabelecimento da microflora residente. Após
o término do tratamento o animal recuperou parcialmente o apetite, porém alternava episódios de recaída, manifestados por
desidratação, diarréia e apatia.
A recuperação foi lenta e durante exame clínico de rotina, cerca de 20 dias após
a realização da cirurgia, contatou-se presença de som metálico no rúmen, o qual
apresentava-se moderadamente distendido
e com movimentos diminuídos em intensidade e frequência.
Após os episódios supracitados o animal melhorou a sua condição geral, alimentando-se bem e apresentando fezes de consistência normal, embora ainda com um
percentual de partículas grandes. O rúmen
demonstrou maior motilidade em relação
Figura 3: Corpos
estranhos
retirados do
retículo do animal
durante a
rumenotomia
Figura 4: Área
com presença
de som
metálico, por
volta de 20 dias
após o
procedimento
cirúrgico.
O rúmen
encontrava-se
moderadamente
distendido e
com motilidade
reduzida
à semana anterior e o animal recebeu alta
por volta de 1 mês após a sua admissão no
hospital.
4. DISCUSSÃO E CONCLUSÕES
Levando-se em consideração as informações obtidas durante a anamnese, foi
possível destacar alguns pontos importantes para o estabelecimento do diagnóstico.
O primeiro deles foi o aparecimento súbito
dos sintomas, associado a uma redução na
produção leiteira superior a 50% em menos de 24 horas, achados estes que corroboram citações da literatura2 a respeito da
forma clínica clássica da reticuloperitonite
traumática. O fornecimento aos animais de
restos de frutas e verduras em caixotes, onde
foram encontrados corpos estranhos, foi um
que fator certamente aumentou a probabilidade de ocorrência de doença.
Em razão do quadro clínico e do resultado positivo das provas de dor do retículo,
suspeitou-se inicialmente de uma reticulite traumática. O aumento do fibrinogênio
plasmático serviu para dar mais embasamento a esta suspeita, já que é uma proteína de fase aguda da inflamação, muito importante para ruminantes. Partindo-se deste ponto, o animal foi encaminhado para
uma laparorumenotomia exploratória, procedimento considerado como de rotina na
buiatria devido à sua facilidade de execu-
ção, custo relativamente baixo e excelentes resultados, tanto para diagnóstico quanto para tratamento.
Durante a laparotomia constatou-se a
presença de uma peritonite focal com formação de aderências na região ventral do
retículo, e cuidados foram tomados para que
as mesmas não fossem desfeitas, já que
deste modo haveria uma contaminação da
cavidade abdominal. Alguns dos corpos
estranhos encontrados no interior do retículo estavam perfurando o órgão na sua
porção ventral. Apesar da impossibilidade
de se fazer uma exploração mais minuciosa do retículo e estruturas adjacentes, devido às aderências, é provável que o diafragma também tenha sido perfurado, levando
o animal a um quadro de pleurite e justificando deste modo à presença dos sintomas
respiratórios.
A presença de fibras de tamanho grande no omaso, foram indicativas de que o
órgão responsável por selecionar o que deve
ser regurgitado para ruminação e o que será
encaminhado no sentido caudal do trato
digestivo, não estava funcionando corretamente. Neste caso, as aderências reticulares estavam comprometendo parcialmente
a sua função e consequentemente dificultando o processo digestivo.
Após a confirmação do diagnóstico
como reticulite traumática e secundaria-
5. mente peritonite local aguda, estabeleceuse um tratamento de suporte para o animal. Foram administradas altas doses de
penicilina (procaína, potássica e benzatina) com o intuito de circunscrever a infecção e evitar o desenvolvimento de uma peritonite difusa e consequente septicemia.
Terapia antiálgica foi instituída para melhorar o bem estar do animal, favorecendo
uma ingestão de alimentos mais precoce.
Lançou-se mão também da transfaunação
de suco de rúmen a cada 48 ou 72 horas,
buscando-se um restabelecimento da microbiota rumenal, além de servir como fonte
de nutrientes e água, já que o animal vinha
há mais de uma semana sem alimentar-se
normalmente. Este procedimento é utilizado rotineiramente na Clínica de Ruminantes da UFMG como suporte para quaisquer
casos em que haja atonia rumenal primária ou secundária, tendo-se obtido excelentes resultados.
A reticuloperitonite traumática tem uma
importância muito grande na bovinocultura, especialmente nos sistemas de criação
mais intensivos, devido à sua alta prevalência e prejuízos econômicos causados por
quedas nos índices produtivos e reprodutivos. Nos países de primeiro mundo é frequente a utilização de imãs para tentar pre-
Referências
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M.; SANCHEZ, A.W.D.; CUNHA, C.G. Septicemia
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p.176-187, 2003.
2 - ANDERSON, N. V. Veterinary gastroenterology.
2.ed. Malvern: Lea & Febiger, 1992. 873p.
Figura 5: Conteúdo retirado do retículo (esquerda) e omaso (direita) durante a rumenotomia. Observar que praticamente não há diferença no tamanho das fibras dos conteúdos
dos dois órgãos
...............................................................................
venir a doença, porém no Brasil ainda não
existe uma cultura difundida para a sua utilização. Deste modo o veterinário deve orientar o produtor e os funcionários da fazenda, se possível mostrando durante uma
necropsia os danos causados pelo corpo estranho, com o intuito de conscientizá-los
do problema e estimular a adoção de pequenos cuidados que possam minimizar os
riscos de aparecimento da doença. Estas
medidas, aliadas a um diagnóstico e tratamento precoces, certamente contribuirão
para uma redução do impacto negativo da
RPT na cadeia produtiva.
3 - BRAUN, U.; GÖTZ, M.; MARMIER, O. Ultrasonographic findings in cows with traumatic reticuloperitonitis. Vet. Rec., v.133, p.416-422, 1993.
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Jersey: Merck & CO., Inc., 1998, 2305p.
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