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ATIVIDADES E ATOS ADMINISTRATIVOS
FGV DIREITO RIO 48
128
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Di-
reito Administrativo. 14a
ed. São Paulo:
Atlas, 2002, p. 366
AULA 8: ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA E INDIRETA: O REGIME
JURÍDICO DAS AUTARQUIAS E DAS FUNDAÇÕES PÚBLICAS
OBJETIVO
Discutir as possibilidades de descentralização das atividades administra-
tivas em entidades personificadas, com ênfase nas autarquias, instituto cuja
importância foi novamente posta em destaque a partir dos anos 90, com a
instituição das agências reguladoras.
INTRODUÇÃO
A Administração Pública centralizada ou direta é aquela exercida dire-
tamente pela União, Estados e Municípios que, para tal fim, utiliza-se de
ministérios, secretarias, departamentos e outros órgãos, apresentando, assim,
uma estrutura eminentemente piramidal.
Por outro lado, a Administração Pública descentralizada ou indireta é exer-
cida por outras pessoas jurídicas que não se confundem com os entes federa-
dos, criadas pelos mesmos, a saber: autarquias, fundações públicas, empresas
públicas, sociedades de economia mista, associações públicas. Para o objeto
da nossa aula, vamos examinar os seguintes entes da administração indireta:
as autarquias e as fundações públicas.
Autarquia
O termo autarquia surgiu na Itália em 1897 quando Santi Romano dis-
corria sobre o tema “decentramento amministrativo”, referindo-se às comunas,
províncias e outros entes públicos existentes nos Estados unitários.128
No direito positivo brasileiro, as autarquias surgiram no Decreto-lei no
6.016, de 22 de novembro de 1943, como sendo o serviço estatal descen-
tralizado com personalidade de direito público, explícita ou implicitamente
reconhecida por lei.
Em 1949, a Lei no
830, de 23 de setembro, que reorganizou o Tribunal de
Contas da União, regulamentando o artigo 97 da Constituição Federal então
vigente, definiu em seu artigo 139 as entidades autárquicas como sendo: (i)
o serviço estatal, descentralizado, com personalidade jurídica, custeado me-
diante orçamento próprio, independente do orçamento geral; e (ii) as demais
pessoas jurídicas especialmente instituídas por lei para execução de serviço de
interesse público ou social, custeadas por tributos de qualquer natureza ou
por outros recursos oriundos do Tesouro.
ATIVIDADES E ATOS ADMINISTRATIVOS
FGV DIREITO RIO 49
Por sua vez, o Decreto-lei no
200, de 25-02-1967, que dispõe sobre a or-
ganização da Administração Federal e estabeleceu diretrizes para a Reforma
Administrativa à época, definiu autarquia como sendo:
o serviço autônomo criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio
e receita próprios, para executar atividades típicas da administração pública que
requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira
descentralizada.
A definição trazida pelo decreto-lei no
200/67 deixa extreme de dúvidas
que as autarquias exercem funções administrativas – “atividades típicas da
administração pública”, sendo, por conseguinte, pessoas jurídicas de direito
público. As autarquias possuem determinado grau de autonomia face à Ad-
ministração Pública Direta, uma vez que lhe são inerentes as características de
personalidade jurídica própria, bem como patrimônio e receitas próprios.
As autarquias, sendo pessoas jurídicas de direito público interno, são insti-
tuídas por lei em sentido estrito, nos termos do art. 37, XIX, da Constituição
Federal de 1988:
Somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a institui-
ção de empresa pública, sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à
lei complementar, neste último caso, definir as áreas de atuação.
Sendo parte da Administração pública, o anteprojeto de lei que as institua
será de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, a teor do art. art.
61, §1o
, II, ‘e’, CF/88:
Art. 61. (...)
Ҥ1o
. São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que: (...)
II – disponham sobre: (...)
e) Criação e extinção de Ministérios e órgãos da Administração públi-
ca, observado o disposto no art. 84, VI;”
Com a reforma do Estado empreendida ao longo da década de 90, o ins-
tituto da autarquia foi revisitado, com a criação das agências reguladoras, as
quais possuem natureza jurídica de autarquias em regime especial. As caracte-
rísticas que tornam as agências reguladoras autarquias “especiais” serão objeto
de estudo no próximo semestre.
ATIVIDADES E ATOS ADMINISTRATIVOS
FGV DIREITO RIO 50
129
Incluído pela Lei nº 7.596, de 1987.
130
ZANELLA DI PIETRO, Maria Sylvia. Di-
reito administrativo. 21ª ed. São Paulo:
Atlas, 2008, pp. 412 e 413.
Fundação pública
Nos termos do decreto-lei 200/67129
, fundação pública é “a entidade do-
tada de personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, criada
em virtude de autorização legislativa, para o desenvolvimento de atividades
que não exijam execução por órgãos ou entidades de direito público, com
autonomia administrativa, patrimônio próprio gerido pelos respectivos ór-
gãos de direção, e funcionamento custeado por recursos da União e de outras
fontes”.
Entretanto, algumas fundações públicas desempenham atividades que as
aproximam de verdadeiras autarquias, o que as leva a ter um regime jurídico
de direito público.
Por essa razão, a doutrina esclarece que, em realidade, as fundações criadas
pelo poder público podem ser de direito público ou de direito privado. Nas
palavras de Maria Sylvia Zanella di Pietro:
De todas as entidades da Administração Indireta, a fundação é, sem dúvida
alguma, a que tem provocado maiores divergências doutrinárias no que diz res-
peito à sua natureza jurídica e às consequências que daí decorrem.
Formaram-se, basicamente, duas correntes: de um lado, a que defende a
natureza privatística de todas as fundações instituídas pelo poder público, e,
de outro, a que entende possível a existência de fundações com personalidade
pública ou privada, a primeira das quais como modalidade de autarquia. Após a
Constituição de 1988, há quem entenda que todas as fundações governamentais
são pessoas jurídicas de direito público.
Colocamo-nos entre os que defendem a possibilidade de o poder público,
ao instituir fundação, atribuir-lhe personalidade de direito público ou de direi-
to privado. Isto porque nos parece incontestável a viabilidade de aplicar-se, no
direito público, a distinção que o Código Civil de 1916 continha entre as duas
modalidades de pessoas jurídicas privadas: associação e sociedade, de um lado, e
fundação, de outro; a distinção se mantém no novo Código Civil.
(...)
Quando o Estado institui pessoa jurídica sob a forma de fundação, ele pode
atribuir a ela regime jurídico administrativo, com todas as prerrogativas e sujei-
ções que lhe são próprias, ou subordiná-la ao Código Civil, neste último caso,
com derrogações por normas de direito público. Em um e outro caso se enqua-
dram na noção categorial do instituto da fundação (...)130
De acordo com Alexandre Aragão, “o novo Código Civil não resolveu a
confusão existente em relação à natureza jurídica das fundações públicas, aca-
bando, outrossim, por aumentá-la ainda mais, diante da omissão em incluir
as fundações públicas no rol das pessoas jurídicas de Direito Público (art.
ATIVIDADES E ATOS ADMINISTRATIVOS
FGV DIREITO RIO 51
131
ARAGÃO, Alexandre Santos de. As
fundações públicas e o novo Código
Civil. Revista dos Tribunais. São Paulo:
RT, v. 815, p. 751.
132
Nesse sentido, Diogo de Figueiredo
Moreira Neto: “A denominação funda-
ções autárquicas vale para acentuar a
distinção dessa esdruxularia em face
das tradicionais e autênticas fundações
públicas com personalidade de direito
privado, que (...) são espécies de para-
estatais”.Cursodedireitoadministrativo.
14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006,
p. 256.
41) e da inclusão das fundações em geral no elenco das pessoas jurídicas de
Direito Privado (art. 44)”.131
As fundações de direito público ficaram conhecidas como “fundações au-
tárquicas”, terminologia, entretanto, objeto de crítica da doutrina, pelas con-
fusões que propicia aos estudiosos.132
LEITURA OBRIGATÓRIA
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo.
Rio de Janeiro: Lumen Iuris, itens:
• Administração direta e indireta: notas introdutórias
• Administração direta
• Administração indireta
• Autarquias
• Fundações públicas
CASO GERADOR
Neste módulo os casos geradores serão propostos ao final, tendo em vista
a necessidade de que o aluno conheça todas as entidades que compõem a
Administração antes de discuti-los.
LEITURA COMPLEMENTAR
ARAGÃO, Alexandre Santos de. As fundações públicas e o novo Código
Civil. Revista dos Tribunais. São Paulo: RT, v. 815.
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo.
Rio de Janeiro: Forense, 2005, pp. 243 a 261;
ZANELLA DI PIETRO, Maria Sylvia. Direito Administrativo. São Paulo:
Atlas, item 10.4 (“Fundação”).

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  • 1. ATIVIDADES E ATOS ADMINISTRATIVOS FGV DIREITO RIO 48 128 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Di- reito Administrativo. 14a ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 366 AULA 8: ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA E INDIRETA: O REGIME JURÍDICO DAS AUTARQUIAS E DAS FUNDAÇÕES PÚBLICAS OBJETIVO Discutir as possibilidades de descentralização das atividades administra- tivas em entidades personificadas, com ênfase nas autarquias, instituto cuja importância foi novamente posta em destaque a partir dos anos 90, com a instituição das agências reguladoras. INTRODUÇÃO A Administração Pública centralizada ou direta é aquela exercida dire- tamente pela União, Estados e Municípios que, para tal fim, utiliza-se de ministérios, secretarias, departamentos e outros órgãos, apresentando, assim, uma estrutura eminentemente piramidal. Por outro lado, a Administração Pública descentralizada ou indireta é exer- cida por outras pessoas jurídicas que não se confundem com os entes federa- dos, criadas pelos mesmos, a saber: autarquias, fundações públicas, empresas públicas, sociedades de economia mista, associações públicas. Para o objeto da nossa aula, vamos examinar os seguintes entes da administração indireta: as autarquias e as fundações públicas. Autarquia O termo autarquia surgiu na Itália em 1897 quando Santi Romano dis- corria sobre o tema “decentramento amministrativo”, referindo-se às comunas, províncias e outros entes públicos existentes nos Estados unitários.128 No direito positivo brasileiro, as autarquias surgiram no Decreto-lei no 6.016, de 22 de novembro de 1943, como sendo o serviço estatal descen- tralizado com personalidade de direito público, explícita ou implicitamente reconhecida por lei. Em 1949, a Lei no 830, de 23 de setembro, que reorganizou o Tribunal de Contas da União, regulamentando o artigo 97 da Constituição Federal então vigente, definiu em seu artigo 139 as entidades autárquicas como sendo: (i) o serviço estatal, descentralizado, com personalidade jurídica, custeado me- diante orçamento próprio, independente do orçamento geral; e (ii) as demais pessoas jurídicas especialmente instituídas por lei para execução de serviço de interesse público ou social, custeadas por tributos de qualquer natureza ou por outros recursos oriundos do Tesouro.
  • 2. ATIVIDADES E ATOS ADMINISTRATIVOS FGV DIREITO RIO 49 Por sua vez, o Decreto-lei no 200, de 25-02-1967, que dispõe sobre a or- ganização da Administração Federal e estabeleceu diretrizes para a Reforma Administrativa à época, definiu autarquia como sendo: o serviço autônomo criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da administração pública que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada. A definição trazida pelo decreto-lei no 200/67 deixa extreme de dúvidas que as autarquias exercem funções administrativas – “atividades típicas da administração pública”, sendo, por conseguinte, pessoas jurídicas de direito público. As autarquias possuem determinado grau de autonomia face à Ad- ministração Pública Direta, uma vez que lhe são inerentes as características de personalidade jurídica própria, bem como patrimônio e receitas próprios. As autarquias, sendo pessoas jurídicas de direito público interno, são insti- tuídas por lei em sentido estrito, nos termos do art. 37, XIX, da Constituição Federal de 1988: Somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a institui- ção de empresa pública, sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de atuação. Sendo parte da Administração pública, o anteprojeto de lei que as institua será de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, a teor do art. art. 61, §1o , II, ‘e’, CF/88: Art. 61. (...) “§1o . São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que: (...) II – disponham sobre: (...) e) Criação e extinção de Ministérios e órgãos da Administração públi- ca, observado o disposto no art. 84, VI;” Com a reforma do Estado empreendida ao longo da década de 90, o ins- tituto da autarquia foi revisitado, com a criação das agências reguladoras, as quais possuem natureza jurídica de autarquias em regime especial. As caracte- rísticas que tornam as agências reguladoras autarquias “especiais” serão objeto de estudo no próximo semestre.
  • 3. ATIVIDADES E ATOS ADMINISTRATIVOS FGV DIREITO RIO 50 129 Incluído pela Lei nº 7.596, de 1987. 130 ZANELLA DI PIETRO, Maria Sylvia. Di- reito administrativo. 21ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, pp. 412 e 413. Fundação pública Nos termos do decreto-lei 200/67129 , fundação pública é “a entidade do- tada de personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, criada em virtude de autorização legislativa, para o desenvolvimento de atividades que não exijam execução por órgãos ou entidades de direito público, com autonomia administrativa, patrimônio próprio gerido pelos respectivos ór- gãos de direção, e funcionamento custeado por recursos da União e de outras fontes”. Entretanto, algumas fundações públicas desempenham atividades que as aproximam de verdadeiras autarquias, o que as leva a ter um regime jurídico de direito público. Por essa razão, a doutrina esclarece que, em realidade, as fundações criadas pelo poder público podem ser de direito público ou de direito privado. Nas palavras de Maria Sylvia Zanella di Pietro: De todas as entidades da Administração Indireta, a fundação é, sem dúvida alguma, a que tem provocado maiores divergências doutrinárias no que diz res- peito à sua natureza jurídica e às consequências que daí decorrem. Formaram-se, basicamente, duas correntes: de um lado, a que defende a natureza privatística de todas as fundações instituídas pelo poder público, e, de outro, a que entende possível a existência de fundações com personalidade pública ou privada, a primeira das quais como modalidade de autarquia. Após a Constituição de 1988, há quem entenda que todas as fundações governamentais são pessoas jurídicas de direito público. Colocamo-nos entre os que defendem a possibilidade de o poder público, ao instituir fundação, atribuir-lhe personalidade de direito público ou de direi- to privado. Isto porque nos parece incontestável a viabilidade de aplicar-se, no direito público, a distinção que o Código Civil de 1916 continha entre as duas modalidades de pessoas jurídicas privadas: associação e sociedade, de um lado, e fundação, de outro; a distinção se mantém no novo Código Civil. (...) Quando o Estado institui pessoa jurídica sob a forma de fundação, ele pode atribuir a ela regime jurídico administrativo, com todas as prerrogativas e sujei- ções que lhe são próprias, ou subordiná-la ao Código Civil, neste último caso, com derrogações por normas de direito público. Em um e outro caso se enqua- dram na noção categorial do instituto da fundação (...)130 De acordo com Alexandre Aragão, “o novo Código Civil não resolveu a confusão existente em relação à natureza jurídica das fundações públicas, aca- bando, outrossim, por aumentá-la ainda mais, diante da omissão em incluir as fundações públicas no rol das pessoas jurídicas de Direito Público (art.
  • 4. ATIVIDADES E ATOS ADMINISTRATIVOS FGV DIREITO RIO 51 131 ARAGÃO, Alexandre Santos de. As fundações públicas e o novo Código Civil. Revista dos Tribunais. São Paulo: RT, v. 815, p. 751. 132 Nesse sentido, Diogo de Figueiredo Moreira Neto: “A denominação funda- ções autárquicas vale para acentuar a distinção dessa esdruxularia em face das tradicionais e autênticas fundações públicas com personalidade de direito privado, que (...) são espécies de para- estatais”.Cursodedireitoadministrativo. 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 256. 41) e da inclusão das fundações em geral no elenco das pessoas jurídicas de Direito Privado (art. 44)”.131 As fundações de direito público ficaram conhecidas como “fundações au- tárquicas”, terminologia, entretanto, objeto de crítica da doutrina, pelas con- fusões que propicia aos estudiosos.132 LEITURA OBRIGATÓRIA CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, itens: • Administração direta e indireta: notas introdutórias • Administração direta • Administração indireta • Autarquias • Fundações públicas CASO GERADOR Neste módulo os casos geradores serão propostos ao final, tendo em vista a necessidade de que o aluno conheça todas as entidades que compõem a Administração antes de discuti-los. LEITURA COMPLEMENTAR ARAGÃO, Alexandre Santos de. As fundações públicas e o novo Código Civil. Revista dos Tribunais. São Paulo: RT, v. 815. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2005, pp. 243 a 261; ZANELLA DI PIETRO, Maria Sylvia. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, item 10.4 (“Fundação”).