1. LITERATURA FANTÁSTICA
Antes de desenvolver com mais profundidade o conceito de
Fantástico neste capítulo, achamos oportuno começar a explicar essa
palavra pelo dicionário. O vocábulo Fantástico está registrado no
dicionário da seguinte forma:
A palavra “Fantástica” segundo o dicionário Aurélio significa, 1. Só
existe na fantasia ou imaginação; imaginário, ilusório, irreal. 2.
Fantasmagórico (relativo a, ou próprio de fantasmas) 3. Caprichoso,
extravagante. 4. Incrível, extraordinário, procedimento que só existe na
imaginação. É um termo originário do latim phantasticus (-a, -um), que,
por sua vez, provém do grego (phantastikós) – são palavras que têm
origem na fantasia.
Daí surge à literatura fantástica, uma literatura que origina-se da
imaginação, o que não existe no mundo real. É o tipo de literatura que
não tem a menor preocupação em relatar fatos que existam na realidade,
fatos que consideramos como próprio deste mundo que estamos
inseridos.
A narrativa contemporânea não possui uma singularidade, a qual é
constituída por uma diversidade e pluralidade, mas, conforme os autores
consultados, podemos encontrar alguns traços que predominem, por
exemplo, a irracionalidade. A irracionalidade é uma tendência dominante
da literatura contemporânea, e aqui, na narrativa fantástica é o que
vamos encontrar em abundância, pois sua característica é justamente a
criação de relatos irreais, imaginários, como vimos na definição do
vocábulo “Fantástico”.
Para Salvatore:
A corrente do chamado“Realismo Fantástico”, pelo
contrário das correntes realistas, contesta esta falsa crença,
2. pondo em relevo o que há de absurdo e desumano na realidade
individual e social. O Fantástico passa a ser utilizado como
recurso expressivo para evidenciar a inexistência de fronteiras
entre o real e o imaginário, o natural e o abnorme.
(SALVATORE, 1990, p. 435).
A literatura, de maneira geral, é uma criação do imaginário, porém
a estética realista camufla essa característica, que é própria da literatura,
fazendo com que esta ficcione a realidade, no entanto, no gênero
fantástico essa ‘realidade’ é irrelevante, aqui a literatura é tratada como
algo da imaginação, irreal, isto é, a literatura não tem o intuito de imitar a
realidade, mas mostrar o seu verdadeiro papel, ser fruto da imaginação.
Nesse gênero somos levados a acontecimentos estranhos, mas o leitor
está ciente que não deve levá-los em consideração. O fantástico dessa
forma coloca que a função da literatura não é reproduzir o real, mas
transpor esse real, misturando-o com o irreal.
A literatura Fantástica opõe-se a essa falsa crença da realidade, e
põe em destaque o que há de mais bizarro, quer na realidade social, quer
na individual, mostrando que não existem fronteiras entre o real e o
imaginário.
De fato, a narrativa Fantástica é toda criação literária que não dá
importância a realidade vivida no mundo, não existe fronteira entre real e
irreal, ambas misturam-se. Isso quer dizer que, esse tipo de prosa
literária não se preocupa em retratar a realidade, tal como a vivenciamos.
Há ainda outra teórica, cujos estudos são relevantes para nossa
pesquisa, Coelho (1984, p. 31) fala que “conforme a época, o realismo ou
imaginário acabam por predominar no ato criador ou no gosto do
público”.
E, principalmente nas últimas décadas do século XX, têm
desenvolvido com muita freqüência esse tipo de narrativa. E quando o
escritor opta pela narrativa de registro fantasista, ele “ora descobrir ‘o
3. outro lado’da realidade, __ o não imediatamente visível ou conhecido,
transfigurando-a pelo processo metafórico (representação figurada)”
(COELHO, 1984, p.31). Nesse sentido, a prosa fantástica não se identifica
com a realidade em que vivemos, mas sim com uma realidade imaginada,
fantasia, imaginário, desconhecido.
Porém, não há uma criação de um novo mundo, o que acontece
nesse tipo de narrativa é uma mistura entre o real e o imaginário, não há
limites entre ambos.
Mas nenhuma das formas quer a literatura real, quer na irreal,
nenhuma dessas formas é melhor ou pior, em matéria de literatura. O que
existe é a relação de conhecimento entre os homens e o mundo em que
se encontram.
A autora chama atenção para a forma como as narrativas eram
escritas em seus primórdios:
[...] a literatura foi essencialmente fantástica: Na
infância da humanidade, quando os fenômenos da vida natural e
as causas e princípios das coisas eram inexplicáveis pela lógica,
o pensamento mágico ou mítico dominava. Ele está presente na
imaginação que criou a primeira literatura: a dos mitos, lendas,
sagas, cantos, rituais, contos maravilhosos, novelas de
cavalaria, etc. (COELHO, 1984, p. 32).
Podemos dar como exemplo, o conto de fadas, aqui encontramos
em grande quantidade o sobrenatural; A Odisséia, Dom Quixote, ambos
são encontrados elementos maravilhosos, é claro, que em diferentes
graus, e são as maiores narrativas do passado.
À proporção que o homem avança nos conhecimentos científicos,
tecnológicos, começa a explicar os acontecimentos pela razão,
conseqüentemente a literatura que representa a vida, também traz em
suas obras como característica dominante à “razão”.
4. No entanto, como nenhuma conquista da ciência é definitiva, a todo
o tempo surgem novas descobertas, o que é verdade hoje, amanhã pode
não ser, é verdade até que prove o contrário, assim as épocas de
convicção na ciência se mesclam com descrenças. Com isso, vemos
surgir novamente à descoberta da fantasia, imaginação.
O iniciador do realismo fantástico na América Latina foi o argentino
Jorge Luis Borges (1899-1986), de família conservadora e tradicional.
Em seus livros apareciam acontecimentos irreais. “Em seus livros de
contos e outros, acontecimentos pseudo-históricos encontram-se
mesclados com o irreal [...] Seus temas preferidos são a magia, a
eternidade, o inferno, a ciência cabalística”.(1990:435).
Outro escritor bem conhecido em nossa literatura é o colombiano
Gabriel García Márquez, 1928, com sua obra Cem anos de solidão. Nesse
romance há uma mistura de história e lenda, a realidade do dia-a-dia
entrelaçando com sonhos. Esse autor vive atualmente no México.
Salvatore, ainda cita outros escritores da literatura fantástica
Hispano-americanas, como: Julio Cortazar (1914-1884); Miguel Angel
Asturias (1899-1974); Alejo Carpentier (1904-1980) e Carlos Fuentes,
1929, esse escritor vive atualmente no Reino Unido. Certamente, o
principal romancista dessa vertente é Franz Kafka.
A narrativa fantástica foi tida durante muito tempo como gênero
menor, entretanto na segunda metade do século, ganhou destaque a
vertente fantástica latino - americana.
Massaud Moisés (2001) comenta sobre a repercussão da literatura
Hispano - americanas das últimas décadas do século XX, conforme esse
autor essa literatura Hispano – americana pode ser nomeada de
fantástico, ou mágico.
Na Europa também produziu obras fantásticas, mas é diferente da
Hispano – América e do Brasil. Na literatura fantástica européia, o autor
preocupa-se em preservar a realidade, são abordados temas fantásticos,
5. sobrenaturais, mas no final da obra, o escritor soluciona todos os
problemas apresentados, com uma explicação racional. Entretanto, a
produzida na América Latina não respeita o racional, e não tem a
preocupação com a verossimilhança, pelo contrário transgride-a.
Vale ressaltar, que o século XX foi de grandes descobertas,
mudanças de paradigmas, e a literatura como acompanha a evolução do
homem tornou-se produto desse meio, sofreu influências marcantes
jamais vistas em outras épocas. Em face desse acelerado
desenvolvimento científico, tecnológico, cultura, social, etc., é natural
que a racionalidade fosse novamente superada por suas conquistas, pois
todos esses progressos do mundo moderno trouxeram alguns problemas
ao homem, que de repente viu-se frente a frente com tantas dificuldades,
que é gerado dessas transformações, então a racionalidade, já não
consegue solucionar algumas dificuldades, e dessa forma há uma busca
da fantasia para solucionar os conflitos do ser humano que o racional não
consegue resolver, por exemplo, conflitos de ordem existencial, angústia
da alma, da mente, etc., isso é devido a esse mundo contemporâneo.
Logo, a literatura Fantástica tornou-se um importante tópico da literatura
contemporânea.
Na leitura da narrativa fantástica percebemos que, no início os
fatos narrados, aparentemente fazem parte do mundo real, todavia, no
decorrer da leitura nos deparamos com fatos irreais, misteriosos,
inexplicáveis, e esses acontecimentos estranhos em si mesmos são
próprios desse gênero, sem eles o fantástico não aconteceria, sua
existência é necessária. Mas o interessante é que os tais fatos estranhos
não causam nenhuma surpresa a personagem, pelo contrário, é como se
isso fizesse parte de sua história, pertencesse a sua realidade, ou seja, o
ocorrido é totalmente natural a vida da personagem. Assim o verossímil
funda-se com o inverossímil.
6. No início da leitura desse gênero não acontece nada de anormal,
estamos num mundo como o nosso, sem seres estranhos, como,
fantasmas, alma - do - outro - mundo, ser invisível, ou qualquer tipo de
ato que a razão não possa explicar, todavia, de repente surgem fatos
inexplicáveis, que não podem ser explicados pelas leis deste mundo
familiar.
Isso quer dizer que, na literatura fantástica somos levados a um
mundo exatamente como o nosso, que estamos acostumados sem seres
estranhos, ou qualquer tipo de acontecimento que a razão não possa
explicar, porém, de repente surgem fatos inexplicáveis, que não podem
ser explicados pelo bom senso.
E, quando isso acontece, quem o percebeu (personagem) deve
escolher se esse acontecimento realmente aconteceu ou se é fruto de
sua imaginação.
Todorov (2007) afirma a esse respeito:
Aquele que o percebe deve optar por uma das duas
soluções possíveis; ou se trata de uma ilusão dos sentidos, de
um produto da imaginação e nesse caso a leis do mundo
continuam a ser o que são; ou então o acontecimento realmente
ocorreu, é parte integrante, mas nesse caso esta realidade é
regida por leis desconhecidas para nós. (TODOROV, p. 30).
Neste sentido, a personagem deve fazer uma escolha, se o que viu
é fruto de sua imaginação, ou realmente aconteceu, e nesse caso não
existe uma explicação racional. Essa conclusão ser ou não real é
solucionada no final da obra, a qual deve ter uma explicação racional, ou
não, porém existem obras que o mistério continua após o final do enredo.
Vale referir aqui a diferença entre a personagem da corrente
realista e da literatura fantástica. A personagem fantástica encontra-se
em extremidades diferentes da realista, e possui vantagens uma vez que
7. pôde modificar os fatos para construir um mundo segundo seu desejo.
Isso não ocorre na literatura de corrente realista, que tudo deve ser
explicado pelas leis do racional.
Então, o Fantástico ocorre exatamente nessa dúvida de escolher
entre o sucedido realmente ter acontecido, ou ser fruto da fantasia. Essa
incerteza é essencial na obra fantástica, pois, é exatamente nesse
momento que acontece o fantástico, isto é, o fantástico é essa dúvida
experimentada por um ser que só conhece as leis da razão, esse mundo
que estamos situados, sem nenhum fato estranho, frente a
acontecimentos nunca vivenciados até então, aparentemente
sobrenaturais, e esse ser deve decidir se o ocorrido existe ou não, o
fantástico surge dessa hesitação, entre ser real ou imaginário. E, a partir
disso a personagem deve optar por um ou outro, deixando o fantástico
para atingir um outro gênero vizinho; o estranho ou o maravilhoso.
Vejamos algumas definições da narrativa fantástica encontrada na
França em escritos recentes, citados por Todorov (2007:32):
Para Cartex, “O Fantástico [...] se caracteriza [...] por uma
introdução brutal do mistério no quadro da vida real” (Lê conte
fantastique en france: p.8).
Louis Vax, em (L’ Art et la Littérature fantastiques: p.5) “A
narrativa fantástica... gosta de nos apresentar, habitando o mundo real
em que nos achamos, homens como nós, colocados subitamente em
presença do inexplicável”.
Roger Caillois, em Au Coeur du fantastique (p.161): “Todo o
fantástico é ruptura da ordem estabelecida, irrupção do inadmissível no
seio da inalterável legalidade cotidiana”.
Notamos que todas essas definições possuem algo em comum
como: mistério, inexplicável, mundo real, vida real. Todos esse
escritores chegaram à mesma resposta quanto à definição da literatura
fantástica; as definições chegam a ser paráfrase uma da outra. O
8. Fantástico caracteriza dessa forma, como uma ruptura da realidade coesa
e contínua, é gerada pela desconstrução da realidade que conhecemos
como verdadeira.
Esse tipo de literatura tem algumas características próprias que
não a encontramos em outros gêneros. Mas isso não que dizer que o
tema tratado no gênero fantástico seja diferente dos assuntos tratados na
literatura em geral, o que acontece que no fantástico existe o discurso
figurado elevado ao extremo, chega-se dessa maneira ao exagero.
Em primeiro lugar, ela causa alguma sensação no leitor, seja medo,
horror, seja simplesmente a curiosidade, e isso não acontece nos demais
gêneros. Essa sensação sofrida pelo leitor é próprio do fantástico que
apresenta tais temas, a alma penada que exige para seu repouso que uma
certa ação seja realizada, a morte personificada aparecendo no meio dos
vivos, os vampiros, isto é, os mortos que conservam sua juventude
sugando o sangue dos vivos, a maldição de um feiticeiro que provoca
uma doença espantosa e sobrenatural, a mulher-fantasma vinda do além,
enfim, possuem uma infinidade de exemplos.
Em segundo lugar, a literatura fantástica causa o suspense; devido
ao seu tema repleto de assuntos intrigantes, ela possue uma organização
particular e tem esse poder de executar o suspense em extremidade.
Finalmente, descreve um universo fantástico, o herói consegue
realizar todas as suas vontades, ao contrário do herói da corrente
realista, que todos seus atos devem estar de acordo com a racionalidade,
coeso com a nossa realidade, devem ser explicados por meio da razão.
Mas essas realizações do herói mesmo que fuja do bom senso, esse
mundo está dentro da linguagem, à descrição e o descrito não são de
natureza diferente, ou seja, não é questionada a natureza do real, já que o
fantástico é nos apresentado como única realidade dentro da narrativa.
Dessa forma, o fantástico se define como uma percepção particular de
acontecimentos estranhos.
9. Em suma, a narrativa fantástica é preenchida de acontecimentos
inexplicáveis, fora do nosso cotidiano, que a razão não consegue
explicar, e quem percebeu esses fatos estranhos tem que escolher, se
eles realmente aconteceram ou se é algo de sua imaginação, a escolha
entre um e outro, transporta a narrativa para um gênero vizinho, o
estranho ou o maravilho.
Passemos, agora para o aspecto do leitor, assim diz Todorov:
O Fantástico implica, pois, uma integração do leitor no
mundo das personagens; define-se pela percepção ambígua que
tem o próprio leitor dos acontecimentos narrados. É necessário
desde já esclarecer que, assim falando, temos em vista não este
ou aquele leitor particular, real, mas uma ‘função’ de leitor,
implícita no texto (do mesmo modo que acha-se implícita a
noção do narrador). A percepção desse leitor implícito está
inscrita no texto com a mesma precisão com que o estão os
movimentos das personagens. (TODOROV, 2007, p.37).
Além da hesitação do leitor há ainda outro fator muito importante
da condição de leitor, quando ele saí do mundo das personagens e volta
para a prática de leitor, pois, a preocupação diz respeito à interpretação
da obra.
Existem narrativas fantásticas que contêm elementos
sobrenaturais, inexplicáveis por nossa razão, e o leitor jamais se
questiona sobre sua origem, entendendo perfeitamente que não pode
levar tudo aquilo em consideração, ou seja, entendendo que não deve
tomá-los ao pé da letra.
Todorov (2007, p. 38), porém, vai além das definições que
colocamos da literatura fantástica, quando ele aborda outro aspecto da
literatura fantástica, como:
“O fantástico implica, portanto, não apenas a existência de um
acontecimento estranho, que provoca hesitação no leitor e no herói; mas
10. também numa maneira de ler, que se pode por ora definir negativamente:
não deve ser nem ‘poética’, nem ‘alegórica’ ”.
Dentre essas informações, podemos dizer que existem três
características fundamentais na obra fantástica:
Primeiro é necessário, que o leitor considere o mundo das
personagens, como um mundo de criaturas vivas, e hesitar entre se os
fatos ocorridos são reais ou fruto da imaginação, sobre-naturais;
Segundo, a hesitação que o leitor enfrenta pode ser experimentada
igualmente por um personagem da obra; assim o papel do leitor é,
entregue a uma personagem e ao mesmo tempo, essa dúvida é mostrada
na narrativa, torna-se um dos temas da obra;
Terceiro, é importante que o leitor desse tipo de narrativa assuma
autonomia, atitude com o texto, recusando tanto a interpretação alegórica
quanto à interpretação poética.
Segundo Todorov, essas três exigências não têm valor igual. “A
primeira e a terceira constituem verdadeiramente o gênero; a segunda
pode não ser satisfeita”. Mas, a maioria preenche as três definições.
Vale referir que existem alguns críticos, por exemplo, Lovecraft,
que aborda a questão do medo, como característica da prosa fantástica.
Para ele, “[...] o critério do fantástico não se situa na obra, mas na
experiência particular do leitor; e está experiência deve ser o medo”.
Porém, aqui, não está se referindo ao leitor implícito, mas sim, ao leitor
real.
É certo, que alguns escritores fantásticos utiliza-se desse
sentimento de medo ou perplexidade, mas daí dizer que esta seja uma
condição importante. Todorov critica essa definição, porque, para ele não
tem sentido dizer que seja uma característica necessária do fantástico, ou
seja, para uma obra ser considerada do gênero fantástico depender do
sangue frio do leitor. O medo acontece nesse tipo de narrativa, mas não
como condição necessária.
11. Portanto, o fantástico, como foi dito dura somente o momento da
hesitação, tanto do leitor, quanto da personagem, que devem decidir que
o que percebem é fato verídico, explicado pelas leis da natureza, ou algo
inexplicável, onde a racionalidade não consegue explicar. No fim da
história, o leitor, quando não a personagem toma, contudo, uma decisão,
opta por um, ou outra solução, saindo desse modo do fantástico.
Isso quer dizer que, se os acontecimentos podem ser explicados
pelas leis da natureza dizemos que a obra liga-se a um outro gênero:
estranho. Por outro lado, caso decida que os fatos estranhos fazem parte
de novas leis da natureza, estamos no gênero do maravilhoso.
O fantástico leva, pois uma vida cheia de perigos, e pode se
desvanecer a qualquer instante. Nesse caso, o fantástico encontra-se no
limite entre dois gêneros, o maravilhoso e o estranho.
Todorov (2007), que nos esclarece quanto a esse aspecto:
Não existe aí o fantástico propriamente dito: somente
gêneros que lhe são vizinhos. Mas exatamente, o efeito
fantástico de fato se produz, mas somente durante uma parte da
leitura [...] nada nos impede de considerar o fantástico
precisamente como um gênero sempre evanescente.
(TODOROV, p. 48).
Porém, existem narrativas que a ambigüidade não se encontra
apenas em uma parte da obra, mas em toda a obra, e às vezes esta chega
ao final, fecha-se o livro e a dúvida continua.
Observamos agora esses dois vizinhos, o fantástico-estranho e o
fantástico-maravilhoso.
Iniciaremos pelo fantástico-estranho. A narrativa enquadrada aqui
narra acontecimentos que ao nosso ver são sobrenaturais, a história não
pode, aparentemente, ser explicada pela racionalidade, e ao longo da
12. história personagem e leitor acreditam no sobrenatural, todavia ao final
da prosa recebem esclarecimentos descritos pelas leis da natureza.
Estranho puro - Nas obras que pertencem a esse gênero, são
narrados fatos que podem ser explicados pela razão, mas esses fatos são
extraordinários, surpreendentes. Assim, provocam no leitor ou na
personagem algum tipo de reação, essa reação é semelhante àquela
causada na literatura fantástica. Como: os romances de Dostoievski, a
pura literatura de horror pertence a esse gênero, e muitas novelas de
Ambrose Bierce.
Sobressai, aqui apenas uma da característica do fantástico: a de
exposição de certas reações, a reação ao medo; está ligada apenas a
reação de sentimento das personagens. E como sabemos o medo está
freqüentemente ligado ao fantástico.
Fantástico – maravilho – Este tipo de narrativa narra ao longo da
obra acontecimentos sobrenaturais, fatos que excede as forças da
natureza, e ao final da história sugere-nos realmente a existência do
sobrenatural. “[...] o maravilhoso se caracterizará pela existência
exclusiva de fatos sobrenaturais, sem implicar a reação que provoquem
nas personagens”.
Maravilhoso – puro
Neste tipo de narrativa, os fatos sobrenaturais relatados não
causam nenhum tipo de reação nem nas personagens, nem no leitor
implícito. “Não é uma atividade para com os acontecimentos narrados que
caracteriza o maravilhoso, mas a própria natureza desses
acontecimentos”. (TODOROV, 2007, pp. 58-59).
O Maravilhoso Puro geralmente é associado aos contos de fadas, é
certo, que os contos de fadas é uma variante do maravilhoso, por relatar
acontecimentos sobrenaturais que não provocam nenhuma surpresa.
Podemos citar alguns exemplos desses acontecimentos sobrenaturais
como: o sono de cem anos, o lobo que fala, os dons mágicos das fadas,
13. entre outros, são situações que ocorrem fora do nosso tempo ou espaço,
e não pode ser explicado de forma alguma, isto é, faz parte naturalmente
daquele espaço e tempo narrado.
E, esse gênero se subdivide ainda em: maravilhoso hiperbólico,
maravilhoso exótico, maravilhoso instrumental e maravilhoso científico.
Vejamos, o conceito de cada um deles:
1) Maravilhoso hiperbólico: os fatos descritos não são
sobrenaturais “a não ser por suas dimensões, superiores às que nos são
familiares”. Mas o extraordinário não excede extremamente a
racionalidade. (TODOROV, 2007, p. 60).
2) Maravilhoso exótico: nesse tipo de prosa são narrados
acontecimentos sobrenaturais, entretanto, não são apresentados como
fatos inexplicáveis, fica então subtendido que o receptor implícito não
conheça a região do ocorrido, dessa forma não tem como duvidar dos
fatos relatados nessa região.
3) Maravilhoso instrumental: aparecem aqui pequenos artigos
engenhosos que para a época descrita não é possível, contudo, pode ser
que seja possível.
4) Maravilhoso científico: nesta narrativa o sobrenatural é
explicado, por meio, da racionalidade, mas por leis que a ciência
contemporânea ainda desconhece. São narrativas que apresentam casos
irracionais, mas encadeados de uma forma perfeitamente lógica. Como se
pode perceber, essas variantes do maravilhoso distingue-se do
maravilhoso puro, pois como foi dito, o maravilho puro não é explicado
em hipótese nenhuma, ao contrário de suas variantes, como mencionamos
acima estas são justificadas, “desculpadas”. Dessa maneira essas
variantes opõe ao maravilhoso puro, embora, seja sua variante.
Mas qual a diferença entre o gênero Fantástico e o Maravilhoso?
Chiampi nos diz que, “Maravilhoso é o ‘extraordinário’, o ‘insólito’,
o que escapa ao curso ordinário das coisas e do humano. Maravilhoso é o
14. que contém maravilhas, do latim mirabilia, ou seja, ‘coisas admiráveis’,
(belas ou execráveis, boas ou horríveis)”. (O Realismo Maravilhoso,
1980, p. 48).
O Maravilhoso se distingue totalmente do que vem a ser
humano, sendo assim tudo aquilo que vem dos seres sobrenaturais,
fazendo parte daquilo que origina de outra esfera e não tem explicação
racional. Na literatura o Maravilhoso é a intervenção de seres
sobrenaturais, divinos ou legendários (deuses, deusas, anjos, demônios,
gênios, fadas).
Essas características também são encontradas na literatura
Fantástica, ambas compartilham muitos traços, como a problematização
da racionalidade, aparições, demônios, metamorfose, etc. Mas o
Fantástico possui a capacidade de produzir medo e variantes, dúvida. O
Fantástico contenta-se em fabricar hipóteses, falsear o seu possível e
impossível é improvável, e o gênero Maravilhoso ao contrário, não possui
essas inquietações, na verdade, os personagens do realismo maravilhoso
não se desconcertam jamais diante do sobrenatural, não se assombram,
nem vacila, isso porque aceita o irreal como parte da realidade, torna
verossímeis os acontecimentos sobrenaturais.
O assunto tratado no Fantástico não é diferente dos assuntos
tratados na literatura de forma geral, o que difere um de outro, é a
questão da intensidade que é trabalhado um assunto na literatura
Fantástica, ou seja, na literatura fantástica existe o exagero, leva-se o
sentido figurado ao pé da letra, o que significa que o excesso, o
superlativo, serão a norma do fantástico. Dessa forma, o sobrenatural
surge do exagero. Vale referir ainda, que o fantástico está ligado a
ficção, isto é, sua existência está estritamente ligada à ficção.