Em poucos anos estaremos vivendo uma transição para uma cultura onde deverá sobresair-se o lema “usar, não ter”. Teremos que nos acostumar a usar mais serviços em vez de comprar tudo o que precisamos apenas pelo conforto de ter, sem nem saber se aquilo realmente será útil depois. Para que essa transição seja efetiva, a sociedade contará com a inteligência dos designers que terão de aliar a preocupação com a sustentabilidade ao bem-estar humano, pois as pessoas não adotarão um novo estilo de vida tão diferente se não se sentirem bem com ele.
O objetivo do trabalho é estudar a importância da união entre design thinking, responsabilidade ambiental e social e o design de serviços na formação de idéias criativas e sustentáveis para nossos problemas atuais.
Configurando, assim, uma nova e importante tendência do design.
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Tendência da função do design - sustentabilidade como consequência
1. Universidade Federal de Santa Catarina
Centro de Comunicação e Expressão
Departamento de Expressão Gráfica
Curso de Design, Habilitação em Design Gráfico
TENDÊNCIA DA FUNÇÃO DO DESIGN -
SUSTENTABILIDADE COMO CONSEQUÊNCIA
Aline Bertolini de Lauro
Orientação: Prof. Luiz Fernando Figueiredo, Dr.
Florianópolis, 2010
2.
3. ALINE BERTOLINI DE LAURO
TENDÊNCIA DA FUNÇÃO DO DESIGN -
SUSTENTABILIDADE COMO CONSEQUÊNCIA
Trabalho de Conclusão de Curso [EGR 5010] do
curso de Design do Centro de Comunicação e Ex-
pressão da Universidade Federal de Santa Catarina
apresentado como requisito parcial para obtenção
do grau de Bacharel em Design – Habilitação De-
sign Gráfico, sob orientação do Prof. Luiz Fernan-
do Figueiredo, Dr.
Florianópolis, 2010
4.
5. TERMO DE APROVAÇÃO
Aline Bertolini de Lauro
TENDÊNCIA DA FUNÇÃO DO DESIGN -
SUSTENTABILIDADE COMO CONSEQUÊNCIA
Trabalho de Conclusão de Curso aprovado como requisito parcial para
obtenção do grau de Bacharel em Design, Centro de Comunicação e
Expressão da Universidade Federal de Santa Catarina.
___________________________
Marília Marques Guimarães, MSc.
Coordenadora do Curso de Design
___________________________
Prof. Luiz Fernando Figueiredo, Dr.
Orientador
Departamento de Expressão Gráfica - UFSC
___________________________
Giselle S. A. Diaz Merino, Msc.
NGD - LABERGO - UFSC
___________________________
Profa. Eliete Ourives
Coordenadora de Design Gráfico da FAMESUL
Florianópolis, 2010
6.
7. AGRADECIMENTOS
À minha mãe, pai, irmã e avó Franca por tudo que
me ensinaram e por sempre respeitarem minhas es-
colhas.
Ao meu namorado Ricardo por todo o apoio e inte-
resse em me ouvir falar desse trabalho.
Ao Matreiro, meu cão, por todos os momentos de
carinho e por me mostrar o significado de simpli-
cidade e pureza.
Aos meus colegas de trabalho e da universidade
que tiveram grande influência na minha formação
acadêmica e profissional.
Àqueles professores que souberam plantar a se-
mente da curiosidade, pelo incentivo à busca de
novos conhecimentos.
Aos amigos de todas as horas, pelos momentos de
descontração e pelo apoio nos momentos difíceis.
Ao meu orientador, prof. Luiz Fernando Figueire-
do pelo exemplo de ser humano preocupado com
a natureza em todas as suas formas e pelo apoio e
incentivo no aprofundamento do tema.
A Deus, por tudo.
A todos que de alguma forma influenciaram na pro-
dução deste trabalho, muito obrigada!
8.
9. RESUMO
Em poucos anos estaremos vivendo uma transição para uma cultura onde
deverá sobresair-se o lema “usar, não ter”. Teremos que nos acostumar a
usar mais serviços em vez de comprar tudo o que precisamos apenas pelo
conforto de ter, sem nem saber se aquilo realmente será útil depois. Para
que essa transição seja efetiva, a sociedade contará com a inteligência
dos designers que terão de aliar a preocupação com a sustentabilidade ao
bem-estar humano, pois as pessoas não adotarão um novo estilo de vida
tão diferente se não se sentirem bem com ele.
O objetivo do trabalho é estudar a importância da união entre design
thinking, responsabilidade ambiental e social e o design de serviços na
formação de idéias criativas e sustentáveis para nossos problemas atuais.
Configurando, assim, uma nova e importante tendência do design.
A metodologia utilizada é a pesquisa teórico - exploratória.
O resultado é a conscientização dos profissionais de design de sua nova e
importante função de promover o uso acima do consumo, fazer com que
as pessoas entendam o que está acontecendo e como podem e precisam
fazer a sua parte.
Palavras chave: Design Thinking. Design de Serviços. Sustentabilidade.
Visão Sistêmica.
10.
11. ABSTRACT
In few years we’ll be living a transition to a culture where it should stand
out the motto “to use, not to have”. We’ll have to familiarize with the
use of more services instead of buying all we need just for the comfort
of having, without even knowing if that thing will be useful afterwards.
For this transition to be effective, society will count with the intelligence
of designers, who will have to connect the concern of sustainability with
human well-being, as people won’t adopt a new and quite different style
of living if they don’t feel comfortable with it.
The scope of this work is to study the importance of the union between
design thinking, environmental and social responsibility and service de-
sign, for the construction of creative and sustainable ideas to solve our
today’s problems.
The methodology used is the theoretical-explanatory search. The outcome
is the consciousness of design professionals in their new important role of
promoting the usage instead of the consumption, to help people to unders-
tand what is happening and how they can and need to do their part.
Keywords: design thinking, service design, sustainability, syste-
mic view
12.
13. SUMÁRIO
1 Introdução ---------------------------------------------------------- 17
1.1 Contexto ------------------------------------------------------------------------- 17
1.2 Objetivos ------------------------------------------------------------------------ 18
2 O modo de pensar do design ------------------------------------ 19
2.1 Design thinking - definição, objetivos e princípios ------------------------ 19
2.2 Design thinking como diferencial -------------------------------------------- 21
2.3 Criando o ambiente certo para o design ------------------------------------- 24
2.4 O futuro do design thinking --------------------------------------------------- 25
3 Sustentabilidade e Responsabilidade Social ----------------- 27
3.1 Contexto ------------------------------------------------------------------------- 27
3.2 Alternativas --------------------------------------------------------------------- 28
3.3 Usar, não ter --------------------------------------------------------------------- 32
3.4 Design consciente -------------------------------------------------------------- 35
4 Design de Serviços ------------------------------------------------ 47
4.1 Definição ------------------------------------------------------------------------ 47
4.2 Como medir a qualidade no design de serviços --------------------------- 49
4.3 O futuro do design de serviços ----------------------------------------------- 54
4.4 Experiência e satisfação ------------------------------------------------------- 62
4.5 Estudos de caso ----------------------------------------------------------------- 67
4.6 O design de serviços via WEB - globalização ------------------------------ 70
5 Considerações finais ---------------------------------------------- 77
6 Trabalhos futuros ------------------------------------------------- 79
Bibliografia --------------------------------------------------------- 81
14.
15. “A base de tudo é a vontade de não apenas aceitar o que sempre foi visto
e feito, mas olhar para além da tradicional organização da vida cotidiana,
interpretando limites como oportunidades, limitações como estímulos e as
pessoas, sem exceção, como recursos.”
Anna Meroni
16.
17. 17
1 Introdução
1.1 Contexto
Segundo Pinheiro (2008)1, vivemos em uma sociedade de serviços
onde mais da metade do PIB brasileiro é gerado pelo setor de serviços, ou
terciário, e o mesmo responde por quase dois terços do emprego urbano e
metropolitano (IBGE 2002).
A economia apresenta-se cada vez mais dinâmica, o antigo status
quo não é mais relevante, há quebras de paradigmas em abundância e
nunca precisamos tanto de novas alternativas que nos proporcionem bem-
estar enquanto se adequam ao meio ambiente. Segundo Marty Neumeier
(2009) observa em The Designful Company, “Criatividade nas suas várias
formas tornou-se o mecanismo número um do crescimento econômico.
Assim como aconteceu com o setor de produtos, empresas do setor
de serviços no mundo todo estão repensando a cadeia de valor, buscando
formas de se reestruturar para reduzir a emissão de carbono ao mesmo
tempo em que tentam criar mecanismos que auxiliem na preservação do
meio ambiente e nas forças socioeconômicas atuantes nesse sistema.
Lockwood (2009) acredita que a atual economia global é tão es-
tranha para nós quanto aquela confrontada pelos designers no início do
século XX. A responsabilidade ambiental e o design universal eram ape-
nas uma opção, hoje estão se tornando um mandato virtual. O design
de experiências, o design de interação e o design de serviços são novas
demandas para os designers.
O redesenho da cadeia de valor de serviços na busca de uma abor-
dagem realmente sustentável exige mudanças complexas de comporta-
mento que refletem na forma como vivemos e trabalhamos. Essas mudan-
ças, para que se tornem viáveis, devem ser antes atrativas e desejáveis, e
isso requer uma boa dose de imaginação e criatividade.
Segundo Chris Rockwell (2009), presidente da Lextant2, a dura
realidade de um mercado cada vez mais voltado para o consumidor é que
os próprios clientes definem a marca no mercado. Satisfação e significado
são estabelecidos unicamente pelas experiências que os clientes têm, em
cada um dos pontos de contato da marca, ao longo do tempo. Goste ou
não, essas experiências do cliente - mais que o nosso design e marketing -
1
Tennyson Pinheiro (2008) é co-fundador e professor do curso de Design Thinking, da ESPM,
e diretor da live|work para o Brasil.
2
Lextant é uma empresa de pesquisa em design e experiência do usuário que ajuda outras
empresas a levar os melhores produtos e serviços possíveis ao mercado.
18. 18
são o que define o significado da marca. As empresas bem sucedidas estão
incorporando pesquisa experimental e design pensando em antecipar as
necessidades do cliente, identificar as áreas de ressonância emocional, e
descobrir experiências desejadas.
O desejo e significado da marca emergem na mente
do consumidor através da acumulação de experi-
ências em todos os pontos de contato entre ele e a
marca, desde publicidade e embalagem à experiên-
cia fora da embalagem, do produto ou serviço em si
até o atendimento ao cliente e canais informativos.
Cada experiência dessa viagem move o “disco da
satisfação” e consolida na mente do consumidor o
que a marca representa, a sua relevância e pertinên-
cia final. (ROCKWELL, 2009, p. 222)
A intenção é fazer com que o profissional que esteja pensando em
inserir um produto no mercado, ao ler esse trabalho, repense a forma como
o mesmo chegará ao usuário. Fazer com que ele perceba a importância de
entender esse produto como um sistema que deve ser bem planejado, des-
de o projeto até o descarte ou reutilização; e que procure desmaterializá-
lo ao máximo, transformando-o em um serviço, para que possa ser usado
e devolvido; gerando menos lixo. É também, proporcionar meios a esse
profissional que o incentivem e o ajudem a ter novas idéias sobre como ter
sucesso com seu produto sem prejudicar a natureza, mas proporcionando
bem-estar e conforto ao seu usuário ou cliente.
1.2 Objetivo
1.2.1 Objetivo Geral
O trabalho pretende teorizar sobre a importância da união entre de-
sign thinking, responsabilidade ambiental e social e o design de serviços
na formação de idéias criativas e sustentáveis para nossos problemas atu-
ais. Configurando, assim, uma nova e importante tendência do design.
1.2.2 Objetivos Específicos
• Teorizar sobre o modo de pensar do design (design thinking),
sustentabilidade e responsabilidade social e design de serviços,
definindo cada um e unindo-os para mostrar uma nova tendência
do design;
• Levantar dados e experiências de grandes autores desses temas;
• Apresentar alguns cases de sucesso e algumas ferramentas usa-
das por empresas de renome mundial.
19. 19
2 O modo de pensar do design
Em 1976, Victor Papanek publicou o Design for the Real World
(o Design para o Mundo Real), pedindo aos designers para que vissem o
potencial do design thinking na área de responsabilidade social e ambien-
tal. Ele acusou os designers de projetarem para a pequena percentagem
de consumidores que têm maior poder aquisitivo, ignorando aqueles em
níveis mais baixos de renda e as economias emergentes, bem como pesso-
as com deficiência. Papanek foi um dos primeiros defensores, juntamente
com Buckminster Fuller (1976), da crença de que o design poderia ser um
instrumento eficaz de utilização para a melhoria ambiental e social.
Atualmente, McDonough e Braungart (2002) têm defendido uma
abordagem mais pró-ativa do design em seu livro Cradle to Cradle (do
Berço ao Berço). McDonough acredita que é possível termos uma socie-
dade de consumo responsável se pararmos de pensar do modo “do berço
ao túmulo”. Ele acredita que o conceito de jogar coisas fora está obsoleto
e que tudo deve continuamente ser reutilizado ou reciclado, assim, do
berço ao berço.
Para Brown (2009), o design thinking pode identificar um aspecto
do comportamento humano, e depois convertê-lo em benefícios para o
consumidor, além de adicionar valor ao negócio.
Para Pinheiro (2008), o design thinking é uma metodologia que
busca de forma empática, criativa e coletiva resolver problemas compli-
cados, produzindo soluções de grande significado e valor.
2.1 Design thinking - definição, objetivos e princípios
O design thinking tem sido utilizado em diversos países, inclusive
no Brasil, para resolver problemas complicados por meio da criação de
soluções inovadoras e que já nascem mais adaptadas à vida das pessoas.
O Design Thinking é uma abordagem para proble-
mas complexos focada no uso da criatividade e da
empatia, e que incentiva a participação de usuários
finais na criação de soluções que já nascem mais
adaptadas e, por isso, possuem maiores índices de
adoção e maior potencial de serem catapultadas ao
patamar de inovação.
A importância do Design Thinking na alavancagem
de inovações pode ser explicada através do enten-
dimento dos fatores que compõem na prática uma
inovação. (PINHEIRO, 2010)
20. 20
Thomas Lockwood (2009), em seu livro Design Thinking, nos dá
uma definição interessante sobre esse tema ao afirmar o seguinte:
O design thinking é essencialmente um processo
de inovação centrado no ser humano que enfatiza
a observação, colaboração, rápida aprendizagem,
visualização de idéias, conceito de prototipagem
rápida, simultaneamente com a análise dos negó-
cios”.
O objetivo, segundo ele, é envolver consumidores, designers e
executivos de negócios em um processo integrativo que pode ser aplica-
do a produtos, serviços ou processos de design. É uma ferramenta para
imaginar situações futuras e trazer produtos, serviços e experiências para
o mercado.
Para se alcançar plenamente o objetivo do design thinking é im-
portante o trabalho com equipes multifuncionais havendo troca de infor-
mações, pontos de vista diferentes e para que exista um equilíbrio entre o
lado criativo e o lado analítico durante a avaliação das situações e a cria-
ção de novas soluções. Lockwood (2009) entrevistou executivos respon-
sáveis pelas funções de design e comprovou a importância do trabalho
com equipes multifuncionais.
Eu entrevistei cinqüenta e dois gerentes de projeto e
executivos responsáveis por todas as funções de de-
sign principais da Caterpillar, Kodak, Levi Strauss,
Microsoft, Nike, Sturbucks, e Sun Microsystems.
Claro, aprendi muito com essas organizações, mas
especialmente interessante foi a necessidade dos
gerentes de projeto de trabalhar com equipes mul-
tifuncionais, desenvolver um conhecimento pro-
fundo do usuário, colaborar, visualizar idéias e re-
almente resolver os problemas dos clientes em vez
de aplicar apenas o design da marca ou o design
decorativo. Isso está diretamente relacionado com
o Design Thinking. (LOCKWOOD, 2009, p. 12)
Para Thomas Lockwood os princípios fundamentais do design
thinking são:
• profundo entendimento do consumidor por meio de pesquisas de
campo, buscando pontos de vista e não o persuadindo.
• colaboração, tanto com os usuários como por meio de equipes
multidisciplinares.
21. 21
• visualização por meio de métodos experimentais e protótipos
rápidos feitos da forma mais simples possível a fim de obter um
retorno útil.
• tornar tangível o intangível por meio de comunicação visual. Uma
explicação visual nos fornece também o contexto, o que é de gran-
de ajuda quando o consumidor é um parceiro no desenvolvimento
do seu conceito
• integrar a análise de concorrência durante o processo em vez de
adicioná-lo depois ou usá-lo para limitar as idéias criativas.
Dessa forma, observa-se que design thinking cria, então, uma pla-
taforma de troca entre a equipe de projeto e os usuários finais, gerando
uma empatia e permitindo que problemas de uso sejam logo descobertos
e solucionados, diminuindo assim os riscos de fracasso, minimizando re-
sistências e eliminando custos desnecessários de implementação.
2.2 Design thinking como diferencial
O final do século XX foi marcado pelo crescimento de programas
de qualidade-total, como o Six Sigma3. Programas de qualidade como
esse obtiveram tanto sucesso que qualidade se tornou mercadoria. “Toda-
via, pelo mesmo motivo, atualmente os consumidores esperam que todo
produto ou serviço seja confiável (de qualidade), como um valor intrín-
seco, não o atribuindo mais a nenhuma organização como uma vantagem
competitiva” (NEUMEIER, 2009, p. 3).
Produtos sem estética não são convincentes, mar-
cas sem significado são indesejáveis, e as empre-
sas sem ética são insustentáveis. Para ter sucesso,
o novo modelo deve substituir o modelo “alguém
ganha, alguém perde” para o modelo “todos ga-
nham”. A única questão é saber se você pode mu-
dar o seu negócio, sua marca e seu pensamento rá-
pido o suficiente para tirar o máximo partido dele.
A gestão da inovação destinada a tirar o Six Sigma
de seu trono é o design thinking. Ele vai assumir
seu departamento de marketing, mover-se em seus
laboratórios de pesquisa e desenvolvimento, trans-
formar seus processos, e dar a partida na sua cultu-
ra.” (NEUMEIER, 2009)
3
Six Sigma é um conjunto de práticas criado pela Motorola que visa melhorar sistematicamen-
te os processos através da eliminação de erros.
22. 22
Um ex-editor da revista Windows, Mike Elgan, ilustrou a diferença
entre marcas comuns e as marcas carismáticas em duas pequenas senten-
ças: “o CEO da Microsoft, Steve Ballmer, é conhecido por um vídeo em
que ele grita: EU AMO ESSA EMPRESA. Com a Apple, são os clientes
que exclamam essa frase”. Isso talvez explique porque o levantamento da
Business Week sobre as 100 melhores empresas colocou o valor de marca
da Microsoft com apenas 17% do seu valor de mercado, e o da Apple em
um impressionante 66%.
Neumeier (2009) diz que, para criarem experiências que realmen-
te marquem, as empresas devem fazer mais que simplesmente ouvir os
designers.
Elas (empresas) terão de ser designers. Elas pre-
cisam pensar como designers, sentir-se como de-
signers, trabalhar como designers. A mentalidade
bitolada e estreita do passado é insuficiente para
resolver os problemas graves de hoje. Nós não po-
demos mais tocar a música como está escrita. Te-
mos de inventar uma dimensão totalmente nova.
(NEUMEIER, 2009, p. 22)
Kevin Clark, diretor de programação e Ron Smith, estrategista em
experiência de marca, ambos da IBM Corporate Marketing and Com-
munications, acreditam que o design thinking é um caminho estabele-
cido para agregar valor a algumas partes do negócio que até o momento
permanece um segredo bem guardado por muitos que poderiam usá-lo
mais. Designers tendem, por exemplo, a permanecer fora dos domínios da
contabilidade, recursos humanos e assuntos jurídicos, o que não deveria
acontecer. Para eles o design thinking também engloba vários tipos de
inteligências relacionadas à inovação. Cultivando-as, elas podem ajudar a
aumentar a apreciação por parte do cliente e incentivar uma maior utiliza-
ção de abordagens de design em muitas profissões. São elas:
• Inteliência emocional
• Inteliência integral
• Inteliência experimental
A inteligência emocional é a habilidade de entender e abranger no
contexto da cultura o que nos leva a agir e o que cria afeto, compromisso
e convicção.
A inteligência integral é a habilidade para reunir as diversas neces-
sidades de clientes com as capacidades do ambiente de negócios em sis-
temas completos que agregam valor e refletem os valores do nascimento
da organização.
23. 23
A inteligência experimental é a habilidade para entender e ativar
os cinco sentidos humanos para tornar a inovação tangível, conhecida e
vibrante.
“Buck” Rogers, um dos mais notáveis vendedores da IBM, disse:
“Clientes compram na emoção e, em seguida, justificam com lógica.”
Compreendendo o aspecto emocional de oferecer apelo e interação é fun-
damental para o sucesso empresarial e o design está particularmente bem
equipado para ajudar nessa arena de estratégia de negócios.
Mozota (2009)4 também vê o design como elemento diferenciador,
integrador e transformador e introduziu o conceito dos quatro poderes do
design, no contexto da ciência da administração. São eles:
1- Design como diferenciador - uma fonte de vantagem competiti-
va no mercado, através da equidade da marca, lealdade do cliente,
melhor preço ou orientação ao cliente.
2- Design como integrador - design como um processo que favo-
rece uma arquitetura modular de linhas de produtos, modelos de
inovação orientados para o usuário e gestão de projetos com início
e fim imprecisos.
3- Design como transformador – um recurso para a criação de no-
vas oportunidades de negócios para melhorar as habilidades da
empresa em lidar com a mudança.
4- Design como um bom negócio – uma fonte de aumento de ven-
das e de melhorar as margens, valorizar mais a marca, melhor par-
ticipação no mercado, melhor retorno sobre o investimento; design
como um recurso para a sociedade em geral (inclusive o design
sustentável).
O design thinking é eficaz pois envolve a utilização de observações
de campo e métodos etnográficos para ir além das limitações da pesquisa
de mercado tradicional. Segundo Lockwood (2009), o objetivo é primei-
ro entender o que é significativo para os consumidores e descobrir as
necessidades não conhecidas. Em seguida, o uso de prototipagem rápida
usando maquetes, storyboards, histórias contadas, teste de usuário, e até
manifestar com gestos os conceitos e serviços pode trazer claridade aos
conceitos.
Um dos dez princípios fundamentais de funcionamento da Pixar,
por exemplo, é o “falhar rápido” para que eles possam passar para as
melhores soluções o mais rapidamente possível. O processo do design
4
Brigitte Borja de Mozota é professora de ciências de gestão da Universidade de Paris.
24. 24
thinking envolve uma abordagem de equipe e o objetivo é destravar o po-
tencial criativo da organização e seus parceiros. O poder das equipes in-
terdisciplinares é inegável, e a capacidade das equipes de design para ver
tanto a imagem grande como os detalhes é importante e bastante única.
2.3 Criando o ambiente certo para o design
Pesquisadores como Michele Rusk5 identificaram traços de perso-
nalidade comuns atribuídos aos designers thinkers:
• ampla curiosidade
• habilidade para empregar o conhecimento tácito (implícito)
• habilidade para desenvolver a consciência e promover a compre-
ensão
• habilidade para entender problemas complexos e identificar a ori-
gem dos problemas
• habilidade para antecipar e visualizar novos cenários
• habilidade para inventar idéias e sínteses
• habilidade para resolver problemas
Tim Brown, CEO da empresa de consultoria IDEO também identi-
ficou um perfil da personalidade dos design thinker que inclui habilidades
e capacidades de empatia, pensamento integrativo, otimismo, experimen-
tação e colaboração.
Jenkins (2009), consultor senior de design, definiu nove cultos ma-
léficos ao design e nove culturas favoráveis a ele, a saber:
Quadro 1: Cultos (costumes) maléficos ao design
Cultos maléficos ao design
Culto do controle e hierarquia
Culto do desempenho e sucesso em curto prazo
Culto da eficiência e redução de custos
Culto da produtividade e do extremamente ocupado
Culto da competição e da construção de um império
Culto da conformidade e garantia
Culto da anulação de riscos
Culto do deslocamento da culpa e de encobrir o burro
Culto do rigoroso processo de salvação
Fonte: Jenkins, 2009
5
Michele Rusk é professora de Gestão do Design na Escola de Arte e Design, Universidade de
Ulster, Reino Unido.
25. 25
Quadro 2: Ambientes favoráveis ao design.
Ambiente cultural favorável ao design
Cultura de capacitação e autorização
Cultura de aprender com os erros e da procura por resul-
tados a longo prazo
Cultura da eficácia e da criação de valor
Cultura de reflexão e ação focada
Cultura da colaboração e de propósitos compartilhados
Cultura do senso crítico e da confiança
Cultura de possibilidades e experimentação
Cultura de dizer a verdade e de críticas honestas
Cultura de procedimentos heurísticos e de agilidade
Fonte: Jenkins, 2009
Para Jenkins (2009), existem passos importantes que um líder de
design precisa seguir para maximizar suas chances de sucesso:
• Ser seletivo na hora de escolher com qual organização trabalhar;
• Trabalhar com líderes sênior para construir objetivos fortes e uma
cultura de design realmente incorporada;
• Ser um pensador de sistemas;
• Focar nas interações humanas e nos processos sociais;
• Exercitar a disciplina bem-direcionada enquanto implementa no-
vos processos;
• Matar algumas vacas sagradas (mitos sagrados);
• Ajudar a organização a aprender mais sobre si mesma à partir da
experiência.
2.4 O futuro do design thinking
Para Clark & Smith (2009) o futuro do design e, principalmente do
design thinking, está muito além de apenas execução de projetos:
Nós acreditamos que o design precisa se mover
muito além de seus limites para crescer. Acredita-
mos na libertação do design de seu status de “clube
privado” para que possa então transformar-se numa
escola de pensamento que pode resolver alguns
dos mais urgentes problemas do mundo. O design
thinking pode ajudar qualquer profissional a resol-
ver problemas através dos caminhos da inovação.
26. 26
Para os autores, os designers podem ser confiáveis assessores na
tomada de decisões sobre negócios, contribuindo efetivamente para a es-
tratégia de negócios, e cultivando patronos do design que irão abraçar e
investir em design para gerar vantagem competitiva.
Designers têm sido a parte da humanidade que “ar-
regaça as mangas e começa a trabalhar” durante
muito tempo. Nós vemos a nova geração de líderes
de design não apenas como executores - vemos de-
signers como conselheiros, mentores e treinadores.
Acreditamos que é hora de liberar o poder do de-
sign thinking em todos os esforços profissionais,
não apenas no design em si. (CLARK & SMITH,
2009).
O design thinking deveria ser a base para todo e qualquer projeto
de design pois, planejando de acordo com sua metodologia, minimiza-se
a chance de erros e, consequentemente, o desperdício, não só em termos
financeiros, como em ambientais também.
27. 27
3 Sustentabilidade e Responsabilidade Social
3.1 Contexto
Todos os acadêmico, de qualquer curso, deveriam considerar as
questões ambientais desde o início de sua faculdade. Em breve, essas
serão tão ou mais importantes que as próprias questões profissionais.
Em uma pesquisa de 2008 patrocinada pela empresa de consultoria
Neutron e a Universidade de Stanford, 1500 altos executivos americanos
foram convidados a identificar os piores problemas que afligiam suas em-
presas hoje. Embora os dez primeiros incluissem os suspeitos comuns, lu-
cros e crescimento, eles também revelaram preocupações que não haviam
aparecido no radar das empresas até agora: alinhar estratégia e experiên-
cia do cliente, abordar a sustentabilidade ecológica, colaborar em silos e
abraçar a responsabilidade social. (NEUMEIER, 2009).
Parece que cometemos um erro fundamental no que se refere à te-
oria da desmaterialização. Presumimos que uma sociedade da informação
substituiria a sociedade industrial, ao passo que o que aconteceu foi que a
sociedade da informação se somou à industrial – e aumentou em intensi-
dade. (THACKARA, 2008)
A fabricação de um chip de memória básico e seu funcionamento
ao longo da vida útil típica de um computador consomem 800 vezes o seu
peso em combustível fóssil – e milhares de substâncias químicas tóxicas
são utilizadas em seu processo de produção (Environmental Science and
Technology, 2002).
Um dos dados mais espantosos trazidos à tona por Hawken, Lo-
vins e Lovins (2000) em Capitalismo natural é que a quantidade de ma-
téria desperdiçada gerada na fabricação de um único laptop é de quase
400 vezes o peso desse computador portátil. Além de consumir muitos
recursos para serem produzidos, os dispositivos da tecnologia têm vidas
notoriamente curtas.
As redes de informação não se limitam a utilizar muito material.
Elas também consomem sofregamente a energia. A internet em breve
consumirá tanta energia quanto toda a economia dos Estado Unidos –
cerca de três milhões de quilowatts por hora. (GILDER, 2000). Mas os
verdadeiros glutões de energia são os servidores – andares ou prédios
inteiros, repletos de poderosos servidores. Um único complexo de ser-
vidores consome tanta energia quanto Honolulu. (KONRAD, 2001). As
ethernets, que permitem que computadores e impressoras conversem um
com o outro, são uma das razões pelas quais a utilização de papel nos
28. 28
escritórios aumentou oito vezes depois que o escritório sem papel foi pre-
visto. (Hartmann & Hilty, 2001).
A aceleração não é uma lei, é uma tendência – e uma tendência
custosa. O nosso ataque à distância e à duração traz consigo um grande
custo ambiental na forma de combustível e veículos, estradas e pistas de
decolagem, eletricidade e equipamentos eletrônicos, satélites e estações
de transmissão. Quanto mais veloz, mais caro: qualquer aumento da velo-
cidade amplia um fluxo já gigantesco de energia e materiais. Um aumento
de velocidade de 200 a 300 quilômetros por hora significa que os trens
de alta velocidade franceses e alemães consomem não apenas 50% mais
energia, mas 100% mais (SACHS, 1996).
A velocidade degrada os ecossistemas dos quais dependemos.
Queimamos, atualmente, tanto combustível fóssil em um ano quanto a
Terra armazenou em um milhão de anos. Tamanho é o impacto da ati-
vidade humana que, no decorrer da vida de uma pessoa, a Terra perderá
metade das espécies existentes, espécies que a evolução levou dezenas de
milhões de anos para criar (RAY, 1996).
A informação mais rápida, em particular, pode nos ajudar a viver
com mais leveza no planeta. Mas, para viver de forma sustentável, tam-
bém precisamos aprender a valorizar mais o aqui e o agora. Muita destrui-
ção é causada quando o design é obcecado com o lá e o próximo.
3.2 Alternativas
Como um pensamento experimental, imagine um local onde to-
das as empresas são obrigadas a pegar de volta todos os produtos que
produzem. Como isso mudaria seu (da empresa) comportamento? Para
começar, eles iriam fazer seus produtos com peças que poderiam salvar e
reutilizar dos antigos. Este, por sua vez, geraria setores inteiros dedicados
ao design de materiais reutilizáveis. Como a empresa esforçou-se para
pagar o custo total de produção, os preços dos produtos e serviços subi-
rão. Para manter os preços sob controle, a empresa teria de restringir suas
operações tornando-as locais para economizar nos custos de transporte.
Restringindo a área de alcance da empresa isso poderia mudar a nature-
za das comunidades, criando uma rede de economia semi-independente
mais parecida com a Idade Agrícola do que com a Era Industrial.
No Brasil, em agosto de 2010, foi aprovada a lei que cria a Políti-
ca Nacional de Resíduos Sólidos, trazendo regras para manejo de lixo e
resíduos. A lei proíbe a existência de lixões e determina a criação de ater-
ros para lixo sem possibilidade de reaproveitamento ou de decomposição
29. 29
(matéria orgânica). Nos aterros, que poderão ser formados até por con-
sórcios de municípios, será proibido catar lixo, morar ou criar animais.
Trata-se de uma responsabilidade compartilhada onde haverá obrigações
para consumidores, comerciantes e fabricantes. Todos estarão sujeitos a
penalidades da Lei de Crimes Ambientais caso não destinem corretamen-
te os produtos após o consumo.
Em 1997, Robert Constanza6 e colegas demonstraram que 36 tri-
lhões de dólares fluem diretamente dos serviços naturais da Terra aos
resultados financeiros das indústrias. Desde então, concorda-se que o
capital natural incorporado aos serviços do ecossistema precisa ser su-
pervisionado. A publicação do Stern Review Of Climate Change Econo-
mics (estudo encomendado pelo governo Britânico sobre os efeitos na
economia mundial das alterações climáticas nos próximos 50 anos) por
um ex-economista do Banco Mundial marcou uma importante mudança
das reações no nível do governo. Stern abre o caminho para que uma
economia leve em consideração e, portanto, se interesse pelos serviços
do ecossistema com base no fato de que a sociedade obtém muitos bens
essenciais dos ecossistemas naturais, além de alimento, combustível, me-
tais, materiais de construção e produtos farmacêuticos.
Na Alemanha, a Volkswagen está demonstrando que a responsabi-
lidade não termina na doca de carregamento. A empresa já está vendendo
carros que são 85 % recicláveis e 95 % reutilizáveis, e está construindo
um carro emissão-zero que opera com uma célula de combustível, doze
baterias e um painel solar ao invés de combustíveis fósseis. (NEUMEIER,
2009).
Segundo Thackara (2009), em vez de projetar novos serviços e
sistemas do zero, precisamos nos perguntar: “Quem lidou com uma ques-
tão similar no passado? Como podemos aprender com, nos adaptar a e
combinar as melhores partes de cada solução?”. Há muitos exemplos para
escolher: o ecologista Paul Hawken estima que mais de um milhão de
organizações sem fins lucrativos – e 100 milhões de pessoas – já estão
ocupadas trabalhando na preservação e restauração da vida na Terra. Este
é o maior movimento do planeta (apesar de invisível, no que se refere à
mídia não especializada e à política).
Uma grande contribuição para a sustentabilidade por uma orga-
nização inteligente pode ser reutilizar os espaços existentes em vez de
construir novos. Para os administradores comerciais, “o tempo livre do
6
Robert Costanza é um economista e ecologista americano, professor de Economia Ecológica
e Diretor do Instituto Gund de Economia Ecológica da Universidade de Vermont.
30. 30
passageiro” ou “tempo de contato” – o tempo gasto pelos passageiros
matando o tempo entre jornadas ou entre trajetos de uma jornada – repre-
senta uma oportunidade de vendas.
Città Slow, que foi fundada na Itália após o sucesso do movimento
Slow Food, sugere aos administradores da cidade que promovam a qua-
lidade da hospitalidade como um laço real entre os visitantes e a comu-
nidade local.
Conforme artigo da revista Vida Simples, para ganhar o título de
slow a cidade não pode ter mais de 50 mil habitantes e deve cumprir
vários requisistos que vão da política energética ao transporte alterna-
tivo, da reciclagem do lixo à educação do paladar nas escolas, onde as
crianças descobrem os sabores do território. Também precisa manter viva
sua identidade: praças e cafés, teatros, restaurantes e o comércio de rua.
Freqüentar a livraria do seu Antônio e tomar um café no antigo bar da
esquina antes de pegar a sessão das 8 no cinema da praça não são atitudes
banais. Elas podem salvar a alma de sua cidade e manter o movimento
no centro mesmo durante a noite. Os cidadãos precisam entender que o
desenvolvimento também está ligado à defesa da identidade.
O desafio do design não é desacelerar tudo, mas possibilitar situa-
ções que sustentem uma infinita variedade de formas rápidas e lentas de
viver – nos ritmos ditados por nós, não por algum sistema baseado em um
relógio. Trata-se de uma transformação da velocidade bruta à virtuose.
(THACKARA, 2008)
Na linguagem da sustentabilidade, isso significa mudar o termo
“mais veloz” para “mais próximo” nas nossas orientações de design para
cidades e sistemas de produção. É ruim transportar pessoas e produtos
rapidamente; é bom transportar informações rapidamente.
Uma outra mudança do design é o foco na qualidade dos resul-
tados, não na velocidade com a qual eles são atingidos (THACKARA,
2008). Pense nas máquinas de lavar roupas. Uma grande empresa de
eletrodomésticos, a Whirlpool, está desenvolvendo um sistema de Slow
Wash (lavagem lenta), que lava as roupas em um ritmo sustentável e sem
pressa. A abordagem une a purificação hidropônica da água com a tecno-
logia de célula de combustível em um processo chamado de BioLogic. O
BioLogic, que se baseia nos princípios naturais da regeneração e eficiên-
cia, incorpora plantas hidropônicas para renovar a água utilizada na lava-
gem das roupas e células de combustível para movimentar a máquina. O
Biologic é um processo lento, estável, auto-regenerador e quimicamente
eficiente.
31. 31
A mobilidade é, é claro, dispendiosa em termos de tempo e di-
nheiro para o usuário, mas também gera custos externos como acidentes,
trânsito congestionado, poluição do ar, mudanças climáticas, barulho e
infra-estrutura extra.
Costumávamos pensar que a internet pudesse
substituir idas aos correios; que as viagens aéreas
fossem substituídas por teleconferências; e que a
transmissão digital substituiria a entrega física de
livros e vídeos. A tecnologia de fato permitiu parte
desses novos tipo de mobilidade – mas como um
complemento, e não substituto, das velhas moda-
lidades. Vias rodoviárias construídas para aliviar
o congestionamento aumentam o tráfego total e a
internet aumentou a intensidade do transporte na
economia como um todo. Mas existe uma alternati-
va: reduzir o movimento de matéria – de bens ou de
pessoas -, alterando a expressão “mais rápido” para
“mais perto”. (THACKARA, 2008, P. 86)
Segundo dados pesquisados por Thackara (2008), Só a aviação é
responsável por uma enorme proporção – entre 4 e 9% - de impactos de
mudanças climáticas atribuíveis à atividade humana.
A substituição do transporte aéreo pelo ferroviário não é a resposta.
Quando pesquisadores da Martin Luther University analisaram a constru-
ção, utilização e descarte da infra-estrutura ferroviária de alta velocidade,
descobriram que 48 kg de recursos primários sólidos são necessários para
que um passageiro viaje 100 quilômetros pela Alemanha em um trem de
alta velocidade (ROZYCKI, KOESER E SCHWARZ, 2003).
E se pegássemos um navio de carga? Também não. A frota mer-
cante do mundo contribui com quase 4,5% de todas as emissões globais
– uma porcentagem comparável com a de carros, moradia, agricultura e
indústria.
Os carros também não oferecem nenhuma esperança. Eles causam
mais danos ambientais e sociais do que o transporte aéreo e ferroviário
combinados. Tirando as enormes quantidades de recursos utilizados para
fabricar os veículos, eles também consomem enormes quantidades de es-
paço.
A forma mais aceitável de viajar em longa distância, segundo
Thackara, é por ônibus. Os ônibus produzem 29 gramas de CO2 por qui-
lômetro rodado por passageiro em comparação com os 52 gramas produ-
zidos por trens e 170 gramas por quilômetro por passageiro para carros
e aviões.
32. 32
Em seu livro, Car Sick, Lynn Sloman (2006) propõe o que chama
de regra dos 40:40:20. Independentemente da localização, cerca de 40%
dos trajetos atualmente percorridos de carro poderiam ser percorridos de
bicicleta ou a pé ou em transporte público; outros 40% poderiam ser fei-
tos dessa mesma forma se a infra-estrutura fosse melhorada; só 20% das
jornadas de carro não poderiam ser substituídas.
Um sistema em Uppsala, Suécia, reduziu em 42% o número de ve-
ículos de transporte de carga e o número de jornadas em até 50% (Comis-
são Européia, 2003). Em Amsterdã, espera-se que um sistema chamado
de City Cargo, que substitui o transporte rodoviário urbano pelo sistema
de bondes, reduzirá pela metade o tráfego de vans e transportes de carga.
O varejista do setor de alimentos mais ativo da Grã-Bretanha, Ma-
rks & Spencer comprometeu-se a fazer com que todas as suas operações
no Reino Unido e Irlanda sejam neutras em termos de utilização de car-
bono dentro de 5 anos. “Nós maximizaremos a nossa utilização de ener-
gia renovável e só utilizaremos a compensação como o último recurso”,
promete a empresa. Ela se comprometeu a promover ações contra o des-
perdício, preocupando-se com as matérias-primas, alimentação saudável
e comércio justo; ela baniu a vitela branca e o fígado de bezerro de suas
prateleiras; e a empresa assumiu um papel de liderança em um programa
de governo chamado WRAP (Waste & Resources Action Programme)
que está combatendo a questão das embalagens.
No Reino Unido, o Carbon Trust e o Defra, o Ministério do Meio
Ambiente, são co-patrocinadores das Publicly Avaliable Specification
(PAS, especificações publicamente disponíveis). Um sistema padroniza-
do para mensurar emissões de gases do efeito estufa incorporados em
produtos e serviços será aplicado em uma ampla variedade de categorias
de produtos e serviço e suas cadeias de suprimento, incluindo a alimen-
tação.
Sistemas de alimentação constituem uma importante parte dos pro-
gramas para fazer com que centros urbanos sejam mais sustentáveis. O
desafio do designer é juntar diferentes recursos e oportunidades. A eco-
logia de uma cidade é complexa e um nível altíssimo de coordenação é
necessário entre prestadores de serviços, consumidores e produtores. A
agricultura urbana, nesse sentido, tem mais relação com o design de servi-
ços e infra-estruturas do que com ações independentes. Novos serviços e
infra-estruturas são necessários para sustentar cooperativas de alimentos,
cozinhas e refeitórios coletivos, hortas comunitárias e outras melhorias
nos sistemas de alimentação comunitários.
33. 33
3.3 Usar, não ter
Não precisamos ter um objeto que seja pesado e fixo – basta saber
como e onde encontrá-lo.
A nossa tarefa como designers é substituir os re-
cursos físicos pela informação. Informar-se é saber
onde um recurso que você precisa utilizar pode ser
encontrado. Se você puder localizar um objeto e
acessá-lo facilmente, não precisa tê-lo – e a bios-
fera não precisa arcar com ele. Pense nos carros: a
maioria deles é utilizada menos de 5% do tempo;
em outros momentos, eles ficam vazios, não utili-
zados, consumindo espaço. O mesmo se aplica a
muitas construções. (THACKARA, 2008)
Assim como afirma Thackara (2008), o designer precisa projetar
para o uso e não para a propriedade, projetar produtos imateriais ou, caso
não seja possível, pensar em seu reuso, conforme mostra o diagrama a
seguir adaptado de Denise Eler.
34. 34
Fonte: Adaptado de Denise Eler.
Conforme foi dito, o primeiro passo nessa trajetória em busca da
sustentabilidade é o design para a utilização, não para a propriedade.
Uma furadeira, por exemplo, é utilizada em média por dez minutos
em toda a sua vida, mas a fabricação do objeto requer centenas de vezes
o seu próprio peso. Por que então ter uma se posso alugar quando preci-
sar?
Uma tarefa central do design é conectar pessoas, recursos e locais
uns aos outros em novas combinações e em tempo real.
A proximidade – reunir pessoas no espaço real – é uma formidável
aplicação para as cidades de amanhã.
Sistemas de táxi são serviços reativos à demanda, até certo ponto.
O antigo modelo é telefonar para uma central, que ofereceria a viagem a
35. 35
todos os motoristas pelo rádio, um motorista aceitaria a tarefa e a central
encaminharia o táxi do motorista a você. Hoje em dia, você telefona para
o sistema, o sistema reconhece quem você é e onde está, identifica o táxi
mais próximo disponível e envia esse táxi para você. Essa é a alocação de
recursos dinâmica e em tempo real em ação.
Thackara (2008) sugere substituirmos a palavra “táxi” na descri-
ção acima pela palavra “sanduíche”. Ou pelas palavras “alguém para me
mostrar as atrações turísticas do centro da cidade”. Ou pelas palavras “um
técnico para vir consertar o meu laptop”. Ou pelas palavras “alguém com
quem jogar pingue-pongue”. Suponha, também, que você tenha alguma
habilidade ou informação a oferecer.
A maioria dos carros fica ociosa 90% do tempo. O princípio de
“usar, não ter” é aplicável a todas as coisas como: construções, estrada,
veículos, escritórios. Não precisamos ter quase nenhum objeto pesado
e fixo; basta saber como e onde encontrá-lo quando precisarmos dele:
imagine que o telefone tenha uma espécie de controle deslizante. Você
escreve “sanduíche” e “dentro de 5 minutos de caminhada” e utiliza esses
parâmetros de busca (de preferência incluindo um sistema de classifica-
ção dos clientes em tempo real) para obter um lanche. Não precisamos ir
muito longe para nos alimentarmos; só precisamos saber como encontrar
o que queremos comer.
Dados de localização e modelos demográficos estão sendo utili-
zados pela Sturbucks e pelo McDonald´s para localizar novas histórias.
Enormes volumes de informações de pontos-de-venda são coletados e
reunidos para ajudar empresas como o Wal-Mart a ajustar a localização
das mercadorias, até mesmo dentro das lojas. Uma sugestão é a seguin-
te: o mesmo software e dados que permitem que o Wal-Mart defina a
localização de suas enormes lojas podem ser utilizados para otimizar as
ecologias de serviço locais. Fluxos de recursos podem ser moldados para
minimizar o movimento de pessoas e bens. Segundo Tackara (2008), o
serviço mais valioso que os artistas e designers podem prestar a uma loca-
lidade pode ser ajudá-la a desenvolver uma visão cultural compartilhada
do futuro.
Na opinião de Thackara (2008), grande parte do nosso mundo é
simplesmente projetado demais. Controle demais sobre o espaço público
é prejudicial para a sustentabilidade dos locais.
Para o autor, pensar local e pensar pequeno não é uma abordagem
de horizontes estreitos e não é uma abdicação de responsabilidade em prol
do cenário mais amplo. Pelo contrário, passaremos do presente ao futuro
em uma série de passos pequenos, mas cuidadosamente considerados. A
36. 36
proximidade e a localidade são características naturais da economia. A
maior parte do produto interno bruto mundial é altamente localizada. Por
todo o mundo, uma grande maioria das empresas de pequeno e médio
porte opera dentro de um raio de 50 quilômetros da localização de sua
matriz. Condições locais, padrões locais de comércio, redes locais, habi-
lidades locais e cultura local são fatores críticos de sucesso para a maioria
das organizações.
A transição para a sustentabilidade se refere tanto à inovação so-
cial quanto a soluções tecnológicas. A transição para um mundo menos
voltado às coisas e mais às pessoas necessariamente incluirá uma nova
abordagem para as formas como cuidamos uns dos outros. Uma maior
ênfase em ações sociais, em detrimento de ações tecnológicas, também
pode constituir a base de uma solução para a crise dos custos da assistên-
cia médica.
3.4 Design consciente
Ansiamos por velocidade, perfeição, controle, mas estamos cegos
a seus custos.
Precisamos de novas formas de perceber o mundo – e agir em re-
lação ao que vemos -, desenvolver uma nova estética de sustentabilidade
de modo que, quando virmos algo como um aeroporto, não percebamos
apenas as formas, ou o desempenho, mas também a energia incorporada.
As percepções de amanhã, desta forma, estão relacionadas a processos e
sistemas.
O pensamento tradicional do design se concentra na forma e na
estrutura. Os problemas são “decompostos” em passos menores, que são
priorizados em listas. Um tipo de design baseado em sentir e reagir fun-
ciona melhor: os resultados desejados são descritos, mas não o detalha-
mento dos meios para chegar a esses resultados. (THACKARA, 2008)
Sentir e reagir significa ser reativo aos eventos em um contexto
– como uma cidade ou região – e ser capaz de reagir rápida e apropriada-
mente quando a realidade mudar. Essa abordagem implica o desenvolvi-
mento da compreensão e da sensibilidade à morfologia dos sistemas, sua
dinâmica, sua “inteligência”, como eles funcionam e o que os estimula.
Uma melhor abordagem de design ao aprendizado é pensar nele
como uma ecologia de pessoas e grupos, projetos, ferramentas e infra-
estrutura. Precisamos pensar na educação como um “sistema aberto cuja
inteligência é distribuída e compartilhada entre todos os seus participan-
tes” (THACKARA, 2008).
37. 37
Um princípio importante do design, segundo Thackara, se relacio-
na ao tempo e ao ritmo. Das várias pressões prejudiciais exercidas sobre
as ecologias do aprendizado, o tempo é provavelmente a mais difícil. Para
o autor, uma primeira tarefa do design é aliviar essa pressão. As 24 horas
em um dia não pertencem aos legisladores ou aos prestadores de e-lear-
ning (ensino à distância). Elas pertencem aos estudantes. Em vez de pre-
encher todo o tempo com conteúdo pré-elaborado, devemos possibilitar
aos estudantes, de qualquer idade, a utilização de seu próprio tempo com
mais flexibilidade e atividade.
O aprendizado também depende do local e do contexto. Um foco
exclusivo sobre escolas e faculdades como locais de aprendizado e mo-
delo de “distribuição e aprendizado” do e-learning deixa de explorar es-
sas geografias mais complexas do aprendizado. Como Brown e Duguid
(2001) enfatizam em A Vida Social da Informação, muito do que apren-
demos é notadamente local: história, agricultura, política, arte, geologia,
viticultura, silvicultura, oceanografia. Todos os espaços, lugares e comu-
nidades que promovem processos e experiências complexas são locais
potenciais de aprendizado.
Cálculos detalhados sobre metros quadrados por
criança ou os méritos relativos de salas de aula
individuais ao longo de corredores versus salões
comunais são questões secundárias. Precisamos
duplicar, triplicar o espaço que temos agora para
o aprendizado – e o mundo está repleto de cine-
mas abandonados ou subutilizados, postos de ga-
solina, estações de energia, depósitos e estações de
trem. Deveríamos adaptá-los para o aprendizado.
Poderíamos utilizar os sistemas de administração
de recursos da indústria logística para combinar
estudantes e espaços de novas formas e em novos
tempos. (THACKARA, 2008)
A tecnologia passa a ser interessante quando facilita novos tipos
de interação entre professores, estudantes e o mundo externo – e isso não
precisa ser caro. Para se aproveitar o máximo da tecnologia e das redes,
novas habilidades e atitudes são necessárias – e elas são gratuitas ou po-
dem ser ensinadas (habilidades de busca, habilidades de edição). Dife-
rentes formas de compartilhar o conhecimento e a experiência também
precisam ser exploradas.
Conforme Thackara (2008), recentemente, no nordeste da Inglater-
ra, foi elaborado um projeto para 80 escolas que consistia em duas folhas
38. 38
de papel onde estavam escritas duas perguntas: “Qual é a extensão das
pegadas ecológicas da sua escola?” e “Quais ações de design você propõe
para reduzi-la?”. Essas duas simples perguntas levaram 16 mil estudan-
tes, em sua maioria entre dez e doze anos de idade, a se envolver em um
projeto ativo de design de sistemas que ainda está em movimento.
Para começar, os estudantes foram solicitados a mensurar fluxos de
recursos-chave: quanta água é utilizada, como a escola lida com os deje-
tos, como os estudantes chegam à escola e de onde vem a comida.
Essa fase de análise lhes deu uma boa idéia do desempenho da
escola como um sistema. Com esses dados em mãos, eles passaram a de-
senvolver especificações de design que levarão a um funcionamento mais
eficaz do aspecto em questão. Um dos maiores efeitos colaterais do desa-
fio é o fato de alguns estudantes terem procurado conversar com empresas
locais em uma espécie de processo educativo ao contrário.
A fase mais importante, e também interessante, do projeto é ela-
borá-lo, projetá-lo – analisar o tema em questão, expressar os problemas
na forma de uma pergunta, especificar uma ação, buscar informações e
orientações, planejar o trabalho, montar a equipe. Todas essas são tarefas
de design e são mais bem aprendidas com a prática.
O aprendizado baseado em atividade requer presença, tempo e
atenção de mentores de todos os tipos e tamanhos. Em todas as formas
de aprendizado, a melhor colaboração envolve contato presencial e isso
também pode ser projetado.
Muitos jovens de hoje se mostram, de forma compreensível, des-
motivados em um contexto de aprendizado formal – mas dinâmicos e
altamente socializados no contexto de um jogo como o projeto World
Without Oil (Mundo Sem Petróleo). Seus criadores e organizadores con-
vidaram pessoas de diferentes áreas para contribuir com sua imaginação
coletiva e habilidades de contar histórias para solucionar um problema do
mundo real: o pico do preço do petróleo. Em parte um jogo, em parte uma
campanha política, o projeto simulava as 32 primeiras semanas de uma
crise global do petróleo. Ele montou um “centro nervoso” de cidadãos
para acompanhar os eventos e compartilhar soluções. Qualquer pessoa
podia jogar criando e divulgando uma história pessoal de algum evento
pequeno mas significativo relativo à sua própria linha de frente. O projeto
atraiu e-mails, telefonemas, entradas de blogs, vídeos, fotografias, pod-
casts, trocas de twitters – uma inundação de mídia informal -, relatando
a realidade imaginada da vida cotidiana durante a crise (THACKARA,
2008).
39. 39
A eficiência da utilização de recursos melhorou, mas a produção da
manufatura como um todo aumentou um terço em uma década.
Atualmente, os problemas não serão solucionados fazendo com
que os produtos sejam um pouco mais leves ou com algumas pessoas
passando a usar lâmpadas de baixo consumo de energia. (Hawken, Lovins
e Lovins, 2000). Mudanças estruturais são necessárias, na forma como
as nossas infra-estruturas de transporte são concebidas e utilizadas e na
forma como trabalhamos e vivemos.
Os princípios da sustentabilidade são mais claros: eliminar o con-
ceito de desperdício; reduzir o movimento e a distribuição de bens; utili-
zar mais pessoas e menos matéria; contar com fluxos de energia natural.
80% do impacto ambiental de um produto, serviço ou sistema é
definido no estágio de design (dados citados no Design Council, 2002).
Em seu livro Heat (Calor), Monbiot (2006) estima que, para evi-
tar dois graus de aquecimento, precisamos reduzir em 60% as emissões
globais per capita até 2030. Se todas as pessoas do planeta receberem a
mesma porção, isso se traduz em uma redução de 90% para as pessoas
em países ricos – uma meta muito mais rigorosa do que as definidas como
parte do tratado de Kioto.
A sensibilidade ao contexto, aos relacionamentos e às conseqüên-
cias são aspectos-chave da transição de um desenvolvimento impensado
ao design consciente. Para Tackara (2008), o design consciente envolve:
• Pensar nas conseqüências das ações antes de promovê-las e
levar em consideração os sistemas naturais, industriais e culturais que
constituem o contexto das nossas ações como designers;
• Pensar em fluxos de materiais e energia em todos os sistemas
que projetamos;
• Priorizar o ser humano e não tratá-lo como um mero “fator” em
um contexto mais amplo;
• Entregar valor às pessoas e não entregar pessoas aos sistemas;
• Tratar o “conteúdo” como algo que se faz, não algo que se
vende;
• Lidar com a diferença cultural, de local e de tempo como va-
lores, não como obstáculos;
• Concentrar-se em serviços, não em coisas, e evitar encher o
mundo com dispositivos sem sentido.
Patrick Cescau, presidente mundial da Unilever, falou em uma
conferência do setor sobre os “deslocamentos sísmicos no mundo no qual
fazemos negócios” e alertou sobre uma “lacuna de realidade entre onde
40. 40
estamos e onde precisamos estar”. Cescau propôs aplicar novos prin-
cípios de design para “orientar a nossa própria utilização de recursos e
nos aproximar de um consumo cada vez mais sustentável”, mas quando
questionado sobre quais seriam esse princípios e como seriam aplicados
manteve-se vago. Apesar disso, há uma oportunidade de design aqui: se
enormes empresas como a Unilever indicam interesse por princípios sus-
tentáveis de design, deveríamos fornecer esse serviço a eles (apud Tha-
ckara, 2008).
Peter Higgings, um designer inglês de exposições de museu e
complexos de entretenimento, diz que precisamos nos concentrar mais no
script de uma situação e menos na tecnologia. O engajamento, o envol-
vimento e a imersão psicológica têm mais chances de ocorrer, segundo
Higgins, se a orquestração de objetos, eventos e/ou pessoas se basear em
um roteiro envolvente e crível, mesmo que não seja “real” (apud Thacka-
ra, 2008).
As metáforas, por exemplo, são essenciais para a compreensão hu-
mana. A metáfora do ambiente de trabalho na tela do nosso computador é
um dos exemplos mais conhecidos. O que vemos não é de fato uma mesa,
mas nos permite organizar suficientemente nossos pensamentos e ações.
Se a metáfora for funcional, toleraremos deselegantes operações de mo-
dalidades mistas. Psicólogos evolucionários acreditam que podemos vir
ao mundo programados já com formas mágicas de pensar e citam como
evidência a capacidade humana de atribuir significado a objetos inanima-
dos – suvenires, relíquias de família, brinquedos da infância, objetos de
arte, bonecos, totens, talismãs e amuletos.
John Thackara e sua equipe desenvolveram algumas “regras de
envolvimento” para designers e pesquisadores de estilo de vida que con-
cluem bem tudo o que foi dito até aqui:
Regra Número 1: Na dúvida, o desenvolvimento começa em casa.
Procure por perto, além de procurar longe. É mais fácil melhorar os recur-
sos humanos, a cultura, a herança, as tradições, o know how e as habilida-
des da cultura local do que de uma cultura distante.
Regra Número 2: Trabalhe para pessoas reais, não para catego-
rias. Fique alerta sempre que ler as palavras “os pobres” (ou “os idosos”,
ou “os cegos”, ou “os deficientes”). Esses hábitos casuais e difundidos da
linguagem excluem a alma e a humanidade das pessoas. Aqui, a intenção
de Thackara não é excluir as pessoas com alguma deficiencia e sim, além
de atender ao que elas tem em comum (a deficiência) procurar conhecer
as necessidades e os desejos de cada uma, já que são cidadãos diferentes
com apenas uma característica comum.
41. 41
Regra Número 3: Respeite o que já existe. A maioria dos desig-
ners é treinado para mudar as coisas primeiro e fazer perguntas depois. É
muito melhor utilizado o olhar de um designer para revelar o valor oculto
e mobilizar recursos locais ocultos.
Regra Número 4: Capacite o pessoal local. Qualquer ação de de-
sign que reorganize locais e relacionamentos é um exercício de poder. Um
bom teste para a sensibilidade de uma proposta de design é se perguntar
se ela capacita as pessoas a aumentar o controle sobre o próprio território
e recursos.
Regra Número 5: Comprometa-se a longo prazo. Leva tempo en-
tender uma situação, leva tempo escutar o pessoal local e conquistar sua
confiança, leva tempo para que as soluções apropriadas venham à tona.
Quando Sergio Palleroni7 ofereceu o apoio de estudantes de design a co-
munidades de New Orleans, ele se comprometeu a um mínimo de três
anos de envolvimento.
Regra Número 6: Pense pequeno. Pequenas ações de design po-
dem ter grandes conseqüências, muitas das quais podem ser positivas.
Se alguém construir um ponto de ônibus em uma favela urbana, uma vi-
brante comunidade pode surgir e crescer ao redor dele. Tal é o poder de
pequenas intervenções em complexas situações urbanas.
Regra Número 7: Pense em termos de sistemas integrados. O de-
sign de um dispositivo, como uma bomba d´água, ou um sistema de irri-
gação, não representa muito mais do que 10% da solução completa. Os
outros 90% envolvem distribuição, treinamento, manutenção e acordos
de serviço, parcerias e modelos de negócios.
Castells (1999) descreve o mundo moderno como um espaço de
fluxos – fluxos de pessoas, capital, informações, tecnologia, imagens,
sons e símbolos. “Os fluxos são a expressão dos processos que dominam
a nossa vida econômica social e simbólica”, afirma Castells.
Agora precisamos agir de forma que sejam sensíveis ao contexto,
aos relacionamentos e às conseqüências. Depois de encher o mundo de
sistemas técnicos e complexos – além dos sistemas naturais e sociais já
existentes -, a transição para uma economia planetária é uma transição do
desenvolvimento impensado à conscientização no design.
Reprojetar o espaço dos fluxos deve ser uma atividade contínua, e
não incidental. Ela precisa se concentrar no funcionamento das coisas e
não, simplesmente, em sua aparência. E ela implica uma mudança funda-
7
Sergio Palleroni é co-fundador e diretor do BaSiC Initiative (Building Sustainable Communites)
42. 42
mental na relação entre as pessoas que fazem as coisas e as pessoas que
as utilizam.
Ao projetar no espaço dos fluxos, o contexto é fundamental. Quan-
to mais diversificado for um sistema ecológico – seja um pântano ou uma
cidade - mais rico ele é.
Pequenas mudanças em sistemas interconectados podem melhorar
as coisas, mas também podem piorá-las. É por isso que a aplicação de um
design de alto conceito a contextos que não entendemos bem é irrespon-
sável e normalmente destrutiva em termos de valor.
Grande parte das pessoas vive e trabalha em silos: uma empresa,
uma universidade, uma profissão. Trabalhamos dentro de comunidades,
não entre elas. As nossas organizações perpetuam a sociedade dos silos
e, de forma perversa, isolam o conhecimento dos contextos nos quais ele
deve ser utilizado.
A lição do designer, segundo Thackara (2008) é a seguinte: pre-
cisamos procurar inspiração em diferentes locais e cultivar o hábito de
procurar as pessoas, lugares, organizações, projetos e idéias que não apa-
recem nas telas do radar utilizado pelos nossos capitães na ponte de co-
mando.
Os designers são desnecessariamente restritos pelo mito de que
tudo o que fazem precisa ser um ato único e criativo. Em vez de esperar
projetar tudo do zero, poderíamos buscar no passado soluções testadas e
comprovadas que outras pessoas já criaram. Precisamos nos transformar
em caçadores e coletores de idéias e ferramentas: Como as outras socie-
dades viviam no passado? Como as sociedades vivem em outras partes do
mundo hoje? Essa questão já foi respondida em outro lugar?
Aquilo a que consultores de gestão se referem como a “criação da
estratégia” – e que Thackara chama de conhecimento, recursos e compe-
tências – muitos ou a maioria dos quais já existem. Colocar o conheci-
mento antigo em um novo contexto gera novo conhecimento.
Muitas das interações frustrantes e estressantes que temos como
prestadores de serviço receberam um nome anódino em tempos recentes:
a economia do auto-serviço. A característica distintiva desses serviços é
o fato de eles ocorrerem com pouco ou nenhum contato humano; o cliente
faz o trabalho antes realizado por um empregado. Esse arranjo poupa uma
fortuna ao prestador de serviços mas simplesmente joga o trabalho nas
costas do usuário – além de roubar seu tempo. Nove em cada dez pessoas
prefeririam falar com uma pessoa ao buscar informações ou serviços na
internet, de forma que precisamos exigir dos prestadores que eles colo-
quem uma pessoa do outro lado da linha.
43. 43
Thackara (2008) propõe 6 tópicos de referência para orientar o de-
sign neste mundo complexo:
• do projeto e planejamento a sentir e reagir;
• do alto conceito ao profundo contexto;
• do design de cima para baixo aos efeitos periféricos;
• da ficção científica à ficção social;
• do design para pessoas ao design com as pessoas;
• do design como um projeto ao design como utilidade
O famoso Delta Works, o maior projeto público holandês da histó-
ria, consiste em um sistema de gigantescas estações de bombeamento de
água, diques e sistemas modernos de proteção contra as marés que prote-
gem a terra do mar e dos rios. Por trás dessas impressionantes realizações
está um seleto grupo de engenheiros e planejadores, a quem o escritor A.
den Doolaard chamou de “os magos das águas”. (THACKARA, 2008).
Um senso de dever cívico e solidariedade motiva os cidadãos holandeses
a cuidar dos canais, sendo que a figura do inspetor dos canais passou
a ter importância fundamental. A tradição do inspetor dos canais e sua
abordagem para a administração da água se origina do modelo de pôlder
holandês de responsabilidade compartilhada, consenso e capacidade de
viver juntos em um espaço limitado.
Um senso similar de responsabilidade por uma infra-estrutura
compartilhada se evidencia no movimento do software de código aberto.
Uma abordagem colaborativa, adaptada de forma singular para a internet,
possibilitou o desenvolvimento de arquiteturas de software de alta quali-
dade. Essa abordagem colaborativa é cada vez mais encontrada também
em outras áreas: biólogos adotaram métodos de código aberto no estudo
do genoma e informática; a NASA adotou os princípios do código aberto
como parte de sua missão a Marte, recrutando voluntários para identificar
milhares de crateras e ajudar a mapear o Planeta Vermelho. Também a
astronomia foi transformada pelo crescimento das redes colaborativas.
No passado, o design se referia à forma e à função das coisas.
Essas características, que eram limitadas em termos de espaço e tempo,
poderiam ser entregues em uma forma fixa, como um esquema. No mun-
do de hoje, extremamente conectado em rede, faz mais sentido pensar
no design como um processo que continuamente define as regras de um
sistema em vez de seus resultados.
Um número crescente de empresas que no passado se limitavam a
vender produtos agora pensam em si mesmas como prestadoras de servi-
ços. Pense na Xerox, outrora no setor de fotocopiadoras e hoje no setor de
serviços de documentação.
44. 44
Essas novas formas de criar valor estão transformando o modo
como as empresas levam em consideração os fluxos de matéria e energia
através de seus sistemas.
No contexto do design, um modelo de negócios baseado em pro-
jetos não faz sentido. Seria como se uma empresa de abastecimento de
água entregasse um balde d`água em nossa casa e declarasse sua missão
cumprida.
É possível prever uma economia de design baseada em contratos
contínuos de serviço, similares aos já utilizados por grandes empresas de
consultoria de administração.
Manzini (2002) define bem os papéis dos consumidores e das em-
presas na transição para a sustentabilidade ao afirmar que cada indivíduo,
decidindo como e o que adquirir e utilizar, legitima a existência daquele
produto (ou daquele serviço) e está na origem dos efeitos ambientais li-
gados à sua produção, ao seu emprego e ao seu escoamento final. Para as
empresas, cada escolha operativa favorável ao ambiente só pode ocorrer
com a condição de não prejudicar a sua competitividade. É necessário que
a orientação das suas atividades em direção à sustentabilidade seja tradu-
zido em um aumento significativo de sua competitividade. O resultado é
que a busca pela competitividade só pode convergir com aquela da sus-
tentabilidade se for criado um contexto favorável) normativo, econômico,
sociocultural e tecnológico).
O autor completa a afirmação acima com o papel dos projetistas
(designers), onde diz:
• O projetista pode contribuir para o aumento do número de al-
ternativas, isto é, das estratégias de solução dos problemas,
técnica e economicamente praticáveis da parte dos usuários
(em particular daquelas alternativas que se baseiam em uma
elaboração diversa dos próprios problemas);
• O projetista pode promover as suas capacidades, isto é, as suas
habilidades ou possibilidades de intervir pessoal e diretamente
na definição dos resultados e dos meios para alcançá-los (o
que significa dar-se a possibilidade de compreender, de agir
e, inclusive, de errar, desde que esses erros não sejam irrepa-
ráveis);
• O projetista pode estimular a sua imaginação, isto é, a sua pro-
pensão a vislumbrar soluções ainda não expressas claramente.
O que significa que pode intervir no âmbito das propostas cul-
turais, dos valores, dos critérios de qualidade e das visões de
mundos possíveis, para tentar influenciar o mundo existente
(isto é, em última análise, tentar orientar a demanda dos pro-
dutos e serviços que sucessivamente aí serão colocados).
45. 45
Para concluir esse tema foi criado um mapa mental que resume as idéias
de Thackara (2008), cujo livro foi a base para a construção desse capítulo, ao
propor soluções viáveis para o design sustentável.
46.
47. 47
4 Design de Serviços
O segmento de serviços, como já foi dito anteriormente, tem se
mostrado cada vez mais importante para a economia, além de ser um
meio promissor no que diz respeito à busca pela sustentabilidade.
Grande parte dos objetos e produtos não precisaria ser adquirida,
poderia ser usada por cada pessoa apenas quando houvesse necessidade,
sendo compartilhada entre pessoas de uma comunidade. Usar, em vez de
ter, gera menos lixo, menos poluição em geral, se tem maior controle e
sai mais barato.
A função do design é captar a real necessidade de uma população
e criar soluções que não resultem em um produto material, mas sim em
serviços.
4.1 Definição
O Service Design Network, uma coalizão de acadêmicos, profis-
sionais e outras partes interessadas, utiliza a seguinte definição inspirada
na pioneira em design de serviços Brigit Mager, da Escola Internacional
de Design Köln:
O design de serviços...
• visa à criação de serviços que são úteis, funcionais, convenien-
tes, eficientes e eficazes.
• é uma abordagem centrada no homem com foco na experiência
do cliente e na qualidade do serviço como chave do sucesso.
• é uma abordagem holística, que considera de forma integrada e
estratégica, o sistema, processos e decisões sobre o design dos
pontos de contato.
• é um processo sistemático e repetitivo que integra orientação no
usuário, abordagens interdisciplinares baseadas na equipe e em
métodos de ciclos de aprendizagem.
Para Saco & Gonçalves8 (2009), o design de serviços é fundamen-
talmente interdisciplinar e possui vários própositos. Baseando-se na sen-
sibilidade dos designers, ele incorpora elementos e ferramentas de vários
domínios para atingir objetivos diferentes e, às vezes, concorrentes: a sa-
tisfação do cliente ou apreciação, a satisfação do designer ou sentimento
de realização, a resolução do problema, a sustentabilidade econômica e
ambiental e a beleza prática (“beleza que funciona”).
8
Roberto M. Saco é proprietário da Aporia Conselheiros e Alexis P. Gonçalves é consultor
independente da Business Innovation.
48. 48
Já Lovlie, Downs & Reason (2009), acreditam em uma definição
da nova disciplina de design de serviço como “design de experiências de
pessoas que chegam através de muitos e diferentes pontos de contato e
que acontecem ao longo do tempo”.
Na opinião de Bill Hollins (1991), a questão operacional chave,
em se tratando de design de serviços, é: como nos organizamos para os
serviços? Em outras palavras, como podemos trazer pessoas para o pro-
cesso de criação e introdução de serviços? Hollins lembra que o design de
serviço é mais uma profissão prática do que uma ciência formal, com seu
foco na construção de hipóteses e experimentação. Isso pode explicar a
profusão de instrumentos em detrimento dos quadros consensuais.
O Centro Dinamarquês de Design oferece uma definição muito útil
de design de serviço: o termo design de serviço geralmente se refere ao
design de sistemas e processos em torno da idéia de prestar um serviço ao
usuário. O meio típico de apresentação do serviço é através da atividade
de entidades comerciais ou não comerciais (por exemplo, entrega de pi-
zza, de saúde pública, as companhias aéreas). Muitas vezes, o elemento
de serviço está ligado a um produto físico ou oferta, mas às vezes pode ser
apenas uma oferta intangível: por exemplo, a consultoria jurídica.
A maior parte do serviço é implantada através do que é comumente
chamado de ponto de contato. Esses podem ser na forma de interfaces
virtuais, interfaces físicas e pessoas. Por exemplo, em um banco, os pon-
tos de contato são o bancário, o cartão de crédito, o extrato impresso, o
representante de call center, a agência em si, o banco online, e assim por
diante.
Existe um grande número de ferramentas que podem ser utilizadas
pelos designers de serviços, como mostra o quadro a seguir:
9
Lavrans Lovlie e Ben Reason são sócios-fundadores da live|work e Chris Downs é sócio-
gerente da mesma empresa.
49. 49
Quadro 3: Ferramentas do Design de Serviços
Ferramentas do Design de Serviços
Atividade do
Design de Ferramentas (amostra)
Serviço
Benchmarking (padrão para medir o produto ou servi-
ço concorrente de acordo com padrões especificados, a
fim de compará-lo e melhorar o próprio produto)
Entendimento
Técnica do incidente crítico (procura capturar experi-
(avaliação)
ências vivenciadas pelos clientes com o produto ou ser-
viço de tal modo que o risco de se direcionar a pesquisa
a aspectos não relevantes ao cliente seja mínimo)
Mapa da ecologia
Estudos etnográficos
Diagrama de afinidade
Pensamento
Diagrama espinha-de-peixe
(esboço)
Análises dos pontos de contato
Body-storming (técnica que usa o corpo humano si-
mulando situações para solução de problemas e gera-
Gerando
ção de alternativas, algumas vezes também utilizada
(explorando)
no Design de interação e técnicas de criatividade)
Randomizar
Filtragem Avaliação heurística (da descoberta)
(redução) Personas
Experiência de prototipagem
Explicando
Metáforas
(racionalizando)
Mapeamento da rede social
Blueprint (O blueprint é comumente utilizado para
reproduzir grandes desenhos de construção e arquite-
tura).
Realizando
Script em papel (O script de papel é usado para a exe-
(construindo)
cução do serviço, a fim de orientar e orientar os opera-
dores para o desenvolvimento de um comportamento
adequado).
Fonte: Adaptado de SACO & GONÇALVES, 2009
50. 50
4.2 Como medir a qualidade no design de serviços
Para Lovlie, Downs e Reason (2009), gerir a qualidade do design
no setor de serviços é a arte de fazer corresponder as expectativas das
pessoas com uma experiência consistente em todos os pontos de contato
que compõem o serviço. O que o torna complicado é que o serviço é “fa-
bricado” no momento do consumo e muitas vezes é criado por uma mis-
tura de informação digital, produtos e pessoas – incluindo funcionários e
clientes. Por exemplo, a experiência de uma viagem de trem é composta
por interações com informações sobre horários, máquinas de bilhetes, es-
tações, trens, condutores, e uma série de outros pontos de contato.
Para eles, a melhor maneira de garantir a qualidade dentro de toda
essa complexidade é colocar as pessoas que vão utilizar o serviço no co-
ração do processo de design, conforme ilustra a figura 1.
Figura 1: Experiências com pontos de contato
Fonte: LOVLIE, DOWNS e REASON, 2009.
O aumento da concorrência para conseguir clien-
tes e sua lealdade leva as organizações e gerentes
de marca constantemente a rever a questão sobre
qual o significado do serviço para o cliente e qual
a melhor forma de prestar “um bom serviço” na
variedade de locais e contextos em que os clientes
procuram produtos, conselhos, interação. Talvez
a evidência mais forte de que o design de servi-
ços é digno de nossa atenção tenha sido a carta
de Howard Schultz aos clientes no início des-
te ano (2009) quando ele anunciou seu retorno à
51. 51
Starbucks como CEO e sua promessa de fazer a
“experiência Starbucks tão boa como sempre foi
e ainda melhor... na aparência das lojas, no modo
como as pessoas te servem, nos novos produtos e
bebidas que vamos oferecer.
A economia mudou drasticamente com a crescen-
te demanda dos clientes por um nível de serviço
personalizado que foi perdido para a grande quan-
tidade de varejistas, descontos e volume de comer-
ciantes que sacrificaram a maioria, senão todos,
os aspectos de atendimento ao cliente na busca de
maiores lucros a partir de produtos com baixa mar-
gem lucrativa. (BEDFORD & LEE, 2009)
Mesmo que os designers aceitem a satisfação do usuário como pro-
va de qualidade, isso por si só raramente serve de justificativa para os
gastos dos clientes.
Eles (os clientes) precisam de indicadores concre-
tos para avaliar o desempenho do serviço e serem
capazes de demonstrar o retorno sobre o investi-
mento. Eles também precisam saber como melho-
rar o seu serviço para se manter a frente da concor-
rência. (LOVLIE, DOWNS E REASON, 2009).
Lovlie, Downs e Reason (2009) criaram três abordagens para me-
dir a qualidade. Nos dois primeiros casos, calculam o retorno sobre o
investimento no trabalho de design. No último caso, mostram como pode-
mos reduzir a medida do design de serviços a um único número:
1.Valor acrescentado bruto (GVA – Gross value added)
Esta é uma medida econômica para estimar o valor dos bens e
serviços produzidos numa economia. Nesse caso calcula-se o lucro ou
o prejuízo que se tem com o serviço atual para que seja comparado ao
resultado após a mudança.
Um dos projetos, patrocinados por uma autoridade local, a Câmara
Municipal de Sunderland, objetivou melhorar os serviços para as pessoas
que estiveram em benefícios por incapacidade a longo prazo e para ajudá-
los a voltar ao trabalho.
Durante um período de três meses, foi realizada uma pesquisa e
um trabalho de co-design com doze desses clientes e uma vasta gama de
intervenientes envolvidos na prestação de serviços para ajudá-los a voltar
ao trabalho. Essa primeira fase de descoberta do trabalho culminou em
52. 52
um projeto breve e uma iteração inicial dos conceitos do serviço. Além
disso, os patrocinadores do projeto precisam de uma estimativa de que
os resultados vão justificar o investimento. Sendo assim, Lovlie, Downs &
Reason (2009) destacam que...
...não há um número específico para o quanto uma
pessoa sem trabalho custa para a sociedade, mas
temos como saber que o Reino Unido gasta entre
£ 10.000 e £ 40.000 por pessoa desempregada, por
ano em benefícios e outros custos sociais. Nós co-
nhecemos as taxas do desemprego em Sunderland
e, com isso, somos capazes de calcular a melhora
gerada por nosso design nos serviços por meio de
prototipagem usando uma pequena comunidade
como modelo.
2.Linha tripla de lucro
Este conceito surgiu do movimento para a sustentabilidade durante
a década de 90 e capta a idéia de que o sucesso da organização deve ser
medido pela soma dos efeitos econômicos, ambientais e sociais de uma
atividade. Ele reflete a idéia de que responsabilidade social corporativa
deve ser para aqueles que são afetados por aquilo que a organização faz,
não apenas clientes, colaboradores e acionistas.
Um exemplo desse tipo de abordagem de lucro é usada pela em-
presa Street Car:
Nossa colaboração com a empresa de aluguel de
automóveis Streetcar, com sede em Londres, nos
deu a oportunidade de aplicar os nossos conheci-
mentos em um serviço que representou os nossos
valores e nosso desafio final de design - transfor-
mar o desejo de posse para o uso. (LOVLIE, DO-
WNS E REASON, 2009)
Streetcar oferece aos seus membros carros self-service para alu-
guel por hora, dia, semana ou mês. Os veículos estão estacionados em
uma densa rede de espaços específicos em várias cidades do Reino Unido
e podem ser reservados por apenas trinta minutos ou até seis meses, e os
membros recebem contas mensais pelo uso do automóvel.
Analisamos a viagem de todo usuário, do momen-
to em que o usuário se torna membro da Streetcar
pela primeira vez até o pagamento das contas. A
maior barreira para o crescimento de Streetcar era a
53. 53
dificuldade dos clientes em usar o carro, já que, ao
entrar no carro, deveriam colocar um Código PIN
em um computador interno, a fim de dar a parti-
da. Nós também descobrimos que as pessoas não
conseguiam comparar o serviço da Streetcar com
nada que tinham usado antes, o que se tornava uma
dificuldade para administrar suas expectativas. Nós
passamos para o papel toda a jornada do serviço e
redesenhamos a gama completa de pontos de con-
tato com os envolvidos, desde o processo de adesão
até as informações impressas, incluindo o manu-
al, bem como o site e o procedimento de reserva
do carro. A Streetcar é agora o maior clube do seu
gênero no Reino Unido, com mais de 25 mil mem-
bros e mais de seiscentos carros em seis cidades.
(LOVLIE, DOWNS E REASON, 2009)
O resultado do projeto considerando a linha tripla de lucro está
representado pelo quadro 4, abaixo.
Quadro 4: Resultado da Experiência com a Streetcar
Economia Ambiental Social
Lucrativo em 18 Tirou aproxima- Aumentou a mo-
meses; Maior clu- damente 3 mil bilidade das pes-
be desse tipo do carros privados soas e a conecti-
Streetcar
Reino Unido da estrada; vidade entre os
Usuários dirigem meios de trans-
69% menos porte
Um proprietário 63,5% dos mem- Repensa uma
de carro gasta, em bros do clube ou norma de com-
média, £ 2.749 desistiram de seus portamento (mo-
por ano, enquanto carros ou não bilidade sem pre-
que usando o ser- comprariam um ocupações)
Membros viço da Streetcar veículo particular. Cria um senso de
gastaria £707 por A Streetcar impe- comunidade
ano (números da dirá 2.000.000 kg
UK Automobile de emissões de
Association). CO2 nos próxi-
mos dois anos.
Fonte: (LOVLIE, DOWNS E REASON, 2009)
54. 54
3.O índice de utilização dos serviços
O terceiro método de medição do valor do design no setor de ser-
viços foi criada pelos próprios Lovlie, Downs & Reason (2009) e é chamada
de usabilidade do serviço (Sevice Usability - SU). Este método foi uma
resposta direta à falta de um método apropriado para teste de qualidade
das experiências do serviço. Usabilidade do Serviço não é uma forma de
qualificar o retorno sobre o investimento (ROI), mas sim um sistema que
mede a qualidade de uma experiência de serviço, em termos concretos e
capacita as organizações a tomarem medidas para melhorar seus proje-
tos.
O índice é definido por um número entre 0 e 10 por meio de quatro
parâmetros-chave:
Proposta. As pessoas entendem o valor da proposta do serviço?
Experiência. As pessoas se sentem bem em relação ao serviço?
Usabilidade. As pessoas podem facilmente usar esse serviço?
Acessibilidade. O serviço é universalmente utilizável por todos?
Chega-se ao número final por meio de entrevistas profundas e
acompanhando os usuários enquanto utilizam o serviço no seu próprio
ambiente e tempo.
4.3 O futuro do Design de Serviços
Empresas como a Ritz-Carlton, Herman Miller, e Egg Banking
utilizaram abordagens e métodos do design de serviços para mudar o co-
mércio tradicional. Segundo Saco & Gonçalves (2009) o futuro do design
de serviços está intimamente ligado à afinidade que tem com a ciência do
serviço, a inovação no serviço e a sustentabilidade.
4.3.1 Ciência do serviço:
Para Saco e Gonçalves, “uma disciplina, não importa o
quão avançada, não pode ser adequadamente rotulada “ciência”,
a menos que cumpra determinados critérios de causa e efeito, a
previsibilidade, a refutabilidade, e o teste de hipóteses através da
experimentação. Como as nossas economias têm se tornado cada
vez mais dependentes dos serviços, a pesquisa não está conseguin-
do acompanhar o volume e a importância dos mesmos.”
4.3.2 Inovação no serviço:
Para os gurus da inovação como Jeneanne Rae, o termo ino-
vação dos serviços deve ser reservado para um determinado tipo
55. 55
de iniciativa – aquela que pode produzir um novo modelo viável
de negócio, ao contrário de um novo serviço ou sistema de serviço
que executa o atual modelo de negócio de forma eficaz. Para Rae,
inovações de serviços bem-sucedidas devem criar um novo mode-
lo de negócio que:
• joga fora o suficiente fluxo de caixa livre para justificar a despesa
• encontra obstáculos internos e metas de desempenho
• ocorre com rapidez suficiente para ficar à frente da concorrência
• ocorre com freqüência suficiente para manter a marca relevante
Um estudo global realizado pela McKinsey10 em outubro de
2007 com uma ampla gama de empresas (incluindo empresas de
serviços) constatou que mais de 70 % dos líderes de empresas no-
mearam a inovação como uma de suas três principais prioridades
de crescimento.
Quando perguntado sobre o caminho para a inovação ra-
dical, os executivos da empresa de serviço também dizem que as
idéias são um centavo de uma dúzia. O que é mais importante é a
execução: o alinhamento da idéia certa, a equipe certa, o processo
de desenvolvimento certo, a liderança certa, o nível adequado de
gestão do risco, o alvo certo, o momento certo para pôr a venda e
assim por diante.
Para Jones & Samalionis, existem muitas e bem fundamen-
tadas barreiras estruturais à inovação nas empresas de serviços,
algumas das quais são:
• Organização do serviço em silos (unidades básicas organizacio-
nais) projetados para suportar a eficiência operacional em vez de
mudanças rápidas, particularmente comum em empresas de servi-
ços;
• muitas demandas conflitantes dentro da organização, todas compe-
tindo pelos mesmos recursos;
• falta de uma equipe consistente ou campeã para o longo período
de tempo entre a geração da idéia e levar essas idéias para o mer-
cado;
• medidas de sucesso (e responsabilidade) que são mal definidas;
• a grande escala de algumas organizações de serviços, o que torna
difícil para elas calcular a agilidade do mercado;
10
McKinsey é uma empresa de consultoria que aconselha empresas líderes em questões de
estratégia, organização, tecnologia e operações.