Este documento discute o acesso à universidade e a educação das classes populares no Brasil. A pesquisa realizada na UFFS - Campus Erechim identificou um perfil de estudantes de origem popular, sendo a maioria proveniente da escola pública, primeira geração da família a ingressar no ensino superior e muitos trabalhadores. O texto reflete sobre qual tipo de educação superior está sendo oferecido e se está comprometido com a formação de sujeitos políticos capazes de transformar o mundo, con
1. ACESSO À UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO DAS CLASSES POPULARES
Joviana Vedana da Rosa
UFFS – Campus Erechim
Bolsista PET/Grupo Práxis Conexões de Saberes (FNDE)
E-mail: jovianavedana@yahoo.com.br
Daniel Gutierrez
UFFS – Campus Erechim
Bolsista PET/Grupo Práxis Conexões de Saberes (FNDE)
E-mail: daniell.mx@gmail.com
Resumo: Atualmente, políticas de acesso à universidade estão garantindo o ingresso de camadas da
população até então não inseridas no ensino superior público brasileiro. Este trabalho trata sobre o
acesso à universidade e a educação das classes populares, um perfil de estudantes identificado na
pesquisa perfil dos calouros realizada, em 2012 e 2013, pelo grupo Práxis Programa de Educação
Tutorial (PET) Conexões de Saberes da Universidade Federal da Fronteira Sul, Campus Erechim.
Por meio da pesquisa com os calouros identificaram-se um perfil de estudantes, em sua maioria,
oriundos de escola pública, primeira geração da família a chegar ao ensino superior e trabalhadores,
principalmente nos cursos noturno. Portanto, o trabalho procura fazer uma discussão, através da
perspectiva freiriana de educação popular, sobre a inserção das classes populares na universidade e
o modelo de educação que se tem hoje.
Palavras - chave: Universidade. Educação. Classe Popular.
1 Considerações iniciais
Políticas de acesso à universidade, para integrar segmentos historicamente excluídos dos
bancos universitários, estão sendo promovidas desde o governo Lula, em 2003, como por exemplo,
a interiorização de universidades públicas pelo programa REUNI (Reestruturação e Expansão das
Universidades Federais), em 2007, e a reserva de vagas, através da instituição da Lei 12.711/2012,
para o acesso de egressos do ensino médio provenientes de escola pública, levando em consideração
fatores como: renda familiar, cor e etnia.
A Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), criada neste contexto de expansão das
universidades federais, em 2009, desde o seu primeiro processo seletivo, adotou políticas de ação
afirmativas para o ingresso dos alunos provenientes da escola pública. Na pesquisa sobre o perfil
dos calouros 2012 e 2013 desenvolvidas pelo Programa de Educação Tutorial (PET) Conexões de
Saberes, Grupo Práxis, da UFFS - Campus Erechim, identificou-se um perfil de estudante de classe
2. popular. Neste trabalho, portanto, visamos apresentar este perfil e fazer uma reflexão, a partir da
perspectiva de educação popular de Paulo Freire, sobre a inserção dos alunos de classes populares e
colocar em discussão qual tipo de educação superior estamos vivenciando.
2 Perfil dos Calouros 2012 e 2013 da UFFS Campus Erechim
Através da pesquisa realizada pelo Grupo Práxis em 2012 e 2013 com os ingressantes nos
cursos de graduação na UFFS – Campus Erechim1 identificou-se um perfil de estudantes de origem
popular:
a) Cerca de 95% (total 304 estudantes), em 2012, e 91% (total 289 estudantes), em 2013,
eram estudantes provenientes de escola pública (Figura 1).
b) Nos anos de 2012 e 2013, 37,2% e 31,83%, respectivamente, eram oriundos de zona rural
(Figura 2).
Figura 1. Escola de origem
Fonte: Grupo Práxis PET/Conexões de Saberes, 2012 e
2013.
Figura 2. Área de naturalidade.
Fonte: Grupo Práxis PET/Conexões de Saberes, 2012 e 2013.
c) Com relação à escolaridade do pai percebe-se que, em 2012, 52,3% e, em 2013, 47,4%,
possuía até o Ensino Fundamental Incompleto e, para o mesmo nível de ensino, com relação à
escolaridade da mãe, os índices eram, em 2012, 42,5% e, em 2013, 43%. Referente ao nível de
escolaridade Ensino Superior Completo em 2012 e 2013, para o pai, apenas aproximadamente 4,5%
possuíam este nível de ensino. Já para as mães, em 2012, 9%, e, em 2013, 7,3% possuíam um curso
1
A UFFS é uma universidade multicampi, localizada em: Realeza, Laranjeira do Sul, no Paraná; Chapecó, em Santa
Catarina; Erechim, Cerro Largo e Passo Fundo, no Rio Grande do Sul. O Campus Erechim possui oito cursos de
graduação. Os cursos diurnos são: Arquitetura e Urbanismo, Engenharia Ambiental e Agronomia. Os cursos noturnos
são as licenciaturas: Filosofia, Pedagogia, Ciências Sociais, Geografia e História.
3. superior (Figura 3), tendo como destaque a profissão de professora. Estes valores indicam, portanto,
que para muitas famílias esta é a primeira geração a realizar um curso superior.
d) Em se tratando sobre a ocupação do pai, as principais atividades citadas foram:
agricultura, comércio e serviços, aposentadoria, funcionário público, entre outros. Sobre a ocupação
da mãe destaca-se: do lar ou dona de casa, agricultura, comércio e serviços, aposentada, funcionária
pública, professora.
Figura 3. Escolaridade dos pais
Fonte: Grupo Práxis PET/Conexões de Saberes, 2012 e 2013.
e) Nos anos de 2012 e 2013 a universidade apresentou elevados percentuais de estudantes
que declararam exercer atividade remunerada, conforme a Tabela 1, entretanto, ao analisar por
turno percebe-se que o maior índice de estudantes que trabalham encontra-se nos cursos noturno,
Figura 4.
Tabela 1. Percentual de estudantes que exerciam atividade remunerada em 2012 e 2013
Atividade
2012
2013
Remunerada
(%)
(%)
Sim
47,7
43,94
Não
50,7
54,33
NS/NR
1,64
1,38
Total: 2012= 304 e 2013= 289
Fonte: Grupo Práxis PET/Conexões de Saberes, 2012 e 2013
4. Figura 4. Percentual de estudantes que exerciam atividade remunerada em 2012 e 2013.
Fonte: Grupo Práxis PET/Conexões de Saberes, 2012 e 2013
Experiências na própria UFFS através da escrita de memoriais formativos2 por estudantes de
origem popular têm demonstrado que a trajetória destes alunos está marcada por dificuldades de
acesso ao ensino superior e desafios em conciliar trabalho com estudos, como por exemplo, Paula
de Marques se questiona no título do seu memorial: “Uma trabalhadora teimosa e estudante ou será
uma estudante trabalhadora e teimosa?” (2012, p. 121).
e) 2013 foi o primeiro ano em que se levou em conta a renda familiar. Constataram-se os
seguintes percentuais:
Tabela 2. Renda familiar no ano de 2013
Renda familiar
Percentual
Até 1 salário*
10,73
De 1 a 2 salários
36,33
De 2 a 3 salários
22,15
De 3 a 4 salários
9
De 4 a 5 salários
5,88
De 5 a 6 salários
8,65
Acima de 6 salários
0,35
NS
3,81
NR
3,11
Total: 2012= 304 e 2013= 289
*Salário mínimo equivalente a R$ 678,00
Fonte: Grupo Práxis PET/Conexões de Saberes, 2013
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Os memoriais escritos pelos bolsistas do Grupo Práxis PET/Conexões de Saberes, UFFS Campus Erechim, estão
reunidos no livro “Há uma universidade no meio do caminho”, organizado pelo prof. Thiago Ingrassia Pereira, em
2012.
5. Desta forma, cerca de 69% declararam possuir renda familiar de até 3 salários mínimos,
sendo o número de dependentes desta renda: de 1 a 4 pessoas, 77,51%; 5 a 7 pessoas, 12,01%; mais
de 7 pessoas, 1,07%; e NS/NR, 9,69% (GRUPO PRÁXIS, 2013).
Diante deste quadro caracterizado um perfil de estudantes de origem popular em que muitos
estudantes são provenientes da zona rural, a maioria de escola pública, primeira geração da família
a estarem realizando um curso superior, muitos deles estudantes trabalhadores, principalmente no
noturno, e possuir renda familiar de até 3 salários mínimos, é importante tensionarmos sobre qual
educação nós queremos, uma educação voltada apenas para a formação profissional, mercadológica,
ou também uma educação comprometida com a formação de sujeitos políticos?
3 Educação para que/m: qual é a lógica da expansão do ensino superior?
Na última década o Brasil vive um momento de constantes debates e ações envolvendo a
expansão do Ensino Superior federal no país. No governo Lula, com o programa REUNI foram
construídas 14 novas universidades, 126 extensões universitárias, 214 escolas técnicas, fora os
incentivos do PROUNI que garante vagas públicas em instituições privadas. Nessa última década a
Educação Superior obteve seu maior índice de expansão na história Brasileira.
Olhando para essa nova realidade, principalmente no que diz respeito às transformações no
perfil dos estudantes nas universidades federais, conforme o demonstrado com a pesquisa realizada
pelo Grupo Práxis na UFFS Campus Erechim, em 2012 e 2013, decorrente da expansão e da
interiorização do Ensino Superior, cabe a nós questionarmos como está se dando este processo de
“inclusão” de seguimentos sociais que historicamente esteve excluído do acesso à universidade
pública no Brasil.
Para debatermos a cerca da inclusão das classes populares no ensino superior, torna-se
viável relacionar nosso debate com as teorias que envolvem o campo da Educação Popular e desta
forma os escritos de Paulo Freire, que se tornou referência internacional no assunto. Segundo o
professor Paulo Freire, “[...] o que traduz a educação popular não é um voto de solidariedade
paternal aos pobres, mas o que sela um projeto de educação popular é o seu compromisso radical de
transformação do mundo”. (FREIRE, 1984, apud RODRIGUES, 2008).
Conforme Brandão (2006, p.92),
a educação popular é uma prática social. [...] É um domínio de convergência de práticas
sociais que têm a ver, especificamente, com a questão do conhecimento. Com a questão da
possibilidade da construção “a educação popular é uma prática social. [...] É um domínio de
6. convergência de práticas sociais que têm a ver, especificamente, com a questão do
conhecimento. Com a questão da possibilidade da construção de um saber popular. Da
apropriação, pelas classes populares, do seu próprio saber. Aquilo que é a fala e a lógica
que traduzem a passagem de sujeitos e classes econômicos, para sujeitos e classes políticos.
E é justamente essa transformação de mundo, da formação de sujeitos políticos, através da
educação que nós gostaríamos de estar problematizando aqui. Relacionando a expansão do Ensino
Superior com as questões mercadológicas que envolvem a educação em detrimento de nosso
sistema socioeconômico, e que reflete diretamente nas diretrizes e nas políticas educacionais do
nosso país.
Existe muitas críticas aos modelos escolares com relação ao seu caráter de “formação
técnica profissional”, justamente porque em muitos casos essa formação técnica se sobressai em
relação à formação sociopolítica, “libertadora”, capaz de formar cidadão críticos que reflitam suas
próprias vivências etc. Mas não podemos ignorar o fato que vivemos em uma sociedade
globalizada, capitalista, e que está em constante processo de inovação, e o caráter profissionalizante
da educação não pode ser tratado como algo menor, ainda mais quando tratamos da educação das
classes populares, as quais sempre procuraram inserir-se na vida social através do trabalho e não do
estudo, por falta de perspectivas ou de possibilidades de acesso à universidade.
Com relação a esse caráter técnico da educação, quando perguntaram a Freire se ele estava
de acordo com a capacitação profissional, ele deu a seguinte resposta:
não há dúvida que nesse tipo de educação para o poder que nós defendemos também existe
a seriedade na formação dos trabalhadores. Por exemplo, se nós trabalhamos com um grupo
de pedreiros, é importante preparar um pedreiro para que ele seja o melhor; mas esta
prioridade na formação profissional não esgota o objetivo da Educação Popular, porque
existe outra prioridade ao lado dela, sem a qual aquela não funciona do nosso ponto de vista
da libertação. Funciona apenas do ponto de vista da domesticação (FREIRE, 2008, p.75).
Fica claro aqui a preocupação do autor quando trata sobre essa característica que envolve a
Educação Popular, e esse adjetivo “popular” refere-se a uma educação voltada para um certo tipo de
classe social, uma classe que tanto no Brasil quanto na América Latina, sempre tiveram seus
direitos negligenciados, principalmente a educação. Acreditamos caber nesse momento mais uma
citação do próprio Freire
precisamente porque penso assim, quando falo de Educação Popular, é que tento que esta
educação popular esteja, primeiro, a serviço dos grupos populares ou dos interesses dos
grupos populares, sem que isso signifique a negação dos direitos dos grupos das elites. Não
estou dizendo que devemos matar as crianças ricas, nem negar-lhes a educação. Não, não é
isso. Mas o grande objetivo da Educação Popular esta exatamente em atender os interesses
das classes populares que há 500 anos estão sendo negados. [...] De um modo mais radical a
7. Educação Popular significa, para mim, caminhos, isto é, o caminho no campo do
conhecimento e o caminho no campo político, através dos quais amanhã – e aí vem a utopia
–, as classes populares encontrem o poder (FREIRE, 2008, p.74).
Então, problematizando essa nova configuração dos últimos anos do Ensino Superior
brasileiro, que vem dando oportunidades de inclusão às demandas sociais que antes não tinham o
acesso à universidade, podemos levantar algumas questões para pensarmos, sem o intuito de
chegarmos a conclusões precipitadas.
Cabe aqui pensarmos o atual papel da universidade e das políticas educacionais do país. Será
que estamos em busca de “libertação”? Ou só estamos de forma institucionalizada reproduzindo as
lógicas de uma sociedade baseada na produção e no consumo? Será que este modelo de Educação
Superior e todo este processo de expansão universitária estão dando realmente a oportunidade das
classes populares de concorrer igualmente com a “elite” aos principais cursos/áreas tidos como
“mais importantes” no mercado de trabalho, o que reflete em seus status? Ou esses processos visam
apenas qualificar os trabalhadores de forma geral e prover profissionais em áreas pouco desejadas
atualmente, que é o caso dos cursos de licenciaturas. Existe um modelo ideal de Educação?
Deixamos essas questões para pensarmos.
4 Considerações finais
Para finalizar, portanto, vivenciamos um novo panorama de reestruturação e expansão do
ensino superior público com a interiorização das universidades, surgindo perfis de estudantes,
trabalhadores, de baixa renda, conforme se demonstrou com a pesquisa sobre o perfil dos calouros
2012 e 2013 realizadas pelo Grupo Práxis na UFFS Campus Erechim. Logo, sempre devemos
questionar em quais rumos se orientam a educação, sendo esta um espaço em disputas, além de que
um novo perfil de estudante também requer novas políticas de permanência para essas camadas
sociais.
5 Referências
BRANDÃO, Carlos R. O que é educação popular. São Paulo: Brasiliense, 2006 [coleção
primeiros passos].
8. FREIRE, Paulo. Pedagogia do compromisso: América Latina e Educação Popular. Indaiatuba, SP:
Villa das Letras, 2008 [Seminário Dialogando com Paulo Freire – Educação Popular na América
Latina; contextualização e possibilidades nos processos de transição, p. 67-78].
GRUPO PRÁXIS PET CONEXÕES DE SABERES. Relatório final: pesquisa perfil dos calouros
2012. Disponível em: <http://petconexoesdesaberes-uffs.blogspot.com.br/>. Acesso em jul. 2013.
RODRIGUES. Antônio. C. Educação popular: histórico e concepções teóricas. In: MELLO, Marco
(Org). Paulo Freire e a Educação Popular. Porto Alegre: IPPOA; ATEMPA, 2008.